abril, maio, junho
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Documento digitalizado pela equipe de Mundorama - Divulgação Científica em Relações Internacionais (http://www.mundorama.net).<br />
simplicidade aparente, ela integra tres ele<br />
mentos indissoluvelmente ligados. Em primei-<br />
ro lugar, o solo em que deitamos raizes, o<br />
fundamento ultimo que orienta nossos atos<br />
profissionais: a tensao criadora entre a ideia e<br />
a realidade historica da nacao. Em segundo, a<br />
sociedade civil, que mediante sua movimen-<br />
tacao particular sinaliza, de maneira esponta-<br />
nea e assistematica, as metas de nosso agir<br />
estrategico. E, por fim, o proprio Estado, que<br />
alcanca seu objetivo quando atende aos re-<br />
clamos da sociedade e defende os interesses<br />
gerais do pais na arena externa.<br />
Enfatizar continuidade e mudanca, privilegiar<br />
a nacao, dialogar com a sociedade e favorecer<br />
o lado racional da atividade do Estado e rea-<br />
firmar, de imediato, os valores que orientam o<br />
Itamaraty. E tambem relembrar um de seus<br />
mais distinguidos servidores, o Embaixador<br />
Joao Guimaraes Rosa, patrono desta turma.<br />
Brasileiro e cosmopolita, atento as exigencias<br />
incisivas do agora e fascinado pela presenca<br />
subjacente do eterno, o imortal Cordisburgo<br />
realizou feito extraordinario: articulou a cultura<br />
brasileira ao pensamento universal e recolo-<br />
cou literariamente a questao ontologica a par-<br />
tir do incessante interrogar do ser no mundo.<br />
Diplomata excelente, deixou-nos em Grande<br />
Sertao: Veredas referencias politicas fun-<br />
damentais. Efetuar, na leitura de sua obra-<br />
prima, deslocamento da metafisica a politica<br />
conduz ao pronto reconhecer de alguns tracos<br />
distintivos do sistema internacional. "O sertao<br />
esta em toda a parte" (p.9). Neste espaco sem<br />
limites, a violencia domina, onipresente. Por<br />
isso mesmo, a questao e descobrir como su-<br />
perar o conflito, como reconhecer, na mistura<br />
sem sentido do real, aquilo que detem a pos-<br />
sibilidade de gestar um mundo novo.<br />
"O senhor sabe: sertao e onde manda quem e<br />
forte, com as astucias, deus mesmo, quando<br />
vier que venha armado" (pp.17118).<br />
"Tudo naquele tempo, e de cada banda que<br />
eu fosse, eram pessoas matando e morrendo,<br />
vivendo numa furia firme, numa certeza e eu<br />
nao pertencia a razao nehuma, nao guardava<br />
fe e nem fazia parte" (p.110).<br />
"Ser ruim, sempre, as vezes e custoso, carece<br />
de perversos exercicios de experiencia"<br />
(p.131).<br />
Tres frases esparsas, recolhidas do Grande<br />
Sertao. No entanto, que descricao mais con-<br />
tundente se poderia fazer do universo "hobbe-<br />
siano"? que melhor desenho de um sistema<br />
de poder no qual o operam destravadas as 16<br />
gicas funestas das hegemonias?<br />
No sertao, a paisagem politica e desoladora.<br />
Diante deste panorama, o que resta a fazer?<br />
Se bem lido o real, a catastrofe espreita a ca-<br />
da momento. A especie esta condenada a vi-<br />
ver sob ameaca do caos originado pela guer-<br />
ra. Como assegurar a vida humana em meio a<br />
violencia desmedida? De Hobbes a Hegel, no<br />
pensamento ocidental, a saida logica para es-<br />
ta situacao dilematica foi perseguida. As solu-<br />
coes propostas resultam na meia-vida, mo-<br />
mento decisivo da dialetica do Senhor e do<br />
Escravo. Mas a submissao aos mais fortes ou<br />
mesmo a servidao voluntaria, serao elas,<br />
meus alunos, o destino fatal dos homens no<br />
sertao? Onde buscar a contramola que nos<br />
resgate da tragedia criada no evolver da histo-<br />
ria?<br />
Interpretada com olhos de diplomata brasilei-<br />
ro, esta indagacao pode ser vista como a mo-<br />
tivacao latente a odisseia de Riobaldo. Ao fi-<br />
nal da narrativa, enriquecido pelas metamor-<br />
foses que o transformaram de dominado em<br />
dominante, de jagunco em chefe de jaguncos,<br />
mudancas ineficazes no interior da estrutura,<br />
Riobaldo alcanca a sabedoria: "Sempre sei,<br />
realmente. So o que eu quis, todo o tempo, o<br />
que eu pelejei para achar, era uma so coisa -<br />
a inteira - cujo significado vislumbrado dela<br />
eu vejo que sempre tive. A que era: que existe<br />
uma receita, a norma dum caminho certo, es-<br />
treito, de cada uma pessoa viver - e essa<br />
pauta cada um tem - mas a gente mesmo, no<br />
comum, nao sabe encontrar, como e que, so-<br />
zinho, por si, alguem ia poder encontrar e sa-<br />
ber?" (p.366).