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LITERATURA E MODA – UMA ABORDAGEM ... - Artigo Científico

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Resumo<br />

<strong>LITERATURA</strong> E <strong>MODA</strong> <strong>–</strong> <strong>UMA</strong> <strong>ABORDAGEM</strong> INTERSEMIÓTICA<br />

Metafísica da Indumentária à Arte Literária<br />

Cláudio Lúcio Firmo da Silveira 1<br />

O presente artigo objetiva estabelecer análise semiótica entre a Literatura e a<br />

Moda, visualizando o papel destes na difusão de relações estéticas constituin-<br />

tes da identidade cultural a partir da determinação de mimetismo de detalhes<br />

(vestuário, gestual, linguagem e atitudes).<br />

A perspectiva comparada permite a reflexão sobre dois importantes momentos<br />

da história cultural brasileira: a) o romantismo e o surgimento da moda; b) a<br />

modernidade, das primeiras décadas do século XX, com a intensificação dos<br />

deslocamentos espaço-temporais, a desintegração da subjetividade, a frag-<br />

mentação da visão, a compreensão do olhar como construção histórica; c) a in-<br />

ter-relação entre Literatura e Moda, analisando como a metafísica da indumen-<br />

tária influencia interage com aquela e como a Moda, no século XXI, se nutre do<br />

lúdico advindo da Literatura.<br />

Abstract<br />

This article aims to establish semiotic analysis between Literature and Fashion,<br />

viewing their role in the dissemination of aesthetic relations constituents of the<br />

cultural identity of the determination of mimicry details (clothing, gestures, lan-<br />

guage, and attitudes).<br />

1 Escritor, poeta, ensaísta, dramaturgo, professor e psicanalista. Licenciado em Letras pela PUC/MG. Sócio<br />

da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais - SBAT.


The comparative perspective allows consideration of two important moments in<br />

the history of brazilian culture: a) the romanticism and the emer-<br />

gence of fashion; b) modernity, the early decades of the twentieth century<br />

with the intensification of space-time shifts, the disintegration of subjectivi-<br />

ty, the fragmentation of vision, understanding the historical construc-<br />

tion look like; c) the interrelationship between Literature and Fashion, analyz-<br />

ing how the metaphysics of clothing that interacts with and influences such<br />

as fashion, in the XXI century, nourished by the novelty arising Literature.<br />

Palavras-chave: literatura, moda, semiótica, inspiração.<br />

Introdução<br />

Moda e Literatura são dois instrumentos para escrever, contar a histó-<br />

ria. Ronaldo Fraga<br />

Há muito se tem estudado a Literatura sob todos os prismas; buscam-<br />

se novos ângulos, novas perspectivas, novas nuances; desvendam-se misté-<br />

rios, criam-se teses, elaboram-se teorias, vislumbram-se detalhes outrora des-<br />

percebidos; enfim, rompem-se fronteiras, e a Literatura deixa de ser um amon-<br />

toado de palavras e sons e estruturas linguísticas e passa a ser fonte de pes-<br />

quisa e de apropriação dos mais variados campos do conhecimento humano.<br />

Mesmo a Moda apaixonou-se por ela e enveredou-se em um amor compulsivo<br />

(porém, correspondido) e se inspira na fonte das Letras, como quem se embri-<br />

aga de ternura.


O Velho Bruxo do Cosme e a Metafísica 2 das Coisas<br />

O trabalho permite perceber que a moda, quando observada e analisada<br />

no espaço ficcional da Literatura, torna-se uma fonte para a<br />

compreensão de um povo, de uma época, de uma cultura e de uma<br />

sociedade.<br />

Geanneti Tavares Salomon<br />

Ao se levantar as referências aos elementos da indumentária ou do<br />

adorno, identifica-se que Machado de Assis não teve a intenção de criar um<br />

quadro da vestimenta da época <strong>–</strong> valeu-se dela como elemento da estrutura da<br />

narrativa, diferenciando-se, assim, do paradigma proposto nas obras de José<br />

de Alencar. Se <strong>–</strong> por outro lado <strong>–</strong> se confrontasse a obra machadiana com ou-<br />

tras importantes da literatura estrangeira, como o conto O Capote 3 , de Nikolai<br />

Gogol 4 e o romance, Ilusões Perdidas 5 , de Honoré de Balzac 6 , concluir-se-ia<br />

que a indumentária, na obra machadiana, adquire múltiplos significados, supe-<br />

2 Do grego antigo μετα [metà] = além de; e Φυσις [physis] = física) constitui-se uma das disciplinas fundamentais<br />

da Filosofia e visa descrever fundamentos, condições, leis, estrutura básica, causas ou princípios<br />

primeiros, bem como o sentido e a finalidade da realidade como um todo. O ramo central da Metafísica<br />

é a Ontologia, que investiga em quais categorias as coisas se localizam no mundo e quais as relações<br />

dessas coisas entre si; além disso, tenta esclarecer as noções de como as pessoas percebem o<br />

mundo, incluindo a existência e a natureza do relacionamento entre objetos e suas propriedades, espaço,<br />

tempo, causalidade, e possibilidade.<br />

3 Escrita em 1842, é considerada a obra-prima da Literatura Russa. É a história de um pobre funcionário<br />

público que, a grandes custos, consegue comprar um novo capote que lhe é roubado no mesmo dia em<br />

que o inauguraria. Segue-se, então, uma via-crúcis pela burocracia. Ao invés do capote, ele consegue<br />

apenas uma grande reprimenda de um alto funcionário, interessado em impressionar um amigo. Unido<br />

a uma gripe que o acomete por estar sem capote, e, portanto, desprotegido do terrível frio de São Petersburgo,<br />

vem a óbito. Seu fantasma passa, então, a puxar o capote de todos os que se aventuravam a<br />

sair à noite. Trata-se de um conto que se vale da indumentária para denunciar questões sociais da Rússia<br />

do século XIX, satirizando todo aquele sistema.<br />

4 Nikolai Vasilievich Gogol (Ucrânia, 20 de março de 1809 - Moscou, 21 de fevereiro de 1852), proeminente<br />

escritor russo de origem ucraniana, da primeira metade do século XIX. Apesar de seus trabalhos<br />

terem sido influenciados pela tradição ucraniana, escreveu em russo, e sua obra é considerada herança<br />

da literatura deste país. Toda a sua obra se funda no Realismo, viés que viria a ser o Surrealismo. Gogol<br />

foi o verdadeiro introdutor do Realismo na Literatura Russa, o precursor de todos os grandes escritores<br />

que se lhe seguiram. Nos dizeres de Dostoievski: "Todos nós saímos de O Capote de Gogol".<br />

5 É um dos 95 livros da que constituem a Comédie Humaine; foi escrito entre 1837 e 1843.<br />

6 Honoré de Balzac (Tours, departamento francês de Indre-et-Loire, 20 de maio de 1799 - Paris, 18 de<br />

agosto de 1850); escritor francês, notável por suas observações psicológicas que visam retratar todos os<br />

níveis da sociedade francesa da época, em particular a florescente burguesia após a queda de Napoleão<br />

Bonaparte em 1815.


ando em os encontrados nos romances balzaquianos, que propõe a vestimen-<br />

ta como sendo, sobretudo, importante símbolo de insígnia social. O Velho Bru-<br />

xo do Cosme 7 vale-se dos elementos da indumentária como importantes para-<br />

digmas indiciários, capazes, por si, de revelarem a globalidade à qual perten-<br />

cem. Assim, frisa-se, a observação dos elementos do adorno na obra machadi-<br />

ana revela contundentes características psicanalíticas das personagens, não<br />

obstante esclarecer questões proeminentes à compreensão da própria narrati-<br />

va.<br />

Não faz muito tempo, a mais misteriosa e eterna personagem feminina<br />

da Literatura Brasileira, Capitu 8 , do mestre Machado de Assis, tornou-se tema<br />

de mestrado nas mãos talentosas da Professora Geanneti Tavares Salomon 9 ,<br />

que concluiu o tema com o instigante e sedutor título “Registros Realistas da<br />

Moda como Parte do Jogo Romântico em Dom Casmurro, de Machado de As-<br />

sis 10 ”.<br />

Na afluência entre Moda e Literatura, Geanneti analisou a indumentária<br />

na naquela obra machadiana e percebeu que ela não era empregada como<br />

acessório ou apelo visual; mas que se fazia parte da estratégia da criação lite-<br />

rária e basilar à construção das personagens. Vislumbrou-se, pois, que a Moda<br />

era levada a sério pelo Bruxo do Cosme, até porque, Machado de Assis, des-<br />

crevia minuciosamente o que se usava à época, com incrível precisão historio-<br />

7 Epíteto respeitoso consagrado a Machado de Assis. O termo ganhou força no meio literário quando<br />

Carlos Drummond de Andrade publicou o poema: A um Bruxo, com Amor, no qual fez referência à casa<br />

de nº 18 da Rua Cosme Velho, situada no bairro de mesmo nome, no Rio de Janeiro, onde morou Machado<br />

de Assis.<br />

8 Capitolina (Capitu, como é conhecida) é personagem do livro Dom Casmurro de Machado de Assis,<br />

publicado em 1899. Penetrou no imaginário coletivo como tipo feminino, justificando múltiplos estudos<br />

psicológicos e literários, dada sua essência enigmática de <strong>–</strong> como lhe descreve o autor <strong>–</strong> “criatura de<br />

quatorze anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de chita, meio desbotado. (...) Calçava sapatos<br />

de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns pontos”.<br />

9 Graduada em Letras, Mestre em Literatura, Professora da PUC/MG, estilista, produtora de Moda e figurinista;<br />

trabalha para diversas campanhas publicitárias de TV e mídia impressa. Leciona nos cursos de<br />

Moda do Centro Universitário UNA e da Faculdade Estácio de Sá/BH.<br />

10 Machado de Assis é o melhor romancista brasileiro e, sem o menor resquício de exagero, incluído na<br />

lista dos maiores narradores do século XIX, sendo considerado por diversos especialistas, nacionais e estrangeiros,<br />

como um dos cem maiores escritores de toda a história da Literatura Universal. Sua íntima<br />

relação com a sociedade do seu tempo o fez criar a emblemática obra-prima: Dom Casmurro, publicado<br />

em 1899. É o fundador da Academia Brasileira de Letras <strong>–</strong> ABL.


gráfica. Exemplo disso é o diálogo entre Capitu e Bentinho, quanto à ida deste<br />

ao seminário; ela <strong>–</strong> ainda menina <strong>–</strong> assistira à missa de saia balão.<br />

No desenrolar da pesquisa, desvendou-se parte do mistério: o roman-<br />

cista cria magistralmente a ideia de personagens segundo a qual se despontam<br />

adulteradas conforme seu descritivo agregado na narrativa. A moda, nesse<br />

contexto, possui a dimensão sociocultural.<br />

O preciosismo do discurso machadiano reside na descrição peculiar da<br />

indumentária de José Dias e que remete a implicações no jogo irônico presente<br />

no romance. Assim, o romancista o delineia: “(...) Cosi-me muito à parede, e vi-<br />

o passar com as suas calças brancas engomadas, presilhas, rodaque e gravata<br />

de mola. Foi dos últimos que usaram presilhas no Rio de Janeiro, e talvez nes-<br />

te mundo. Trazia as calças curtas para que lhe ficassem bem esticadas. A gra-<br />

vata de cetim prêto, com um arco de aço por dentro, imobilizava-lhe o pescoço;<br />

era então moda (...)”.<br />

Mostra-se, pois, ao leitor o caráter contraditório e calculista da perso-<br />

nagem, porquanto sabia muito bem usar os artifícios da moda, seu poder, para<br />

projetar-se como almejava.<br />

Vinculada, pois, à Moda, a questão da etiqueta encontra-se presente<br />

na obra e faz parte do universo da ambiguidade que permeia o romance, em<br />

cuja estrutura se enfatiza a moda feminina, não só como elemento de elegân-<br />

cia na tentativa utópica de aproximação do proletariado à burguesia, mas en-<br />

quanto componente essencial do ser e do parecer, do mostrar-se e do escon-<br />

der-se. Nesse lúdico da literatura engajada (e nisso discordaria a maioria dos<br />

estudiosos) Machado de Assis se valia da moda feminina do século XIX, visan-<br />

do ao jogo irônico presente na obra.<br />

Todas as imagens do romance machadiano se mostram fluidas, razão<br />

do sentido de duplicidade. A estratégia da narrativa se funda no não fechamen-<br />

to da obra, e se emprega da indumentária para manter-se a atmosfera ambígua<br />

(sem deixar de ser irônica); nesse contexto, entra-se a Moda e se vale da rou-<br />

pa para erigir espaço dos personagens, que, enquanto usuários de Moda, se<br />

revelam susceptíveis aos poderes dela emanados. Nesse ínterim, insofismável<br />

eu a indumentária constitui-se suporte à construção de identidades ficcionais.


Vale-se o narrador da Moda visando assegurar a coerência visual do<br />

romance; a Moda surge-lhe como forma de sedução, razão por que pinta-se a<br />

Capitu menina (com seu vestido de chita) de forma exageradamente infantiliza-<br />

da, visando conceder-lhe ingenuidade, aí, a chita se presta por estampa; e a<br />

Capitu mulher, em sua indumentária de cada época, vai ao baile com os braços<br />

à mostra.<br />

Mesmo no conto Uma Visita de Alcibíades, de seu terceiro livro Papéis<br />

Avulsos, de Machado de Assis, além dos conceitos de beleza e suas modifica-<br />

ções através do tempo, estabelecia um contraste entre a vestimenta típica do<br />

homem na Grécia antiga e a indumentária característica do homem no século<br />

XIX. Mais que falar sobre Moda, o Velho Bruxo do Cosme desmontou a repre-<br />

sentação social da arte de vestir-se e ridicularizava a instabilidade da moda.<br />

Na obra O Espírito das Roupas, de Gilda de Mello e Souza, fala-se da<br />

sedução do século XIX, época na qual a mulher era casamenteira, e a indu-<br />

mentária masculina se tornava sóbria, repassou-se o vestir rebuscado à mu-<br />

lher. O Velho Bruxo do Cosme se vale dessa sedução propiciada pela Moda<br />

para erigir uma das dez mais importantes obras ficcionais da história da Litera-<br />

tura Universal.<br />

A Indumentária como Poética do Inconsciente<br />

Atenha-se ao texto:<br />

Eu, Etiqueta<br />

Carlos Drummond de Andrade<br />

Em minha calça está grudado um nome<br />

Que não é meu de batismo ou de cartório<br />

Um nome... estranho.<br />

Meu blusão traz lembrete de bebida<br />

Que jamais pus na boca, nessa vida,<br />

Em minha camiseta, a marca de cigarro<br />

Que não fumo, até hoje não fumei.<br />

Minhas meias falam de produtos<br />

Que nunca experimentei<br />

Mas são comunicados a meus pés.<br />

Meu tênis é proclama colorido<br />

De alguma coisa não provada<br />

Por este provador de longa idade.<br />

Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,<br />

Minha gravata e cinto e escova e pente,<br />

Meu copo, minha xícara,<br />

Minha toalha de banho e sabonete,<br />

Meu isso, meu aquilo.<br />

Desde a cabeça ao bico dos sapatos,<br />

São mensagens,<br />

Letras falantes,<br />

Gritos visuais,<br />

Ordens de uso, abuso, reincidências.<br />

Costume, hábito, permência,<br />

Indispensabilidade,<br />

E fazem de mim homem-anúncio itinerante,<br />

Escravo da matéria anunciada.<br />

Estou, estou na moda.<br />

É duro andar na moda, ainda que a moda<br />

Seja negar minha identidade,<br />

Trocá-la por mil, açambarcando


Todas as marcas registradas,<br />

Todos os logotipos do mercado.<br />

Com que inocência demito-me de ser<br />

Eu que antes era e me sabia<br />

Tão diverso de outros, tão mim mesmo,<br />

Ser pensante sentinte e solitário<br />

Com outros seres diversos e conscientes<br />

De sua humana, invencível condição.<br />

Agora sou anúncio<br />

Ora vulgar ora bizarro.<br />

Em língua nacional ou em qualquer língua<br />

(Qualquer principalmente.)<br />

E nisto me comparo, tiro glória<br />

De minha anulação.<br />

Não sou - vê lá - anúncio contratado.<br />

Eu é que mimosamente pago<br />

Para anunciar, para vender<br />

Em bares festas praias pérgulas piscinas,<br />

E bem à vista exibo esta etiqueta<br />

Global no corpo que desiste<br />

De ser veste e sandália de uma essência<br />

Tão viva, independente,<br />

Que moda ou suborno algum a compromete.<br />

Onde terei jogado fora<br />

Meu gosto e capacidade de escolher,<br />

Minhas idiossincrasias tão pessoais,<br />

Tão minhas que no rosto se espelhavam<br />

E cada gesto, cada olhar<br />

Cada vinco da roupa<br />

Sou gravado de forma universal,<br />

Saio da estamparia, não de casa,<br />

Da vitrine me tiram, recolocam,<br />

Objeto pulsante mas objeto<br />

Que se oferece como signo dos outros<br />

Objetos estáticos, tarifados.<br />

Por me ostentar assim, tão orgulhoso<br />

De ser não eu, mas artigo industrial,<br />

Peço que meu nome retifiquem.<br />

Já não me convém o título de homem.<br />

Meu nome novo é Coisa.<br />

Eu sou a Coisa, coisamente.<br />

O maior poeta brasileiro 11 não se furtou a flertar com a Moda. E nem<br />

poderia ser diferente. Porém, o faz de modo diferente, farto em crítica explícita.<br />

Vale-se do signo como elemento para arguir a individualidade. Mas a etiqueta<br />

presa à indumentária <strong>–</strong> e da qual nada se conhece <strong>–</strong> é a etiqueta do produto ou<br />

um signo 12 ? As estampas contidas no blusão, na camiseta, nas meias, não se-<br />

11 Carlos Drummond de Andrade (Itabira / MG, 31 de outubro de 1902 - Rio de Janeiro, 17 de agosto<br />

de 1987) foi, entre outras atividades, poeta, contista e cronista brasileiro. Embora herde características<br />

do Modernismo, transcende a seus postulados <strong>–</strong> como fizeram Fernando Pessoa, Jorge de Lima e Murilo<br />

Mendes <strong>–</strong> inserindo um coeficiente de solidão, que conduz o leitor a uma atitude livre de referências, ou<br />

de marcas ideológicas, ou prospectivas, conforme afirmaria, mais tarde, o estudioso Alfredo Bosi (1994).<br />

O Escritor Affonso Romano de Sant’Anna, entretanto, estabelece a poesia de Drummond a partir da dialética<br />

"eu x mundo", desdobrando-a em três atitudes: a) Eu maior que o mundo <strong>–</strong> marcada pela poesia<br />

irônica; b) Eu menor que o mundo <strong>–</strong> marcada pela poesia social; e, c) Eu igual ao mundo <strong>–</strong> abrange a poesia<br />

metafísica. Quanto à sua poética política, deve-se ater ao contexto em que o poeta escreve: período<br />

da Guerra Fria ao qual se prende o neocapitalismo, às ditaduras, à tecnocracia. No final da década de<br />

1980, entretanto, o erotismo aufere espaço na sua poesia até seu derradeiro livro. Considerado, por estas<br />

e outras razões, o maior poeta brasileiro e um dos cem maiores escritores da Literatura Universal, ao<br />

lado de Camões, William Shakespeare e Fernando Pessoa, é estudado, exaustivamente, nos maiores<br />

centros acadêmicos do mundo.<br />

12 A clássica acepção de signo é a de coisa empregada, referida ou tomada no lugar de outra (aliquid<br />

pro aliquo); portanto, abarcar desde os "signos naturais", aos signos substitutivos (ícones), como os<br />

símbolos. O signo linguístico mostra-se artificial; porém, é o signo propriamente dito, em oposição aos<br />

de expressão derivativa, porquanto remonta uma relação arbitrária entre um significado e um significante,<br />

como descrito por Ferdinand de Saussure, em seu Curso de Linguística Geral, onde o signo se revela<br />

impressão psíquica. Assim, na estrutura gramatical, os signos linguísticos acepcionam representações<br />

das ideias. Da relação entre aqueles dois formantes do signo, insurge uma função indissociável e<br />

definidora de seus funtivos. Para a ilustre pesquisadora brasileira Ingedore Koch, “(...) signos são enti-


iam publicidades gratuitas e pelas quais ainda assim se paga para usar? To-<br />

dos os produtos que rodeiam as pessoas são mensagens? E essas mensa-<br />

gens, e o uso de imperativos, denunciados nesses versos, retratam costumes<br />

ou ordens? O homem é um veículo de propaganda que tem liberdade de esco-<br />

lha? O ser humano que vive na realidade pronunciada pelo poema, sabe se re-<br />

conhecer? Sabe se é ser humano ou coisa?<br />

O poema aproxima-se dos estudos de Bakhtin 13 , pois a linguagem<br />

aponta a necessidade de se observar “o papel produtivo e a natureza social da<br />

enunciação” (BAKHTIN, 1999, p. 27):<br />

A enunciação enquanto tal é um puro produto da interação social,<br />

quer se trate de um ato de fala determinado pela situação imediata<br />

ou pelo contexto mais amplo que constitui o conjunto das condições<br />

de vida de uma determinada comunidade linguística. (BAKHTIN,<br />

1999, p. 121).<br />

Descreve-se a palavra, em Marxismo e Filosofia da Linguagem (Bakh-<br />

tin), como neutra, não admitindo significação ou valor semiótico, uma vez que,<br />

quando absorve valor ou significado, se transforma em enunciado. Em Estética<br />

da Criação Verbal, Bakhtin, assevera que “cada esfera de utilização da língua<br />

elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que de-<br />

nominamos gêneros do discurso.” (BAKHTIN, 2000, p. 279), o que se dá em<br />

decorrência da comunicação cultural, na forma de romance, de discurso cientí-<br />

fico e/ou ideológico etc., ou serem vistos enquanto diálogo cotidiano:<br />

Em cada época de seu desenvolvimento, a língua escrita é marcada<br />

pelos gêneros do discurso e não só pelos gêneros secundários (literários,<br />

científicos, ideológicos), mas também pelos gêneros primários<br />

(os tipos do diálogo oral: linguagem das reuniões sociais, dos círculos,<br />

linguagem familiar, cotidiana, linguagem sociopolítica, filosófica<br />

etc.). (BAKHTIN, 2000, p. 285)<br />

dades em que sons ou sequências de sons <strong>–</strong> ou suas correspondências gráficas <strong>–</strong> estão ligados com significados<br />

ou conteúdos. (...) Os signos são assim instrumentos de comunicação e representação, na medida<br />

em que, com eles, configuramos linguisticamente a realidade e distinguimos os objetos entre si”.<br />

13 Mikhail Mikhailovich Bakhtin (1895 - 1975) linguista russo cujo trabalho é considerado influente na<br />

área de teoria e crítica literária, sociolinguística, análise do discurso e semiótica. Seus estudos dão conta<br />

de que a linguística transpõe a visão de língua como sistema, posto que, para ele, não se pode entender<br />

a língua isoladamente; todavia, qualquer análise linguística deve incluir fatores extralinguísticos como<br />

contexto da linguagem, relação dos interlocutores, instante histórico etc.


Eu, Etiqueta, mostra-se enunciado complexo direcionado ao leitor e <strong>–</strong><br />

enquanto ato comunicativo social <strong>–</strong> se volta a um propósito específico:<br />

O enunciado está voltado não só para o seu objeto, mas também para<br />

o discurso do outro acerca desse objeto. A mais leve alusão ao<br />

enunciado do outro confere à fala um aspecto dialógico que nenhum<br />

tema constituído puramente pelo objeto poderia conferir-lhe. (BAKH-<br />

TIN, 2000, p. 320).<br />

Como a relação dialógica conduz certas ideologias 14 , posto conter sig-<br />

nos entendidos enquanto agente ideológico; destarte, “tudo que é ideológico<br />

possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros<br />

termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe ideolo-<br />

gia.” (BAKHTIN, 1999, p. 31). Sendo assim, não obstante descrever questões<br />

ideológicas de dominação, o texto de Drummond elucubra questões ideológi-<br />

cas de dominados.<br />

Todo e qualquer produto de consumo (e a Moda não deixa de ser pro-<br />

duto de consumo) transforma-se em signo para acolher uma função ideológica;<br />

no entanto, há a comunicação na vida cotidiana, que Bakhtin atribuía grande<br />

valoração: “ela está diretamente vinculada aos processos de produção e, por<br />

outro lado, diz respeito às esferas das diversas ideologias especializadas e<br />

formalizadas.” (1999, p. 37). Assim, nota-se que as funções ideológicas transi-<br />

tam entre as classes sociais.<br />

Há que se vislumbrar e entender, portanto, que a realidade ideológica<br />

constitui-se superestrutura posicionada imediatamente acima da base econô-<br />

mica e que a consciência individual não está e nem a constrói, pois ela se loca-<br />

liza no social e nos signos ideológicos. Por conseguinte, compreender um sig-<br />

no, implica estabelecer inter-relações com outros já conhecidos, pois estes, na<br />

cadeia de criatividade ideológica, se deslocam para outros, criando novos sig-<br />

nos em um processo de interação social.<br />

14 A origem do termo ocorreu com Destutt de Tracy, que cunhou a palavra e lhe deu o primeiro de seus<br />

significados: ciência das ideias. A posteriori, adquiriu nova acepção quando Napoleão titulou De Tracy e<br />

seus seguidores de "ideólogos" no sentido de "deformadores da realidade". Para alguns pensadores<br />

como Karl Marx, a ideologia age mascarando a realidade; contudo, o sociólogo John B. Thompson oferece<br />

uma formulação crítica ao termo ideologia, derivada daquela oferecida por Marx, mas que lhe retira<br />

o caráter de ilusão (da realidade) ou de falsa consciência, e concentra-se no aspecto das relações de<br />

dominação.


O poema, ao valer-se da Moda e da marca que ela se faz representar<br />

pelas etiquetas, esbarra na questão da alienação, a qual só será apreendia se<br />

se compreender que o indivíduo aliena-se quando não percebe as relações de<br />

ameaça e de domínio que lhe circundam o trabalho. Nesse sentido:<br />

O trabalho alienado é aquele no qual o produtor não pode reconhecer-se<br />

no produto de seu trabalho, porque as condições desse trabalho,<br />

suas finalidades reais e seu valor não dependem do próprio trabalhador,<br />

mas do proprietário das condições do trabalho. (CHAUÍ,<br />

1994, p. 55).<br />

Assim, o poema Eu, Etiqueta, versa sobre a alienação presente na so-<br />

ciedade brasileira, à medida que o indivíduo não se reconhece frente aos pro-<br />

dutos que consome, sendo certo, ainda, que alienação é carreada pelas ideo-<br />

logias da classe dominante, que detém os meios de produção e, portanto, faz<br />

com que o cidadão não se reconheça face aos produtos que o rodeia; razão<br />

por que os que produzem indumentárias com nomes (etiquetas) que não são<br />

os seus, não possuem aptidão de comprá-las, justamente por causa da sepa-<br />

ração que resulta em dominação.<br />

Drummond <strong>–</strong> ao valer-se da Moda <strong>–</strong> não só versa sobre a força labora-<br />

tiva, mas também avoca outro conceito de Karl Marx 15 : o fetichismo 16 , que, em<br />

parcas palavras, constitui-se na força de trabalho se transformando em merca-<br />

doria: “a mercadoria será considerada a forma mais simples e mais abstrata do<br />

modo de produção capitalista” (CHAUÍ, 1994, p. 48). Nessa linha argumentati-<br />

va, o fetichismo ao criar a alienação aniquila a possível visualização do proces-<br />

so de coisificação, também conhecido como reificação, dá-se no fecho do po-<br />

ema: “Meu nome é a coisa. / Eu sou a Coisa, coisamente”. Assim, o poema Eu,<br />

15 Karl Heinrich Marx (Tréveris, 5 de maio de 1818 - Londres, 14 de março de 1883): intelectual e revolucionário<br />

alemão, fundador da doutrina comunista moderna; atuou como economista, filósofo, historiador,<br />

teórico político e jornalista.<br />

16 Constitui-se desvio do interesse sexual para algumas partes do corpo do parceiro, para alguma função<br />

fisiológica, para cenários ou locais inusitados, para fantasias de simulação (aluna, empregada doméstica,<br />

enfermeira, secretária etc.) ou para peças de vestuário, adorno etc. Entretanto, o sentido empregado<br />

nesse artigo <strong>–</strong> embora não alijado desse conceito psicanalítico <strong>–</strong> vincula-se ao denominado fetichismo<br />

da mercadoria, modo pelo qual Karl Marx denominou o fenômeno social e psicológico onde as<br />

mercadorias aparentam deter uma vontade independente de seus produtores. Sendo assim, trata-se de<br />

uma relação social entre pessoas mediatizada por coisas e cujo resultado configura a aparência de uma<br />

relação direta entre as coisas e não entre as pessoas; assim, as pessoas agem como coisas e as coisas,<br />

como pessoas.


Etiqueta relata abstração e inversão; aquela o não reconhecer a si mesmo; es-<br />

ta quando se reconhece e se aceita como anúncio.<br />

Na esteira deste raciocínio, frisa-se que o texto Eu, Etiqueta configura-<br />

se enunciado poético concreto, que sintetiza um momento histórico, dotando-o<br />

de expressão semiótica 17 que se destina a duas orientações: uma, “em direção<br />

ao sujeito”, e a outra, a partir dele “em direção à ideologia” (BAKHTIN, 1999, p.<br />

60).<br />

No poema, levadas a efeito tais postulados, as mensagens publicitá-<br />

rias, as estampas de produtos, os próprios produtos, a linguagem empregada,<br />

os imperativos, tudo que Carlos Drummond alude como artefatos, constituem-<br />

se signos, que, em última instância, insofismavelmente, nada mais é que ideo-<br />

logia.<br />

Carlos Drummond de Andrade, entretanto, é ilimitado; e, enquanto, in-<br />

finito, vale-se, novamente da Moda para construir um de seus mais belos poe-<br />

mas:<br />

17 Do Grego σημειωτικός (sēmeiōtikos) = "a ótica dos sinais", é a ciência geral dos signos e da semiose<br />

que estuda todos os fenômenos culturais como se fossem sistemas de significação. Foi usada pela primeira<br />

vez em Inglês por Henry Stubbes (1670) para indicar o ramo da ciência médica dedicado ao estudo<br />

da interpretação de sinais. John Locke usou os termos "semeiotike" e "semeiotics" no livro IV, capítulo<br />

XXI do Ensaio Acerca do Entendimento Humano (1690). Entretanto, modernamente, há a semântica<br />

no design de produto que estabelece que todo objeto, além de sua funcionalidade prática e estética,<br />

constitui-se símbolo cultural, como uma peça de moda; todavia, quando o objeto se revela promocional,<br />

representa uma empresa, e, por isso, se torna um símbolo desta.


Caso do Vestido<br />

Nossa mãe, o que é aquele<br />

Vestido, naquele prego?<br />

Minhas filhas, é o vestido<br />

de uma dona que passou.<br />

Passou quando, nossa mãe?<br />

Era nossa conhecida?<br />

Minhas filhas, boca presa.<br />

Vosso pai evém chegando.<br />

Nossa mãe, dizei depressa<br />

que vestido é esse vestido.<br />

Minhas filhas, mas o corpo<br />

ficou frio e não o veste.<br />

O vestido, nesse prego,<br />

está morto, sossegado.<br />

Nossa mãe, esse vestido<br />

tanta renda, esse segredo!<br />

Minhas filhas, escutai<br />

palavras de minha boca.<br />

Era uma dona de longe,<br />

vosso pai enamorou-se.<br />

E ficou tão transtornado,<br />

se perdeu tanto de nós,<br />

se afastou de toda vida,<br />

se fechou, se devorou,<br />

chorou no prato de carne,<br />

bebeu, brigou, me bateu,<br />

me deixou com vosso berço,<br />

foi para a dona de longe,<br />

mas a dona não ligou.<br />

Em vão o pai implorou.<br />

Dava apólice, fazenda,<br />

dava carro, dava ouro,<br />

beberia seu sobejo,<br />

lamberia seu sapato.<br />

Mas a dona nem ligou.<br />

Então vosso pai, irado,<br />

me pediu que lhe pedisse,<br />

a essa dona tão perversa,<br />

que tivesse paciência<br />

e fosse dormir com ele...<br />

Nossa mãe, por que chorais?<br />

Nosso lenço vos cedemos.<br />

Minhas filhas, vosso pai<br />

chega ao pátio. Disfarcemos.<br />

Nossa mãe, não escutamos<br />

pisar de pé no degrau.<br />

Minhas filhas, procurei<br />

aquela mulher do demo.<br />

E lhe roguei que aplacasse<br />

de meu marido a vontade.<br />

Eu não amo teu marido,<br />

me falou ela se rindo.<br />

Mas posso ficar com ele<br />

se a senhora fizer gosto,<br />

só pra lhe satisfazer,<br />

não por mim, não quero homem.<br />

Olhei para vosso pai,<br />

os olhos dele pediam.<br />

Olhei para a dona ruim,<br />

os olhos dela gozavam.<br />

O seu vestido de renda,<br />

de colo mui devassado,<br />

mais mostrava que escondia<br />

as partes da pecadora.<br />

Eu fiz meu pelo-sinal,<br />

me curvei... disse que sim.<br />

Sai pensando na morte,<br />

mas a morte não chegava.<br />

Andei pelas cinco ruas,<br />

passei ponte, passei rio,<br />

visitei vossos parentes,<br />

não comia, não falava,<br />

tive uma febre terçã,<br />

mas a morte não chegava.<br />

Fiquei fora de perigo,<br />

fiquei de cabeça branca,<br />

perdi meus dentes, meus olhos,<br />

costurei, lavei, fiz doce,<br />

minhas mãos se escalavraram,<br />

meus anéis se dispersaram,<br />

minha corrente de ouro<br />

pagou conta de farmácia.<br />

Vosso pais sumiu no mundo.<br />

O mundo é grande e pequeno.<br />

Um dia a dona soberba<br />

me aparece já sem nada,<br />

pobre, desfeita, mofina,<br />

com sua trouxa na mão.


Dona, me disse baixinho,<br />

não te dou vosso marido,<br />

que não sei onde ele anda.<br />

Mas te dou este vestido,<br />

última peça de luxo<br />

que guardei como lembrança<br />

daquele dia de cobra,<br />

da maior humilhação.<br />

Eu não tinha amor por ele,<br />

ao depois amor pegou.<br />

Mas então ele enjoado<br />

confessou que só gostava<br />

de mim como eu era dantes.<br />

Me joguei a suas plantas,<br />

fiz toda sorte de dengo,<br />

no chão rocei minha cara,<br />

me puxei pelos cabelos,<br />

me lancei na correnteza,<br />

me cortei de canivete,<br />

me atirei no sumidouro,<br />

bebi fel e gasolina,<br />

rezei duzentas novenas,<br />

dona, de nada valeu:<br />

vosso marido sumiu.<br />

Aqui trago minha roupa<br />

que recorda meu malfeito<br />

de ofender dona casada<br />

pisando no seu orgulho.<br />

Recebei esse vestido<br />

e me dai vosso perdão.<br />

Olhei para a cara dela,<br />

quede os olhos cintilantes?<br />

quede graça de sorriso,<br />

quede colo de camélia?<br />

quede aquela cinturinha<br />

delgada como jeitosa?<br />

quede pezinhos calçados<br />

com sandálias de cetim?<br />

Olhei muito para ela,<br />

boca não disse palavra.<br />

Peguei o vestido, pus<br />

nesse prego da parede.<br />

Ela se foi de mansinho<br />

e já na ponta da estrada<br />

vosso pai aparecia.<br />

Olhou pra mim em silêncio,<br />

mal reparou no vestido<br />

e disse apenas: — Mulher,<br />

põe mais um prato na mesa.<br />

Eu fiz, ele se assentou,<br />

comeu, limpou o suor,<br />

era sempre o mesmo homem,<br />

comia meio de lado<br />

e nem estava mais velho.<br />

O barulho da comida<br />

na boca, me acalentava,<br />

me dava uma grande paz,<br />

um sentimento esquisito<br />

de que tudo foi um sonho,<br />

vestido não há... nem nada.<br />

Minhas filhas, eis que ouço<br />

vosso pai subindo a escada.<br />

Carlos Drummond de Andrade<br />

In A Rosa do Povo. Ed. José Olympio, 1945.<br />

Composto por setenta e três dísticos de versos regulares, o poema<br />

apresenta estrutura dramática, uma vez que apresenta personagens, diálogos<br />

e progressão de enredo, com clímax e desfecho; a abertura dá-se por meio de<br />

colóquio entre as filhas curiosas e a genitora. Em todo o texto, entretanto, há<br />

uma atmosfera de expectativa e de tensão, seja pela terrível história que a mãe<br />

propõe-se a relatar, seja pela iminente chegada do pai. Sofridamente, a mulher<br />

conta a loucura do marido que se apaixonara por uma “dona de longe”.


Caso do Vestido, além de ser um drama do cotidiano, desvela a bruta-<br />

lidade masculina da sociedade patriarcal, em que o poeta nascera e passou a<br />

sua infância e o início da juventude. Desta maneira, o poema sobre o cotidiano<br />

é, igualmente, um poema sobre o passado. A própria linguagem apresenta vá-<br />

rios elementos do coloquial arcaico, sem contar o uso de formas pronominais<br />

de tratamento arcaicas. Porém, o esplendor lírico de Caso do vestido decorre<br />

de inúmeros outros fatores: a) da capacidade de resignação feminina e dessa<br />

misteriosa força vital que impede a mãe de sucumbir; b) da pungente e ilimita-<br />

da paixão da mulher que a arrasta da suprema mortificação ao soberaníssimo<br />

perdão; c) da pequena, mas genial vingança que consiste em colocar o vestido<br />

da “dona” na parede, onde permanecerá como registro perpétuo da perfídia do<br />

marido; d) da crispada expectação que envolve toda a narrativa da mãe, conti-<br />

nuamente ameaçada pela chegada do pai; e) da estrutura teatral que sedimen-<br />

ta o poema, já referida anteriormente; f) da formulação do poema em dísticos<br />

de versos regulares que emprestam ao mesmo um ritmo recitativo; g) da utili-<br />

zação da linguagem coloquial, enriquecida por um processo estilístico pleno de<br />

sugestões, eufemismos, metáforas, elipses, anáforas, aliterações, antíteses e<br />

rimas internas. Assim, a espontaneidade da fala da mãe e dos diálogos com as<br />

filhas em nenhum verso cai na banalidade, risco de todo o poema que elege o<br />

cotidiano como motivo.<br />

No universo de Drummond, a indumentária se presta, pois, para abor-<br />

dar questões sociais (e é essa mesma uma das funções da Moda); assim, o<br />

vestido não só representa simbolicamente a espoliação da mulher pelo vetusto<br />

machismo, mas também, pela cosmovisão semiótica, significa <strong>–</strong> ainda que do<br />

ponto de vista do inconsciente <strong>–</strong> um troféu, com o qual a mulher faz questão de<br />

relembrar ao esposo quem é ela e quem é a outra, por melhor esteticamente<br />

que seja esta sobre aquela. Simultaneamente a indumentária exposta no prego<br />

constitui-se símbolo de poder de um e de conquista (libertação, ainda que ape-<br />

nas no plano psicológico) do outro.<br />

Se no contexto da Literatura o texto se ergue juntando-se elementos os<br />

mais variados, da mesma forma a Moda se constrói de detalhes, que, juntos,<br />

compõem a trama social. Não há que se negar, portanto, que a indumentária,<br />

não só no contexto literário, mas no social constitui-se elemento de afirmação e


de imposição, ainda que, em alguns momentos históricos se preste a impor<br />

ideologias e comportamentos.<br />

Ronaldo Fraga: Da Literatura à Semiótica da Moda<br />

Penso ser extremamente natural que, por trás de uma Moda, exista<br />

Literatura, exista pesquisa e muito estudo do contexto em que se vive.<br />

Posso fazer uma roupa muda. Tenho know how para isso. Mas<br />

quero que a roupa fale, grite, opine. Proponho com a minha roupa a<br />

construção divertida de um personagem, e isso é muito literário.<br />

Ronaldo Fraga<br />

Para Ronaldo Fraga 18 , militante do hibridismo entre Moda e cultura,<br />

roupa é letra; e as roupas falam. Antes, como se fosse um ensaio, bebera da<br />

genialidade do poeta maior Carlos Drummond de Andrade na coleção Todo<br />

Mundo é Ninguém. Em 2006, na São Paulo Fashion Week, <strong>–</strong> valendo-se do<br />

cinquentenário de publicação do romance Grande Sertão: Veredas 19 <strong>–</strong> Ronaldo<br />

Fraga homenageou o escritor mineiro, ícone da Literatura Brasileira, Guima-<br />

rães Rosa, na coleção A Cobra Ri <strong>–</strong> Uma História para Guimarães Rosa. Na<br />

ocasião, com uma passarela apinhada de folhas secas, apresentou desfile pe-<br />

ças estampadas com bichos e com o céu do sertão, em uma coleção fartamen-<br />

te colorida, com tecidos de algodão, malha e crepe em formas soltas e desco-<br />

ladas do corpo. Moda original, replena de personalidade, porém, usável. As pe-<br />

ças abrolharam com volume, descoladas do corpo, soltas; batas e túnicas sur-<br />

giram coloridas, em tecidos estrelados, inspirados no céu do sertão roseano. E<br />

eis que <strong>–</strong> como literatura fantástica <strong>–</strong> vestidos curtos sem exageros e com de-<br />

cotes fáceis, mangas interessantes e volumes em boas proporções, em algo-<br />

dão, crepe e malha, apareceram com desenhos de bichos em cores que reme-<br />

tiam ao sertão. Cobras, tamanduás, buritis e de reses estamparam batas, ber-<br />

mudas, saias e camisas. Ao final do desfile, Ronaldo Fraga fez-se presente<br />

18 Estilista mineiro, graduado em Estilismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), estudou<br />

em Nova York; cursou a Parson’s School com a bolsa que recebera por ter vencido um concurso da empresa<br />

Têxtil Santista. Em Londres, aprendeu chapelaria na Saint Martins e, junto com o irmão, abriu uma<br />

pequena produção de chapéus, vendidos nas famosas feiras de Camden Town e Portobello.<br />

19 Romance de Guimarães Rosa escrito em 1956, um dos mais importantes livros da Literatura Brasileira,<br />

estudada nos maiores centros de pesquisa mundiais; sobretudo, na Alemanha. Em 2006, o Museu da<br />

Língua Portuguesa realizou exposição sobre a obra no Salão de Exposições Temporárias, em comemoração<br />

ao cinquentenário da obra.


com uma pilha de livros de Guimarães Rosa às mãos, quais foram lançados a<br />

seus convidados, como quem pretendesse fazer lembrar-se da necessidade de<br />

ler-se mais, melhor e sempre.<br />

Visionário e socialmente engajado, o estilista, aos 25/07/2006, pôs à<br />

venda 20 , em Belo Horizonte, vinte e cinco peças inspiradas na cinquentenária<br />

obra Grande Sertão: Veredas, apresentadas durante o projeto Rosa no Rede-<br />

moinho 21 , e cuja verba arrecadada reverteu-se ao Museu Casa Guimarães Ro-<br />

sa, localizado em Cordisburgo, terra natal do escritor, região central do Estado.<br />

Para Fraga, a coleção apresentava “personagens únicos, histórias ‘cabulosas’,<br />

bichos do sertão, o céu sem fim, a sombra dos buritis, as cores encardidas, o<br />

tempo passado/passando bordado, desfiado, inventado. A mulher escondida<br />

em pele de vaqueiro. Noite e dia, bem e mal”.<br />

Literatura: Fonte Primeira da Moda<br />

Em 2006, a grife moda praia Poko Pano <strong>–</strong> no São Paulo Fashion Week<br />

Verão 2007 <strong>–</strong> concebeu modelos a desfilarem no convés de um navio pirata;<br />

inspirada na película Hook - A Volta do Capitão Gancho 22 . Muito embora algu-<br />

mas peças tenham sido apresentadas em xadrez, a coleção de biquínis e<br />

maiôs apareceu com listras grossas nas cores náuticas: vermelho, branco e<br />

azul-marinho, bem como nas cores preto e marrom; as cordinhas dos biquínis<br />

ganharam nós de marinheiro, e as calcinhas mostraram-se largas e despoja-<br />

das.<br />

20 As peças únicas encontraram-se à venda na loja Ronaldo Fraga, na Rua Raul Pompeia, 264, bairro São<br />

Pedro, em Belo Horizonte.<br />

21 Projeto concebido e realizado pela Secretaria de Estado de Cultura ocorreu em de maio/2006, no Palácio<br />

das Artes, em comemoração ao cinquentenário da obra Grande Sertão: Veredas. Destaque do<br />

evento, o desfile Ser Tão, de Ronaldo Fraga, apresentou 25 looks exclusivos inspirados na obra do escritor.<br />

22 Filme estadunidense de 1991, dirigido por Steven Spielberg e inspirado em obra do escritor britânico<br />

J.M. Barrie, criador do personagem Peter Pan. Estrelado pelos renomados atores Dustin Hoffman, como<br />

o perverso Capitão Gancho, Robin Williams, como o esquecido Peter Pan, e Julia Roberts, como a fada<br />

Sininho.


Aos 6 de novembro 2008, realizou-se, no Conjunto Nacional, o desfile<br />

performático Moda & Literatura, organizado por alunos do curso de Moda da<br />

FMU, sob a direção e a coordenação da Prof.ª Jô Souza, como parte da pro-<br />

gramação da 5ª Semana de Moda, promovida pela Livraria Cultura. Naquela<br />

ocasião, ultrapassaram-se os limites das passarelas e invadiram-se as ruas de<br />

São Paulo. Sem perder de vista as possibilidades de mercado, estudantes e<br />

professores se nutrem na inesgotável fonte de inspiração da Literatura para<br />

desenvolver 18 looks de grande impacto. Personagens como Dorian Gray 23 e<br />

Chico Chicó 24 desfilaram pelas principais avenidas próximas, vestindo criações<br />

que evocavam o universo de onde vieram. Traduziram-se signos literários por<br />

meio do vestuário. Visava-se estimular a pesquisa da cultura brasileira e da Li-<br />

teratura enquanto suporte à criação e ao desenvolvimento de coleções de mo-<br />

da.<br />

Em dezembro do mesmo ano, o Ibô Atelier lançou a criação de bolsas<br />

em homenagem aos célebres personagens machadianos e roseanos. O desig-<br />

ner 25 Rogério Fernandes assinou as primeiras peças da coleção batizada de<br />

Rosa Machado, em comemoração ao centenário de morte de Machado de As-<br />

sis e os cem anos do nascimento de João Guimarães Rosa 26 . Nelas, viam-se<br />

típicas xilografias nordestinas características da Literatura de Cordel 27 , com<br />

imagens de realismo fantástico e religiosidade.<br />

23 Personagem do romance O Retrato de Dorian Gray (The Picture of Dorian Gray) publicado por Oscar<br />

Fingal O'Flahertie Wills Wilde, considerado um dos grandes escritores irlandeses do século XIX; inicialmente<br />

publicado como a história principal da Lippincott's Monthly Magazine, em 20 de junho de 1890.<br />

24 Protagonista do drama nordestino Auto da Compadecida escrita em 1955 por Ariano Suassuna. Sua<br />

primeira encenação foi em 1956, em Recife, Pernambuco.<br />

25 Profissional habilitado a efetuar atividades relacionadas ao design. Em Inglês, refere-se o termo a<br />

qualquer indivíduo ligado a alguma atividade criativa ou de projeto; adotou-se esse anglicismo no Brasil,<br />

no final do século XX.<br />

26 João Guimarães Rosa (Cordisburgo, 27 de junho de 1908 — Rio de Janeiro, 19 de novembro de<br />

1967), médico e diplomata, tornou-se um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos.<br />

Como o checo Oskar Schindler, ajudou a salvar a vida de judeus durante o holocausto.<br />

27 Tipo de poema popular, originalmente oral <strong>–</strong> a posteriori <strong>–</strong> impresso em folhetos rústicos ilustrados<br />

com xilogravuras, expostos para venda pendurados em cordas ou cordéis, o que lhe deu origem ao nome<br />

originado em Portugal, que tinha a tradição de pendurar folhetos em barbantes. Os cordelistas recitam<br />

os versos de forma melodiosa e cadenciada, acompanhados de viola.


Mais adiante, a estilista Thais Leão, que não abre mão da informação<br />

lúdica e da Literatura enquanto insumo na hora de se pensar a coleção, buscou<br />

inspiração no romance O Jardim Secreto 28 , de Frances Hodgson Burnett, e, em<br />

2010, deixou-se seduzir pela insanidade do chá do Chapeleiro Maluco, um dos<br />

personagens do clássico da Literatura Infantil Alice no País das Maravilhas 29 ,<br />

de Lewis Carroll 30 .<br />

Na mesma ocasião <strong>–</strong> embora não optasse pela literatura lúdica <strong>–</strong>, a es-<br />

tilista Ana Magalhães, da Maria Bonita Extra, perpetrou uma viagem alucinante,<br />

ao extrair imagens doces e contidas de um clássico “pesado”: On the Road 31 ,<br />

do beat nick Jack Kerouac e cujo resultado redundou em uma belíssima cole-<br />

ção no Fashion Rio.<br />

Conclusão<br />

Indiscutível que, na sociedade contemporânea, pressionam-se, diutur-<br />

namente, as pessoas rumo ao consumo, impondo-lhes costumes e ideologias,<br />

razão pela qual, ainda que no plano do inconsciente, o cidadão tenha que se<br />

adaptar às exigências mercadológicas. Por outro lado, porém, Literatura e Mo-<br />

da vivem em simbiose contínua; se outrora a primeira se valia da segunda co-<br />

mo elemento argumentativo; hoje, esta se debruça sobre aquela para nutrir-se,<br />

28 Livro infantil, primeiramente publicado completo em 1911; considerado a mais importante obra da<br />

autora britânica, pois é a primeira história na qual um garoto e uma garota são os personagens principais.<br />

29 Obra mais conhecida do autor, que a publicou aos 4 de julho de 1865, e uma das mais célebres do<br />

gênero literário nonsense ou do surrealismo, sendo considerada clássico da Literatura Inglesa. Trata-se,<br />

na verdade, de história farta de alusões satíricas dirigidas tanto aos amigos como aos inimigos do autor<br />

e de paródias a poemas populares infantis ingleses ensinados no século XIX, razão pela qual se revela de<br />

difícil interpretação, pois contém dois livros num só texto: um para crianças e outro para adultos. Ademais,<br />

possui uma continuação: Alice do Outro Lado do Espelho.<br />

30 Pseudônimo do escritor e matemático Charles Lutwidge Dodgson, (Daresbury, 27 de janeiro de 1832<br />

— Guildford, 14 de Janeiro de 1898); lecionava matemática no Christ College, em Oxford. Sua obraprima<br />

é aclamada pela crítica mundial em função das fusões e da disposição espacial das palavras, como<br />

precursores da poesia de vanguarda.<br />

31 Considerado obra-prima, foi lançado nos Estados Unidos em 1957; responsável por uma das maiores<br />

revoluções do século XX escancarou o divertido da experiência da vida americana, a partir da viagem de<br />

dois jovens <strong>–</strong> Sal Paradise e Dean Moriaty <strong>–</strong> que atravessaram os Estados Unidos de costa a costa. Influenciou<br />

a música, do rock ao pop, os hippies e, a posteriori, o movimento punk.


eber do casto néctar dos deuses. E, ao fazê-lo, resgatou-se o lúdico, propicia-<br />

do pela interdisciplinaridade que ambas alimentam entre si e em relação a ou-<br />

tros tantos campos do conhecimento, resgatando o essencial à sobrevivência<br />

da alma humana: o lado poético da vida; ainda que haja, no dia a dia forte ele-<br />

mento individualista, resgatou-se o sonhar, a esperança.<br />

Se a Moda consegue interagir-se com a Literatura e busca nela o ideá-<br />

rio da indumentária, é porque resta uma esperança, a de que a inventividade<br />

humana é capaz de superar estigmas e problemas os mais variados possíveis,<br />

até porque resgata do abstrato a concretude, dando-lhe formas, plasmando,<br />

conectando-se, interagindo, recriando. E, aqui, perdoável o gerundismo, pois,<br />

posto que implique ação que não se interrompe, colide-se com o estático. Lite-<br />

ratura transcende o tempo; Moda <strong>–</strong> enquanto arte <strong>–</strong> se iguala a ela e não resul-<br />

ta em mero apetrecho mercadológico ou ideológico. Fazer com que o fantástico<br />

ganhe vida é o que se vislumbra nesse intercâmbio, dessa simbiose. E isso faz<br />

com que o homem, enquanto realmente humano, pense ser um deus.<br />

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