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delmira agustini: poeta, anjo e mulher: uma voz hispanoamericana

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DELMIRA AGUSTINI: POETA, ANJO E MULHER: UMA VOZ<br />

HISPANOAMERICANA<br />

Roberto Carlos Bastos da Paixão i<br />

Tânia Maria da Conceição Meneses Silva ii<br />

Vera Lúcia Maia Santos iii<br />

Eixo 12 - Estudos da linguagem<br />

RESUMO<br />

Este artigo é um exercício de literatura elaborado a partir da leitura de textos oferecidos pelo<br />

CVC (Centro Virtual Cervantes/Espanha) e de outros estudiosos da obra da <strong>poeta</strong> Delmira<br />

Agustini. O objetivo deste trabalho é o de apresentar aspectos da vida e da obra da <strong>poeta</strong><br />

uruguaia, representante do Modernismo em seu país e também considerada a primeira <strong>voz</strong><br />

feminina da poesia <strong>hispanoamericana</strong> responsável pela afirmação da <strong>mulher</strong> em um cenário<br />

onde prevalecia a <strong>voz</strong> masculina. Inclusive, com este breve estudo se propõe contribuir para a<br />

formação do docente de língua espanhola e a divulgação da literatura <strong>hispanoamericana</strong>. A<br />

<strong>poeta</strong> ganhou destaque por dois motivos: porque ousou escrever poemas de temática eróticosensual;<br />

e por sua vida amorosa marcada pelo seu assassinato aos 27 anos de idade. Os textos<br />

apresentados pelo CVC sobre Delmira Agustini foram organizados por Tania Pleitez.<br />

Palavras-chave: Delmira Agustini, Modernismo, poesia, cultura hispânica.<br />

RESUMEN<br />

Este artículo es un ejercicio en la literatura extrae de la lectura de textos ofrecidos por CVC<br />

(Centro Virtual Cervantes / España) y de otros estudiosos de la obra del <strong>poeta</strong> Delmira<br />

Agustini. El objetivo de este trabajo es presentar los aspectos de la vida y obra de <strong>poeta</strong><br />

uruguayo, un representante del modernismo en su país y también se considera la primera <strong>voz</strong><br />

femenina de la poesía española de América responsable de la afirmación de las mujeres<br />

predominaban en un escenario donde la <strong>voz</strong> masculina. A pesar de este breve estudio tiene<br />

como objetivo contribuir a la formación de profesores de lengua española y la difusión de la<br />

literatura española. El <strong>poeta</strong> llegó a la fama por dos razones: porque se atrevió a escribir<br />

poemas erótico-sensual, temáticas, y su amor por la vida marcada por su asesinato a los 27<br />

años. Los textos presentados por la CVC en Delmira Agustini fue organizada por Tania<br />

Pleitez.<br />

Palabras clave: Delmira Agustini, el modernismo, la poesía, la cultura hispana.


INTRODUÇÃO<br />

O panorama mundial europeu do início do século XX é marcado por lutas sociais,<br />

tentativas de revolução, e a disseminação de novas ideias políticas e científicas. A agitação<br />

social levava a literatura por outros caminhos diversos daqueles representativos da fuga da<br />

realidade e do culto do eu reinantes no período do Romantismo. As setas das estradas<br />

apontavam para a objetividade, a análise, a compreensão da realidade e a crítica que<br />

transforma o social. Daí o encontro entre as tendências que se interinfluenciaram: o Realismo,<br />

o Naturalismo e o Parnasianismo.<br />

O início do século XIX viu o surgimento de movimentos de independência por toda a<br />

América do Sul, incluindo o Uruguai. Depois do período conturbado pela guerra, cresceram<br />

os índices da imigração, sobretudo de pessoas que vinham de Espanha e Itália. As famílias<br />

foram se estabelecendo e, à altura do ano de 1868, a população de imigrantes representava<br />

48% da população, e 68% em 1868. Só na década de 1870 chegaram ao Uruguai algo em<br />

torno de 100.000 europeus e, no ano de 1879, viviam naquele país cerca de 438.000 pessoas,<br />

isto é, um quarto delas em Montevideu. No ano de 1857 foi inaugurado o primeiro banco,<br />

sendo que, três anos depois foi dado início à construção de um sistema de canais. Em 1860 a<br />

primeira linha de telégrafo foi inaugurada e as estradas de ferro começaram a ser construídas<br />

ligando a capital à província. A economia estava em franco desenvolvimento logo após o final<br />

da Guerra Grande. O setor privilegiado era o da exportação de gado. No período entre 1860 e<br />

1868, o rebanho de ovelhas alcançou os dezessete milhões, e isto se dava devido aos novos<br />

métodos difundidos pelos imigrantes europeus. O centro econômico de Montevideu tinha o<br />

porto natural e este passou a funcionar como um entreposto para a movimentação das<br />

mercadorias oriundas da Argentina, do Brasil e do Paraguai e, inclusive, as cidades de<br />

Paysandu e Salto, ambas situadas no Rio Uruguai, viveram um desenvolvimento antes<br />

desconhecido.<br />

A história do Uruguai tem seu marco principal no período em que ocorre em suas<br />

terras a chegada dos espanhóis. São dessa época as fundações correspondentes às primeiras


cidades e, entre elas, Villa Soriano, Sacramento (fundada pelos portugueses) e Montevidéu.<br />

José Joaquim de Viana foi nomeado o primeiro Governador de Montevidéu.<br />

Posteriormente os ingleses invadem Montevideu e Buenos Aires, mas fracassam e o<br />

comando que se alongou até 1828 continuou sendo exercido pela Espanha. Nos finais do<br />

século XIX, o Uruguai era independente.<br />

Delmira Agustini nasceu três meses depois da fundação do renomado El Ateneo de<br />

Montevideo, inaugurado na data de 3 de Julio de 1886, resultado da fusão de duas importantes<br />

instituições: a Sociedad Universitaria e o Ateneo del Uruguay. A escritora viveu 27 anos e<br />

morreu antes de ver a independência de seu país.<br />

Ao que consta de estudos diversos, a <strong>poeta</strong> não participou como ativista de<br />

movimentos sociais, nem de associações feministas, não fez pronunciamentos sobre a<br />

condição civil da <strong>mulher</strong>, não era filiada a partidos políticos e nem há registro de que tivesse<br />

predileções partidárias, mas a sua obra, por si só, tem importante representatividade.<br />

Coincidentemente, no ano de 1915, em Montevideu, foi apresentado um projeto de lei que<br />

pretendia erradicar o duplo padrão moral relativo ao adultério. Esse projeto não foi adiante,<br />

mas a morte trágica de Delmira Agustini repercutiu fortemente na sociedade uruguaia.<br />

(GIORDANO, 2009).<br />

Os anais do Colóquio de Alunos de Pós-graduação em Letras da Faculdade de<br />

Ciências e Letras de Assis (SP), realizado de 12 a 14 de junho de 2007, registram que a<br />

década de 80 do século XX foi assinalada pela valorização que a crítica literária latino-<br />

americana dedicou aos textos de autoria feminina. Foi então que a <strong>poeta</strong> brasileira, Cecília<br />

Meirelles, produziu importante ensaio, súmula de <strong>uma</strong> conferência que a escritora pronunciou<br />

no ano de 1956, na Sala do Conselho da Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro, intitulada<br />

“Expressão feminina da poesia na América”. Cecília se refere a 28 (vinte e oito) escritoras de<br />

diversos países, como Cuba, Bolívia, Argentina, Uruguai, Colômbia, Peru, México e Chile. A<br />

conferencista prestigiou Delmira Agustini e foi a ela que dedicou maior número de páginas<br />

(sete) de seu trabalho, demonstrando <strong>uma</strong> visão que abrangia tanto a vida quanto a<br />

importância da obra da <strong>poeta</strong> uruguaia:<br />

Delmira Agustini foi o primeiro grande caso feminino da Poesia da América, tanto<br />

literariamente como pela morte trágica – talvez mesmo a única morte com grandeza<br />

suficiente para a estranha paisagem de vida em que o destino a colocou<br />

(MEIRELLES, 1959, p.69).


Cecília Meirelles reconheceu a característica de vanguardismo na obra <strong>agustini</strong>ana,<br />

pois a <strong>poeta</strong> ousou romper a tradição do verso regular e metrificado e enriqueceu sua poética<br />

com figuras de expressão que a colocaram na condição de <strong>poeta</strong> maldita e transgressora.<br />

(SILVA, 2007).<br />

Esta pesquisa se debruçou sobre aspetos da vida e da obra de <strong>uma</strong> <strong>poeta</strong> que deixou<br />

seu nome inscrito na literatura <strong>hispanoamericana</strong> e cujos versos ultrapassam todas as<br />

fronteiras. Espera-se com estas abordagens apresentadas contribuir para a construção do<br />

conhecimento sobre a cultura de língua espanhola e a <strong>poeta</strong> Delmira Agustini.<br />

A filha de Santiago Agustini y María Murtfeldt, nasceu em Montevideu/Uruguai na<br />

data de 24 de outubro de 1886. Os pais a chamavam carinhosamente de “la Nena”. Delmira<br />

pertencia a <strong>uma</strong> família de classe média alta e se educou como as moças desse tipo de<br />

sociedade. Teve aulas de francês, piano, pintura e desenho.<br />

Desde menina Delmira demonstrou sua sensibilidade e inteligência e teve todo o apoio<br />

de seus pais na formação de sua cultura. Aos cinco anos de idade, Delmira sabia ler e escrever<br />

corretamente e, ao completar os dez, já compunha versos e executava peças de difíceis<br />

partituras ao piano.<br />

El profesor de música Martín López, sostuvo que Delmira estaba muy bien<br />

dotada para la música, que tenía mucho talento, a pesar de que faltaba mucho<br />

a clase. Dijo que todo lo hacía bien, que era humilde, nada pedante,<br />

reservada y muy sumisa a su madre, a quien parecía encadenada 1 .<br />

A ensimesmada jovem Delmira também pouco contato teve com as moças da mesma<br />

faixa etária que ela. Não demonstrava interesse pelas reuniões sociais e as considerava fúteis,<br />

vazias. Mais tarde estabeleceu contato com importantes intelectuais do porte de Juan Zorrilla<br />

de San Martín, Carlos Vaz Ferreira, Julio Herrera y Reissig, Manuel Ugarte, Samuel Blixen<br />

(editor do semanário cultural Rojo y Blanco). Era costume de Delmira passar o tempo livre<br />

em companhia dos pais e fazendo longos passeios e caminhadas pelo parque, ou então, com<br />

um amigo de infância, André de Badet. "Aurora Curbelo Larrosa, su abogada, dijo haber<br />

conocido a Delmira desde niña, y la describió como cariñosa, bella, de carácter melancólico y<br />

dueña de una precoz y maravillosa imaginación" 2 .<br />

1 O professor de música, Martín López, declarou que Delmira estava muito bem dotada para a música, que tinha<br />

muito talento, apesar de que faltava muito às aulas. Disse que tudo fazia bem, que era humilde, nada pedante,<br />

reservada e muito submissa à mãe, a quem parecia muito ligada.<br />

2 Aurora Curbelo Larrosa, sua advogada, disse haver conhecido Delmira desde menina, e a descreveu como<br />

carinhosa, bela, de caráter melancólico e dona de <strong>uma</strong> precoce e maravilhosa imaginação.


Foi a partir de 1902, quando estava aos dezesseis anos, que Agustini começou a<br />

publicar seus primeiros poemas na revista La Alborada. E, quando aos dezessete, a citada<br />

revista a convidou a ser colaboradora de <strong>uma</strong> seção à qual Delmira intitulou La legión etérea,<br />

assinada pelo nome artístico de Joujou. Neste espaço jornalístico a <strong>poeta</strong> traçava retratos de<br />

senhoras da burguesia de Montevideu e que desfrutavam de proeminência nos setores cultural<br />

e social. Entre as suas homenageadas estava a <strong>poeta</strong> Maria Eugenia Vaz Ferreira.<br />

No ano de 1907, Delmira publicou seu primeiro livro de poemas, El Libro Blanco, que<br />

foi bem aceito pela crítica especializada. Junto ao sucesso literário, a fama da escritora<br />

também corria em torno de sua beleza física.<br />

O contexto que envolvia a <strong>poeta</strong> e sua obra era assinalado por contrastes significativos.<br />

Se por um lado puritano e conservador, especialmente no que diz respeito à sexualidade e às<br />

diferenças entre homens e <strong>mulher</strong>es, por outro ponto de vista era libertário e progressista.<br />

Coincidentemente e exatamente no período dos governos de Battle y Ordoñez (1903-1907,<br />

1911-1915) foram levadas a efeito importantes reformas como a decretação da primeira lei do<br />

divórcio, em (1907) e a criação da Universidad de Mujeres, em 1912.<br />

Tal atmosfera anuviada de ambiguidades influenciou na forma como a crítica acolheu<br />

a obra de Delmira. Mesmo sendo elogiado o seu trabalho, a temática de erotismo explícito<br />

não se adequava aos estereótipos femininos daquela época. Eram modelos diferenciados que<br />

propunham como ideal um perfil feminino a jovem solteira e ainda virgem. A literatura de<br />

Delmira surpreendeu e desconcertou a maior parte dos críticos que tentou neutralizar sua <strong>voz</strong><br />

e passaram esses estudiosos da literatura a dar atenção à pessoa, <strong>uma</strong> <strong>mulher</strong> bela fisicamente<br />

e que insistia em demonstrar <strong>uma</strong> aura etérea. Foi assim que se criou o mito, entre seus<br />

contemporâneos, de <strong>uma</strong> Delmira cuja personalidade intelectual era, simultaneamente, <strong>uma</strong><br />

espécie de Pitonisa de Eros aliada ao aspecto da menina virginal, pura. Assim tentava a crítica<br />

explicar o “milagre” de um texto que era produto do instinto, descartando a sua competência e<br />

intelectualidade.<br />

Delgado (2010, p.48) esclarece que o “El mito existente hoy en día en torno a Delmira<br />

Agustini es el resultado de las conjeturas equivocadas y de las percepciones erróneas que<br />

durante años los críticos han sostenido sobre esta autora” 3 . Esses críticos, incapazes de<br />

distinguir entre realidade e aparências, criaram o mito ao confundir o eu poético com a <strong>poeta</strong>.<br />

3 O mito existente hoje em dia em torno de Delmira é o resultado das conjecturas equivocada e das percepções<br />

errôneas que durante anos os críticos têm sustentado sobre esta autora.


A manifestação da crítica não poupou em preconceitos quanto ao calor da<br />

sensualidade na poesia de Delmira, pois, como explicita Serrano (s/d):<br />

Cuando Carlos Vaz Ferreira, un distinguido crítico uruguayo de su tiempo,<br />

leyó El libro blanco de Delmira Agustini -publicado en Montevideo en 1907<br />

a la edad de 21 años- dirigió a la joven <strong>poeta</strong> una carta en la que le decía<br />

cómo ha llegado usted, sea a saber, sea a sentir, lo que ha puesto en ciertas<br />

páginas, es algo completamente inexplicable. El buen señor no había<br />

advertido que la poesía no brota necesariamente de la experiencia, sino<br />

también del sueño y del deseo, y que su origen, de acuerdo con Rimbaud, se<br />

encuentra en la fusión del ver y del creer. Pero si los críticos más avisados de<br />

su tiempo no estaban capacitados para entender que lo que la poesía narra<br />

muchas veces no lo vemos con nuestros ojos, sino con nuestro espíritu,<br />

imaginemos el impacto que los versos apasionados y sensuales de esta joven<br />

rubia y delgada, casi etérea, que había nacido en 1887 en el seno de una<br />

familia de la alta burguesía del país, causarían en la sociedad uruguaya de<br />

principios del siglo XX que se preguntaba asombrada cómo aquella niña<br />

podía crear esos poemas ardientes cargados de erotismo, donde el amor se<br />

transfiguraba en rito y el lenguaje en ritmo y metáfora para dejarnos ver el<br />

alma de una mujer sensual que, en el contexto de una sociedad patriarcal,<br />

como la latinoamericana, se atrevía a escribir sobre temas tabúe como el<br />

deseo, el cuerpo y el placer. 4<br />

O segundo livro de Delmira Augustín, intitulado Cantos de la mañana, foi publicado<br />

em 1910. Então é firmado o seu prestígio como <strong>poeta</strong> e chegou a ser elogiada por Rubén<br />

Darío, <strong>poeta</strong> nicaraguense, expoente máximo do Modernismo em língua espanhola e em<br />

companhia de Juan Martí.<br />

PÓRTICO (em Los cálices vacíos):<br />

De todas cuantas mujeres hoy escriben en verso ninguna ha impresionado mi<br />

ánimo como Delmira Agunstini, por su alma sin velos y su corazón de flor.<br />

A veces rosa por lo sonrosado, á veces lirio por lo blanco. Y es la primera<br />

vez en que en lengua castellana aparece um alma femenina en el orgullo de<br />

la verdad de su inocencia y de su amor, á no ser Santa Teresa en su<br />

exaltación divina. Si esta niña bella continúa en la lírica revelación de su<br />

espíritu como hasta ahora, va á asombrar á nuestro mundo de lengua<br />

española. Sinceridad, encanto y fantasía, he allí las cualidades de esta<br />

4 Quando Carlos Vaz Ferreira, um notável crítico uruguaio de seu tempo, leu o Livro Branco, de Delmira<br />

Agustini, publicado em Montevideu em 1907 quando ela estava aos 21 anos de idade _ dirigiu à jovem <strong>poeta</strong><br />

<strong>uma</strong> carta na qual questionava sobre como havia ela chegado, fosse a saber, fosse a sentir, o que havia posto em<br />

certas páginas, é algo completamente inexplicável. O bom senhor não se lembrara de que a poesia não brota<br />

necessariamente da experiência, mas também do sonho e do desejo, e que sua origem, de acordo com Rimbaud,<br />

se encontra na fusão do ver e do crer. Mas se os críticos mais avisados de seu tempo não estavam capacitados<br />

para entender que o que a poesia narra e também de perceber que muitas vezes não vemos com nossos olhos,<br />

mas com nosso espírito, imaginemos o impacto que os versos apaixonados e sensuais desta jovem loira e<br />

delgada, quase etérea, que havia nascido em 1887 no seio de <strong>uma</strong> família da alta burguesia, causariam na<br />

sociedade uruguaia dos princípios do século XX e que se perguntava assombrada como aquela menina poderia<br />

criar aqueles poemas ardentes e carregados de erotismo, onde o amor se transfigurava em ritual e a linguagem<br />

em ritmo e meta fora para deixar-nos ver na alma de <strong>uma</strong> <strong>mulher</strong> sensual que, no contexto de <strong>uma</strong> sociedade<br />

patriarcal, como a latinoamericana, se atrevia a escrever sobre temas tabus como o desejo, o corpo e o prazer.


deliciosa musa. Cambiando la frase de Shakespeare, podría decirse « that is a<br />

woman », pues por ser mujer, dice cosas exquisitas que nunca se han dicho.<br />

Sean com ella la gloria, el amor y la felicidad. DELMIRA AGUSTINI (sd) 5<br />

Foi em 1912, quando Darío visitou Montevideu que Delmira o conheceu, tendo este<br />

encontro motivado entre eles <strong>uma</strong> troca de cartas. Em sua casa, a <strong>poeta</strong> recebia visitas de<br />

vários escritores e intelectuais que eram atraídos por seu talento e, entre esses visitantes, está<br />

incluído Manuel Ugarte, compositor de músicas e diretor do Teatro Cólon, em Buenos Aires,<br />

intelectual engajado em causas sociais.<br />

O epistolário da <strong>poeta</strong> reúne, conforme consta nas pastas dispostas no<br />

Arquivo Delmira Agustini, no setor de Arquivos Literários da Biblioteca<br />

Nacional do Uruguai, um total de 84 e cartas, distribuídas em cinco sessões:<br />

1º cartas de Delmira Agustini a Enrique Job Reyes; 2º Correspondência<br />

Delmira Agustini e Manuel Ugarte; 3º Correspondência Delmira Agustini e<br />

Ruben Darío; 4º Correspondência Delmira Agustini e Alberto Zum Felde; e<br />

5º Cartas de N. Manino e Ricardo Más de Ayala. Todas as cartas são<br />

manuscritas e a maioria delas não indica o lugar de procedência, e muitas<br />

vezes nem a data. Foram publicadas parcialmente em edições críticas sobre a<br />

<strong>poeta</strong> e, no conjunto, na edição de Arturo Visca. (LENTZ, 2008, p. 3)<br />

O terceiro livro, Los cálices vacíos, veio a lume em fevereiro de 1913 contendo<br />

poemas ainda mais fortemente caracterizados pelo tom de erotismo. Isto provocou escândalo<br />

social e o murmúrio aumentava incessantemente em torno da jovem <strong>poeta</strong> e de seu<br />

atrevimento. Tal estado de coisas provocado por <strong>uma</strong> moça solteira e virgem chamava<br />

particularmente a atenção porque a <strong>mulher</strong> daquela época deveria ser objeto de desejo e lhe<br />

era vedado desejar. Eis o excepcional da obra de Delmira, a sua subversão ao tentar criar um<br />

novo e complexo sujeito feminino de erotismo pessoal diferente do que era imposto pela<br />

tradição literária masculina.<br />

Íntima<br />

Yo te diré los sueños de mi vida<br />

En lo más hondo de la noche azul...<br />

5 De todas quantas <strong>mulher</strong>es hoje escrevem em verso, nenh<strong>uma</strong> impressionou mais minha alma do que Delmira<br />

Agustine, por sua alma sem véus e seu coração de flor, às vezes rosa pelo seu tom rosado, às vezes lírio pelo<br />

branco. E é a primeira vez que em língua castelhana aparece <strong>uma</strong> alma feminina no orgulho da verdade de sua<br />

inocência e de seu amor, a não ser santa Teresa em sua exaltação divina. Se esta menina bela continua na lírica<br />

revelação de seu espírito como até agora, vai assombrar a nosso mundo de língua espanhola. Sinceridade,<br />

encanto e fantasia, eis aí as qualidades desta deliciosa musa. Trocando a frase de Shakespeare, se poderia dizer<br />

"é <strong>uma</strong> <strong>mulher</strong>", pois por ser <strong>mulher</strong>, diz coisas raras que nunca foram ditas. Estejam com ela a glória, o amor e<br />

a felicidade.


Mi alma desnuda temblará en tus manos,<br />

Sobre tus hombros pesará mi cruz.<br />

Las cumbres de la vida son tan solas,<br />

Tan solas y tan frías! Yo encerré<br />

Mis ansias en mí misma, y toda entera<br />

Como una torre de marfil me alcé.<br />

(...)<br />

Vamos más lejos en la noche, vamos<br />

Donde ni un eco repercuta en mí,<br />

Como una flor nocturna allá en la sombra<br />

Yo abriré dulcemente para ti.<br />

(De El libro blanco (Frágil), 1907)<br />

Delmira Agustini (Montevideu, 1886-1914) é, sem dúvida, <strong>uma</strong> das <strong>poeta</strong>s mais<br />

representativas da poesia <strong>hispanoamericana</strong> do século XX. Tornou-se admirada pelo seu<br />

talento, espírito de vanguarda e pela sensualidade dos versos que escreveu. Sobre a<br />

sensualidade da <strong>poeta</strong>, afirma Jrade (s/d, p. 94) que, enquanto houver a compreensão de <strong>uma</strong><br />

visão transcendente, não é a o tipo de transcendência que foi oferecida como <strong>uma</strong> explicação<br />

para a sexualidade agressiva do Agustini. A morte trágica e prematura vem a compor a cena<br />

de sua vida e carreira intelectual que a tornou <strong>uma</strong> lenda no universo da poesia.<br />

O <strong>poeta</strong> nicaraguense, Rubén Darío, prefaciou a obra Los cálices vazios (1913). Os<br />

elogios que fez à obra de Delmira se encarregaram de frisar a sua retórica modernista que cria<br />

<strong>uma</strong> original linguagem erótica na qual se expressa o desejo feminino.<br />

O fato de haver sido assassinada pelo marido criou, em torno da <strong>poeta</strong>, a relação com<br />

o maldito decadentista evidenciado por seus críticos.<br />

Pronto sobreviene el fin, que en el caso de Delmira adquiere los tintes de una<br />

tragedia griega. La <strong>poeta</strong> es asesinada en un hotel de Montevideo por su<br />

esposo cuando tan solo tenía 27 años, en extrañas circunstancias que han<br />

dado pie a todo tipo de conjeturas y leyendas. Sin embargo, poco añaden al<br />

carácter esencial de su obra que, al igual que la de Alfonsina Storni, Gabriela<br />

Mistral y Juana de Ibarbourou, se opuso a los códigos tradicionales de su<br />

época y ayudó a crear una identidad femenina más libre, original y auténtica.<br />

(SERRANO, sd) 6<br />

6 Logo sobrevém o fim, que no caso de Delmira adquire as tintas de <strong>uma</strong> tragédia grega. A <strong>poeta</strong> é assassinada<br />

em um hotel de Montevideu por seu esposo quando tinha tão somente 27 anos, em estranhas circunstâncias que<br />

têm dado pé a todo tipo de conjecturas e lendas. Mesmo assim, pouco acrescentam ao caráter essencial de sua<br />

obra que, da mesma forma que a de Alfonsina Storni, Gabriela Mistral e Joana de Ibarbourou, se opôs aos<br />

códigos tradicionais de sua época e ajudou a criar <strong>uma</strong> identidade feminina mais livre, original e autêntica.


O erotismo pontua toda a obra da <strong>poeta</strong> uruguaia, em verso ou em prosa. Uma espécie<br />

de erotismo entre o velado e o explícito, o que ela conseguiu equilibrar magistralmente, pois<br />

seus versos se vestem de sensualidade e desejo e de tal maneira são arquitetados a ponto de<br />

neles ser possível sentir o seu hálito, a sua sede emanando em música e ritmo - a exemplo do<br />

soneto Explosión. Há, incontestavelmente, nestes versos, um boom do sentimento de ardência<br />

em desejos. O eu poético se mostra na volúpia e sofreguidão de um beijo; nas delícias<br />

advindas de amar:<br />

Explosión<br />

Si la vida es amor, ¡bendita sea!<br />

¡Quiero más vida para amar! Hoy siento<br />

Que no valen mil años de la idea<br />

Lo que un minuto azul de sentimiento.<br />

(...)<br />

En la sombra lejana se deslíe...<br />

¡Mi vida toda canta, besa, ríe!<br />

¡Mi vida toda es una boca en flor!<br />

(De El libro blanco (Frágil), 1907)<br />

Lanieri (sd) considera que outro aspecto s<strong>uma</strong>mente transgressivo da poesia, tanto de<br />

Agustini quanto da <strong>poeta</strong> Alfonsina Storni está representado por <strong>uma</strong> forte utilização de<br />

elementos e imagens e pertencentes a toda <strong>uma</strong> simbologia religiosa que está sujeita à<br />

finalidade de divinizar o erótico. Oviedo e Tudela (s/d) levantam características da poesia<br />

<strong>agustini</strong>ana e nela ressaltam que<br />

[...] a preferencia por lo maldito es un síntoma que hunde sus raíces en la<br />

melancolía, definida como la tensión que suscita el deseo de alcanzar lo<br />

imposible”; “El mundo que nos ofrece carece de la vitalidad que era norma<br />

en la plenitud del modernismo y mantiene una especial predilección por lo<br />

negativo y enfermizo que propugnó el decadentismo. Lo saturnal,<br />

calificativo que el clasicismo (Platón y Aristóteles ) aplica a la bilis negra o<br />

melancolía, se abre paso frente a lo sublime y contagia todo aliento vital”;<br />

“La muerte y su descenso a los infiernos del yo”; “!”El sentimiento<br />

melancólico tiene su correlato decimonónico en el spleen o tedio,<br />

característico del modernismo. Los símbolos utilizados para su<br />

manifestación abarcan un extenso bestiario y cada escritor elige aquellos que<br />

mejor se adaptan a su poética. En el caso de Delmira son en extremo<br />

sugerentes las cualidades que atribuye a la araña y al búho”; “Silencio y<br />

misterio: génesis de lo oculto, irrevelado, (OVIEDO; TUDELA, sd) 7<br />

7 “[...] a preferência pelo maldito é um sintoma que tem suas raízes na melancolia, definida como a tensão que<br />

suscita o desejo de alcançar o impossível"; "o mundo que nos oferece carece de vitalidade que era a norma na<br />

plenitude do modernismo e manteve <strong>uma</strong> predileção especial pelo negativo e enfermiço que propugnou o<br />

decadentismo. O saturnal, qualificativo que o classicismo (Platão e Aristóteles) aplica à bílis negra ou melancolia


Enfim, entre essas e outras emoções a <strong>poeta</strong> criou e perenizou <strong>uma</strong> obra que imprime<br />

na literatura, não apenas <strong>hispanoamericana</strong>, mas em âmbito universal, um desenho importante<br />

da <strong>mulher</strong> em busca da liberdade de expressão poética. Na palavra de Vazquez (sd), o estilo<br />

de Delmira Agustini é o de <strong>uma</strong> personalidade multifacetada e que oscila desde o cuidado<br />

formal até a mais trivial e infantil linguagem. O estudioso ressalta a poética da exaltação do<br />

amor e da sexualidade em <strong>uma</strong> alma insatisfeita, até aquele momento em que viveu a <strong>poeta</strong>,<br />

impensável e jamais presente na poesia feminina.<br />

El objeto central es el amor y su gran vacío, el hombre, aunque delinea su<br />

aureola a lo largo del texto, pero el sometimiento de los sentidos provoca el<br />

uso constante de la metonimia para objetivar unas sensaciones que no puede<br />

expresar directamente. El crítico Zum Felde asegura que no puede juzgarse<br />

la obra de Delmira solo desde la perspectiva erótica, ya que su pasión y<br />

expresión del erotismo es subliminal, es, en definitiva, una «amante onírica».<br />

Y efectivamente, su dinámica sexual se desarrolla en el plano literario, ya<br />

que en el real no tiene espacio vivible, por eso en su obra modula<br />

conjuntamente carne y mármol, infierno y paraíso, la mística del erotismo<br />

encarcelada en el cuerpo, en la matéria. (VAZQUEZ, sd) 8<br />

O casamento de Delmira Agustini durou dez meses. A cerimônia ocorreu no dia 14 de<br />

agosto de 1913 e, aos 5 de junho de 1914, divorciou-se. No mês de julho seguinte estava<br />

morta. A bela e esguia loira de olhos azuis, filha de um uruguaio com <strong>uma</strong> argentina, e<br />

descendente de italianos, tinha a fisionomia de um <strong>anjo</strong> e assim foi descrita fisicamente: loira,<br />

olhos de um azul celestial, mas que se tornavam verdes a depender da luz que os atingia. Não<br />

era propriamente alta, mas espigada e de talhe flexível. Era tal um <strong>anjo</strong>, inocente e irreal.<br />

O <strong>anjo</strong> foi abatido por dois tiros na cabeça, disparados pelo marido, Enrique Jobs<br />

Reys, em um apartamento de hotel, no centro de Montevideu. Enrique, a seguir, cometeu o<br />

suicídio. O corpo belo e nu da <strong>poeta</strong> morta foi fotografado e publicado pela imprensa da<br />

época.<br />

abre um passo frente ao sublime e contagia todo o alento vital."; "a morte e sua descida ao inferno do eu"; "o<br />

sentimento melancólico tem o seu correlato décimo nono no spleen ou o tédio,característica do modernismo. Os<br />

símbolos utilizados para sua manifestação abarcam um extenso bestiário e cada escritor elege aqueles que<br />

melhor se adaptam à sua poética. No caso de Delmira são em extremo sugestivas as qualidades que atribuem à<br />

aranha e à coruja"; silêncio e mistério: gênese do oculto irrevelado que esconde o sentimento da escritora".<br />

8 O tema central é o amor e o grande vazio, o homem, apesar de sua auréola descreve ao longo do texto, mas a<br />

subjugação dos sentidos causados pelo uso constante de metonímia para objetivar sensações que não podem<br />

expressar diretamente. O Zum Felde crítico diz que não pode trabalhar Delmira julgado somente a partir da<br />

perspectiva erótica, como a expressão da paixão e erotismo é subliminar, é basicamente um "amante ideal". E, de<br />

fato, a dinâmica sexual ocorre no literário, como no espaço real não é suportável, então na sua carne e mármore<br />

juntos modula, inferno e paraíso, o erotismo místico aprisionada no corpo, na matéria.


Quanto às principais características da produção poética e estilo <strong>agustini</strong>anos, observa-<br />

se em todo o percursos de seus textos poéticos que, além da ousadia literária, ela utilizou [...]<br />

o verso branco, moderno e despojado em O livro branco e Correspondência, ambos<br />

influenciados pelo simbolismo hispanoamericano (chamado, na literatura hispânica,<br />

"Modernismo", de Julio Herrera Y Reissig, Leopoldo Lugones e Rubén Darío”.<br />

A representante da poesia feminina do modernismo hispanoamericano, na opinião de<br />

quem analisou criteriosamente parte de seus versos, faz o leitor enveredar por <strong>uma</strong> ambiência<br />

na qual se avista<br />

[...] un incomprensible desfile de imágenes bíblicas y fetiches sagrados, una<br />

procesión de serpientes, odres, cálices vacíos o derramados, cisnes exangües,<br />

eróticos rosarios, devotas ofrendas y, sobre todo, vampiros. Que estos<br />

vampiros responden al prontuario de cierto avinagrado “romanticismo”, que<br />

tal “romanticismo” explota los flujos y subterfugios de una temática de la<br />

sangre, es algo que se desprende de esta primera lectura. (PUEYO, p. 132) 9<br />

Lentz (2008) examina o epistolário de Delmira dirigido aos dois <strong>poeta</strong>s (Rúben Darío<br />

e Manuel Ugarte) que considerou seus mestres e sobre os quais se diz algo além: que ela os<br />

amou poeticamente e confessou a sua dor, gerando em torno de si <strong>uma</strong> aura de mistificação<br />

que contribuiu para alg<strong>uma</strong>s suposições e geraram equívocos sobre a sua obra. A crítica se<br />

encarregou de “despojá-la sistematicamente de sua sexualidade, tornando-a praticamente <strong>uma</strong><br />

‘ideia”. Assim, essa jovem ganhou cores de <strong>mulher</strong> vampiro fatal característico do imaginário<br />

decadentista e de musa gris, entre outros conceitos que remetiam à sensualidade da <strong>poeta</strong>.<br />

Foram 16 as cartas trocadas entre Agustini e Manuel Ugarte, sendo a que mais<br />

interessou a Lentz (2008), em seu estudo, a missiva escrita logo após o casamento da <strong>poeta</strong>,<br />

em 1913. Para esse pesquisador, a carta destrona o argumento em torno da inocência de<br />

Delmira. Trata-se de um texto inquietante e repleto de lírico queixume; de fatalidade e da<br />

exposição de seu drama. Desta carta, frisa-se, neste esboço de estudo, <strong>uma</strong> breve passagem:<br />

Você, sem saber, sacudiu minha vida. Eu pude lhe dizer que tudo isso era em<br />

mim algo novo, terrível e delicioso. Eu não esperava nada, eu não podia<br />

esperar nada que não fosse amargo deste sentimento; e a voluptuosidade<br />

mais forte de minha vida foi submergir-me nele. Eu sabia que você vinha<br />

para partir, deixando-me a tristeza da lembrança e nada mais. (LENTZ,<br />

2008, p. 4).<br />

9 [...] um desfile incompreensível de imagens bíblicas e fetiches sagrados, <strong>uma</strong> procissão de peles de cobra,<br />

cálices vazios ou sem sangue derramado, cisnes, rosários eróticos, ofertas devocionais e especialmente vampiros.<br />

Que esses vampiros correspondem ao prontuário do "romantismo" e que tal um "romanticismo" explora os<br />

fluxos e o tema do sangue é algo que emerge dessa primeira leitura.


A correspondência com outro <strong>poeta</strong>, já citado neste trabalho, o nicaraguense Rúben<br />

Darío, é composta por cinco exemplares que Lentz (2008, p.5) coloca como importantes<br />

documentos para a compreensão da intimidade psicológica da <strong>poeta</strong>. A Rúben Darío disse a<br />

jovem Delmira: “Pense você que nem mesmo me resta a esperança da morte, porque a<br />

imagino cheia de horríveis vidas. E o direito do sonho me foi negado desde o nascimento. E a<br />

primeira vez que minha loucura transborda é ante você”.<br />

Pode-se observar facilmente que a frase dita por Delmira, em carta dirigida a Manuel<br />

Ugarte é bem semelhante em conteúdo, à que disse ao <strong>poeta</strong> Rúben Darío. Escreveu a Ugarte:<br />

"Eu não esperava nada, eu não podia esperar nada que não fosse amargo deste sentimento; e a<br />

voluptuosidade mais forte de minha vida foi submergir-me nele" (LENTZ, 2008, p.5). E ao<br />

Rúben Darío confessou: "E a primeira vez que minha loucura transborda é ante você”. Aos<br />

dois, portanto, declara a intensidade de seu amor e desejo. E deixa transparecer <strong>uma</strong> carência<br />

profunda.<br />

Este conjunto de 21 (vinte e <strong>uma</strong>) cartas íntimas forneceu aos estudiosos<br />

importante subsídio documental sobre a vida privada de Delmira Agustini. Foi com<br />

fundamento nessas cartas de amor que pesquisadores concluíram que a <strong>poeta</strong> amou<br />

carnalmente outros homens. Assim, citado por Glenz, Rodríguez Monegal, asseverou que “a<br />

chama que devorava Delmira era real. Dela resta a cinza ardida de seus versos”.<br />

Estes superficiais exame e leitura de exemplos das cartas de Agustini serviram,<br />

inclusive, para observar que os seus poemas lhes são incomparavelmente mais belos e de<br />

valor literário superior. Sobre o texto epistolar paira a figura de <strong>uma</strong> <strong>mulher</strong> que criou um<br />

sonho, não foi intensamente correspondida em seus desejos, mas legou ao mundo <strong>uma</strong><br />

herança de valor, aquela em que fez alçar o canto amoroso feminino a patamares proibidos e,<br />

àquela época, altamente reprováveis.<br />

Delmira Agustini es precursora de la <strong>voz</strong> de la mujer en América, aunque<br />

todavía hoy es poco conocida y reconocida. Su nombre ha sido silenciado o<br />

recluido a segundo plano en antologías e historias de la literatura<br />

<strong>hispanoamericana</strong> en la temática correspondiente al Modernismo. Esta<br />

exclusión evidencia una marginación genérica-sexual ante el privilegio de un<br />

criterio masculino en la construcción del canon literario. Lo demuestra la<br />

presencia de escritores hombres, únicos reconocidos como Herrera y Reissig,<br />

Horacio Quiroga en el Uruguay, Rubén Darío, Jaimes Freyre, Asunción<br />

Silva, José Martí, para citar sólo algunos, mientras que el nombre de<br />

Agustini es apenas insinuado junto al de Gabriela Mistral, Alfonsina Storni y<br />

Juana de Ibarbourou (SILVAS, 2000,p. 2) 10<br />

10 Delmira Agustini é <strong>uma</strong> precursora da <strong>voz</strong> das <strong>mulher</strong>es na América, embora ainda um nome pouco conhecido<br />

e reconhecido. Seu nome tem sido silenciado ou colocado em segundo lugar em antologias e histórias da<br />

literatura americana sobre o assunto correspondente ao Modernismo. Esta exclusão mostra <strong>uma</strong> marginalização


Quanto aos estudos recentes da crítica especializada, a tendência é a de<br />

reconsiderar e reestudar a obra de Agustini que,<br />

Because of the tragic circumstances of her death, Agustini has been analyzed<br />

and psychoanalyzed by a number of Latin American literary critics who have<br />

tried to link the female energy and eroticism of her poetry to the events of<br />

her life and death. Unfortunately, the focus on her personality, rather than on<br />

her remarkable talent, meant an unfortunate neglect of the poetry itself. In<br />

recent years, more enlightened critics (such as Magdalena García Pinto) have<br />

begun to address her work more appropriately. (AGUSTINI, sd) 11<br />

Com a intenção de perceber nuances componentes da substância dessa poesia e,<br />

baseando-se nos estudos consultados sobre a temática <strong>agustini</strong>ana, foi levantada a incidência<br />

relativa a um montante de 21 palavras encontradas em cerca de cinquenta poemas da autora<br />

em pauta. O resultado desta apuração, abaixo demonstrado, aponta cada palavra acompanhada<br />

da respectiva quantidade de vezes em que aparece em toda a extensão dos textos<br />

selecionados: Amor (24); mar (12); fogo (24); loucura (3); vida, ora escrita com inicial<br />

minúscula, ora com maiúscula, (73); morte, ora escrita com inicial maiúscula e ora escrita<br />

com inicial minúscula (18); sol (19); a palavra sensualidade e seus derivados não constam dos<br />

51 poemas. A palavra sexo aparece somente <strong>uma</strong> vez; e a palavra homem, vez alg<strong>uma</strong>. A<br />

palavra noite, 33 vezes; boca, 27 vezes; lábios, 14; alma, 66; 9 vezes a palavra triste; sangue,<br />

10; vinho, 5; mãos, 54; flor, 42; 9 vezes a palavra voo; 167 vezes o pronome tu; 77 vezes o<br />

pronome eu.<br />

Dessa forma, e pelo resultado apresentado, torna-se possível <strong>uma</strong> leitura livre e<br />

mínima da poesia de Delmira: Trata-se de <strong>uma</strong> poesia que dirige sua mensagem lírico-<br />

amorosa para <strong>uma</strong> segunda pessoa, um receptor (tu). Portanto <strong>uma</strong> linguagem<br />

predominantemente poética e emotiva. O Amor é descrito pela <strong>poeta</strong> entre as figuras de <strong>uma</strong><br />

antítese construída com os termos água/fogo: Lo soñé impetuoso, formidable y<br />

ardiente;/hablaba el impreciso lenguaje del torrente;/era un mar desbordado de locura y de<br />

fuego,/rodando por la vida como un eterno Riego.<br />

genérico-sexual ao privilégio masculino de um critério na construção do cânone literário. Os autores demonstram<br />

a presença de homens, apenas conhecido como Herrera y Reissig, Horacio Quiroga, no Uruguai, Ruben Darío,<br />

Jaimes Freyre, Assunção Silva, José Martí, para citar alguns, enquanto é apenas insinuado o de Agustini<br />

juntamente com a de Gabriela Mistral, Alfonsina Storni e Juana de Ibarbourou.<br />

11 Devido às circunstâncias trágicas de sua morte, Agustini foi analisada e psicanalisada por um número<br />

considerável de críticos literários latino-americanos que têm tentado ligar a energia feminina e erotismo de sua<br />

poesia aos acontecimentos de sua vida e da morte. Infelizmente, o foco na sua personalidade, em vez de seu<br />

talento notável, <strong>uma</strong> negligência infeliz da própria poesia. Nos últimos anos, os críticos mais esclarecidos (como<br />

o Magdalena Pinto García) começaram a abordar o seu trabalho mais apropriadamente.


O eu poético revela ao amado, objeto de sua paixão e delírio, o motivo desse amor:<br />

Porque tu cuerpo es la raíz, el lazo/esencial de los troncos discordantes/del placer y el dolor,<br />

plantas gigantes.<br />

A expressão lírica do sujeito dos poemas evidencia-se nas 77 repetições do pronome<br />

eu e, nestes versos, inserido em <strong>uma</strong> paisagem cinzenta e gótica que se transformará em luz<br />

com a chegada do amado: Yo sé que volverás, que brillará otra aurora/en mi horizonte grave<br />

como un sueño sombrío;/revivirá en mis bosques tu gran risa sonora/que los cruzaba alegre<br />

como el cristal de un rio.<br />

Os versos clamam 73 vezes por vida, um viver que no ser amado se resume: - Yo no<br />

quiero más vida que tu vida,/son en ti los supremos elementos;/déjame bajo el cielo de tu<br />

alma,/en la cálida tierra de tu cuerpo!, contra apenas 18 vezes a que se referem à morte: Tan<br />

triste que he llorado hasta quedar inerte... /¡ Yo sé que estás tan lejos que nunca volverás!<br />

/No hay lágrimas que laven los besos de la Muerte...<br />

Trata-se de <strong>uma</strong> nesga de poesia que apresenta características voltadas para o íntimo<br />

da escritora, nuances estas demonstradas na incidência da palavra alma por 66 vezes. Nos<br />

versos destacados, a alma da <strong>poeta</strong> se confunde em contemplação da alma do ser amado: Mi<br />

alma es, frente a tu alma, como el mar frente al cielo:/pasarán entre ellas, cual la sombra de<br />

un vuelo,/la Tormenta y el Tiempo y la Vida y la Muerte!<br />

Mãos é um vocábulo que se repete 54 vezes e proporciona ao leitor a sensação de<br />

toque, de suavidade e de sensualidade. Nos versos desta exemplificação, a entrega de amor da<br />

<strong>poeta</strong> é irrestrita, pois Un día, al encontrarnos tristes en el camino/yo puse entre tus manos mi<br />

pálido destino./¡Y nada más hermoso jamás han de ofrecerte!<br />

O vocábulo flor representa na poesia de Delmira <strong>uma</strong> metáfora na qual, na maior parte<br />

das vezes, a <strong>poeta</strong> ampara a simbologia do sexo feminino. Neste exemplo ela convida o<br />

amado para doar-se mais voluptuosamente: Vamos más lejos en la noche, vamos/donde ni un<br />

eco repercuta en mí,/como una flor nocturna allá en la sombra/me abriré dulcemente para ti.<br />

A luz que ilumina a atmosfera dos poemas é tênue e esf<strong>uma</strong>ça-se na penumbra que se<br />

espraia harmonicamente pelas 19 vezes em que cita o sol: Luego soñélo triste, como un gran<br />

sol poniente/que dobla ante la noche la cabeza de fuego;/después rió, y en su boca tan tierna<br />

como un ruego,soñaba sus cristales el alma de la fuente.<br />

Tal sombra é totalmente escurecida pela repetição da palavra noite 33 vezes, como em<br />

- El triunfo de la noche. -De tus manos, más bellas, /fluyen todas las sombras y todas las<br />

estrellas, /y mi cuerpo se vuelve profundo como un cielo!


Entretanto, nem sempre há sombras pairando sobre o cenário da poesia de Agustini.<br />

Agora o sol se avista, desta vez em sua plenitude à presença do ser amado: -Pleno sol. Llueve<br />

fuego. -Tu amor tienta, es la gruta /afelpada de musgo,/el arroyo, la fruta, /la deleitosa fruta<br />

madura a toda miel.<br />

Delmira soube usar a arte poética para esconder a sua paixão, o que se observa em<br />

única referência ao vocábulo sexo e na contagem zero (0) para a palavra homem: Sexo de un<br />

alma triste de gloriosa;/el placer unges de dolor; tu beso,/puñal de fuego en vaina de<br />

embeleso,/me come en sueños como un cáncer rosa...<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Este sucinto esboço elaborado a partir da leitura de estudiosos da vida e da obra de<br />

Delmira Agustini oferece importantes subsídios para <strong>uma</strong> reflexão sobre a <strong>voz</strong> poética<br />

feminina, não apenas da época e do contexto em que viveu e escreveu Delmira, mas sua obra<br />

se torna, neste sentido, atemporal e reconhecível em toda parte onde houver <strong>uma</strong> <strong>mulher</strong> e, de<br />

forma mais contundente, se essa <strong>mulher</strong> escreve.<br />

Apesar das ventanias da modernidade sobre a figura feminina, impossível seria negar<br />

duas realidades: 1. O contexto do início do século XX, quando Delmira Agustini escreveu sua<br />

obra e enfrentou a sanha da crítica e o policiamento sobre sua expressão poética e sua vida<br />

íntima. Vítima da violência secular contra a <strong>mulher</strong>, assim mesmo ela deixou registradas em<br />

versos a sua sede de amor e a sua paixão pela poesia; 2. O contexto da atualidade no qual<br />

ainda se tenta calar a <strong>voz</strong> feminina. As cartas de amor de Agustini revelam o seu grito<br />

desesperado e o seu destemor perante a sociedade. Essas cartas aí estão, testemunhas de sua<br />

alma em conflito. Os seus poemas expõem a sensualidade feminina ainda sob as sombras e as<br />

presilhas das metáforas da castidade.<br />

Inúmeras e infindáveis leituras da obra poética de Delmira Agustini podem ser<br />

realizadas. Outros estudos continuarão a revelar a importância, também social, do papel de<br />

<strong>uma</strong> <strong>mulher</strong> que pagou com a vida o seu sonho e deixou a herança de sua poesia de amor.<br />

Sinto-a reviver ante meus olhos e, em homenagem à <strong>poeta</strong>, inclui-se a este texto o poema de<br />

um beijo que a <strong>poeta</strong> uruguaia tanto desejou.<br />

Boca a boca<br />

Copa de vino donde quiero y sueño


REFERÊNCIAS<br />

beber la muerte con fruición sombría,<br />

surco de fuego donde logra Ensueño<br />

fuertes semillas de melancolía.<br />

Boca que besas a distancia y llamas<br />

en silencio, pastilla de locura,<br />

color de sed y húmeda de llamas...<br />

¡Verja de abismos es tu dentadura!<br />

Sexo de un alma triste de gloriosa;<br />

el placer unges de dolor; tu beso,<br />

puñal de fuego en vaina de embeleso,<br />

me come en sueños como un cáncer rosa...<br />

Joya de sangre y luna, vaso pleno<br />

de rosas de silencio y de armonía,<br />

nectario de su miel y su veneno,<br />

vampiro vuelto mariposa al día.<br />

Tijera ardiente de glaciales lirios,<br />

panal de besos, ánfora viviente<br />

donde brindan delicias y delirios<br />

fresas de aurora en vino de poniente...<br />

Estuche de encendidos terciopelos<br />

en que su <strong>voz</strong> es fúlgida presea,<br />

alas del verbo amenazando vuelos,<br />

cáliz en donde el corazón flamea.<br />

Pico rojo del buitre del deseo<br />

que hubiste sangre y alma entre mi boca,<br />

de tu largo y sonante picoteo<br />

brotó una llaga como flor de roca.<br />

Inaccesible... Si otra vez mi vida<br />

cruzas, dando a la tierra removida<br />

siembra de oro tu verbo fecundo,<br />

tú curarás la misteriosa herida:<br />

lirio de muerte, cóndor de vida,<br />

¡flor de tu beso que perf<strong>uma</strong> al mundo!<br />

AGUSTINI, Delmira. Poesías Completas. Ed. Manual Alvar. Barcelona: Editorial Labor,<br />

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i Especialista em metodologia do ensino de língua inglesa pela Faculdade Atlântico, Graduado<br />

em Letras português/inglês. Membro do grupo de pesquisa GPGFOP/UNIT. E-mail:<br />

yeper_rp@hotmail.com


ii Licenciatura Plena em Letras Vernáculas Português/Inglês pelo Instituto de Letras, Artes e<br />

Comunicação da UFS/1972. E-mail: tania88meneses@hotmail.com<br />

iii Mestre em Ciências da Educação pela Universidade Internacional de Lisboa, Especialista<br />

em Administração e Supervisão Escolar. Docente da Faculdade Pio Décimo. E-mail:<br />

vmaia@infonet.com.br

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