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Ciência e jornalismo: da herança positivista ao ... - Insite.pro.br

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Resenha<<strong>br</strong> />

<strong>Ciência</strong> e <strong>jornalismo</strong>: <strong>da</strong> <strong>herança</strong> <strong>positivista</strong> <strong>ao</strong> diálogo dos afetos<<strong>br</strong> />

(MEDINA, Cremil<strong>da</strong>. São Paulo: Summus, 2008, 116p.)<<strong>br</strong> />

Ano VI, n. 06 – Junho/2010<<strong>br</strong> />

Liliane Calado 1<<strong>br</strong> />

Olhar para as raízes do passado nos faz entender nuances do presente. Esse é o<<strong>br</strong> />

ponto de parti<strong>da</strong> <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a “<strong>Ciência</strong> e <strong>jornalismo</strong>: <strong>da</strong> <strong>herança</strong> <strong>positivista</strong> <strong>ao</strong> diálogo dos<<strong>br</strong> />

afetos”, no qual a autora Cremil<strong>da</strong> Medina recorre a matrizes téoricas seculares para<<strong>br</strong> />

explicar fenômenos <strong>pro</strong>pagados em domínios, como o campo <strong>da</strong> <strong>Ciência</strong> e <strong>da</strong><<strong>br</strong> />

Comunicação.<<strong>br</strong> />

O livro está segmentado em três partes intitula<strong>da</strong>s “Positivo não operante, ou<<strong>br</strong> />

Auguste Comte revisto”, “Diálogo Possível, relato de uma experiência” e “Reflexos e<<strong>br</strong> />

reflexões à margem <strong>da</strong>s certezas”.<<strong>br</strong> />

A primeira parte aglutina dez capítulos: “Heranças cruza<strong>da</strong>s”, “Positivo operante<<strong>br</strong> />

no <strong>jornalismo</strong>”, “Abalos no edifício <strong>positivista</strong>”, “O erro de Descartes, segundo<<strong>br</strong> />

Damásio”, “O erro por corrigir, ou as lições do método”, “O corpo e a alma nas células<<strong>br</strong> />

em<strong>br</strong>ionárias”, “A mágica solidária do útero”, “Paradigmas que a todos inquietam”,<<strong>br</strong> />

“Pascal no século XXI” e “A sutileza <strong>da</strong> operação noticiosa”. Todos esses capítulos são<<strong>br</strong> />

curtos e concisos e como é perceptível nos títulos, a autora muitas vezes utiliza a<<strong>br</strong> />

metáfora para explicar algumas hipóteses por ela apresenta<strong>da</strong>s.<<strong>br</strong> />

Nas linhas iniciais, Medina traça um diálogo com o teórico Auguste Comte.<<strong>br</strong> />

Apreciando a o<strong>br</strong>a chave desse pensador, “Discurso so<strong>br</strong>e o espírito positivo”, Medina<<strong>br</strong> />

apresenta a idéia de que o positivismo é um princípio recorrente na ciência e também no<<strong>br</strong> />

<strong>jornalismo</strong>.<<strong>br</strong> />

De acordo com a autora, Comte conceitua a positivismo como um regime<<strong>br</strong> />

definitivo <strong>da</strong> razão e no qual a observação é a base do conhecimento. Para a escritora,<<strong>br</strong> />

epistemologicamente essas características e seus desdo<strong>br</strong>amentos são encontra<strong>da</strong>s no<<strong>br</strong> />

fazer científico e jornalístico. Especificamente so<strong>br</strong>e o <strong>jornalismo</strong>, ela assegura que o<<strong>br</strong> />

“tom afirmativo perante fatos, a busca obsessiva pela precisão de <strong>da</strong>dos, a fuga <strong>da</strong>s<<strong>br</strong> />

1 Mestran<strong>da</strong> do Programa de Pós-Graduação em Comunicação <strong>da</strong> UFPB. Mem<strong>br</strong>o do Grupo de Estudo e<<strong>br</strong> />

Divulgação de Informação Científica – GEDIC, <strong>da</strong> UFPB.


abstrações e delimitação de fatos determinados” (p. 25) demonstram as marcas do<<strong>br</strong> />

positivismo nesse exercício.<<strong>br</strong> />

Nos capítulos seguintes, percebemos as razões <strong>da</strong> discussão so<strong>br</strong>e o positivismo.<<strong>br</strong> />

Medina apresenta esse debate para nos alertar acerca <strong>da</strong> necessi<strong>da</strong>de de que<strong>br</strong>a dos<<strong>br</strong> />

“grilhões positivos” no <strong>jornalismo</strong>. Para ela, os impasses, complexi<strong>da</strong>des e incertezas<<strong>br</strong> />

dos séculos XX e principalmente XXI têm exigido o rompimento <strong>da</strong> rígi<strong>da</strong> lógica de<<strong>br</strong> />

Comte na “arte de tecer o presente”.<<strong>br</strong> />

E o que seria a arte de tecer o presente? Medina explica que é a formatação de<<strong>br</strong> />

narrativas basea<strong>da</strong>s em quatro flancos - contexto social, <strong>pro</strong>tagonismo anônimo,<<strong>br</strong> />

identi<strong>da</strong>de cultural/raízes históricas e diagnósticos e <strong>pro</strong>gnósticos especializados. O<<strong>br</strong> />

caminho apontado é “reencontrar a intuição criadora em meio <strong>ao</strong> arsenal racionalista.”<<strong>br</strong> />

(p. 31).<<strong>br</strong> />

Dando sequência, a escritora inicia um novo diálogo com outros dois teóricos:<<strong>br</strong> />

René Descartes e Blaisse Pascal. Observando o livro “Discurso do Método” de René<<strong>br</strong> />

Descartes, Medina ressalta que o pensador traz apontamentos so<strong>br</strong>e a ver<strong>da</strong>de e a razão.<<strong>br</strong> />

A alusão de Descartes convém para mostrar que “ambição de separar o falso do<<strong>br</strong> />

ver<strong>da</strong>deiro na reali<strong>da</strong>de rende até hoje certezas epistemológicas”. (p. 37). Para Medina,<<strong>br</strong> />

esse fato ain<strong>da</strong> permanece na lógica do <strong>jornalismo</strong>.<<strong>br</strong> />

So<strong>br</strong>e o teórico Blaisse Pascal, a autora afirma que ele surpreendeu no XVII, <strong>ao</strong><<strong>br</strong> />

contrariar Descartes, afrontando a euforia <strong>da</strong> razão preconiza<strong>da</strong> nessa época,<<strong>br</strong> />

apresentando os sintomas <strong>da</strong> intuição e dos sentidos, “prefere os estilhaços intuitivo-<<strong>br</strong> />

sintéticos do sentir-pensar” (p. 57). Medina finaliza o raciocínio, <strong>da</strong> primeira parte de<<strong>br</strong> />

sua o<strong>br</strong>a, assegurando que o pensamento de Pascal pode <strong>da</strong>r sutileza às discussões<<strong>br</strong> />

técnicas que conceituam as narrativas <strong>da</strong> notícia (p. 58).<<strong>br</strong> />

Faz-se necessário eluci<strong>da</strong>r que as citações de pensadores como Comte e<<strong>br</strong> />

Descartes em “<strong>Ciência</strong> e Jornalismo: <strong>da</strong> <strong>herança</strong> <strong>positivista</strong> <strong>ao</strong> diálogo dos afetos”,<<strong>br</strong> />

trazem à tona ponderações que muitas vezes não são medita<strong>da</strong>s no <strong>jornalismo</strong>. Essas<<strong>br</strong> />

considerações ocasionam um “novo olhar” para nós, pesquisadores.<<strong>br</strong> />

É coerente afirmar também que para um entendimento mais coeso <strong>da</strong>s<<strong>br</strong> />

apreciações <strong>da</strong> autora é indispensável uma leitura mais a<strong>pro</strong>fun<strong>da</strong><strong>da</strong> so<strong>br</strong>e tais teóricos.<<strong>br</strong> />

Aqui se instaura uma sutil crítica: Esse resgate conceitual em algumas passagens torna-<<strong>br</strong> />

se obscuro em função <strong>da</strong> abundância de informações/pressupostos trazidos no livro, o<<strong>br</strong> />

que em alguns momentos causa conflitos à leitura.<<strong>br</strong> />

Ano VI, n. 06 – Junho/2010


A segun<strong>da</strong> parte <strong>da</strong> o<strong>br</strong>a contém um capítulo “A prática <strong>da</strong> interação social”,<<strong>br</strong> />

que condensa exemplos de experiências vivencia<strong>da</strong>s pela “Medina-repórter”. São<<strong>br</strong> />

matérias so<strong>br</strong>e uma so<strong>br</strong>evivente de um campo de concentração, intitula<strong>da</strong>s<<strong>br</strong> />

“So<strong>br</strong>evivente pede o fim <strong>da</strong> mal<strong>da</strong>de” e “Geléias para o inverno”. As matérias são<<strong>br</strong> />

segui<strong>da</strong>s de uma ampla caracterização do trabalho realizado (contato com a fonte,<<strong>br</strong> />

edição e fechamento <strong>da</strong> matéria). Além disso, há ain<strong>da</strong> trechos do livro “Réquiem a<<strong>br</strong> />

Zwolén”, que também traz depoimentos de so<strong>br</strong>eviventes <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de polonesa Zwolén.<<strong>br</strong> />

As reportagens corroboram para demonstrar que a percepção e observação do jornalista<<strong>br</strong> />

são importantes para um texto criativo.<<strong>br</strong> />

Análoga <strong>ao</strong> estilo maffesoliniano 2 , Medina <strong>pro</strong>põe que “somos humildes<<strong>br</strong> />

aprendizes do diálogo possível” (p. 67) e sinaliza que mesmo diante do traquejo<<strong>br</strong> />

especializado e <strong>da</strong> experiência técnica vivencia<strong>da</strong> no <strong>jornalismo</strong>, o repórter muitas vezes<<strong>br</strong> />

“precisa do silêncio subjetivo, dos sinais dos cinco sentidos e <strong>da</strong> despoluição <strong>da</strong><<strong>br</strong> />

consciência para a escuta <strong>da</strong> intuição criadora.” (p. 68).<<strong>br</strong> />

A terceira e última parte discute a relação do <strong>jornalismo</strong> com a era digital. Em<<strong>br</strong> />

dois capítulos, “Grandezas e limitações <strong>da</strong> relação digital” e “Para além do código<<strong>br</strong> />

linguístico”, Medina questiona se a aceleração digital afogará as percepções <strong>da</strong> cena<<strong>br</strong> />

viva. Após alguns comentários, como por exemplo, acerca <strong>da</strong> entrevista eletrônica,<<strong>br</strong> />

emerge a resposta: “Para fazer circular as narrativas <strong>da</strong> contemporanei<strong>da</strong>de precisamos<<strong>br</strong> />

sim, de máquinas complexas e velozes, mas, mais ain<strong>da</strong>, de inteligências autorais que<<strong>br</strong> />

refundem um cosmo, interpretando o c<strong>ao</strong>s <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de”. (p. 99). A autora defende que<<strong>br</strong> />

as percepções não-verbais são importantes para a resolução <strong>da</strong>s narrativas <strong>da</strong><<strong>br</strong> />

contemporanei<strong>da</strong>de.<<strong>br</strong> />

Como conclusão, Medina teoriza que o corpo e os sinais transmitidos por ele,<<strong>br</strong> />

como silêncios e gestos dentre outros são fun<strong>da</strong>mentais tanto para os <strong>pro</strong>dutores do<<strong>br</strong> />

saber científico como para os jornalistas: “O corpo por inteiro a<strong>br</strong>e a sensibili<strong>da</strong>de para<<strong>br</strong> />

a intuição criadora que, por sua vez, mobiliza a razão complexa para uma intervenção<<strong>br</strong> />

transformadora. E esse <strong>pro</strong>tagonismo humano a máquina ain<strong>da</strong> não superou”. (p. 109).<<strong>br</strong> />

“<strong>Ciência</strong> e Jornalismo: <strong>da</strong> <strong>herança</strong> <strong>positivista</strong> <strong>ao</strong> diálogo dos afetos” é uma o<strong>br</strong>a<<strong>br</strong> />

reflexiva. À volta <strong>ao</strong> passado, <strong>pro</strong>posta por Medina alinha história e presente e eluci<strong>da</strong><<strong>br</strong> />

considerações pertinentes para a nossa contemporanei<strong>da</strong>de.<<strong>br</strong> />

2 Ver MAFFESOLI, Michel. O conhecimento comum: introdução a uma sociologia compreensiva. Porto<<strong>br</strong> />

Alegre: Sulina, 2007. Neste livro, Maffesoli metaforiza “é preciso ouvir o mato crescer, isto é estar atento<<strong>br</strong> />

a coisas simples e pequenas”. (p. 40).<<strong>br</strong> />

Ano VI, n. 06 – Junho/2010


Durante a leitura, muitas vezes, somos pegos, inserindo no nosso cotidiano os<<strong>br</strong> />

pensamentos balizados pela autora, seja como jornalistas ou como pesquisadores. As<<strong>br</strong> />

concepções apresenta<strong>da</strong>s por ela nos <strong>pro</strong>vocam: como trabalhar no dia-a-dia com a<<strong>br</strong> />

lógica intuitiva dos gestos diante <strong>da</strong> pressa tão notória e determina<strong>da</strong> de nossa prática? É<<strong>br</strong> />

uma in<strong>da</strong>gação desafiadora e que instaura a emergência de novos estudos.<<strong>br</strong> />

A o<strong>br</strong>a pode ser considera<strong>da</strong> significativa para pesquisas so<strong>br</strong>e o exercício<<strong>br</strong> />

jornalístico, servindo como um suporte crítico e atual.<<strong>br</strong> />

Ano VI, n. 06 – Junho/2010

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