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LITURGICAMENTE FALANDO… - Paróquia de Matosinhos

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1. O nome Liturgia<br />

<strong>LITURGICAMENTE</strong> <strong>FALANDO…</strong><br />

(in)formar para Servir melhor<br />

Ricardo Reina©<strong>Paróquia</strong> do Salvador <strong>de</strong> <strong>Matosinhos</strong><br />

***<br />

ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES<br />

01<br />

Sumário<br />

ALGUMAS NOÇÕES PRELIMINARES<br />

O nome Liturgia<br />

Etimologia<br />

«Liturgia» na Bíblia<br />

São muitos e variados os termos que em cada época da história têm <strong>de</strong>signado o culto divino,<br />

reflectindo assim a mentalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> cada período 1 :<br />

Na Antiguida<strong>de</strong> preferiram-se termos que sublinhavam prevalentemente a dimensão<br />

salvífica: mysterium, sacramentum…<br />

Na Ida<strong>de</strong> Medieval incidiu-se mais sobre a dimensão operativa, o “que fazer” dos sujeitos<br />

agentes da acção ritual. Daí os termos agenda, officium…<br />

No período Tri<strong>de</strong>ntino e Pós-Tri<strong>de</strong>ntino a atenção voltou-se sobretudo para o carácter<br />

externo do culto, o que se reflecte na preferência dada a cerimónia(s) e rito(s)…<br />

No período Contemporâneo realçou-se a participação do povo no processo ritual e o<br />

carácter comunitário do culto, traduzindo-se na generalização das <strong>de</strong>signações liturgia e<br />

celebração…<br />

Resumindo: subjacente à preferência <strong>de</strong> cada época está um conceito que ora realça a dimensão<br />

salvífica do culto, ora a parte activa que nela tomam os sujeitos que o realizam, ora o seu carácter<br />

externo e institucional, ora o seu carácter <strong>de</strong> acção comunitária… O termo liturgia, hoje clássico e<br />

consagrado tanto pelo Magistério como pelas ciências teológicas – e, até, pela linguagem corrente<br />

– é <strong>de</strong> uso relativamente recente no Oci<strong>de</strong>nte.<br />

2. Etimologia<br />

O termo pertence ao grego clássico: lhitourgίa, lhtourgίa, leitourgίa, litourgίa [lêiturgía,<br />

lêturgía, leiturgía, liturgia] é composta da raiz lhit (<strong>de</strong> lhόV - laόV = povo) que significa<br />

genericamente «público-pertencente ao povo», e O’´<br />

ergon = agir, operar) no sentido <strong>de</strong> «acção-<br />

1 Entre muitos outros , po<strong>de</strong>mos <strong>de</strong>stacar: ministerium, officium, munus, opus, ritus, actio, celebratio, collecta, cultus,<br />

mysterium, sacramentum, sacrum, servitium, sollemnitas, synaxis…


<strong>Paróquia</strong> do Salvador <strong>de</strong> <strong>Matosinhos</strong><br />

<strong>LITURGICAMENTE</strong> <strong>FALANDO…</strong><br />

obra». O termo assim composto significa directamente: «obra-acção-empreendimento para o<br />

povo»; secundariamente indica o valor «público» da acção, po<strong>de</strong>ndo a palavra traduzir-se por<br />

«acção-obra-empreendimento público». Daí o significado frequente do verbo leitourgein ^<br />

=<br />

«sustentar encargos públicos».<br />

O termo conheceu uma evolução semântica sensível. No grego clássico significava originariamente<br />

um «serviço público», isto é, «em favor do povo», assegurado por <strong>de</strong>terminadas pessoas <strong>de</strong><br />

elevada condição sócio-económica.<br />

Na linguagem comum do período helenístico enfraqueceu-se a acentuação do carácter «público»<br />

da acção e <strong>de</strong>senvolve-se uma acepção ampla <strong>de</strong> serviço geral, quer oneroso (o serviço <strong>de</strong>vido por<br />

um escravo ao seu patrão) quer amigável e espontâneo (o favor que se faz a alguém).<br />

Em ambiente religioso o termo aparece no contexto das religiões dos «mistérios», significando o<br />

«serviço» que é <strong>de</strong>vido à divinda<strong>de</strong> e que é assegurado por pessoas para tal consignadas.<br />

Finalmente, nestes contextos, significará, simplesmente, o «serviço <strong>de</strong> culto <strong>de</strong>vido a <strong>de</strong>us».<br />

3. «Liturgia» na Bíblia<br />

O termo (e as suas variantes) aparece com notável frequência na tradução grega do Antigo<br />

Testamento (cerca <strong>de</strong> 170 vezes) conhecida também como «versão dos LXX (70)». Traduz os<br />

verbos sheret e abhad e o substantivo abhodah, termos hebraicos que <strong>de</strong>signam «um serviço<br />

prestado a alguém» quer em sentido profano, quer em sentido religioso/cultual. Os LXX, porém,<br />

fizeram uma opção linguística dando ao termo «Liturgia» (e variantes) um sentido técnico:<br />

«Liturgia» <strong>de</strong>signa o «culto levítico» como tal, isto é, o «culto oficial» rendido a Deus no Templo<br />

<strong>de</strong> Jerusalém segundo o ritual fixado nos livros da Lei e pelas pessoas especialmente para tal<br />

consignadas (os sacerdotes <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong> Aarão e os levitas, membros da tribo sacerdotal);<br />

quando o texto hebraico fala do culto rendido a Deus pelo povo em geral, sheret e<br />

abhad/abhodah traduzem-se por «latria» e «dolia» (latreίa, douleίa); quando, pelo contrário, se<br />

trata do culto levítico oficial o termo usado é sempre «liturgia»…<br />

A razão <strong>de</strong>sta opção linguística resi<strong>de</strong>, provavelmente, na nobreza originária do termo no uso<br />

clássico. Os LXX não terão encontrado terminologia mais idónea para <strong>de</strong>signar aquela peculiar<br />

forma <strong>de</strong> culto e YHWH (Javé-Deus) que tinha o aristocrático sacerdócio levítico como sujeito<br />

activo e que se caracterizava por uma forma exterior divinamente instituída…<br />

Comparado com o Antigo testamento, po<strong>de</strong> afirmar-se que é escasso o uso que o Novo<br />

Testamento faz do termo, nas suas variadas formas: surge apenas 15 vezes, em Act 13,2; Rm<br />

15,27; Hb 10,11; Lc 1,23; 2Cor 9,12; Fl 2,17.30; Hb 8,6;9,21; Rm 13,6;15,16; Fl 2,25; Hb 1,7;8,2; Hb<br />

1,14. Quanto às interpretações predomina a interpretação profana <strong>de</strong> serviço 2 e o sentido<br />

ritual/sacerdotal do Antigo Testamento 3 . Por duas vezes esta terminologia <strong>de</strong>ve enten<strong>de</strong>r-se no<br />

2 Fora do contexto cultual e na linha da linguagem comum, o termo aparece 7 vezes (Rm 13,6;15,27; Fl 2,25.30; 2Cor<br />

9,12; Hb 1,7.14): o exercício da autorida<strong>de</strong> dos magistrados, a colecta em favor dos pobres <strong>de</strong> Jerusalém, o auxílio<br />

económico prestado a Paulo pelos Filipenses, o serviço que os anjos prestam a Deus em favor dos homens… tudo isso<br />

se <strong>de</strong>signa por liturgia.<br />

3 O termo aparece 5 vezes na interpretação técnica veterotestamentária para referir situações cultuais contextuadas<br />

no Templo <strong>de</strong> Jerusalém ou a ele referíveis (Lc 1,23; Hb 8,2.6;9,21;10,11). Especial atenção nas referências da carta<br />

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<strong>Paróquia</strong> do Salvador <strong>de</strong> <strong>Matosinhos</strong><br />

<strong>LITURGICAMENTE</strong> <strong>FALANDO…</strong><br />

sentido <strong>de</strong> culto espiritual, operando-se uma translação <strong>de</strong> sentido a partir da interpretação ritual<br />

veterotestamentária 4 .<br />

Por uma única vez, o Novo Testamento chama «liturgia» a uma celebração cultual da comunida<strong>de</strong><br />

cristã: «Celebrando eles a liturgia em honra do Senhor e jejuando, disse-lhes o Espírito Santo…»<br />

(Act 13,2). Em que consistia esta «liturgia» da comunida<strong>de</strong> antioquena, o texto não o explicita.<br />

Mas são várias e inequívocas as referências à ritualida<strong>de</strong> cristã, a ponto <strong>de</strong> os comentadores da<br />

TOeB 5 sugerirem que se trata <strong>de</strong> uma celebração eucarística.<br />

Compreen<strong>de</strong>-se muito bem por que motivo o Novo Testamento fez um uso muito raro do termo e<br />

apenas uma vez o aplicou à celebração <strong>de</strong> culto dos discípulos <strong>de</strong> Cristo: na verda<strong>de</strong> o «culto do<br />

NT» específico dos cristãos nada tem a ver com o ritual oficial levítico 6 .<br />

O certo é que na Igreja Apostólica <strong>de</strong>sapareceu precocemente a relutância em usar o termo<br />

«liturgia» para <strong>de</strong>signar os ritos do culto cristão. Na Didaquê 7 15,1 afirma-se que os «bispos e<br />

diáconos» fazem a mesma liturgia dos profetas e doutores (do NT). Clemente Romano 8 não hesita<br />

em pôr o «sacerdócio» hierárquico cristão em paralelo com o hebraico: o termo «liturgia» serve<br />

sobretudo para indicar a acção cultual do bispo, presbítero e diácono; também é discernível a<br />

interpretação comum <strong>de</strong> rito, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente do seu sujeito activo. Falar-se-á assim <strong>de</strong><br />

«divina liturgia» (Eucaristia), «Liturgia do Baptismo», «Liturgia verpertina»…<br />

No oriente cristão, her<strong>de</strong>iro da cultura helenística, o termo Liturgia nunca caiu em <strong>de</strong>suso.<br />

Contudo a interpretação ampla <strong>de</strong> acção sagrada ritual foi suplantada por uma interpretação mas<br />

restrita em que a «Liturgia» <strong>de</strong>signa especificamente a celebração eucarística realizada segundo<br />

aos Hebreus, sobretudo em 8,26: Cristo é o Liturgo do Santuário e da Tenda verda<strong>de</strong>ira, armada pelo Senhor e não<br />

pelo homem… Possui uma liturgia superior à do Templo <strong>de</strong> Jerusalém.<br />

4 A «acção sacerdotal» que Paulo realiza – e pela qual faz jus à <strong>de</strong>signação <strong>de</strong> «liturgo» - consiste no anúncio do<br />

Evangelho com o qual prepara os fiéis para serem um sacrifício agradável a Deus, santificado pelo Espírito Santo (Rm<br />

15,16); também os Filipenses com a oferta da própria vida na fé realizam uma «liturgia», um sacrifício com libações…<br />

(Fl 2,17).<br />

5 Traduction Oecuménique <strong>de</strong> la Bible. Nouveau Testament, nota u a Act 13,2.<br />

6 O caso sem paralelo <strong>de</strong> Act 13,2, só terá sido possível porque, quando Lucas escreve os Actos, a <strong>de</strong>struição do<br />

templo <strong>de</strong> Jerusalém já ocorrera (ano 70) e, consequentemente, a «liturgia» no sentido técnico adoptado pelos LXX já<br />

cessara, po<strong>de</strong>ndo iniciar-se uma nova etapa na história semântica do termo.<br />

7 Didaquê (Διδαχo = doutrina, instrução): Instrução dos Doze Apóstolos; é uma espécie <strong>de</strong> ‘Catecismo’ Cristão,<br />

constituído por 16 capítulos, escrito porventura antes da <strong>de</strong>struição do Templo <strong>de</strong> Jerusalém, durante o século I,<br />

provavelmente na Palestina ou na Síria. Trata-se, certamente, do documento mais importante da era pós-apostólica, a<br />

mais antiga fonte <strong>de</strong> legislação eclesiástica que possuímos. É fruto da reunião <strong>de</strong> diversas fontes orais e escritas que<br />

retratam a tradição das primeiras comunida<strong>de</strong>s cristãs.<br />

8 São Clemente I, também conhecido como Clemente Romano (Clemens Romanus), foi o quarto papa da Igreja<br />

Católica, entre 88 e 97. Nascido em Roma, <strong>de</strong> família hebraica, foi o sucessor <strong>de</strong> Anacleto I (ou Cleto) e autor<br />

da Epístola <strong>de</strong> Clemente Romano (segundo Clemente <strong>de</strong> Alexandria e Orígenes), o primeiro documento <strong>de</strong> literatura<br />

cristã, en<strong>de</strong>reçada à Igreja <strong>de</strong> Corinto. Ele foi o primeiro Papa Apostólico da Igreja. Discípulo <strong>de</strong> Pedro, após eleito<br />

restabeleceu o uso do Crisma, seguindo o rito <strong>de</strong> São Pedro e iniciou o uso da palavra Amém nas celebrações<br />

religiosas. É conhecido pela carta que escreveu para aten<strong>de</strong>r a um pedido da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Corinto, na qual rezava<br />

uma convincente censura à <strong>de</strong>cadência daquela igreja, <strong>de</strong>vida sobretudo às lutas e invejas internas entre os fiéis<br />

(consta que os presbíteros mais jovens teriam usurpado as prerrogativas dos mais velhos), estabelecia normas<br />

precisas referentes à or<strong>de</strong>m eclesiástica hierárquica (bispos, presbíteros, diáconos) e ao primado da Igreja <strong>de</strong> Roma.<br />

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<strong>Paróquia</strong> do Salvador <strong>de</strong> <strong>Matosinhos</strong><br />

<strong>LITURGICAMENTE</strong> <strong>FALANDO…</strong><br />

um or<strong>de</strong>namento próprio e o uso <strong>de</strong> uma anáfora particular. Assim se fala em «Liturgia <strong>de</strong> São<br />

João Crisóstomo, São Basílio, São Tiago, etc.».<br />

No oci<strong>de</strong>nte o termo, usado fortuitamente por Santo Agostinho para <strong>de</strong>signar o ministério cultual,<br />

não chegou a ser latinizado. Será o humanismo, a relançá-lo a partir do século XVI, em publicações<br />

<strong>de</strong> carácter erudito: primeiro na acepção mais corrente entre os orientais (ritos e formulários da<br />

Missa); a partir do séc. XVIII, num sentido mais amplo e abrangente. Nos documentos do<br />

Magistério o termo começa a ser usado timidamente nos pontificados <strong>de</strong> Gregório XVI e Pio IX<br />

(século XIX), tornando-se corrente a partir <strong>de</strong> São Pio X, já no século XX («movimento litúrgico»…).<br />

Com o Código <strong>de</strong> Direito Canónico <strong>de</strong> 1917 o termo passou a ser <strong>de</strong> uso oficial sendo, finalmente,<br />

consagrado pelo próprio II Concílio Ecuménico do Vaticano.<br />

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