VOLUME 11 Número 2 - Faap
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Um estudo da evolução estratégica em<br />
subsidiárias: analisando a estratégia de<br />
internacionalização e gestão da inovação<br />
da Nokia Corporation no Brasil durante<br />
2002 a 2012<br />
Rodrigo Bahia Viana<br />
Análise do fator cultural como variável<br />
na percepção da prestação de serviço<br />
na Disney World: uma comparação entre<br />
brasileiros e norte-americanos<br />
Franklin de Souza Meirelles<br />
Volume <strong>11</strong><br />
<strong>Número</strong> 2<br />
volume <strong>11</strong> • número 2 • dezembro 20<strong>11</strong><br />
O desenvolvimento sustentável e a gestão<br />
de compliance em instituições financeiras<br />
Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada<br />
Governança corporativa na gestão de<br />
empresas: estudo de caso do Magazine Luiza<br />
Marcela Lobato Bonisen e<br />
Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos<br />
Sobre reformas e concessões no setor<br />
elétrico brasileiro: uma análise crítica<br />
Fernando Amaral de Almeida Prado Jr. e<br />
Ana Lúcia Rodrigues da Silva
CONSELHO DE CURADORES<br />
Presidente<br />
Sra. Celita Procopio de Carvalho<br />
Integrantes<br />
Dr. Benjamin Augusto Baracchini Bueno<br />
Dr. Octávio Plínio Botelho do Amaral<br />
Dr. José Antonio de Seixas Pereira Neto<br />
Sra. Maria Christina Farah Nassif Fioravanti<br />
Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima<br />
FACULDADE DE ADMINISTRAÇÃO<br />
Diretor<br />
Prof. Dr. Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos<br />
DIRETORIA EXECUTIVA<br />
Diretor-Presidente<br />
Dr. Antonio Bias Bueno Guillon<br />
Diretor-Tesoureiro<br />
Dr. Américo Fialdini Jr.<br />
Diretor Cultural<br />
Prof. Victor Mirshawka<br />
ASSESSORES DA DIRETORIA<br />
Área Administrativa e Financeira<br />
Dr. Sérgio Roberto de Figueiredo Santos e Marchese<br />
Área Acadêmica<br />
Prof. Rogério Massaro Suriani<br />
ESTRATÉGICA<br />
Revista da Faculdade de Administração FAAP e do FAAP-MBA<br />
Editor<br />
Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos<br />
Editor Associado<br />
Armando Terribili Filho<br />
Arte / Editoração Eletrônica<br />
Agência FAAP<br />
Periocidade<br />
Semestral<br />
Publicação<br />
As correspondências, inclusive originais de<br />
artigos, devem ser endereçadas à<br />
Revista Estratégica<br />
Rua Alagoas, 903 – Prédio 5 – 3º andar<br />
Higienópolis – São Paulo/SP<br />
CEP: 01242-902<br />
ou pelo e-mail: estrategica@faap.br<br />
www.faap.br
volume <strong>11</strong> / número 2/ dezembro de 20<strong>11</strong><br />
ISSN 1519-4426<br />
Rua Alagoas, 903 - Higienópolis<br />
São Paulo, SP - Brasil
Estratégica/ Faculdade de Administração da Fundação Armando Alvares Penteado.<br />
Vol. <strong>11</strong>, n. 2 (20<strong>11</strong>) - São Paulo: FA-FAAP, 20<strong>11</strong><br />
Semestral<br />
1. Administração – Periódicos. I. Fundação Armando Alvares Penteado. Faculdade de Administração.<br />
ISSN 1519-4426
Prof. Dr. Alexandre Augusto Massote – FAAP<br />
Prof. Dr. Angelo Palmisano – Faculdades Metropolitanas Unidas<br />
Prof. Dr. Armando Terribili Filho – FAAP<br />
Profa. Dra. Eloisa Helena de Souza Cabral – FAAP<br />
Prof. Emerson Piovezan – FAAP<br />
Conselho Editorial<br />
Prof. Msc. João Carlos Néto – SENAC São Paulo<br />
Prof. MSc. Jorge Marinho de Araújo – FAAP<br />
Prof. MSc. Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva – FAAP<br />
Prof. MSc. Marcelo Lampkowski – Instituição Toledo de Ensino<br />
Prof. MSc. Marcelo Rodrigues dos Anjos – Universidade Federal do Amazonas<br />
Prof. MSc. Marco Aurélio Xavier Soares de Mello – FAAP<br />
Profa. MSc. Marina Lindenberg Lima – FAAP<br />
Profa. Dra. Noêmia Lazzareschi – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –<br />
Faculdade de Ciências Sociais<br />
Profa. Dra. Raquel da Silva Pereira – Universidade Municipal de São Caetano do Sul<br />
Profa. Dra. Suzana Bierrenbach de Souza Santos – FAAP<br />
Prof. Dr. Sérgio Bairon – Universidade de São Paulo – Escola de Comunicações e Artes<br />
Prof. Dr. Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos – FAAP<br />
Prof. Dr. Walter Gomes da Cunha Filho – FAAP
volume <strong>11</strong> / número 2/ dezembro de 20<strong>11</strong><br />
Sumário<br />
Editorial 9<br />
Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a<br />
estratégia de internacionalização e gestão da inovação da Nokia<br />
Corporation no Brasil durante 2002 a 2012<br />
Rodrigo Bahia Viana<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de<br />
serviço na Disney World: uma comparação entre brasileiros e norteamericanos<br />
Franklin de Souza Meirelles<br />
O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em<br />
instituições financeiras<br />
Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada<br />
Governança corporativa na gestão de empresas: estudo de caso do<br />
Magazine Luiza<br />
Marcela Lobato Bonisen e Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro:<br />
uma análise crítica<br />
Fernando Amaral de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia Rodrigues da Silva<br />
Orientações para os autores <strong>11</strong>7<br />
Orientações para a elaboração de artigos científicos <strong>11</strong>9<br />
<strong>11</strong><br />
27<br />
49<br />
69<br />
85
8<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Nesta edição apresentamos cinco artigos que abordam temas relevantes da administração<br />
e afins, com destaque para alguns estudos de casos quanto à estratégia de internacionalização<br />
e de governança corporativa, prestação de serviços, sustentabilidade e compliance, além de discutir<br />
questões da administração pública na área de energia elétrica.<br />
Iniciamos com o artigo “Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a<br />
estratégia de internacionalização e gestão da inovação da Nokia Corporation no Brasil no período<br />
de 2002 a 2012”, por meio do qual, Rodrigo Bahia Viana apresenta a estratégica da Nokia<br />
Brasil nos últimos dez anos, avaliando seu posicionamento mercadológico, a consolidação de<br />
capacidades locais e as ações recentes para recuperar o market share da empresa no mercado<br />
de smartphones.<br />
Em seguida, o artigo “Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de<br />
serviço na Disney World: uma comparação entre brasileiros e norte-americanos” de Franklin de<br />
Souza Meirelles, que é produto de uma monografia de ex-aluno de pós-graduação da FAAP<br />
São Paulo, teve por base pesquisa de campo com 45 brasileiros e 28 norte-americanos que já visitaram<br />
a Disney World. O autor discute os diferentes aspectos culturais, evidenciando por meio<br />
de pesquisa de opinião como são distintas as percepções do mesmo serviço.<br />
O artigo de Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, intitulado “O desenvolvimento<br />
sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras”, discute a corresponsabilidade<br />
das instituições financeiras quando uma empresa comete infrações socioambientais<br />
utilizando recursos tomados em um banco, e que a integração com a área de compliance<br />
pode mitigador riscos.<br />
“Governança corporativa na gestão de empresas: estudo de caso do Magazine Luiza” de<br />
Marcela Lobato Bonisen e Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos, é um produto de um<br />
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) do curso de graduação em Administração da FAAP. O<br />
artigo aborda o processo de abertura de capital desta importante organização da área de varejo,<br />
mostrando as etapas para a primeira oferta de ações, as mudanças necessárias para que<br />
ela pudesse ocorrer, a situação atual e estratégias da companhia após a primeira oferta pública.<br />
Fernando Amaral de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia Rodrigues da Silva, autores do artigo<br />
“Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica”, debatem<br />
a quarta onda de reformas institucionais no setor elétrico dos últimos 20 anos, sobretudo<br />
quanto às novas regras associadas à renovação das concessões de hidroelétricas, linhas de<br />
transmissão e empresas de distribuição, efetuando uma avaliação dos prováveis impactos<br />
de curto e longo prazos.<br />
Boa leitura!<br />
Prof. Dr. Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos<br />
Diretor da Faculdade de Administração da FAAP<br />
Editor da Revista Estratégica<br />
Prof. Dr. Armando Terribili Filho<br />
Editor Associado da Revista Estratégica<br />
Editorial<br />
9
10<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Um estudo da evolução estratégica em<br />
subsidiárias: analisando a estratégia de<br />
internacionalização e gestão da inovação<br />
da Nokia Corporation no Brasil no<br />
período de 2002 a 2012<br />
Resumo: A proposta deste trabalho visa<br />
explorar a estratégica da Nokia Brasil durante<br />
o decênio de 2002 a 2012, avaliando<br />
aspectos como evolução do seu posicionamento<br />
mercadológico, o processo de<br />
consolidação de capacidades locais e as<br />
ações recentes para recuperar o market<br />
share da empresa no mercado de smartphones<br />
(um importante mercado e cuja<br />
liderança foi perdida nos últimos anos<br />
para outros fabricantes). Utilizando-se a<br />
classificação de Mintzberg, Ahlstrand e<br />
Lampel, analisa-se como as iniciativas da<br />
empresa se enquadrariam frente às diferentes<br />
escolas estratégicas descritas por<br />
estes autores. Finalmente em relação ao<br />
processo de desenvolvimento de competências<br />
locais, entende-se que existam<br />
várias abordagens possíveis, sendo que<br />
algumas empresas optariam por um modelo<br />
em que há maior centralização do<br />
conhecimento tecnológico na matriz e<br />
realizar apenas pequenas adaptações locais<br />
nos produtos, ao contrário de outras,<br />
que realmente procurariam agregar características<br />
inovadoras aos produtos especificamente<br />
desenhadas para atingir as<br />
necessidades dos mercados emergentes.<br />
Ao avaliar estes aspectos durante o período,<br />
nota-se uma crescente independência<br />
tecnológica da matriz e a consolidação do<br />
Rodrigo Bahia Viana *<br />
departamento de P&D da Nokia Brasil (o<br />
Instituto Nokia de Tecnologia). Por outro<br />
lado, ao se analisar a evolução estratégica<br />
do ponto de vista mercadológico e das<br />
capacidades dinâmicas, observa-se um<br />
movimento de reposicionamento periódico,<br />
derivado do fato da empresa enfrentar<br />
constantes desafios competitivos<br />
e tecnológicos no mercado em que atua.<br />
Palavras-chave: Gestão da Inovação. Estratégia.<br />
Internacionalização.<br />
Abstract: The purpose of this study aims<br />
to explore the strategy of Nokia Brazil<br />
during the period from 2002 to 2012, assessing<br />
issues such as the evolution of its<br />
market position, the consolidation of local<br />
capacities and the recent actions to recover<br />
the company’s market share in the<br />
smartphone market (an important market<br />
and whose leadership has been lost in recent<br />
years to other manufacturers). Using<br />
the classification of Mintzberg, Ahlstrand<br />
and Lampel it´s analyzed if the company’s<br />
initiatives would fit against various schools<br />
strategic described by these authors. Finally<br />
in relation to the process of developing<br />
local expertise, it´s understood that<br />
there are several possible approaches and<br />
some companies would opt for a model<br />
* Engenheiro eletrônico pela UFMG, mestrando em Administração na PUC-SP, especialista em Gestão da Inovação pela<br />
UCLA Berkeley e Gerente de Sistemas (Mobility Group) da Juniper Networks Brasil. E-mail: viana.rodrigo@uol.com.br.<br />
Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. <strong>11</strong>-26<br />
<strong>11</strong>
in which there is greater centralization of<br />
technological knowledge in the matrix<br />
and make only small adjustments in local<br />
products, unlike others, who really seek<br />
to add innovative features to products<br />
specifically designed to meet the needs<br />
of emerging markets. In evaluating these<br />
aspects during the period, it´s noted that<br />
there is a growing array of technological<br />
independence and the consolidation of<br />
the Nokia Brazil´s R&D department (Nokia<br />
Introdução<br />
Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010) apresentam as inúmeras correntes e abordagens<br />
da literatura de estratégia empresarial e fazem uma tentativa de agrupá-las dentro<br />
de diversas “escolas estratégicas”. Assim, segundo estes autores, uma abordagem estratégica<br />
focada na obtenção do melhor posicionamento mercadológico em um ambiente<br />
altamente competitivo seria característica da “Escola de Posicionamento” e teria<br />
como foco a análise detalhada do ambiente competitivo no estilo da literatura originada<br />
por Porter (1989).<br />
Já uma estratégia gradualista baseada na aquisição de conhecimentos sobre os melhores<br />
processos de produção e logísticos, ao mesmo tempo utilizando a inovação tecnológica<br />
de forma incremental, seria classificada por estes autores como pertencente à<br />
“Escola de Aprendizado”. Esta visão estratégica estaria de acordo com as afirmações de<br />
Prahalad e Hamel (1990) de que as empresas teriam que evoluir conscientemente para<br />
formalizar e alavancar o processo de aquisição e geração de conhecimentos. Ainda segundo<br />
estes autores, mais do que o posicionamento frente aos competidores (pelo preço<br />
ou valor percebido nos produtos e serviços), o que distinguiria as empresas seriam<br />
suas competências centrais e o conhecimento interno adquirido ao longo do tempo<br />
(um ativo “invisível” para os clientes, mas altamente importante para a sobrevivência da<br />
empresa). Estas ideias, segundo Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010), também derivariam<br />
de Hiroyuki Itami, um dos pioneiros a afirmar que a essência da estratégia consiste<br />
na adequação estratégica dinâmica, em que ativos “invisíveis” relacionados ao know<br />
how tecnológico e o conhecimento mercadológico seriam os grandes diferenciais da<br />
empresa no processo de reposicionamento.<br />
Por outro lado, Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010) afirmam que se a estratégia<br />
deriva de um processo de mudança radical capitaneado por uma liderança forte e carismática,<br />
esta estratégia poderia ser classificada como parte da “Escola Empreendedora”,<br />
fortemente personalista, em que um líder empenhado em mudar a organização é<br />
essencial para a execução das mudanças planejadas, para o surgimento de inovações<br />
tecnológicas e para o lançamento de novos produtos no mercado.<br />
12<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
Technology Institute). Moreover, when<br />
analyzing the evolution of strategic marketing<br />
point of view and dynamic capabilities,<br />
there is a movement to reposition<br />
periodical, derived from the fact the company<br />
facing constant competitive challenges<br />
and technological market in which<br />
it operates.<br />
Keywords: Innovation Management.<br />
Strategy. Internationalization..
Contudo, analisar o caso de uma empresa real (sobretudo as empresas globais) através<br />
das escolas estratégicas descritas por estes autores revela-se na prática como algo<br />
bastante difícil. O fato é que uma empresa global utiliza-se muitas vezes de diferentes<br />
abordagens estratégicas simultâneas, confirme Mintzberg (2009). Desta forma, é relativamente<br />
comum uma empresa buscar o melhor posicionamento mercadológico e ao<br />
mesmo tempo possuir uma ênfase profunda na aquisição de conhecimentos mercadológicos<br />
e na gestão da inovação (assim utilizando elementos de escolas estratégicas<br />
distintas, como a de Posicionamento e a de Aprendizado).<br />
Para Mintzberg (2009), a estratégia “real” muitas vezes apresenta-se como uma espécie<br />
de processo de transformação, permitindo a possibilidade, viabilidade ou mesmo a<br />
necessidade de que as organizações adotem a perspectiva de uma ou outra escola estratégica,<br />
conforme as circunstâncias e como se apresenta o seu contexto em dado momento.<br />
Ainda segundo este autor, é patente em toda a literatura afim esta necessidade<br />
de transformação ou mudança organizacional como meio de garantir a sobrevivência<br />
e/ou o desenvolvimento das organizações, dado que o ambiente em que se inserem<br />
está em permanente evolução.<br />
1 A trajetória da Nokia<br />
1.1 A consolidação como empresa global<br />
A Nokia é uma empresa de origem finlandesa, criada em 1865, quando o engenheiro<br />
de mineração Fredrik Idestam fundou uma fábrica de celulose na cidade de Tampere,<br />
no sudoeste da Finlândia. Esta fábrica seria transferida em 1867 para o município vizinho<br />
de Nokia e batizada como Nokia Wood Mills, localizada às margens do Rio Nokianvirta.<br />
Em 1871, ele associou-se ao seu amigo Leo Mechelin, transformando a empresa em<br />
sociedade anônima. Pouco mais de duas décadas depois, em 1898, a empresa expandiu<br />
sua atuação com investimentos em borracha ao associar-se com a Finnish Rubber<br />
Works Ltd. O primeiro produto fabricado como resultado dessa associação foi uma bota<br />
de borracha (MARTTI, 2002).<br />
Apenas com a chegada do século XX, a empresa deu uma guinada em direção às<br />
telecomunicações, associando-se em 1912 com a Finnish Cable Works Ltd. para produzir<br />
fios de cobre com camadas de borrachas impregnadas na estrutura. Esse também<br />
foi o início das atividades no segmento de eletrônica da empresa. Em 1967, depois da<br />
fusão de três empresas, surgiu a NOKIA CORPORATION, um conglomerado produtor de<br />
papel, bicicletas, pneus, botas de borracha, computadores, cabos, televisores e dezenas<br />
de outros itens. Os primeiros passos para uma grande mudança nos rumos da empresa<br />
tiveram início ainda nesta década, com o surgimento do departamento de eletrônica da<br />
Nokia, que tinha como principal objetivo pesquisar rádio transmissão (MARTTI, 2002).<br />
Até o final dos anos 1970, a empresa se manteve envolvida no setor da área de infraestrutura<br />
de telecomunicações, atendendo ao mercado e às Forças Armadas da Fin-<br />
Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. <strong>11</strong>-26<br />
13
lândia. Na década de 1980 com o início do desenvolvimento da indústria de microinformática,<br />
a Nokia se dedicou, com considerável sucesso, à produção de computadores,<br />
monitores e até televisores preparados para as transmissões em alta definição, incluindo<br />
ligações por satélite. Nesta década, a tecnologia da empresa para comunicação via rádio<br />
foi aproveitada para o desenvolvimento de telefones sem fio.<br />
Em 1977, o CEO Kari Kairamo (que viria a se suicidar em 1988) toma as rédeas da<br />
empresa e começa seu processo de expansão internacional com especial foco na área<br />
de tecnologia. Em 1981, seria criada na Escandinávia a primeira rede internacional para<br />
telefones móveis, que seria o embrião tecnológico das atuais redes GSM e, inicialmente,<br />
a Nokia fabricou os primeiros telefones para uso apenas em automóveis.<br />
Nesta época seus celulares eram muito grandes e desajeitados, sendo que apenas<br />
em 1987 a Nokia apresentou um telefone verdadeiramente portátil, o Cayman 200. Cinco<br />
anos depois, foi introduzido o Moira Cayman 900, para muitos, o primeiro telefone<br />
realmente portátil: pesava 800 gramas (considerado um grande avanço em relação aos<br />
seus antecessores) e custava o equivalente a US$ 6.150 nos dias de hoje. Foi o bastante<br />
para que o aparelho se tornasse popular entre os consumidores escandinavos que podiam<br />
pagar por ele e exibi-lo como símbolo de status.<br />
Em 1986 foi criado o Nokia Research Center, em Espoo, cidade vizinha a Helsinki,<br />
fundindo diversos centros de pesquisa da empresa. Neste período a empresa começa a<br />
aportar somas consideráveis em desenvolvimento de pesquisas em telecomunicações<br />
e se consolida como uma das três maiores empresas europeias de tecnologia para comunicações,<br />
ao lado da sueca Ericsson e da alemã Siemens. Nos anos seguintes, seus<br />
produtos de infraestrutura dos telefones móveis e de telecomunicações da empresa<br />
chegaram a mais de 80 países e, nos anos 1990, a Nokia já era uma das líderes mundiais<br />
em tecnologia de comunicação digital.<br />
Em 1993 foi a Nokia quem, pela primeira vez, transmitiu uma mensagem de texto via<br />
celular através do sistema GSM e, segundo Martti (2002), a liderança global no mercado<br />
de telefones celulares viria finalmente a se consolidar em 1998, quando a empresa vendeu<br />
cerca de 40 milhões de telefones celulares e se tornou a empresa com maior market<br />
share no mercado mundial de telefones celulares, pela primeira vez ultrapassando<br />
a norte-americana Motorola.<br />
Nesta década, após realizar pesquisas intensivas sobre interfaces gráficas e<br />
usabilidade, a empresa começou a desenvolver celulares bastante inovadores em<br />
termos de design, que passaram ser a referência do mercado, colocando a marca<br />
no topo das preferências dos clientes de maior poder aquisitivo. Era o começo da<br />
consolidação dos smartphones (celulares contendo recursos avançados de comunicação<br />
e acesso à Internet).<br />
Novos celulares contendo recursos cada vez mais avançados seriam lançados durante<br />
toda a década de 2000, utilizando o sistema operacional Symbian e obtiveram<br />
bastante sucesso comercial no período.<br />
14<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Contudo, a empresa passou a sofrer, a partir de 2008, forte competição das norte-<br />
-americanas Apple, que se mostrou uma forte entrante no mercado mundial de smartphones<br />
com o lançamento do iPhone, aparelho que possuía um design mais moderno<br />
(com tela sensível ao toque e outras novidades), além de oferecer uma gama muito<br />
maior de aplicações para os usuários. Por outro lado, a Google lançou neste período o<br />
sistema operacional Android, que viria a ler licenciado para operar em dezenas de smartphones<br />
de fabricantes como HTC, Samsung e Motorola.<br />
A cronologia da trajetória da Nokia pode ser resumida no Quadro 1.<br />
Quadro 1 - Cronologia da trajetória da Nokia<br />
1994<br />
A cronologia da estratégia de Focalização e Globalização<br />
Listagem no NYSE.<br />
1995<br />
Criação do Nokia Design Center em Los Angeles; Finlândia adere à<br />
Comunidade Europeia.<br />
1996<br />
Nokia pede ao INSEAD que investigue o que deve ser a "multinacional<br />
da nova era".<br />
1998 Nokia alcança a liderança mundial.<br />
1999 Define a estratégia de "Sociedade da Informação Móvel" .<br />
Torna-se a 5ª marca mundial mais valorizada, depois da Coca Cola,<br />
2001 Microsoft, IBM e GE; as suas vendas representam 25% do PIB finlandês; a<br />
sua valorização de mercado equivale a 76% do PIB finlandês.<br />
2009<br />
Estabelece parceria com a Intel para lançamento de smartphones<br />
baseados na plataforma MeeGo.<br />
Fracasso da parceria com a Intel. A Nokia faz nova parceria, agora com a<br />
2010 Microsoft, para lançamento do sistema operacional Windows Phone em<br />
seus smartphones.<br />
2010<br />
A Apple (iOS) e a Google (Android) assumem a liderança no mercado de<br />
smartphones.<br />
20<strong>11</strong><br />
A Nokia lança na Europa os novos smartphones em parceria com a<br />
Microsoft para tentar reverter a perda da liderança neste segmento.<br />
Fonte: Autor.<br />
1.2 A empresa em crise: a perda da liderança no mercado de<br />
smartphones em 2010<br />
De 2007 a 2009, segundo dados da consultoria Gartner (2012), a Nokia manteve a liderança<br />
nas vendas de celulares em todo o mundo (considerando não apenas os smartphones)<br />
com uma fatia semelhante de participação de mercado: 37,8% (2007; 435,4 milhões<br />
de unidades comercializadas), 38,6% (2008; 472,3 milhões) e 36,4% (2009; 440,9 milhões).<br />
Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. <strong>11</strong>-26<br />
15
Ainda segundo esta consultoria, em 2010, esta participação teve forte queda, ficando<br />
em 28,9%, o que correspondeu 461,3 milhões de aparelhos comercializados<br />
em todo o mundo. De 2009 a 20<strong>11</strong>, quando caiu a fatia da Nokia, as plataformas<br />
Apple (iOS) e Google (Android) cresceram mais de 500%. Com isso, o Android tornou-se<br />
o segundo sistema operacional mais popular entre os smartphones comercializados<br />
no mundo (22,7%; 67,2 milhões de aparelhos), perdendo apenas para o<br />
Symbian, da Nokia (37,6%; <strong>11</strong>1,5 milhões de unidades).<br />
Para reagir a esta perda significativa, a parceria com a Microsoft para trazer o<br />
sistema operacional Windows Phone foi realizada em 2010 e se tornou a grande<br />
aposta da empresa para recuperar a liderança perdida no segmento dos smartphones.<br />
Ambas as empresas sairiam ganhando, em teoria: a Nokia entraria com<br />
a escala, essencial para os objetivos ambiciosos da Microsoft no mercado móvel<br />
e a Microsoft entraria com um sistema operacional robusto e atraente (e que lhe<br />
renderia royalties vultosos, caso fosse bem sucedido). A mudança representa uma<br />
tentativa radical para a Nokia deixar de perder participação no mercado de smartphones<br />
(para então, possivelmente, voltar a ganhar participação).<br />
2. Definição do problema<br />
Este artigo visa analisar a evolução estratégica de uma empresa global (a Nokia<br />
Corporation) no Brasil, durante o período de 2002 a 2012. Neste sentido, são analisados<br />
basicamente estes aspectos:<br />
16<br />
a. Processo de internacionalização, avaliando:<br />
• a criação e consolidação da subsidiária;<br />
• a integração da gestão local com as diretivas da matriz;<br />
• a internacionalização de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) através<br />
do Instituto Nokia de Tecnologia.<br />
b. Desenvolvimento de capacidades tecnológicas dinâmicas, avaliando<br />
como se deu a consolidação destas capacidades por meio de políticas<br />
para a gestão da inovação.<br />
c. Evolução mercadológica, avaliando como a empresa tem se posicionado<br />
no Brasil (quais seus principais produtos e em quais segmentos de<br />
mercado atua), além de avaliar quais as iniciativas recentes para combater<br />
os competidores, no segmento de smartphones (cuja liderança foi<br />
perdida em 2009).<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
2.1 Processo de internacionalização<br />
2.1.1 A criação e consolidação da subsidiária<br />
A empresa encontra-se em um estágio avançado de internacionalização de suas atividades<br />
produtivas no Brasil, com a fabricação local da maioria dos telefones comercializados<br />
aqui.<br />
A logística é um aspecto muito importante, pois a empresa integra peças de fornecedores<br />
de hardware locais e remotos (outros países) na produção de praticamente<br />
todos os aparelhos.<br />
Os processos de produção e logísticos empregados na Europa se mostraram inadaptados<br />
às restrições locais de infraestrutura de transportes, e, uma vez que a fábrica se<br />
situa em Manaus, distante dos principais mercados no Brasil, criou-se uma grande operação<br />
logística na subsidiária brasileira, de forma a garantir o recebimento das peças<br />
vindas de outros países e a distribuição local dos produtos.<br />
2.1.2 Integração da gestão local com as diretivas da matriz<br />
Para desenvolvimento deste trabalho foram entrevistados quatro profissionais da<br />
Nokia Brasil, todos em nível gerencial: Gerente de Recursos Humanos (Nokia e Instituto<br />
Nokia de Tecnologia), Gerente de Projetos (Escritório de Projetos – PMO), Gerente de<br />
Integração de Sistemas e Gerente de Inovação. As entrevistas foram realizadas no transcorrer<br />
do segundo semestre de 2012.<br />
Segundo os gerentes entrevistados, a empresa possui uma forte cultura interna baseada<br />
nos valores escandinavos, como igualdade, meritocracia e honestidade no relacionamento<br />
com clientes. A Finlândia, país de origem da empresa, é considerada no<br />
ranking da ONU o país menos corrupto do mundo e também um dos países europeus<br />
com menor nível de desigualdade social, conforme Martti (2002). Ainda segundo este<br />
autor, a empresa prioriza estruturas matriciais com poucos níveis hierárquicos, permitindo<br />
que os funcionários tenham acesso aos gerentes de forma informal - o feedback<br />
direto do funcionário sobre o gerente é, em geral, tolerado e até incentivado.<br />
Estas observações são confirmadas nas entrevistas realizadas, onde verificou-se que<br />
a matriz finlandesa tem adotado uma abordagem pragmática, em que as capacidades<br />
locais são relativamente valorizadas, apesar das grandes diferenças culturais, pois se entende<br />
que estas capacidades locais seriam uma forma de atingir o mercado brasileiro.<br />
Existiria assim um grau mediano de descentralização gerencial da subsidiária em relação<br />
à matriz. Esta descentralização seria maior nas áreas de Marketing e Vendas (que<br />
devem traçar suas próprias estratégias locais, adaptadas ao mercado brasileiro) embora<br />
áreas diretamente ligadas à Produção possuam um menor grau de autonomia e estão<br />
sujeitas a controles rígidos e globais.<br />
Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. <strong>11</strong>-26<br />
17
2.1.3 Internacionalização de P&D<br />
Através das entrevistas realizadas, parece claro que o desenvolvimento da capacidade<br />
de inovação local destaca-se como um fator importante para a estratégia da empresa.<br />
Assim, o Instituto Nokia de Tecnologia (braço local de P&D da empresa) encontra-se<br />
bastante consolidado e possui parcerias com muitas universidades e empresas locais.<br />
Este instituto, fundado em 2001, contava com cerca de 350 colaboradores no início de<br />
2012, obtendo um número crescente de patentes para a Nokia Brasil (entre 15 e 30 patentes<br />
geradas anualmente).<br />
Por outro lado, segundo os gerentes do Instituto Nokia de Tecnologia, a empresa<br />
sempre buscou adaptar o processo de inovação de forma a integrá-lo às necessidades<br />
do mercado. Assim, a empresa conta no Brasil com seus próprios laboratórios de pesquisa<br />
e, eventualmente, pode também contratar pesquisa terceirizada, formada em geral<br />
por pequenas empresas que priorizam o desenvolvimento rápido de aplicativos móveis.<br />
A subsidiária local da Nokia desfrutaria assim de um razoável grau de independência<br />
na área de pesquisa e implementação de aplicações para o mercado brasileiro, embora<br />
o design do hardware e do sistema operacional sejam ainda centralizados na Finlândia.<br />
Por outro lado, segundo a gerente de Recursos Humanos do Instituto Nokia de Tecnologia,<br />
as pesquisas locais vêm ganhando mais importância dentro da estrutura global<br />
da empresa, devido à crescente importância do mercado brasileiro, embora o Instituto<br />
enfrente desafios relacionados ao alto turnover de pesquisadores e engenheiros jovens,<br />
frequentemente atraídos por ofertas atrativas no centro-sul do país e por empresas de<br />
tecnologia situadas nos EUA e Europa.<br />
Conforme a classificação de Gassman e Von Zedwitz (1999) para a internacionalização<br />
de P&D, haveria cinco modelos possíveis: o centralizado etnocêntrico, o geocêntrico<br />
centralizado, o policêntrico descentralizado, o modelo concentrador e a rede de pesquisa<br />
integrada. Nesta classificação, o Instituto Nokia de Tecnologia estaria próximo de<br />
rede de pesquisa integrada, já que, apesar de desfrutar de relativa independência, não<br />
atua autonomamente dos centros de demais P&D da Nokia.<br />
2.2 Desenvolvimento de capacidades dinâmicas<br />
Teece, Pisano e Shuen (1997) definem que a habilidade de adquirir novas formas de<br />
vantagem competitiva ou “capacidades dinâmicas” enfatizaria dois aspectos chave até<br />
então inexplorados pelas demais perspectivas sobre a relação entre a estratégia e as<br />
competências da empresa (tais como a visão baseada em recursos de Wernerfelt e as<br />
core competences de Hamel e Prahalad). Esses aspectos seriam:<br />
18<br />
• Capacidade da empresa para “renovar competências” para reagir aos desafios do<br />
ambiente;<br />
• O papel da gestão estratégica, responsável por “reconfigurar” dinamicamente os<br />
recursos, e competências funcionais da empresa.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
A seguir, analisa-se como estas capacidades foram desenvolvidas, sobretudo no aspecto<br />
tecnológico.<br />
2.2.1 Gestão de competências<br />
Uma estratégia gradualista para progressiva independência tecnológica, através da<br />
acumulação de competências técnicas pela subsidiária, parece ser utilizada pela empresa.<br />
Assim, a Nokia Brasil, que até 2005 contava com grande número de expatriados<br />
(estrangeiros) em postos de liderança nas áreas tecnológicas, tem promovido consistentemente<br />
a nacionalização do seu corpo gerencial técnico e de engenharia, contando em<br />
20<strong>11</strong> com uma grande maioria de brasileiros nestes postos. Assim, o desenvolvimento<br />
de capacitação técnica é frequentemente realizado por meio de treinamentos na Finlândia,<br />
através de workshops de transferência de conhecimentos ou pelo intercâmbio<br />
de profissionais entre países.<br />
De acordo com Martti (2002), a empresa globalmente valorizaria o aprendizado e<br />
gestão do conhecimento, sendo uma das primeiras a criar uma Intranet sofisticada, em<br />
que se pode consultar a documentação de produtos, se realizar treinamentos, além de<br />
entender as políticas internas e muitos outros aspectos do funcionamento da empresa.<br />
Neste aspecto a estratégia global da empresa (e que seria aplicada ao Brasil) poderia<br />
ser classificada como pertencente à “Escola de Aprendizado”, onde, de acordo com autores<br />
como Prahalad e Hamel (1990), a empresas buscaria evoluir para formalização do<br />
processo de aquisição e geração de conhecimentos. Deste ponto de vista, os ativos “invisíveis”<br />
de know how tecnológico e o conhecimento mercadológico seriam os grandes<br />
diferenciais da empresa, ou na definição de Prahalad e Hamel (1990), estas seriam as<br />
competências essenciais da Nokia.<br />
Para expandir a forma como a empresa utiliza os recursos de outras empresas (parceiros<br />
tecnológicos), dentro da cadeia de valor, compartilhando e recebendo insumos<br />
e capital intelectual, no momento estão sendo realizadas parcerias com fornecedores<br />
locais de aplicações para o sistema operacional Windows Phone, aplicações estas que<br />
seriam incorporadas aos novos smartphones.<br />
A cadeia de valor, portanto, parece estar sendo redesenhada para o lançamento dos<br />
novos smartphones (considerados essenciais para a sobrevivência da empresa), a que<br />
poderá inclusive afetar o modelo de negócios atualmente utilizado, além de impactar<br />
o relacionamento com parceiros tecnológicos, fornecedores locais, operadoras móveis<br />
e clientes finais.<br />
2.2.2 Cadeia de valor<br />
As seguintes atividades foram identificadas como parte do processo de gestão de<br />
competências, de acordo o modelo estabelecido por Chesbrough (20<strong>11</strong>) para cadeias<br />
de valor:<br />
Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. <strong>11</strong>-26<br />
19
20<br />
• Ligações próximas com fornecedores primários locais: reduz custos e aumenta a<br />
velocidade de desenvolvimento: parte dos componentes de hardware é adquirida<br />
localmente no Brasil;<br />
• Banco de dados de componentes atualizado: contêm características de novos<br />
componentes de materiais, bem como sua disponibilidade no estoque e fornecedores<br />
preferidos, de forma a facilitar o início da concepção e reduzir o ciclo global<br />
do projeto;<br />
• Envolvimento de usuários avançados (leading users) de clientes (operadoras móveis):<br />
a Nokia utiliza usuários fortes tecnologicamente e demandantes de inovação<br />
como lead users, para assim poder acelerar o desenvolvimento e reduzir os<br />
custos de redesenvolvimento das aplicações incluídas em cada versão, pois estes<br />
usuários, ao participarem do projeto desde a concepção, podem auxiliar na customização<br />
do software embutido no celular, além de adaptá-lo para as necessidades<br />
da operadora;<br />
• Acesso a conhecimento tecnológico (know how) externo (parceiros tecnológicos<br />
locais): os fornecedores locais de aplicações são estratégicos e auxiliam a Nokia<br />
através das parcerias desenvolvidas pelo Instituto Nokia de Tecnologia.<br />
A partir do mapeamento destas atividades, a cadeia de valor para produção de<br />
smartphones na Nokia Brasil é esboçada no Quadro 2.<br />
Identificação do<br />
segmento<br />
Proposição de<br />
valor<br />
Elementos da<br />
cadeia de valor<br />
Custos e<br />
margens<br />
Posicionamento<br />
Estratégia<br />
competitiva<br />
Quadro 2 - Cadeia de valor da produção de novos smartphones<br />
Usuários de maior poder aquisitivo, aptos a usar<br />
smartphones, ex-clientes da Apple e/ou Google.<br />
Melhor interface gráfica, melhores aplicações, mais<br />
integração a serviços externos (ex. editores).<br />
Focado em fornecer um ecossistema com aplicações mais<br />
sofisticadas e úteis que as dos atuais concorrentes (Apple<br />
e Google); hardware e software com design apurado e<br />
atraente.<br />
Custos altos, margens ainda altas, mas decrescentes<br />
(devido à concorrência).<br />
Diferenciadores: melhor desempenho que os rivais; possuir<br />
recursos mais avançados para usuários corporativos e<br />
heavy users de tecnologia.<br />
Retomar a liderança entre os smartphones por meio de<br />
nova interface gráfica e aplicações mais sofisticadas (ex.<br />
que integrem MS-Office ou XBOX ao celular).<br />
Fonte: Autor, utilizando modelo de Chesbrough (20<strong>11</strong>).<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
2.2.3 Processo de inovação local<br />
Como se trata de uma empresa cujos principais ativos estariam relacionados ao desenvolvimento<br />
de produtos de cunho altamente tecnológico, o processo de inovação<br />
é um processo importantíssimo para a sobrevivência da empresa e ao crescimento das<br />
vendas. Este processo, no Brasil, envolveria as seguintes que etapas citadas por Tidd,<br />
Bessant e Pavitt (2009):<br />
• Prospectar o ambiente (interno e externo) para identificar e processar sinais relevantes<br />
sobre ameaças e oportunidades relacionadas à mudança;<br />
• Decidir (com base numa visão estratégica de como empresas pode melhor se<br />
desenvolver) a quais destes sinais deve-se responder;<br />
• Obter os recursos que possibilitem a resposta (seja criando algo novo através de<br />
pesquisa e desenvolvimento, seja adquirindo algo externo através de transferência<br />
de tecnologia);<br />
• Implementar o projeto (desenvolver a tecnologia e o mercado interno ou externo)<br />
para responder efetivamente.<br />
Verifica-se ainda na Nokia Brasil que o processo de inovação tem evoluído de uma<br />
visão estritamente sequencial para uma abordagem mais iterativa. Os modelos sequenciais<br />
refletiam uma visão simplificada da inovação: originada nos laboratórios científicos<br />
e “empurrada” para o mercado ou demandada (“puxada”) clientes (mercado) e desenvolvida<br />
a posteriori. Assim, algumas vezes a inovação apresenta-se de uma forma<br />
“empurrada” (push) e outras de uma forma “puxada” (pull), embora, na maioria das vezes,<br />
gerenciar a inovação com sucesso requer a interação entre essas duas abordagens<br />
(Tidd; Bessant; Pavitt, 2009).<br />
Neste aspecto, os seguintes fatores gerenciais, organizacionais e tecnológicos<br />
foram identificados na Nokia como tendo contribuído para maior velocidade e eficiência<br />
na inovação:<br />
• Estratégia baseada no tempo: ser um rápido e inovador torna-se vantagem<br />
competitiva;<br />
• Compromisso e suporte da alta gerência: envolvimento da direção desde o início<br />
do projeto para evitar mudanças e retrabalho;<br />
• Adoção de uma estrutura horizontal com menores níveis hierárquicos: autonomia<br />
dos gerentes e menor número de níveis implicam em menos atrasos na<br />
aprovação de providências;<br />
• Emprego de equipes integradas (multifuncionais) durante o desenvolvimento e a<br />
prototipagem: interação interfuncional;<br />
Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. <strong>11</strong>-26<br />
21
22<br />
• Compromisso para controle de qualidade: aumenta eficiência do desenvolvimento<br />
e reduz o tempo de projeto;<br />
• Estratégia de desenvolvimento incremental: diminui o salto tecnológico entre<br />
cada passo;<br />
• Adotar estratégias de reutilização (carry-over): usar componentes de modelos anteriores<br />
nos projetos atuais;<br />
• Desenho de produto combinando o velho com o novo: reutilização de design;<br />
• Flexibilidade projetada: criação de projetos que contenham flexibilidade inerente<br />
possibilitando que sejam estendidos como variantes de uma família de projetos<br />
(design robusto);<br />
Por outro lado, nota-se uma crescente movimentação para a adoção de uma plataforma<br />
de Inovação Aberta com a participação de desenvolvedores locais e um crescente<br />
envolvimento dos fornecedores locais no design das aplicações e produtos a serem<br />
comercializados localmente. Neste aspecto, a Nokia atualmente está trabalhando, em<br />
conjunto com a Microsoft, para levar os desenvolvedores brasileiros da plataforma Symbian<br />
a desenvolverem aplicativos também para Windows Phone.<br />
Entre os desafios tecnológicos enfrentados pelo Instituto Nokia de Tecnologia,<br />
está o fato de que a maioria dos pesquisadores está especializada em tecnologias<br />
mais antigas, como aplicações para celulares baseadas no sistema operacional<br />
Symbian e, desta forma, o Instituto tem buscado se capacitar rapidamente na plataforma<br />
Windows Phone, através do desenvolvimento de projetos piloto de aplicações<br />
dedicadas a este sistema operacional.<br />
3. Estratégia mercadológica<br />
3.1 A evolução do mercado brasileiro de telefonia celular<br />
Segundo Neri (2008), entre 2002 e 2008 aumentou de 44,19% para 51,89% a<br />
participação da classe média no total da PEA (População Economicamente Ativa)<br />
nas seis principais regiões metropolitanas do país. O economista chegou a esta<br />
conclusão por meio de dados da Pesquisa Mensal de Emprego do IBGE, realizados<br />
neste período (2002 a 2008). De acordo com esta pesquisa, este crescimento<br />
esteve fortemente associado ao aumento do número de empregos com carteira<br />
assinada e com a manutenção de fatores favoráveis à criação e formalização de<br />
empregos. Estes dados apontariam para uma interessante mudança social, pois<br />
segundo a pesquisa, neste período, pela primeira vez na história o País se torna<br />
majoritariamente de classe média (classe C com 51,89% do total e as classes D/E<br />
com cerca de 35%).<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
No Brasil, o crescimento da classe média tem mantido o mercado de telefonia celular<br />
em constante crescimento e em 20<strong>11</strong>, segundo a Anatel, ultrapassou-se a barreira dos<br />
100 celulares para cada 100 habitantes (sendo que cerca de 80% são pré-pagos). Portanto,<br />
o foco da Nokia não é a aquisição de novos usuários, mas o mercado de reposição<br />
de aparelhos, em que crescentemente usuários das classes C e D adquirem smartphones<br />
substituindo aparelhos antigos.<br />
3.2 Posicionamento<br />
A importância do mercado local foi ressaltada por Stephen Elop, CEO da Nokia, veio<br />
ao Brasil pela primeira vez recentemente, em Outubro de 20<strong>11</strong>, para anunciar a fabricação<br />
local, enfatizando que o mercado brasileiro é considerado um dos cinco mercados<br />
mais importantes para o futuro da empresa.<br />
No Brasil, diferentemente da Europa e EUA, a Nokia segue como líder de mercado.<br />
De fato, nos países do BRICS (os emergentes Brasil, Rússia, Índia, China e África<br />
do Sul) sua liderança parece inabalável. Uma série de fatores contribui para isso:<br />
perfil de mercado diferente de Europa e EUA, portfólio de aparelhos extenso e<br />
para todos os tipos de usuários e, por fim, uma longa tradição no mercado móvel<br />
para os segmentos mais populares.<br />
Portanto, nos países emergentes, a inclusão digital se faz principalmente através de<br />
dispositivos móveis e notebooks de baixo custo. Mas a oferta de smartphones ainda é<br />
exígua para os consumidores emergentes: o iPhone da Apple, diferente de outros mercados,<br />
é um aparelho de nicho, um produto de luxo, com custo superior a US$ 1.000. Os<br />
celulares baseados em sistema operacional Android, da Google, apesar de estarem crescendo<br />
com robustez, ainda são tímidos fora das classes mais altas por causa do preço e<br />
do alto consumo de dados.<br />
Desta forma, muitos fabricantes asiáticos como a HTC, Samsung e LG tem lançado<br />
smartphones “light” no Brasil, com menos recursos e preço mais acessível. A<br />
Nokia tem tentado preencher esta lacuna foi com o Nokia C3, o smartphone mais<br />
vendido do país em 2010. Este aparelho oferece um design bonito e sólido, sem<br />
aquele aspecto “barato” de celulares de baixo custo, um excelente teclado QWER-<br />
TY, redes sociais integradas e personalizadas ao gosto brasileiro – por exemplo,<br />
além do Twitter e Facebook, incluiu-se o Orkut — e um consumo de dados espartano,<br />
complementado pelo acesso a redes wi-fi.<br />
Assim, a oferta da Nokia Brasil buscaria balancear smartphones mais simples e aparelhos<br />
mais complexos, de forma a conseguir concorrer em todos os segmentos, oferecendo<br />
aparelhos com diversos sistemas. Estes celulares vão da linha básica, baseada no<br />
sistema Symbian e que trazem poucos extras como tocador de MP3 ou câmera.<br />
Para conseguir posicionar celulares de um sistema operacional já defasado tecnologicamente<br />
como smartphones, a empresa enfatiza nas suas campanhas que estes<br />
Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. <strong>11</strong>-26<br />
23
possuem um leque interessante de funcionalidades: navegador, e-mail, redes sociais,<br />
mensagens instantâneas, música, rádio FM e fotos, embora esteja claro que estes não<br />
têm tantas funcionalidades quanto o iPhone da Apple e os modelos mais avançados da<br />
Samsung, baseados em Android.<br />
Finalmente, a parceria com a Microsoft para trazer o Windows Phone aos aparelhos<br />
é a grande aposta no segmento dos smartphones “topo de linha”. A meta é já em 2013<br />
alcançar a 2ª posição no ranking de presença dos sistemas operacionais móveis (atrás<br />
apenas do Android, da Google).<br />
Contudo, segundo o Gartner (2012), os resultados globais da empresa no primeiro<br />
semestre de 2012 são decepcionantes e permanecem as dúvidas sobre a viabilidade da<br />
união com a Microsoft, o que, sem dúvida, impactará as próximas iniciativas estratégicas<br />
da empresa, local e globalmente.<br />
Considerações finais<br />
Este artigo utiliza visa entender a evolução estratégica da Nokia nos últimos anos no<br />
Brasil e supõe que a estratégia da empresa neste período deve ser entendida como um<br />
constante processo de transformação, frente aos desafios competitivos, incorporando<br />
elementos de diversas escolas estratégicas de forma sucessiva ou mesmo, em alguns<br />
períodos, simultânea.<br />
Em resumo, pode-se concluir que durante um longo período (da sua fundação no<br />
Brasil até 2008), as estratégias da empresa seriam fruto da cultura organizacional da<br />
matriz finlandesa e em grande parte se identificam como um reflexo das premissas da<br />
Escola Cultural, que é assim descrita por Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010):<br />
24<br />
• A formulação da estratégia como um processo de interação social baseado nas<br />
crenças comuns das pessoas na organização;<br />
• Um indivíduo adquire estas crenças por meio de um trabalho de socialização,<br />
em grande parte tácita e não verbal, embora às vezes doutrinado pela empresa<br />
de forma mais formal. Os membros da organização podem descrever estas características<br />
e crenças de forma apenas superficial: as origens e explicações mais<br />
profundas são obscuras;<br />
• A estratégia surge como uma perspectiva enraizada em intenções coletivas, se<br />
refletindo na forma em que os recursos ou capacidades da organização são protegidos<br />
e usados como vantagem competitiva.<br />
Entretanto, desde 2008 e devido ao recrudescimento da competição, a Nokia Brasil<br />
experimenta um crescente movimento gerencial em direção a se tornar uma empresa<br />
de perfil comercial mais arrojado (no estilo mais americano que europeu), com metas de<br />
vendas mais agressivas e grande ênfase nas áreas de Marketing e Vendas, acarretando<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
significativas reduções de custos com P&D e nas áreas operacionais (através da terceirização<br />
de atividades).<br />
Este movimento de reengenharia se intensificou em 2012 por meio de uma reestruturação<br />
relativamente profunda e que poderá de alguma forma impactar sua cultura<br />
interna. Diversas áreas foram atingidas por cortes no Brasil e se adotou uma estratégia<br />
para fortalecimento da marca, por meio de lojas próprias em shopping centers nas principais<br />
capitais brasileiras. Busca-se, assim, combater-se a marca Apple, cuja popularidade<br />
tem crescido no mercado local, nos últimos anos, mesmo com o custo elevado dos seus<br />
aparelhos.<br />
Desta forma, as premissas gerenciais da empresa parecem estar se movendo em direção<br />
à Escola Empreendedora, na definição de Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2010),<br />
em que passaria a haver mais centralização gerencial na elaboração estratégica, com<br />
estas características estratégicas:<br />
• Geração de estratégia passa a ser dominada pela busca ativa de novas oportunidades;<br />
• Poder é mais centralizado nas mãos dos principais executivos;<br />
• Geração de estratégia em grandes saltos para frente, face à incerteza;<br />
• Crescimento passa a ser a meta dominante.<br />
Finalmente, ao se analisar a Nokia Brasil ao longo dos últimos anos, verifica-se que<br />
a empresa esteve inserida em períodos de estabilidade interrompidos por saltos conscientes<br />
para novos estados - confirmando assim a periódica necessidade de reconfiguração<br />
de capacidades como meio de se garantir a sobrevivência da empresa em um<br />
mercado extremamente competitivo e em que impera a “destruição criativa” de valores,<br />
tecnologias e produtos, prevista de forma visionária por Shumpeter (1942).<br />
Referências<br />
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GARTNER GROUP. Disponível em: . Acesso<br />
em: <strong>11</strong> out. 2012.<br />
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Research Policy, v. 28, 1999.<br />
MARTTI, Haikio. Nokia: the inside story. New York: Pearson, 2002.<br />
Um estudo da evolução estratégica em subsidiárias: analisando a estratégia de internacionalização..., Rodrigo Bahia Viana, p. <strong>11</strong>-26<br />
25
MINTZBERG, H.; AHLSTRAND, B.; LAMPEL J.. Safari de estratégia. Porto Alegre: Bookman, 2010.<br />
MINTZBERG, H.. Managing. San Francisco: BK Books, 2009.<br />
NERI, Marcelo. A nova classe média brasileira, 2008. Fundação Getúlio Vargas, São Paulo. Disponível<br />
em: . Acesso em: 10 ago. 2012.<br />
PORTER, M.. Vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Campus, 1989.<br />
PRAHALAD, C. K.; HAMEL, G.. The core competence of the corporation. Harvard Business Review,<br />
v. 90, n. 3, p.79-91, May/June, 1990.<br />
SCHUMPETER, J. A.. Capitalism, socialism e democracy. New York: Harper Brothers, 1942.<br />
TEECE, D. J.; PISANO, G.; SHUEN, A. Dynamic capabilities and strategic management. Strategic<br />
Management Journal, v. 18, n. 7, p. 509-533, 1997.<br />
TIDD, J.; BESSANT, J.; PAVITT, K.. Gestão da Inovação. Porto Alegre: Bookman, 2009.<br />
26<br />
ARTIGO RECEBIDO EM: 13/09/2012<br />
ARTIGO APROVADO EM: 29/10/2012<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Análise do fator cultural como variável<br />
na percepção da prestação de serviço<br />
na Disney World: uma comparação entre<br />
brasileiros e norte-americanos<br />
Resumo: Este artigo apresenta a análise<br />
da influência cultural na percepção<br />
do serviço de uma das maiores empresas<br />
de entretenimento do mundo. Por<br />
meio deste estudo, conclui-se que a<br />
Disney World também é influenciada<br />
pela cultura dos seus visitantes, conseguindo<br />
ser uma referência para as duas<br />
diferentes culturas estudadas.<br />
Palavras-chave: Cultura. Percepção. Prestação<br />
de serviço. Disney World.<br />
Franklin de Souza Meirelles*<br />
Abstract: This article analyses cultural<br />
influences on the perception of the rendering<br />
of services on one of the largest<br />
entertainment companies in the world.<br />
Through this study, one can conclude that<br />
Disney World is also influenced by the culture<br />
of its visitors, providing a reference to<br />
the two different studied cultures.<br />
Keywords: Culture. Perception. Service<br />
supply. Disney World.<br />
* Formado em Administração de Empresas pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de<br />
Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo (FEA-RP-USP), possui pós-graduação em Gestão de Marketing de<br />
Serviços pela Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP). O autor agradece as ponderações e sugestões da<br />
Profa. Dra. Eloisa Helena de Souza Cabral da Faculdade de Administração da FAAP (São Paulo) na elaboração<br />
deste artigo. E-mail: franklin_meirelles@yahoo.com.br<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47<br />
27
Introdução<br />
Características culturais e comportamento do consumidor são dois temas que<br />
possuem alto grau de correlação, desde os estudos pioneiros de marketing. A indústria<br />
do entretenimento é um vasto campo para pesquisa sobre o entendimento<br />
do consumidor relacionado à prestação de serviço, já que pode ser considerada<br />
provedora de produtos e serviços de necessidade secundária, o que torna o consumidor<br />
mais exigente no que tange aos aspectos de qualidade e preço.<br />
Este artigo é produto de monografia apresentada, em junho de 2012, como<br />
trabalho de conclusão da Pós-graduação em Gestão de Marketing de Serviços, da<br />
Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), que colocou os três temas abordados<br />
(Cultura, Comportamento do Consumidor e Indústria do Entretenimento) em<br />
um mesmo problema e analisou a influência das características culturais de determinados<br />
povos na percepção do serviço prestado na Disney World, o maior complexo<br />
de parques temáticos do mundo, segundo a TEA/AECOM (2010).<br />
A escolha do tema se deu pela oportunidade de produzir um trabalho que complementasse<br />
o abrangente estudo de serviços e, principalmente, da influência cultural na<br />
percepção e nas decisões de compra, com diversos trabalhos de autores conceituados,<br />
como Clotaire Rapaille; Michael R. Solomon, dentre outros citados ao longo deste artigo.<br />
Como o estudo que deu origem ao presente artigo teve como foco os parques<br />
Walt Disney, que atua no mercado de entretenimento infantil e adulto, fez-se necessário<br />
a análise conceitual do Marketing de Serviços, com o objetivo de contextualizar<br />
as características e peculiaridades desse tipo específico de marketing, de<br />
estudo mais recente do que o tradicional, voltado a bens e serviços.<br />
Segundo Kotler e Keller (2006, p. 397), serviço é “qualquer ato ou desempenho,<br />
essencialmente intangível, que uma parte pode oferecer a outra e que não resulta<br />
na propriedade de nada. A execução de um serviço pode estar ou não ligada a um<br />
produto concreto”.<br />
De maneira mais simplificada, Zeithaml e Bitner (2003) conceituam serviços<br />
como ações, processos, atuações, que não têm como produto final algo físico, mas<br />
é consumido no momento em que é produzido e proporciona valor agregado em<br />
formas intangíveis.<br />
Quando se analisam serviços, é importante que os conceitos de expectativas sejam<br />
abordados, uma vez que influenciarão na avaliação pelos clientes. Segundo Zeithaml e<br />
Bitner (2003), os clientes possuem dois níveis de expectativas em relação aos serviços. O<br />
primeiro é o desejado, e pode ser definido como o nível de serviço que o cliente gostaria<br />
de receber, com base em conceitos preexistentes em sua memória. O segundo nível de<br />
expectativa é o serviço adequado, que é considerado abaixo do desejado, mas aceito<br />
de acordo com as possibilidades existentes. A lacuna de expectativa entre um serviço<br />
desejado e um serviço adequado é conhecida como zona de tolerância.<br />
28<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
As expectativas dos clientes são influenciadas por diversos fatores, alguns controláveis<br />
e outros incontroláveis. Esses fatores variam desde experiências anteriores até<br />
o momento da prestação de serviço, ou seja, o mesmo serviço ou oferta de serviço<br />
pode gerar expectativas diversas em duas pessoas (ZEITHAML; BITNER, 2003).<br />
Em relação aos serviços desejados, as duas principais influências são as necessidades<br />
pessoais, ou seja, condições essenciais para o bem-estar, e os intensificadores<br />
permanentes de serviços, fatores que aumentam a sensibilidade dos clientes,<br />
como é o caso da influência de outras pessoas e a filosofia pessoal do serviço (ZEI-<br />
THAML; BITNER, 2003).<br />
Para as expectativas de serviços adequados, as principais influências são o aumento<br />
da sensibilidade relacionado ao senso de urgência, a existência de múltiplas<br />
opções de escolha, os fatores situacionais, o serviço esperado e a atuação do próprio<br />
cliente no seu papel na prestação de serviço (ZEITHAML e BITNER, 2003).<br />
Segundo Zeithaml e Bitner (2003), não apenas experiências anteriores com a<br />
prestação de serviço, mas também o estado psicológico dos clientes, no momento<br />
da prestação, influencia a expectativa dos clientes acerca dos serviços. Isso significa<br />
que as organizações devem tornar as ofertas e a prestação do serviço, em si, tão<br />
diversificadas quanto os valores e as experiências dos potenciais clientes. Já a satisfação<br />
é influenciada pela percepção do indivíduo tanto acerca da qualidade dos serviços<br />
como relacionada a fatores situacionais e individuais (ZEITHAML; BITNER, 2003).<br />
1 O conceito de percepção e a influência do fator cultural<br />
A percepção é outro conceito que mereceu atenção especial no estudo. Tal análise<br />
ofereceu subsídios para o entendimento do conceito que foi base para o estudo da influência<br />
cultural na percepção do serviço na Disney World, já que se buscava entender<br />
se os parques Walt Disney apresentam característica diferenciada, em relação à maioria<br />
das organizações, de influenciar igual, ou diferenciadamente, culturas variadas.<br />
As pessoas são expostas a uma infinidade de sensações, selecionando-as de<br />
acordo com a “visão” que cada um coloca sobre tais exposições. Essa visão, que<br />
gera interpretações aos estímulos, é derivada de experiências, concepções e desejos<br />
e é resumida como percepção. Desta forma, a percepção pode ser entendida<br />
como um processo de seleção, organização e interpretação de sensações - visuais,<br />
olfativas, sonoras, ou seja, dar-lhes significados (SOLOMON, 2002).<br />
A Figura 1, extraída de Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007), mostra o processo<br />
de decisão dos consumidores a partir da exposição a algum estímulo. No processo, é<br />
possível perceber que a exposição a um estímulo gera a atenção do receptor, ou seja,<br />
o estímulo é processado pelo cérebro. A partir desse momento, atribuem-se significados<br />
a esse estímulo, que é interpretado, de acordo com variáveis diversas, como a<br />
cultura. São esses três passos (exposição, atenção e interpretação) que constituem a<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47<br />
29
percepção. Por fim, é utilizada a memória para a tomada de decisão no curto prazo<br />
ou retenção das interpretações para tomadas de decisão no longo prazo.<br />
É importante salientar que tal processo é dinâmico e interativo, uma vez que<br />
as etapas ocorrem praticamente ao mesmo tempo, nem sempre de forma linear.<br />
30<br />
Percepção<br />
Figura 1 - Processamento de informação para a tomada de decisão do consumidor<br />
Aleatória<br />
Baixo envolvimento<br />
Baixo envolvimento<br />
Curto prazo<br />
Solução de<br />
problemas ativa<br />
Exposição<br />
Atenção<br />
Interpretação<br />
Memória<br />
DECISÕES DE COMPRA E CONSUMO<br />
Fonte: Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007, p.<strong>11</strong>4).<br />
Em relação à influência do fator cultural na percepção, é importante notar duas<br />
características: a primeira é que a cultura, por ser abrangente, não fornece preceitos<br />
restritos, para serem seguidos, mas apenas um limite para atitudes e pensamentos<br />
dos indivíduos. A segunda característica é que as pessoas são tão influenciadas<br />
pela variável cultural que raramente a percebem, o que faz com que seus comportamentos<br />
e pensamentos sejam naturais, coerentes com os dos demais membros<br />
da mesma cultura (HAWKINS; MOTHERSBAUGH; BEST, 2007).<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
Deliberada<br />
Alto envolvimento<br />
Alto envolvimento<br />
Longo prazo<br />
Experiências, valores,<br />
decisões, regras e<br />
sentimentos armazenados
Um reconhecido estudioso do tema, Clotaire Rapaille (2007), afirma que a cultura<br />
na qual as pessoas são criadas constitui um código cultural, o significado que se<br />
aplica a qualquer coisa, objeto ou experiência. Isso ocorre porque o aprendizado<br />
é diretamente ligado às emoções e, na cultura, desde a infância, as pessoas são<br />
moldadas pelas emoções que vivenciam.<br />
Segundo Vinic, Proença e Aranovich (2010, p. 10), a cultura é um fator de influência<br />
na decisão de compra dos consumidores e pode ser definida como: “a<br />
personalidade de uma sociedade. Pode-se também defini-la como o conjunto de<br />
valores, costumes, crenças e atitudes adotadas por determinada sociedade com o<br />
objetivo de regular o comportamento de seus membros”.<br />
Relacionando a cultura ao consumo, Rapaille (2007) considera que entender as<br />
características culturais de seus potenciais clientes ajuda na adaptação das ideias e<br />
dos conceitos do produto ao serviço e à cultura na qual se deseja penetrar, pois o<br />
inverso certamente não funcionaria.<br />
Sobre o tema, Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007) comentam que, assim como os<br />
fatores culturais influenciam o comportamento do consumidor e, consequentemente,<br />
moldam a estratégia de marketing das organizações, também podem ser modificados,<br />
com o passar do tempo, pelo caminho inverso, já que não são estáticos (Figura 2). Segundo<br />
os autores, o conceito de cultura é muito abrangente, pois influencia a forma como<br />
os impulsos biológicos serão satisfeitos, por meio da influência nos processos mentais<br />
e comportamentos de um indivíduo. Além disso, a cultura tem um papel determinante<br />
na forma como se observa o mundo, no processo decisório e nas preferências pessoais.<br />
Fatores<br />
demográcos<br />
Valores<br />
Figura 2 - Fatores culturais afetam o comportamento<br />
do consumidor e a estratégia de marketing<br />
Idioma<br />
Comunicações<br />
não verbais<br />
Comportamento<br />
do consumidor<br />
Fonte: Hawkins, Mothersbaugh e Best (2007, p. 30).<br />
Estratégia de<br />
marketing<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47<br />
31
O fator cultural é importante para o estudo de marketing, pois não é possível compreender<br />
as opções de consumo sem considerar o contexto cultural nas quais estão<br />
inseridas, uma vez que a forma como os produtos e serviços são enxergados pelos<br />
consumidores sofre influência direta dessa poderosa variável (SOLOMON, 2002).<br />
Segundo Kotler e Keller (2006), a cultura não apenas influencia o comportamento de<br />
compra dos clientes como é considerada a principal variável determinante desse comportamento,<br />
já que as pessoas adquirem valores, percepções, preferências e comportamentos<br />
das que estão mais próximas, ou seja, geralmente, da mesma cultura.<br />
Pinheiro et al. (2006) acreditam que a função da cultura é orientar os indivíduos<br />
e estabelecer um horizonte de comparação de comportamento dos integrantes,<br />
além de estabelecer punições para condutas que desviem dos padrões. Portanto, a<br />
cultura tem como papel organizar as atividades sociais de uma comunidade, constituir<br />
a identidade dos indivíduos e integrar os seus diversos componentes.<br />
Segundo Zeithaml e Bitner (2003), a cultura influencia, além da maneira como<br />
as empresas e seus colaboradores interagem com o cliente, a forma como os clientes<br />
usam e percebem a prestação de serviço, ou seja, as diferenças culturais afetam<br />
o modo de avaliação dos serviços por parte dos clientes.<br />
A Figura 3, extraída de Zeithaml e Bitner (2003), demonstra a influência da cultura<br />
nos estágios de compra por parte do consumidor.<br />
32<br />
Figura 3 - Categorias da tomada de decisão do consumidor e da avaliação de serviços<br />
Busca de informação<br />
• Uso de fontes pessoais<br />
• Risco percebido<br />
Compra e consumo<br />
• Prestação de serviços<br />
como dramaturgia<br />
• Papéis e roteiros em<br />
serviço<br />
• Compatibilidade de<br />
clientes<br />
Fonte: Zeithaml e Bitner (2003, p. 60).<br />
Cultura<br />
• Valores e atitudes<br />
• Hábitos e costumes<br />
• Cultura material<br />
• Estética<br />
• Instituições<br />
educacionais e sociais<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
Avaliação de<br />
alternativas<br />
• Conjunto de alternativas<br />
levadas em consideração<br />
• Emoção e humor<br />
Avaliação pós-compra<br />
• Atribuição da satisfação<br />
• Difusão da inovação<br />
• Lealdade à marca
Para alguns autores, a influência da cultura no comportamento do consumidor<br />
vai desde a definição das necessidades, passando pela busca de informações<br />
e avaliação de alternativas, até a decisão final de compra. E vai além, influenciando<br />
a forma como os consumidores consomem e até mesmo descartam os produtos<br />
(BLACKWELL; MINIARD; ENGEL, 2009).<br />
A própria Disney viveu um exemplo de como a cultura pode influenciar a percepção<br />
de determinado produto ou serviço. O parque da Disney, na França, não<br />
obteve a receptividade esperada pela empresa, uma vez que foram mantidas as<br />
regras norte-americanas de proibição a cigarros e bebidas alcoólicas, além de presença<br />
de animais de estimação. Como a cultura francesa valoriza os privilégios,<br />
a Disney só conseguiu fazer sucesso no país com a liberação nas regiões onde é<br />
permitido fumar, beber e levar animais de estimação (RAPAILLE, 2007).<br />
Para tornar o estudo completo, buscou-se identificar algumas características<br />
culturais que descrevessem brasileiros e norte-americanos, a partir de um estudo,<br />
da Brigham Young University (20<strong>11</strong>a; 20<strong>11</strong>b), denominado Culturegrams. As principais<br />
características foram agrupadas na Figura 4. Essas características serviram de<br />
base para comparação entre as culturas, bem como a identificação de valores que<br />
influenciariam a percepção dos pesquisados.<br />
Características<br />
demográficas<br />
Características<br />
gerais<br />
Costumes e<br />
hábitos<br />
Estilo de vida<br />
Economia<br />
Educação<br />
Figura 4 - Características de brasileiros e norte-americanos<br />
Brasileiros Norte-americanos<br />
• População urbana de aproximadamente 85%;<br />
• 95% da população cristã, sendo 75% católica.<br />
• Divertidos, calorosos e espirituosos;<br />
• Adaptabilidade;<br />
• Casuais em relação ao tempo.<br />
• Adoram confraternizações, visitas e<br />
encontros.<br />
• Sociedade, no geral, patriarcal;<br />
• Famílias tendem a ser menores do que nas<br />
gerações anteriores;<br />
• Hábitos alimentares diversos;<br />
• Costumam viajar para dentro e fora do país<br />
nas férias.<br />
• Maior economia da América do Sul e uma das<br />
maiores do mundo;<br />
• Economia estável, após longo histórico de<br />
inflação;<br />
• Principais setores da economia desenvolvidos.<br />
• Vista como a chave para superar dificuldades<br />
econômicas.<br />
Fonte: Adaptado de Brigham Young University (20<strong>11</strong>a; 20<strong>11</strong>b).<br />
• População urbana de aproximadamente 80%;<br />
• 79% da população cristã, sendo 51%<br />
protestante.<br />
• Francos e diretos em opiniões;<br />
• Valorizam inovação, independência e<br />
integridade;<br />
• Individualismo como oposição à<br />
conformidade.<br />
• Gostam de se socializar;<br />
• São, no geral, informais, valorizando a<br />
consciência de tempo.<br />
• A força de trabalho é dividida praticamente<br />
na metade entre homens e mulheres;<br />
• Cultura de fast food;<br />
• Ecléticos na prática do lazer;<br />
• Confiam nas inovações que facilitam o dia<br />
a dia.<br />
• Maior economia do mundo;<br />
• Desigualdade social atinge altos índices;<br />
• Economia diversificada com setor de serviços<br />
altamente desenvolvido;<br />
• Desconfiança e instabilidade a partir de 2008.<br />
• Universidade é opção direta de 70% dos<br />
jovens que concluem o ensino médio.<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47<br />
33
2 Walt Disney World – Um modelo a ser estudado<br />
Connellan (2010), profundo admirador da Disney, afirma que esta é a mais poderosa<br />
empresa de diversões do mundo, e revela quais são as razões para o sucesso,<br />
por meio de sete lições, em um mercado em que a experiência do cliente é<br />
fundamental para os bons resultados.<br />
A primeira lição, obtida na análise do sucesso, aponta que as grandes organizações<br />
prestadoras de serviço devem considerar concorrente qualquer empresa existente,<br />
pois são base de comparação para os clientes. Desta forma, o autor demonstra<br />
que a prestação de serviço bem-feita, por parte de uma empresa do segmento<br />
bancário, por exemplo, ficará na memória do cliente, que passará a comparar os<br />
demais atendimentos e experiências, sejam estes no mesmo mercado ou em mercados<br />
diferentes, com a empresa na qual obteve um resultado que correspondeu<br />
e/ou superou suas expectativas (CONNELLAN, 2010).<br />
A segunda lição que pode ser tirada do sucesso da Disney World está relacionada<br />
ao peso dado aos detalhes, ainda que em situações nas quais provavelmente<br />
o cliente não dará a devida atenção. Segundo Connellan (2010), a atenção aos detalhes<br />
torna-se um diferencial competitivo, pois, além de impressionar clientes e<br />
garantir experiências únicas, cria nos colaboradores uma cultura em que cada um<br />
torna-se responsável por observar cada um dos mínimos processos existentes no<br />
dia a dia da organização, buscando bons exemplos e melhorias.<br />
Todos os colaboradores demonstrando entusiasmo é a terceira lição a ser aprendida<br />
com as organizações Disney, validando a já conhecida relação entre funcionários motivados<br />
e resultados atingidos. A preocupação com o bem-estar dos clientes somada à proatividade<br />
na resolução dos problemas e à encarnação do espírito de magia que paira no ambiente,<br />
são os fatores de sucesso da Disney relacionado a essa lição (CONNELLAN, 2010).<br />
A quarta lição observada na Disney, como fator do reconhecido sucesso, refere-<br />
-se à demonstração de entusiasmo em tudo, e não apenas nos colaboradores. Tal<br />
lição pode ser facilmente compreendida se for avaliada como o resultado das duas<br />
lições anteriores, que consideram pessoas entusiasmadas e sonhadoras que estejam<br />
focadas nos mínimos detalhes da experiência do cliente. No caso da Disney,<br />
isso significa investir em detalhes que raramente são percebidos pelos clientes,<br />
mas que, quando observados, dão mais subsídios para a percepção de que tudo<br />
no ambiente parece perfeito, como no mundo dos sonhos (CONNELLAN, 2010).<br />
A quarta lição pode ser comprovada também em um estudo de Reincke (1998). O<br />
autor conclui que a filosofia da empresa de promover uma experiência inesquecível aos<br />
visitantes é facilmente perceptível na nomenclatura utilizada para a definição dos participantes<br />
e atividades do dia a dia. Desta forma, os funcionários são “membros do elenco”,<br />
os clientes são “convidados”, uma multidão é uma “plateia”, um turno de trabalho<br />
é “uma apresentação”, uma função é um “papel”, os uniformes são “o vestuário”, estar<br />
em serviço é ”entrar em cena” e estar de folga é “estar nos bastidores” (REINCKE, 1998).<br />
34<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
A quinta lição ratifica um dos pilares do marketing de serviços, que é o atendimento<br />
ao cliente. Na Disney, trata-se da existência de diversos pontos de escuta,<br />
ou seja, múltiplos canais para que o atendimento ao cliente seja imediato e, ao<br />
mesmo tempo, mantenha a magia do ambiente. Tal variável torna-se importante,<br />
para a Disney, uma vez que é necessário personalizar o processo de atendimento<br />
ao ambiente, utilizando a criatividade para fazer do contato com o cliente mais<br />
uma experiência diferenciada (CONNELLAN, 2010).<br />
A sexta lição que se pode tirar do sucesso da Disney como organização refere-<br />
-se ao feedback dado aos colaboradores, na forma de recompensa, reconhecimento<br />
e comemoração. Para a Disney, o sucesso do negócio certamente depende do<br />
bom trabalho realizado pelos colaboradores, e o ambiente de trabalho deve ser<br />
tão interessante para a equipe quanto o é para os clientes. Desta forma, a empresa<br />
considera que feedbacks, em sua maioria positivos, devem ser dados com certa<br />
frequência, não apenas como estímulo, mas também como exemplo e incentivo<br />
(CONNELLAN, 2010).<br />
Embora a percepção de detalhes seja uma característica marcante na Disney,<br />
a capacitação de pessoal é vista pelos executivos da companhia como o principal<br />
fator de sucesso, e que coloca a empresa como uma das melhores no gerenciamento<br />
de recursos humanos. Os funcionários - membros do elenco - são treinados<br />
não apenas para servir os “convidados”, mas para agir de acordo com as emoções<br />
percebidas em cada momento de contato com o cliente (REINCKE, 1998).<br />
A última lição obtida na análise do sucesso da Disney como empresa também<br />
está relacionada à gestão de pessoas, com a crença de que todos são importantes<br />
para o andamento do negócio e para a satisfação dos clientes. De forma resumida,<br />
a última lição demonstra os valores da empresa, que busca a satisfação dos clientes<br />
a partir da empolgação e satisfação dos colaboradores (CONNELLAN, 2010).<br />
Como visto, a Disney tem por princípio transformar o seu negócio em algo<br />
mágico, fazendo com que a experiência do cliente seja inesquecível. Para obter<br />
tais resultados, o segredo do sucesso é fazer com que os mínimos detalhes sejam<br />
considerados importantes, ao mesmo tempo em que torna os colaboradores os<br />
primeiros entusiastas desses valores.<br />
Com colaboradores motivados, cientes da importância de proporcionar ao<br />
cliente uma experiência única, seja no atendimento ou em detalhes despercebidos<br />
dos parques, a Disney torna-se exemplo de benchmark para análise de prestação<br />
de serviço, para públicos de qualquer idade e qualquer local do mundo.<br />
Na mesma direção de analisar a Disney como organização de sucesso, Capodalgi<br />
e Jackson (2000) sugerem que a organização possui dez crenças, que simbolizam<br />
sua cultura organizacional e que a torna um exemplo para outras empresas,<br />
abordando não apenas o atendimento ao cliente, mas outras esferas gerenciais. As<br />
dez crenças são:<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47<br />
35
36<br />
1. Liberar a criatividade dos membros da organização a partir das oportunidades<br />
de sonhar de cada um;<br />
2. Manter as crenças e os princípios da organização em cada colaborador;<br />
3. Tratar os clientes como hóspedes;<br />
4. Dar poder, apoio e recompensa aos colaboradores;<br />
5. Construir relacionamentos duradouros com fornecedores e parceiros;<br />
6. Estimular a inovação a partir da ideia de que assumir riscos calculados<br />
pode gerar ideias novas;<br />
7. Treinar e reforçar continuamente a cultura da organização;<br />
8. Alinhar visão de longo prazo com execução no curto prazo;<br />
9. Dar extremo valor aos detalhes;<br />
10. Utilizar a técnica de elaboração de storyboard para solucionar eventuais<br />
problemas de planejamento e comunicação.<br />
Embora o autor cite dez crenças e que todas resultem no que é a Disney para os<br />
consumidores, entende-se que a de maior relevância, para o presente trabalho, é a<br />
terceira, “tratar os clientes como hóspedes”, uma vez que é possível mensurá-la em<br />
pesquisa com os visitantes dos parques.<br />
3 O desenvolvimento do estudo<br />
Este artigo tem por objetivo encontrar a resposta para a seguinte pergunta: qual a<br />
correlação entre as características culturais de norte-americanos e brasileiros e a percepção<br />
que esses indivíduos têm em relação à prestação de serviços na Disney World?<br />
A escolha da Disney World deu-se por razões de parametrização, ou seja, para<br />
comparar culturas diferentes em um mesmo ambiente, sem distinção de características<br />
geográficas (Disney Land, por exemplo) ou até mesmo culturais (Disney<br />
Tóquio, Euro Disney).<br />
O objetivo geral do estudo foi descobrir se a cultura de um indivíduo é variável<br />
com alta correlação com a percepção que é dada à prestação de serviço em<br />
uma organização considerada referência, nesse quesito. Além disso, o estudo teve<br />
como objetivos específicos:<br />
• Observar se as variáveis que fazem dos parques Disney benchmark em prestação<br />
de serviço são universais ou se a experiência completa torna a organização<br />
um case de sucesso;<br />
• Analisar as percepções encontradas na pesquisa e buscar correlação com<br />
características culturais específicas, com base no referencial teórico;<br />
• Identificar outras variáveis que influenciam a percepção que o indivíduo tem<br />
em relação à prestação de serviço e que possuam influência maior do que os<br />
fatores culturais.<br />
Com base no problema apresentado, as possíveis hipóteses foram elaboradas:<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
1. Brasileiros e norte-americanos tendem a ter percepção semelhante à prestação<br />
de serviço na Disney World. Ou seja, independentemente das peculiaridades<br />
culturais, a Disney consegue gerar sentimentos semelhantes em<br />
ambas as culturas;<br />
2. Brasileiros e norte-americanos tendem a ter percepções distintas da prestação<br />
de serviço na Disney World, ou seja, é possível que os fatores culturais<br />
influenciem a percepção em relação a Disney. Isso dependerá da análise,<br />
também, das percepções dentro da própria cultura;<br />
3. A percepção quanto à prestação de serviço na Disney World é heterogênea,<br />
independentemente das culturas. Não há, portanto, semelhança considerável<br />
na percepção em relação a Disney, qualquer que seja a cultura do indivíduo.<br />
Como o objetivo do estudo era comparar percepções, que é algo subjetivo, a<br />
forma de pesquisa aplicada foi a exploratória, com base em dados quantitativos. A<br />
metodologia de pesquisa baseou-se no estudo de caso de uma organização que é<br />
considerada benchmark de prestação de serviço e que possui clientes espalhados no<br />
mundo. As perguntas do questionário buscam agrupar indivíduos em grupos específicos,<br />
mas também detectar percepções que não estão predefinidas na pesquisa.<br />
4 A coleta e a análise de dados<br />
A amostra selecionada para aplicação do questionário englobou indivíduos<br />
da cultura norte-americana (nascidos e criados nos Estados Unidos da América)<br />
e brasileira (nascidos e criados no Brasil). O presente trabalho não tem pretensão<br />
estatística, ou seja, não se pode generalizar os resultados obtidos com a amostra<br />
pesquisada para o universo de brasileiros e norte-americanos. Com o objetivo de<br />
obter respostas consistentes, estabeleceu-se que os respondentes também deveriam<br />
ser maiores de 18 anos (valores pessoais já formados) e ter, obrigatoriamente,<br />
visitado a Disney World pelo menos uma vez na vida. Estabeleceu-se também uma<br />
quantidade mínima de 25 respondentes, e máxima de 50.<br />
A aplicação do questionário transcorreu da seguinte forma: a busca de respondentes<br />
brasileiros deu-se por divulgação na Internet, em listas de discussão. Os respondentes<br />
norte-americanos foram buscados através do site Pen Pal World (www.<br />
penpalworld.com), ferramenta de encontro de pessoas de outras culturas com o<br />
objetivo de manter correspondência virtual.<br />
O questionário foi disponibilizado no site de pesquisa Survey Monkey (www.surveymonkey.com.br)<br />
em dois idiomas – inglês e português – de 10 de março até o dia<br />
08 de maio de 2012, data da última resposta contabilizada na análise dos resultados.<br />
No questionário, buscou-se, inicialmente, descobrir o perfil dos respondentes,<br />
como sexo e idade. Do total da amostra dos 45 brasileiros pesquisados, 60% eram<br />
do sexo feminino e os demais (40%) eram do sexo masculino. Quando analisada<br />
a faixa etária dos respondentes brasileiros, observou-se que há um predomínio<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47<br />
37
(51%) de pessoas com idade entre 23 e 30 anos. Dos respondentes, 20% têm idade<br />
entre 31 e 40 anos; 18%, entre 41 e 55 anos; e <strong>11</strong>% têm entre 18 e 22 anos. Não há<br />
respondentes com mais de 55 anos, na amostra brasileira.<br />
Do total da amostra dos 28 norte-americanos pesquisados, 39% é do sexo feminino<br />
e os demais (61%) são do sexo masculino. Quando analisada a faixa etária, observa-se<br />
que há um predomínio (50%) de pessoas com idade entre 23 e 30 anos. Dos respondentes,<br />
25% têm entre 31 e 40 anos; <strong>11</strong>% têm entre 41 e 55 anos; e 14% têm mais de<br />
55 anos. Não há respondentes com menos de 23 anos, na amostra norte-americana.<br />
Em continuidade, o questionário buscou investigar o número de vezes que os<br />
respondentes haviam visitado à Disney World, em uma escala que variava de uma<br />
única visita até mais de cinco visitas. Para essa questão, 53% dos brasileiros respondentes<br />
estiveram nos parques apenas uma vez, enquanto 20% estiveram entre<br />
duas e três vezes; 18% dos respondentes estiveram nos parques entre quatro e<br />
cinco vezes, e os demais 9% figuram entre os que visitaram a Disney mais de cinco<br />
vezes. Na amostra norte-americana, 25% dos respondentes estiveram nos parques<br />
apenas uma vez, enquanto que 39% estiveram entre duas e três vezes; <strong>11</strong>% dos<br />
respondentes estiveram nos parques entre quatro e cinco vezes, e os demais 25%<br />
figuram entre os que visitaram a Disney mais de cinco vezes. A quantidade de visitas<br />
de brasileiros e norte-americanos é apresentada no Gráfico 1.<br />
60%<br />
50%<br />
40%<br />
30%<br />
20%<br />
10%<br />
Fonte: Respondentes da pesquisa.<br />
38<br />
0%<br />
53%<br />
25%<br />
Gráfico 1 - Quantidade de visitas à Disney World<br />
20%<br />
39%<br />
A questão seguinte pretendia detectar com quem os pesquisados estiveram na<br />
Disney, considerando sempre a última visita para os que já haviam viajado mais de<br />
uma vez (apresentada no Gráfico 2). As opções variaram entre “sozinho”, “com os<br />
pais”, “com os filhos”, “com amigos”, “em excursão” e “outros”. Ao analisar a amostra<br />
brasileira, obteve-se que as companhias foram, em ordem de respondentes,<br />
respectivamente, com outros (32%), com os pais (24%), com os filhos (20%), com<br />
amigos (18%), em excursão (4%), e sozinhos (2%).<br />
18%<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
<strong>11</strong>%<br />
9%<br />
25%<br />
Apenas uma vez 2 ou 3 vezes 4 a 5 vezes Acima de 5 vezes<br />
Brasileiros Norte-americanos
Ao analisar com quem os respondentes norte-americanos estiveram na Disney<br />
World, obteve-se que as companhias foram, respectivamente, com os pais (42%),<br />
com os filhos (21%), com amigos (21%) e outros (16%). Nenhum dos respondentes<br />
esteve sozinho ou em excursão.<br />
100%<br />
90%<br />
80%<br />
70%<br />
60%<br />
50%<br />
40%<br />
30%<br />
20%<br />
10%<br />
0%<br />
Fonte: Respondentes da pesquisa.<br />
Gráfico 2 - Com quem esteve presente na Disney World<br />
Brasileiros Norte-americanos<br />
Essas quatro questões iniciais tiveram por objetivo não apenas introduzir a pesquisa,<br />
mas também segmentar demograficamente os respondentes para facilitar<br />
a análise dos resultados.<br />
Ao perguntar se algo havia surpreendido negativamente os brasileiros na estadia<br />
na Disney World, 89% alegaram que não, enquanto <strong>11</strong>% alegaram que houve,<br />
sim, algo que não agradou. Na descrição dos motivos, viu-se que as “filas” foram a<br />
principal causa da insatisfação, além da “ausência de bebida alcoólica nos parques”.<br />
Já entre os norte-americanos pesquisados, 75% responderam que não houve<br />
nada que causasse decepção, enquanto 25% alegaram ter algum tipo de experiência<br />
negativa nos parques Disney. A descrição mostra que as “filas” foram a principal<br />
causa, enquanto o preço e o tratamento de alguns funcionários, em determinados<br />
parques, completam os comentários dos pesquisados.<br />
Quando perguntados sobre as características que mais chamaram a atenção<br />
dos visitantes brasileiros, na Disney World, por ordem de relevância, foi possível<br />
observar que as variáveis de maior relevância para os brasileiros foram “limpeza e<br />
organização”, enquanto as variáveis de menor relevância foram, respectivamente,<br />
“souvenires” e “alimentação”. As demais variáveis apresentaram relevância média,<br />
com destaque para a “atuação dos funcionários”.<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47<br />
Outros<br />
Sozinho(a)<br />
Excursão<br />
Amigos<br />
Filhos<br />
Pais<br />
39
Na análise das respostas da amostra norte-americana, foi possível observar que<br />
as de maior relevância foram “tecnologias” e “limpeza”, enquanto as características<br />
de menor relevância foram, respectivamente, “alimentação” e ”souvenires”. As demais<br />
características apresentaram relevância média, com destaque para a “atuação<br />
dos funcionários”. Vale destacar que os norte-americanos possuem opiniões opostas<br />
entre si, uma vez que muitas características apresentaram divisão semelhante<br />
de respondentes, que consideram a mesma variável com relevâncias diferentes.<br />
Quando perguntados sobre qual palavra melhor definia o sentimento dos visitantes<br />
brasileiros, em relação ao tratamento recebido na Disney, observou-se que<br />
os respondentes sentiram-se como Hóspedes (47%), Clientes (38%), Estrangeiros<br />
(13%) e apenas 2% se definiram como Indiferentes. As respostas para ambas as<br />
culturas estão apresentadas no Gráfico 3.<br />
Analisando as informações obtidas dos respondentes norte-americanos, observou-se<br />
que 60% se sentiram como Clientes, Indiferentes, com 36%, enquanto 4%<br />
sentiram-se como Hóspedes. Nenhum respondente norte-americano considerou<br />
a opção Estrangeiro.<br />
60%<br />
50%<br />
40%<br />
30%<br />
20%<br />
10%<br />
Fonte: Respondentes da pesquisa.<br />
40<br />
0%<br />
Gráfico 3 - Sentimento em relação ao atendimento<br />
Cliente Hóspede Estrangeiro Indiferente<br />
Brasileiros Norte-americanos<br />
A questão seguinte objetivou entender as características que fizeram com que<br />
os visitantes se sentissem mais à vontade na Disney World. Os respondentes brasileiros<br />
consideraram a “estrutura física, limpeza e segurança” como de mais relevância,<br />
seguida por “opções de lazer para todas as idades” e “atendimento e receptividade”.<br />
As características de menor relevância foram, respectivamente, “diversidade<br />
de idiomas de atendimento e informação” e “diversidade de alimentação”. As demais<br />
características apresentaram relevância média.<br />
Os respondentes norte-americanos consideraram o “atendimento e receptividade”<br />
como a características de maior relevância, seguida por “diversidade de idiomas de aten-<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
dimento e informação” e “opções de lazer para todas as idades”. As características de<br />
menor relevância foram, respectivamente, “ruptura com o mundo real” e “possibilidade<br />
de integração/união familiar”. As demais alternativas apresentaram relevância média.<br />
Os pesquisados também foram perguntados sobre qual expressão melhor define<br />
a Disney, dentre seis preestabelecidas, conforme o Gráfico 4. Para quase metade dos<br />
respondentes brasileiros (47%), a expressão que melhor define a Disney é “atenção<br />
aos mínimos detalhes”, seguido de “uma surpresa após a outra” (29%). Os itens “funcionários<br />
comprometidos e atentos” e “esperava mais dessa experiência” representaram,<br />
cada uma, 2% da opinião dos respondentes, enquanto “opções que agradam a<br />
todos” e “superou minhas expectativas” representaram, respectivamente, <strong>11</strong>% e 9%.<br />
Para metade dos respondentes norte-americanos, a expressão que melhor define<br />
a Disney é “opções que agradam a todos”, seguido de “atenção aos mínimos<br />
detalhes” (25%). Os itens “uma surpresa após a outra” e “esperava mais dessa experiência”<br />
representaram, cada, 7% da opinião dos respondentes, enquanto “superou<br />
minhas expectativas” representou <strong>11</strong>%. Nenhum respondente definiu a Disney<br />
com a expressão “funcionários comprometidos e atentos”.<br />
Norte-americanos<br />
Brasileiros<br />
Fonte: Respondentes da pesquisa.<br />
Gráfico 4 - Expressão que melhor define a Disney World<br />
0% 20% 40% 60% 80% 100%<br />
Atenção aos minimos detalhes<br />
Funcionários compromedos e atentos<br />
Opções que agradam a todos<br />
Uma surpresa após a outra<br />
Superou minhas expectavas Esperava mais dessa experiência<br />
A Disney World é, sem dúvida, um paraíso para os brasileiros. Isso fica claro ao se analisar<br />
que mais de 75% da amostra de visitantes brasileiros define o local como “surpreendente<br />
e com atenção aos mínimos detalhes”. Tal característica pode ser explicada por diversos<br />
comportamentos culturais anteriormente abordados na análise de outras respostas.<br />
Por fim, analisando-se os comentários livres dos brasileiros sobre a Disney World, foi<br />
possível observar que são, na maioria, elogios ao ambiente e à experiência vivida. Muitos<br />
falam em sonho, magia e experiência inesquecível, além de lembrar da organização<br />
e limpeza. Já os norte-americanos citaram a “magia do local”, registrando dicas sobre<br />
como aproveitar melhor a visita e comparando com outros parques da Disney.<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47<br />
41
Como o objetivo do estudo era comparar as duas culturas selecionadas (com foco na<br />
percepção da experiência na Disney World), elaborou-se dois gráficos cruzando as duas<br />
principais questões da pesquisa, obtendo um comparativo entre a percepção de ambas<br />
as culturas. Os Gráficos 5 e 6 foram gerados a partir da ponderação da escala de valor<br />
atribuída à variável (de 1 a 7, onde o 7 representava a maior importância para o pesquisado)<br />
pelo percentual de respondentes em cada um dos níveis da escala. Desta forma,<br />
obteve-se uma média ponderada para cada variável, nas duas culturas estudadas.<br />
5,5<br />
5,0<br />
4,5<br />
4,0<br />
3,5<br />
3,0<br />
2,5<br />
2,0<br />
Fonte: Respondentes da pesquisa.<br />
5,5<br />
5,0<br />
4,5<br />
4,0<br />
3,5<br />
3,0<br />
2,5<br />
2,0<br />
42<br />
Limpeza<br />
Gráfico 5 - Comparativo: características relevantes<br />
Tecnologias<br />
Gráfico 6 - Comparativo: características que contribuem para se sentir à vontade<br />
Diversidade de<br />
alimentação<br />
Diversidade de<br />
idiomas de<br />
atendimento/<br />
informação<br />
Fonte: Respondentes da pesquisa.<br />
Organização<br />
Atuação dos<br />
funcionários<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
Alimentação<br />
Brasileiros Norte-americanos<br />
Opções de<br />
lazer para todas<br />
as idades<br />
Atendimento<br />
e receptividade<br />
Estrutura<br />
física, limpeza<br />
e segurança<br />
Brasileiros Norte-americanos<br />
Fantasias/Magia<br />
Ruptura com o<br />
mundo real<br />
Souvenieres<br />
Possibilidade<br />
de integraçao/<br />
uniao familiar
Considerações finais<br />
A teoria sobre Comportamento do Consumidor aborda a cultura como um fator<br />
que influi na percepção do indivíduo em relação a um produto ou serviço, bem como<br />
em suas escolhas, principalmente por causa dos valores transmitidos por essa cultura.<br />
O estudo dos principais valores que compõem a cultura mostrou que os norte-<br />
-americanos apresentam características que podem tender ao individualismo e à<br />
valorização da competição, inovação e independência. Como visto nos resultados<br />
da pesquisa, a “tecnologia” existente na Disney World foi uma variável amplamente<br />
valorizada pelos respondentes norte-americanos, talvez por causa da atenção<br />
dada à inovação, por parte dos indivíduos.<br />
Além disso, pôde-se observar que os norte-americanos deram pouca atenção<br />
para a possibilidade de união familiar que a Disney World proporciona, mesmo<br />
considerando que mais de 50% dos respondentes estiveram nos parques na companhia<br />
de pais ou filhos, demonstrando a influência do individualismo na valorização<br />
das variáveis. Da mesma forma, a escolha da expressão “opções que agradam<br />
a todos”, por metade dos respondentes, era, portanto, inesperada, se considerada<br />
a menor preocupação com a integração com outras pessoas.<br />
Considerando os valores voltados ao ambiente, viu-se que os norte-americanos<br />
valorizam a limpeza, a mudança, o domínio da natureza e as recompensas baseadas<br />
no desempenho. O fato de a limpeza ter sido considerada variável de importância<br />
média pode significar que o costume com ambientes limpos é tão comum que sequer<br />
chama a atenção dos indivíduos. Ademais, 61% dos respondentes disseram se<br />
sentir como Clientes, na Disney World, o que reforça a cultura como extremamente<br />
profissional e voltada ao desempenho, ou seja, o cliente paga e deve ter um bom<br />
atendimento como recompensa. Essa característica também foi confirmada pela<br />
alta valorização do atendimento e receptividade por parte dos respondentes.<br />
Em relação aos valores voltados ao indivíduo, os norte-americanos possuem<br />
características relacionadas ao consumismo, conforme Brigham Young University<br />
(20<strong>11</strong>b), no sentido de pouparem pouco, o que pode explicar a alta importância<br />
dada por alguns indivíduos aos souvenires, na Disney World. Embora sejam ecléticos<br />
nas práticas de lazer, a baixa percepção de que a Disney proporciona uma<br />
ruptura com o mundo real pode ser explicada pela valorização do trabalho, característica<br />
muito observada na população norte-americana.<br />
Os brasileiros possuem uma característica que pode não ter sido traduzida nos<br />
resultados obtidos na pesquisa. Assim como nas culturas asiáticas, os brasileiros<br />
possuem um conceito de obrigação para com a família mais abrangente do que<br />
os norte-americanos. A pesquisa mostrou que menos de 50% dos respondentes<br />
estiveram na Disney com familiares (pais ou filhos). Além disso, a oportunidade de<br />
obter opções de lazer para todas as idades foi um quesito altamente percebido<br />
pelos brasileiros.<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47<br />
43
A melhoria das condições econômicas do Brasil, ocorrida a partir de 2006, com o<br />
aumento da renda e do poder de compra, pode ser uma das explicações para que<br />
quase 50% dos brasileiros da amostra pesquisada já tenham ido à Disney World<br />
mais de uma vez. E esses dados podem também ser relacionados à característica<br />
dos brasileiros, que difere da apresentada pelos norte-americanos, no que tange à<br />
importância dada ao lazer e ao trabalho. Os brasileiros são voltados mais ao lazer,<br />
e esse fato pode explicar os resultados obtidos na pesquisa.<br />
Além disso, viu-se também que os brasileiros costumam valorizar o tempo livre<br />
e costumam ter férias pelo menos uma vez por ano, aproveitando para viajar tanto<br />
para destinos nacionais como internacionais.<br />
Viu-se também que os brasileiros possuem hábitos alimentares diversos, que<br />
varia de região para região, o que pode explicar a pouca importância atribuída, à<br />
variável alimentação, na pesquisa. Organização e limpeza figuraram como variáveis<br />
de alta percepção para os brasileiros, muito provavelmente como consequência do<br />
avanço da prestação de serviço existente nos EUA em relação ao Brasil. As respostas<br />
obtidas na análise de fatores que fazem os visitantes se sentirem à vontade, na Disney<br />
World, também confirmaram essa tendência cultural, uma vez que a estrutura<br />
física, a limpeza e a segurança foram consideradas as principais características.<br />
As referências que apresentam a Disney World como um benchmark em prestação de<br />
serviço, ficam mais evidentes, entre os brasileiros, do que para os norte-americanos. Quase<br />
metade dos pesquisados brasileiros (47%) manifestou a sensação que se tem, na Disney<br />
de ser um autêntico hóspede, que é, de fato, a missão da Disney, fato não observado entre<br />
os respondentes norte-americanos. A explicação pode estar, também, na crença de recompensas<br />
por status, existente na cultura brasileira. Ou seja, o status que a Disney possui<br />
já influencia por si só a percepção dos brasileiros em relação ao serviço prestado.<br />
Os brasileiros são vistos como um povo adaptável e flexível, o que pode ser a<br />
causa da despreocupação dos visitantes tanto com a diversidade alimentar quanto<br />
com a diversidade de idiomas para atendimento. De alguma forma, os brasileiros<br />
acreditam que conseguem se adaptar a qualquer situação adversa, seja de cunho<br />
alimentar, seja de cunho de comunicação e entendimento.<br />
A influência cultural na percepção é nítida para ambas as culturas estudadas.<br />
Entretanto, ao comparar a percepção de brasileiros e norte-americanos, em relação<br />
à Disney, observa-se que os brasileiros valorizam mais muitas características lá<br />
observadas do que os norte-americanos, por causa da diferença de oportunidades<br />
e desenvolvimento existente entre os países. Isso explica a lacuna na percepção de<br />
brasileiros e norte-americanos quanto à limpeza (ainda que os norte-americanos<br />
também valorizem tal característica) e organização.<br />
Por outro lado, embora ambas as culturas não valorizem tanto as possibilidades<br />
de alimentação, na Disney World, tal característica apresenta maior valorização por<br />
parte dos norte-americanos, menos adaptáveis e informais que os brasileiros.<br />
44<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
No que tange às semelhanças na percepção de ambas as culturas, em relação às<br />
características analisadas, vale destacar que o fato de possibilitar lazer para todas as idades,<br />
faz da Disney World um local extremamente agradável para visitação, juntamente<br />
com o fato de ser um local em que o atendimento e a receptividade são notáveis.<br />
O estudo abordou um tema de grande importância para o planejamento estratégico<br />
e de marketing. O entendimento da cultura pode significar o sucesso ou<br />
o fracasso para uma organização, uma vez que as variáveis culturais influenciam o<br />
comportamento de compra dos consumidores. Investimentos em desenvolvimento<br />
de produtos e serviços inovadores podem se dissipar sem gerar retorno algum<br />
se a inovação não estiver alinhada com a cultura do público-alvo.<br />
Por essa razão, o estudo analisou, na prática, o funcionamento da relação cultura–<br />
percepção, a partir da utilização de uma empresa benchmark em prestação de serviço, e<br />
“consumida” por clientes de diversas culturas, de todas as partes do mundo. Buscou-se,<br />
assim, não apenas entender melhor o tema na prática, mas confirmar a existência de<br />
uma organização que é capaz de satisfazer, da mesma forma, culturas diferentes.<br />
O problema apresentado no estudo era obter a correlação entre as características<br />
culturais de norte-americanos e brasileiros e a percepção dos indivíduos dessa cultura<br />
em relação ao serviço prestado na Disney World, o que significa dizer que se pretendeu<br />
relacionar variáveis comportamentais com respostas dadas na pesquisa. Os comportamentos<br />
de brasileiros e norte-americanos foram estudados, e um questionário<br />
foi aplicado para pessoas de ambas as culturas, obtendo-se os dados para análise.<br />
Os resultados mostraram que brasileiros e norte-americanos possuem percepções<br />
distintas, em relação ao serviço prestado na Disney World, quando se comparam as<br />
preferências, conforme sugerido na segunda hipótese. Foi possível notar tal afirmação<br />
quando comparadas as características mais valorizadas e também a palavra que<br />
define o sentimento que se tem do atendimento nos parques da Disney World. Dentre<br />
os brasileiros, a maior parte se sentiu como “Hóspede”, enquanto o sentimento de<br />
ser “Cliente” foi o mais considerado dentre a amostra de norte-americanos.<br />
Entretanto, ambas as culturas confirmaram a primeira hipótese, de que a Disney<br />
consegue proporcionar um serviço que gera sentimentos semelhantes independentemente<br />
da cultura estudada. O sentimento obtido foi de satisfação, ainda que em<br />
maior grau entre brasileiros do que entre norte-americanos. Não apenas os resultados<br />
numéricos, mas também os comentários obtidos nos questionários comprovam<br />
essa afirmação e endossam a fama da Disney na prestação de serviço de qualidade.<br />
Para ambas as culturas, a experiência na Disney World é mágica e diferenciada,<br />
e em ambas há indivíduos que acreditam haver melhorias em alguma esfera da<br />
prestação do serviço.<br />
A terceira hipótese, de que os indivíduos tinham comportamentos heterogêneos,<br />
mesmo dentro da mesma cultura, também foi comprovada, principalmente no<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47<br />
45
caso dos norte-americanos, que apresentaram lacunas estreitas, nas avaliações da<br />
importância de características, sem grandes oscilações entre as opiniões, indicando<br />
heterogeneidade de opiniões.<br />
Portanto, conclui-se que a Disney World também sofre influência da cultura dos<br />
seus visitantes, conseguindo ser referência para diferentes culturas, não de forma<br />
única e estática, mas por meio da busca pela perfeição, em vários “pontos de contato”,<br />
consegue se proteger das variações existentes entre culturas distintas e dentro<br />
de culturas semelhantes. E é bem provável que esse seja o segredo do sucesso:<br />
formar, a partir de detalhes diversos, uma experiência única.<br />
46<br />
Referências<br />
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ZEITHAML, Valaire A.; BITNER, Mary Jo. Marketing de serviços: a empresa com foco no cliente.<br />
2. ed. Porto Alegre: Bookman, 2003.<br />
ARTIGO RECEBIDO EM: 03/10/2012<br />
ARTIGO APROVADO EM: 05/<strong>11</strong>/2012<br />
Análise do fator cultural como variável na percepção da prestação de serviço na Disney World..., Franklin de Souza Meirelles, p. 27-47<br />
47
48<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
O desenvolvimento sustentável<br />
e a gestão de compliance em<br />
instituições financeiras<br />
Resumo: Este trabalho examina as<br />
instituições financeiras e seu envolvimento<br />
com a preocupação com o desenvolvimento<br />
sustentável e o risco socioambiental<br />
que seus clientes podem<br />
apresentar, bem com a área de risco<br />
socioambiental e Compliance. Discute a<br />
corresponsabilidade das instituições financeiras<br />
quando uma empresa comete<br />
infrações socioambientais utilizando recursos<br />
tomados no banco, como exemplo:<br />
desmatamentos, poluição dos rios,<br />
mares e lagos, incentivos ao trabalho<br />
escravo e infantil. Para minimizar e prevenir<br />
este tipo de exposição negativa,<br />
as instituições criam áreas responsáveis<br />
pelo risco socioambiental integradas<br />
com a área de Compliance para mitigar<br />
os riscos de imagem e de inadimplência.<br />
Palavras-chave: Compliance. Ética. Socioambiental.<br />
Sustentabilidade.<br />
Mauro Maia Laruccia *<br />
Karen Junko Yamada **<br />
Abstract: This paper examines financial<br />
institutions and their involvement<br />
concerning sustainable development<br />
and environmental risk which customers<br />
may experience, as well as areas<br />
concerned with risk and environmental<br />
Compliance. It also discusses financial<br />
institutions´ responsibilities in<br />
cases such as when a company commits<br />
socio environmental infractions<br />
using borrowed funds from the bank,<br />
for example: deforestation, pollution<br />
of rivers, lakes and seas, incentives for<br />
slave and child labor. To minimize and<br />
prevent this kind of negative exposure,<br />
institutions create responsible areas for<br />
social and environmental risks integrated<br />
with the Compliance area in order to<br />
mitigate risks of default and image.<br />
Keywords: Compliance. Ethics. Socioenvironmental.<br />
Sustainability.<br />
* Bacharel em Administração de Empresas pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Mestre em Administração<br />
e Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é professor<br />
Faculdade de Administração da FAAP e Avaliador ad hoc do INEP/MEC e do CEE/SP. E-mail: mmlaruccia@faap.br.<br />
** Bacharelado em Administração pela PUC-SP, estagiou na área de Compliance do Banco Credit Agricole no<br />
Brasil e atualmente é analista de Compliance em outra Instituição Financeira. E-mail: karen.yamada1@gmail.com.<br />
O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68<br />
49
Introdução<br />
O assunto apresentado informa como o desenvolvimento sustentável nas empresas<br />
atualmente irá afetar a área de Compliance nas Instituições Financeiras. De<br />
acordo com o Relatório de Brundtland e intitulado Nosso Futuro Comum publicado<br />
em 1987 pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento,<br />
“o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer<br />
a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades” (BRUN-<br />
DTLAND, 1991).<br />
Para o World Wildlife Fund (WWF), a definição de desenvolvimento sustentável<br />
é “o desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem<br />
comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações. É o<br />
desenvolvimento que não esgota os recursos para o futuro” (WWF BRASIL, 2012).<br />
Declara que para que se alcançar o desenvolvimento sustentável, “depende do<br />
planejamento e do reconhecimento de que os recursos naturais são finitos”. Ainda<br />
segundo o WWF BRASIL (2012):<br />
50<br />
Muitas vezes, a palavra desenvolvimento é confundida com crescimento econômico,<br />
que depende do consumo crescente de energia e recursos naturais. Esse tipo de desenvolvimento<br />
tende a ser insustentável, pois leva ao esgotamento dos recursos naturais<br />
dos quais a humanidade depende.<br />
Atividades econômicas podem ser encorajadas em detrimento da base de recursos naturais<br />
dos países. Desses recursos depende não só a existência humana e a diversidade<br />
biológica, como o próprio crescimento econômico.<br />
O desenvolvimento sustentável sugere, de fato, qualidade em vez de quantidade, com a redução<br />
do uso de matérias-primas e produtos e o aumento da reutilização e da reciclagem.<br />
O conceito de desenvolvimento sustentável, segundo a declaração da Conferência<br />
da ONU (conhecida também como Conferência da Terra), ocorrida no Rio de<br />
Janeiro em 1992, sobre o Meio Ambiente e desenvolvimento teve como resultado<br />
a Agenda 21 que é um documento que estabeleceu a importância de cada país a<br />
se comprometer a refletir, global e localmente, sobre a forma pela qual governos,<br />
empresas, organizações não-governamentais, e todos os setores da sociedade<br />
poderiam cooperar no estudo de soluções para os problemas socioambientais. A<br />
Agenda 21 se constitui num poderoso instrumento de reconversão da sociedade<br />
industrial rumo a um novo paradigma, que exige a reinterpretação do conceito de<br />
progresso, contemplando maior harmonia e equilíbrio holístico entre o todo e as<br />
partes, promovendo a qualidade, não apenas a quantidade do crescimento.<br />
Sustentabilidade está intimamente relacionada ao conceito de responsabilidade<br />
social das organizações. Além disso, a ideia de “sustentabilidade” adquire contornos<br />
de vantagem competitiva. Isto permitiu a expansão de alguns mercados,<br />
nomeadamente o da energia, com o surgimento das energias renováveis. Segundo<br />
Porter (1980), em geral as empresas desenvolvem uma estratégia competitiva e<br />
uma estratégia de responsabilidade social, no entanto devem ter é uma estratégia.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Uma consciência sustentável, por parte das organizações, pode significar uma<br />
vantagem competitiva, se for encarada como única estratégia da organização, tal<br />
como defende Porter, e não como algo que concorre a parte apenas como parte da<br />
política de imagem ou de comunicação. A ideia da sustentabilidade, como estratégia<br />
de aquisição de vantagem competitiva, por parte das empresas, é refletida, de<br />
uma forma expressamente declarada, na elaboração do que as empresas classificam<br />
como “Relatório de Sustentabilidade”.<br />
Nos últimos anos, em meio às crises financeiras que abalaram os mercados mundiais,<br />
aumentou a necessidade de se conhecer melhor os serviços e produtos, se possuem<br />
padrões de qualidade e o grau de riscos que podem ser oferecidos ou mesmo<br />
minimizar a preocupação, e é para isto que existe a área de Compliance nas empresas.<br />
A palavra Compliance vem do verbo em inglês “to comply”, que significa “cumprir”,<br />
“satisfazer”, “executar”. Assim, quando uma empresa está em Compliance, significa que<br />
ela está em conformidade, ou seja, cumprindo as leis e regulamentos internos e externos.<br />
Para que isso ocorra, todos os colaboradores da instituição devem se envolver,<br />
sempre executando suas tarefas dentro dos mais altos padrões de qualidade e ética.<br />
A missão da área de Compliance em uma instituição está voltada a assegurar<br />
a existência de políticas e normas, pontos de controle nos processos para mitigar<br />
riscos, relatórios que visem melhorias nos controles internos e práticas saudáveis<br />
para a gestão de riscos operacionais.<br />
Tudo isso para garantir credibilidade frente a clientes, fornecedores, acionistas e<br />
colaboradores, de forma transparente, assegurar que a estrutura organizacional e<br />
os procedimentos internos estão em conformidade com os regulamentos externos<br />
e internos, além de permitir que a companhia mantenha suas finanças saudáveis,<br />
minimizando riscos de perdas.<br />
Tendo em vista os conceitos de sustentabilidade e Compliance, e a importância<br />
deste dois para as instituições, a pesquisa realizada irá mostrar como o desenvolvimento<br />
sustentável afetará a gestão de Compliance nas instituições financeiras. O<br />
problema de pesquisa é como o desenvolvimento sustentável afetará a gestão de<br />
Compliance nas instituições financeiras?<br />
O desenvolvimento sustentável vem sido tratado com mais atenção e preocupação.<br />
Em principal foco estão as instituições financeiras que são tidas como corresponsáveis,<br />
no caso de uma empresa que tenha cometido uma infração perante<br />
as leis socioambientais, como exemplo: desmatamentos, poluição dos rios, mares<br />
e lagos, incentivos ao trabalho escravo e infantil; e tiveram que responder a processos<br />
pelo financiamento a estas práticas.<br />
Esse trabalho se justifica, pois ainda é um tema emergente que necessita de<br />
mais pesquisas, artigos e discussões, pois uma estrutura de Governança deveria<br />
contemplar uma estrutura de suporte à gestão obtendo um gerenciamento de<br />
O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68<br />
51
isco, por isso os bancos estão se adaptando para adoção de boas práticas e com<br />
a participação de alguns sociólogos, biólogos e profissionais para a avaliação de<br />
risco estão criando a área de risco socioambiental visando atender ao Protocolo<br />
Verde onde os bancos reconhecem que podem cumprir um papel indutor fundamental<br />
na busca de um desenvolvimento sustentável que pressuponha a preservação<br />
ambiental e uma contínua melhoria no bem estar da sociedade.<br />
A pesquisa visa o estudo das instituições financeiras brasileiras e seu envolvimento<br />
com a preocupação com o desenvolvimento sustentável e o risco<br />
socioambiental que seus clientes ou possíveis clientes podem apresentar, mas<br />
principalmente as áreas interessadas como a área de risco Socioambiental e<br />
Compliance, entrando em sinergia para uma sugestão de uma estratégia organizacional<br />
para que elas estejam em conformidade com as leis socioambientais<br />
nos processos internos que envolvem a gestão sustentável, que é a capacidade<br />
para dirigir o curso de uma empresa seja ela qual for, comunidade ou país, através<br />
de processos que valorizam e recuperam todas as formas de capital, humano,<br />
natural e financeiro.<br />
O objetivo pode ser dividido em geral e específico. Geral é pesquisar se as instituições<br />
atualmente estão preocupadas em realizar uma gestão sustentável e<br />
vinculá-la com o planejamento estratégico estando em conformidade com as leis<br />
e regras já existentes. O objetivo específico é analisar como as instituições estão<br />
conceituando estes assuntos internamente e de que forma elas estão fazendo isso.<br />
1 Definições de Compliance<br />
Sem aqui expor de forma detalhada um longo processo evolutivo do processo<br />
hoje denominado Compliance. O marco inicial ocorreu em 1930 e que concebeu a<br />
fundação do BIS – Bank for International Settlements, sediado em Basiléia, na Suíça,<br />
cujo principal objetivo foi buscar a cooperação entre os bancos centrais.<br />
Em 1960, a “SEC - Secutities and Exchange Commission” passou a insistir na contratação<br />
de “Compliance Officers” para criar procedimentos internos de controles,<br />
treinar pessoas e monitorar, com o objetivo de auxiliar as áreas de negócios a ter a<br />
efetiva supervisão.<br />
Em 1988 se inicia a era dos controles internos e surge o “Acordo de Basiléia”,<br />
constituído pelo Comitê de Basiléia, no âmbito do BIS, publicando os 13 princípios<br />
concernentes à supervisão pelos administradores e cultura/avaliação de Controles<br />
Internos, tendo como fundamento a ênfase na necessidade de Controles Internos<br />
efetivos e a promoção da estabilidade do Sistema Financeiro Nacional (SFN).<br />
Na década de 1990 com a abertura comercial incrementada nacionalmente, o<br />
Brasil buscou alinhar-se com o mercado mundial e a alta competitividade e simultaneamente<br />
os órgãos reguladores, também, aumentaram sua preocupação em<br />
52<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
implementar as novas regras de segurança para as instituições financeiras e regular<br />
o mercado interno em aderência às regras internacionais.<br />
A aceleração da competição de mercado foi um dos fatores que contribuiu para<br />
a falência de instituições, concentrada nos anos 2000, em que as instituições financeiras<br />
tiveram que iniciar um ciclo de mudanças cada vez mais radicais, com<br />
reestruturações estratégicas, organizacionais e tecnológicas, para construir uma<br />
imagem forte da instituição financeira perante seus clientes e fornecedores.<br />
Pesquisa realizada em 2004 pela Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN)<br />
menciona os exemplos de como o Compliance agrega valor: (1) Qualidade e velocidade<br />
das interpretações regulatórias e políticas e procedimentos de Compliance<br />
relacionados; (2) Aprimoramento do relacionamento com reguladores, incluindo<br />
bom retorno das revisões dos supervisores; (3) Melhoria de relacionamento com<br />
os acionistas; (4) Melhoria de relacionamento com os clientes; (5) Velocidade dos<br />
novos produtos em conformidade para o mercado; (5) Disseminação de elevados<br />
padrões éticos/culturais de Compliance pela organização; e (6) Acompanhamento<br />
das correções e deficiências (não-conformidades).<br />
Uma das responsabilidades da função é identificação, medição e avaliação do<br />
risco que está bem definido como “Compliance deve, de maneira pró-ativa, identificar,<br />
documentos e avaliar os riscos associados à conformidade das atividades da<br />
instituição, ao de criação de novos negócios ou do relacionamento com clientes.”<br />
(CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, p. 32)<br />
Outra questão é o respeito às normas para evitar punições de órgãos reguladores<br />
e para que a relação entre eles seja harmônica, portanto, o sentido das normas<br />
gerais está ligado ao fato de que elas são concretizações e materializações de princípios<br />
éticos, jurídicos e democráticos, então<br />
O primeiro compromisso ético dos cidadãos, inclusive das organizações, entre as quais<br />
se incluem as empresas (cidadania empresarial), reside no cumprimento da lei. Não<br />
simplesmente para evitar a imposição de alguma sanção, mas como um dever cívico<br />
(COIMBRA; MANZI; 2010, p. 15-16).<br />
Não esquecendo que faz parte das responsabilidades de Compliance zelar<br />
pelo comportamento ético de todas as pessoas de uma instituição e, portanto<br />
de sua conduta, é muito comum que as instituições redijam seu código de ética<br />
e conduta sempre visando às missões, valores e visão da empresa ou instituição<br />
financeira, devido aos valores morais que cada indivíduo traz consigo e que podem<br />
ser prejudiciais.<br />
Dessa forma, “o comportamento moral de cada indivíduo está sujeito a normas,<br />
princípios e valores estabelecidos por determinada sociedade em determinada<br />
época; ele depara com o conjunto de normas já estabelecido e aceito pela sociedade<br />
na qual está inserido” (CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, p. 78).<br />
O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68<br />
53
54<br />
A ética, por ser um conjunto de valores na qual<br />
diz respeito a olhar para determinadas normas, valores e comportamentos e julgá-los,<br />
analisando, em princípio, se estas normas e valores são contraditórias entre si e avaliando<br />
quais fazem mais sentindo de serem aplicados em determinadas situações. Não se trata<br />
apenas e tão somente de expressão uma opinião sobre como as pessoas deveriam se<br />
comportar, mas de tentar identificar uma unidade nas diversas crenças morais. Traduzindo,<br />
essa filosofia em termos práticos, ética significa estabelecer uma justificativa racional<br />
para as escolhas e comportamento do grupo. (CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, p. 79).<br />
Ainda de acordo com os autores, a expressão “Good Compliance is Good Business”<br />
descreve o Compliance para nortear as instituições na condução dos negócios,<br />
na proteção dos interesses dos clientes e na preservação da reputação empresarial<br />
(CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012).<br />
O risco de Compliance é definido como sendo<br />
um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e legais, que, uma vez definido e<br />
implantado, será a linha mestra que orientará o comportamento da instituição no mercado<br />
em que atua, bem como as atitudes de seus funcionários; instrumento capaz de<br />
controlar o risco de imagem e o risco legal (CANDELORO; RIZZO; PINHO, 2012, p. 30).<br />
E como não existe solução que elimine todos os riscos, eles devem ser monitorados<br />
objetivando acompanhar a exposição a riscos, mitigá-los e reduzir os seus impactos.<br />
A gestão de riscos de Compliance envolve basicamente três fases: Mensuração do risco: identificação<br />
e avaliação dos riscos e dos impactos dos riscos, com a indicação de medidas corretivas;<br />
Mitigação do risco: definição de prioridades, implementação e gestão das medidas<br />
indicadas na fase 1; e Avaliação contínua e revisão do processo (COIMBRA; MANZI, 2010, p. 92).<br />
2 Desenvolvimento Sustentável<br />
As atividades econômicas têm como base o uso e a transformação de recursos<br />
naturais para a realização dos negócios, portanto, quando se discute a sustentabilidade,<br />
se discute o futuro da humanidade. Há uma dependência mútua entre as<br />
pessoas, o planeta e as atividades econômicas.<br />
Uma vez que a sociedade depende dos recursos naturais, é importante lembrar<br />
que a Terra é um sistema fechado. Isso quer dizer que todos os recursos disponíveis,<br />
com exceção da energia solar, possuem limites de utilização.<br />
As atenções do mundo para com a crise ambiental se iniciaram em Estocolmo<br />
em 1972 e atinge seu ápice no Rio de Janeiro em 1992, quando foram lançadas novas<br />
concepções de desenvolvimento, e vive um momento de frustração em 2002<br />
em Johannesburgo, dez anos depois.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
No ano de 1992, geravam-se condições para fortalecer um novo momento de<br />
cooperação internacional. A Cúpula da Terra contribuiu para consolidar a percepção<br />
da sociedade para as relações entre as dimensões ambientais, sociais, culturais<br />
e econômicas do desenvolvimento, obtendo um consenso em torno da questão<br />
ambiental por meio da Agenda 21.<br />
Em 2002, na RIO+10 e atualmente com a RIO+20, as conclusões foram de poucas<br />
decisões e muita frustração pela concretização de poucas metas e pela falta de<br />
prazos precisos, para a solução dos problemas que cresceram e reduziram o avanço<br />
nas políticas globais que promovam o desenvolvimento sustentável.<br />
Apesar das críticas de que tem sido alvo, o conceito de desenvolvimento sustentável representa<br />
um importante avanço, na medida em que a Agenda 21 global, enquanto plano<br />
abrangente de ação para o desenvolvimento sustentável no século XXI considera a complexa<br />
relação entre o desenvolvimento e o meio ambiente numa grande variedade das<br />
áreas. Isso marca a afirmação de uma filosofia do desenvolvimento que combina eficiência<br />
econômica com justiça social e prudência ecológica, como premissas da construção<br />
de uma sociedade solidária e justa. (DEMAJOROVIC, 2003, p. 9).<br />
O desenvolvimento sustentável não é um problema limitado às adequações<br />
ecológicas de um processo social, mas a uma estratégia ou modelo para a sociedade,<br />
já que deve levar em conta tanto a viabilidade econômica como a ecológica.<br />
Num sentido abrangente, a noção de desenvolvimento sustentável relaciona-<br />
-se com a necessidade de redefinição das relações da sociedade humana-natureza<br />
e, portanto, em uma mudança do próprio processo civilizatório.<br />
O fato de os problemas ambientais e os riscos decorrentes terem crescido a passos agigantados<br />
e a sua lenta resolução ter se tornado de conhecimento público pelo seu impacto<br />
aumenta a importância da educação ambiental nas suas diversas dimensões. O desafio,<br />
então, é criar as condições para se não reduzir, pelo menos atenuar o preocupante quadro<br />
de riscos existente, que afeta desigualmente a população. Os riscos estão diretamente relacionados<br />
com a modernidade reflexiva e os ainda imprevisíveis efeitos da globalização.<br />
Isso implica a necessidade da multiplicação de práticas sociais pautadas pela ampliação<br />
do direito à informação e de educação ambiental numa perspectiva integradora. Trata-se<br />
de potencializar iniciativas a partir de suposição de que maior acesso à informação e transparência<br />
na gestão dos problemas ambientais urbanos podem levar a uma reorganização<br />
de poder e autoridade. (DEMAJOROVIC, 2003, p. <strong>11</strong>).<br />
Dessa forma, o desenvolvimento sustentável também deve se preocupar<br />
Para reverter os problemas citados é necessário mais do que garantir pessoas ou departamentos<br />
e equipamentos para tratar dos problemas socioambientais. Com efeito, as faltas<br />
de profissionais mais bem qualificadas na área ambiental ou as deficiências em sua forma<br />
de atuação constituem uma explicação parcial e simplificada do problema, que se apresentam<br />
dimensões bem mais complexas. (DEMAJOROVIC, 2003, p. 60).<br />
O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68<br />
55
Estas preocupações passaram pelos órgãos de grande visibilidade internacional<br />
como Banco Mundial e as Nações Unidas que criaram iniciativas próprias como<br />
a International Finance Corporation (IFC), The United Nations Environment Programme<br />
Finance Initiative (UNESP-FI), o Protocolo Verde e Princípios do Equador. Destacando-se<br />
como objetivo de estudo o Protocolo Verde, Princípios do Equador,<br />
Agenda 21 e RIO+20.<br />
3 Protocolo Verde<br />
O Protocolo Verde foi criado por um Grupo de Trabalho (GT) instituído pelo Governo<br />
brasileiro através de decreto em 29 de maio de 1995. O Grupo de Trabalho foi<br />
formado por representantes do Ministério do Meio Ambiente, Recursos Hídricos e<br />
da Amazônia Legal (MMA); Ministério da Fazenda; Ministério da Agricultura e do<br />
Abastecimento e da Reforma Agrária; Ministério do Planejamento e Orçamento;<br />
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA); Banco<br />
Central do Brasil (BACEN); Banco do Brasil (BB); Banco da Amazônia S.A. (BASA);<br />
Banco do Nordeste do Brasil S.A. (BNB); Caixa Econômica Federal (CEF) e do Banco<br />
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).<br />
O Protocolo Verde tem como objetivo de incorporar a variável ambiental na<br />
gestão e concessão de crédito, empréstimos e financiamentos dos bancos federais,<br />
e assim “[...] impedir que o crédito oficial e os incentivos fiscais fossem utilizados<br />
de maneira prejudicial ao meio ambiente e à sociedade [...]” (RIBEMBOIM, 1996, p.<br />
165). Dessa forma o governo brasileiro estaria adotando formas preventivas e de<br />
controle de danos ambientais vindos de projetos financiados com recursos oficiais.<br />
56<br />
O crédito que financia a produção e consumo fica atrelado à moralidade e a legalidade<br />
de quem os financia, principalmente quando se tem consciência da finitude dos recursos,<br />
portanto as instituições financeiras tornam-se corresponsáveis por financiamentos que<br />
possam resultar em danos ambientais (MACHADO, 1996).<br />
Pelo artigo 12 da Lei 6.938/81 as instituições financeiras eram obrigadas a exigir<br />
o licenciamento ambiental dos projetos que fossem financiados. O critério ainda<br />
não é bem aceito, pois veem este conceito como um entrave para os negócios e<br />
não como um instrumento a seu favor, que está auxiliando na prevenção de danos<br />
ao meio ambiente e de possíveis processos ambientais.<br />
Na Figura 1 constam as recomendações do Protocolo Verde às instituições financeiras<br />
federais.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
6<br />
Figura 1 - Recomendações do Protocolo Verde às instituições financeiras federais<br />
Explicitar seu compromisso com a variável ambiental, por intermédio de<br />
uma Carta de Princípios, que serviria tanto como guia interno para suas<br />
operações, como de estímulo aos clientes sobre a relevância do meio ambiente<br />
na elaboração e gestão de projetos. Essa atitude tem sido tomada<br />
por vários bancos públicos e privados em todo o mundo, ao aderirem à<br />
Declaração Internacional dos Bancos para o Meio Ambiente e Desenvolvimento<br />
Sustentável, patrocinada pelo Programa das Nações Unidas para o<br />
Meio Ambiente (PNUMA).<br />
Constituir unidades ou grupos de técnicos que se dediquem especialmente<br />
para identificar a relação entre meio ambiente e as atividades econômicas,<br />
atuando internamente para promoção e coordenação de atividades<br />
estratégicas quanto ao tema e participando de atividades externas com<br />
outras instituições. Tal providência é necessária para a plena incorporação<br />
da variável ambiental nas estruturas das instituições financeiras federais e<br />
executar os compromissos firmados pela diretoria na Carta de Princípios.<br />
As instituições financeiras poderão buscar apoio para o treinamento dessas<br />
unidades junto a fontes internacionais ou nacionais privadas.<br />
Promover a difusão de conhecimentos sobre o meio ambiente para os<br />
empregados, por intermédio de treinamento, intercâmbio de experiências,<br />
elaboração e análise de projetos ambientais etc. Seria também desejável a<br />
utilização da rede de agências para complementar as iniciativas de educação<br />
ambiental.<br />
Adotar sistemas internos de classificação de projetos, que levem em conta<br />
o impacto sobre o meio ambiente e suas implicações em termos de riscos<br />
de crédito. Este procedimento facilitará a análise dos projetos nas diversas<br />
áreas operacionais dos bancos e permitirá priorizar propostas que utilizarem<br />
técnicas e procedimentos ambientalmente sustentáveis.<br />
Identificar mecanismo de diferenciação nas operações de financiamento,<br />
em termos de prazos e taxas de juros, com base na mensuração dos custos<br />
decorrentes de passivos e riscos ambientais.<br />
Promover a criação de linhas de financiamento para as atividades de reciclagem,<br />
recuperação de resíduos e recuperação das áreas de disposição.<br />
Fonte: Protocolo Verde (1995).<br />
O Protocolo Verde deve ser visto como uma iniciativa e não como um modelo<br />
definitivo que pretende aliar a economia e meio ambiente a fim de inserir o<br />
desenvolvimento sustentável no País. O Protocolo pode parecer um pouco novo<br />
para as instituições financeiras e o público, mas com os Princípios do Equador, resumidamente<br />
detalhado a seguir, e a aderência por parte de algumas instituições<br />
financeiras brasileiras privadas e estrangeiras para o financiamento de projetos de<br />
empresas que possam agredir o meio ambiente de alguma forma.<br />
O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68<br />
57
4 Princípios do Equador<br />
Os princípios, primeiramente, são voltados para as instituições financeiras privadas<br />
e para financiamentos na modalidade de Project Finance, a adoção dos Princípios<br />
do Equador é vista pelos bancos signatários como uma atitude que pode<br />
garantir o financiamento de projetos com desenvolvimento socioambiental e assim,<br />
consequentemente, trazer benefícios para a instituição, os clientes e todas as<br />
partes envolvidas.<br />
Os Princípios foram revisados em 2006 e atualmente é composta pelos dez<br />
princípios apresentados na Figura 2.<br />
Os projetos categorizados como “A” têm possibilidade de apresentar significativos<br />
impactos ambientais adversos diferentes ou sem precedentes. Os projetos<br />
de Categoria “B” têm potencial de causar impactos ambientais adversos em áreas<br />
ambientalmente importantes ou populações humanas, todavia menos adversos<br />
que os projetos categorizados como “A”. Os projetos na Categoria “C” apresentam<br />
mínima possibilidade ou nenhum impacto ambiental adverso.<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
5<br />
58<br />
Figura 2 - Os 10 Princípios do Equador<br />
Revisão e categorização - Os projetos estarão sujeitos a uma revisão e<br />
serão categorizados com base na magnitude do impacto ou risco que representam,<br />
de acordo com os critérios socioambientais estipulados pelo IFC.<br />
Avaliação socioambiental - Os projetos da categoria A e B devem conduzir<br />
uma avaliação socioambiental apropriada e satisfatória para as instituições<br />
financeiras signatárias, apresentando aspectos possíveis impactos e riscos socioambientais<br />
do proposto projeto; medidas mitigadoras e de gerenciamento.<br />
Padrões socioambientais aplicáveis - Os projetos devem apresentar a<br />
Avaliação de Impactos Socioambientais baseada nos documentos Performance<br />
Standards do IFC e Industry Specific EHS Guidelines do Banco Mundial<br />
e de acordo com a legislação, regulamentação e licenças locais.<br />
Plano de ação e sistema de gerenciamento - Para projetos que estão nas<br />
categorias A e B é imprescindível apresentar um plano de ação que deverá<br />
descrever e priorizar ações necessárias para a implementação de medidas<br />
mitigadoras, corretivas e de monitoramento a fim de gerenciar os impactos<br />
e riscos socioambientais identificados na avaliação.<br />
Consultas e esclarecimentos - O tomador ou um especialista terceirizado<br />
deverá consultar, através de audiências públicas, as comunidades afetadas<br />
pelo projeto de maneira estruturada e culturalmente adequada. A consulta<br />
deverá ocorrer de forma livre, ou seja, isenta de manipulação, interferência<br />
ou coerção.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
Continua...
6<br />
7<br />
8<br />
9<br />
10<br />
Mecanismo de reclamações - Os projetos que estão na categoria A e, em<br />
alguns casos, na B deverão criar um mecanismo de reclamações em seu sistema<br />
de gerenciamento para assegurar a continuidade das consultas públicas<br />
e dos esclarecimentos de informações para as comunidades afetadas.<br />
Revisão Independente - A avaliação e o plano de ação dos projetos da<br />
categoria A e, em alguns casos, da B deverão ser analisados por um consultor<br />
socioambiental independente.<br />
Convenções/ Pactos/ Convênios - Para os projetos das categorias A e B se<br />
faz necessário cumprir toda a legislação, regulamentações e licenças socioambientais<br />
do País em todos os aspectos materiais; cumprir o plano de ação<br />
durante a construção e operação do projeto em todos os aspectos materiais;<br />
providenciar relatórios preparados por especialistas terceirizados e que<br />
estejam de acordo com o plano de ação e com a legislação vigente.<br />
Monitoramento e reporte de informações independentes - A fim de<br />
assegurar o contínuo monitoramento e o reporte de informações será<br />
solicitado para todos os projetos da categoria A, e em alguns casos da B,<br />
verificação de um especialista socioambiental independente das informações<br />
que serão compartilhadas com as instituições financeiras.<br />
Relatório das instituições financeiras signatárias - Todas as instituições<br />
financeiras signatárias dos princípios do Equador devem divulgar um<br />
relatório anual seu processo de implementação e experiências com as<br />
principais, levando em conta as considerações confidenciais apropriadas.<br />
Fonte: The Equator Principles Association (2006).<br />
Segundo Kono (2006), o BankTrack analisa os Princípios do Equador como vagos,<br />
deixando a responsabilidade para os bancos de desenvolverem e implementarem<br />
processos e estruturas internas. Além disso, a sua aplicação é limitada a transações<br />
que configurem na modalidade de Project Finance; assim não se levaria em conta a<br />
natureza e escala do empreendimento e sim o tipo de financiamento.<br />
5 Agenda 21<br />
Agenda 21 é o principal resultado da Conferência das Nações Unidas para o<br />
Meio Ambiente e o Desenvolvimento – UNCED/Rio-92. O documento foi negociado<br />
e debatido entre as centenas de países presentes, sendo, portanto, um produto<br />
diplomático contendo consensos e propostas.<br />
É um documento estratégico, um programa de ações abrangente para ser adotado<br />
global, nacional e localmente, objetivando fomentar em escala mundial, a<br />
partir do século XXI, um novo modelo de desenvolvimento que modifique os padrões<br />
de consumo e produção para que se reduzam as pressões ambientais e atender<br />
as necessidades básicas da humanidade. Este novo padrão, que concilia justiça<br />
O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68<br />
59
social, eficiência econômica e equilíbrio ambiental, convencionou-se chamar de<br />
Desenvolvimento Sustentável.<br />
A Agenda 21 Global é atualmente o documento mais abrangente e de maior<br />
alcance no que se refere às questões ambientais, contemplando em seus 40 capítulos<br />
e quatro seções temas que vão da biodiversidade, dos recursos hídricos e de<br />
infraestrutura, aos problemas de educação, de habitação, entre outros. Com isso,<br />
tem sido utilizada na discussão de políticas públicas no mundo inteiro, tendo em<br />
vista a sua proposta de servir como um guia para o planejamento de ações locais<br />
que fomentem um processo de transição para a sustentabilidade.<br />
Significa que se deve melhorar a qualidade de vida no futuro, adotando iniciativas<br />
sociais, econômicas e ambientais que levem a um planejamento justo, com vistas a<br />
atender às necessidades humanas enquanto se planeja cuidadosamente os diferentes<br />
usos dos recursos naturais, possibilitando assim, o mesmo direito às gerações futuras.<br />
Em 1994, o Senado Federal publicou a versão deste documento em português<br />
e estruturado em quatro dimensões como mostra a Figura 3.<br />
1<br />
2<br />
3<br />
4<br />
60<br />
Dimensões<br />
sociais e<br />
econômicas<br />
Conservação<br />
e gestão dos<br />
recursos para o<br />
desenvolvimento<br />
Fortalecimento<br />
do papel dos<br />
principais grupos<br />
sociais<br />
Meios de<br />
implementação<br />
Fonte: AGENDA 21.<br />
Figura 3 – Estrutura da Agenda 21<br />
Seção onde são discutidas, entre outras, as políticas internacionais<br />
que podem ajudar a viabilizar o desenvolvimento sustentável<br />
nos países em desenvolvimento; as estratégias de<br />
combate à pobreza e à miséria; a necessidade de introduzir<br />
mudanças nos padrões de produção e consumo; as interrelações<br />
entre sustentabilidade e dinâmica demográfica; e as<br />
propostas para a melhoria da saúde pública e da qualidade<br />
de vida dos assentamentos humanos.<br />
Diz respeito ao manejo dos recursos naturais (incluindo<br />
solos, água, mares e energia) e de resíduos e substâncias<br />
tóxicas de forma a assegurar o desenvolvimento sustentável.<br />
Aborda as ações necessárias para promover a participação,<br />
nos processos decisórios, de alguns dos segmentos sociais<br />
mais relevantes. São debatidas medidas destinadas a<br />
garantir a participação dos jovens, dos povos indígenas, das<br />
ONGs, dos trabalhadores e sindicatos, dos representantes da<br />
comunidade científica e tecnológica, dos agricultores e dos<br />
empresários (comércio e indústria).<br />
Discorre sobre mecanismos financeiros e instrumentos<br />
jurídicos nacionais e internacionais existentes e a serem criados,<br />
com vistas à implementação de programas e projetos<br />
orientados para a sustentabilidade.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
No ano de 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento<br />
ou Rio-92, foi o maior evento realizado no âmbito das Nações Unidas até<br />
então. Havia 172 países participantes e 108 chefes de Estado reuniram-se no Fórum<br />
Global, no Aterro do Flamengo. A Conferência do Rio consolidou o conceito de desenvolvimento<br />
sustentável, no proposto pelo Relatório “Nosso Futuro Comum”, de 1987,<br />
que buscava superar o conflito aparente entre desenvolvimento e proteção ambiental.<br />
Em 2002 as Nações Unidas decidiram realizar na África do Sul, uma Conferência<br />
para marcar os dez anos do Rio-92, analisar os resultados alcançados e indicar o<br />
caminho a ser seguido para implementação dos compromissos. A Cúpula Mundial<br />
sobre Desenvolvimento Sustentável reuniu mais de 100 Chefes de Estado e reafirmou<br />
metas relativas à erradicação da pobreza, à promoção da saúde, à expansão<br />
dos serviços de água e saneamento, à defesa da biodiversidade e à destinação de<br />
resíduos tóxicos e não-tóxicos.<br />
A agenda de debates incluiu energias renováveis e responsabilidade ambiental<br />
das empresas, bem como a necessidade de que todos os atores sociais somem<br />
esforços na promoção do desenvolvimento sustentável.<br />
As Nações Unidas definiram como temas para a Conferência: (1) Economia verde<br />
no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e (2)<br />
Estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável. Com relação à<br />
Estrutura Institucional para o desenvolvimento sustentável, insere-se a discussão sobre<br />
a necessidade de fortalecimento do multilateralismo como instrumento legítimo<br />
para solução dos problemas globais. Busca-se aumentar a coerência na atuação das<br />
instituições internacionais relacionadas aos pilares social, ambiental e econômico do<br />
desenvolvimento (RIO+20, 2012).<br />
Os resultados do RIO+20 devem garantir que todos os países possam ser capazes<br />
de programar as decisões adotadas no Rio de Janeiro com base na criação de<br />
condições adequadas, ou seja, recursos necessários de natureza financeira, tecnológica<br />
e de treinamento.<br />
Para programá-las, seria construir uma visão compartilhada de sustentabilidade<br />
válida, que prevaleça durante as próximas décadas. Destaca-se que a RIO+20 é uma<br />
Conferência sobre desenvolvimento sustentável, e não apenas sobre o meio ambiente.<br />
O desafio da sustentabilidade, portanto, representa uma oportunidade excepcional<br />
para transformar em um modelo de desenvolvimento econômico que ainda<br />
precisará incluir plenamente as preocupações com o desenvolvimento social e a<br />
proteção ambiental.<br />
Para o Brasil, as discussões na Rio+20 devem servir para incrementar a conexão entre<br />
os objetivos gerais expressos no conceito de desenvolvimento sustentável e a realidade<br />
econômica, tornando-se, assim, um instrumento para implementar compromissos com<br />
O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68<br />
61
62<br />
o desenvolvimento sustentável. Para aprimorar e disseminar o conceito de “economia<br />
verde”, o Brasil propõe que a Rio+20 examine a “economia verde inclusiva”, destacando<br />
a importância do pilar social e resumindo o propósito da Conferência (RIO+20, 2012).<br />
6 Responsabilidade socioambiental<br />
Normalmente as pessoas costumam confundir o conceito de risco socioambiental<br />
para a responsabilidade socioambiental das empresas. A responsabilidade<br />
socioambiental pode ser conceituada como um conjunto de ações que promovam<br />
o desenvolvimento sem comprometimento com o meio ambiente e as áreas sociais,<br />
como exemplos, a fome e o direito de lazer.<br />
As empresas e instituições devem atuar externa e internamente no sentido de<br />
disseminar e aplicar metodologias que configurem a responsabilidade socioambiental<br />
de diversas formas como: o combate à fome; incentivo à educação; apoio<br />
na inclusão social; reciclagem; estabelecimento de princípios ambientalistas; redução<br />
da poluição e adesão a novas tecnologias envolvendo sustentabilidade, reutilização<br />
de recursos naturais; e a otimização do uso de energia.<br />
Dessa forma as instituições terão benefícios como redução de custos e aumento<br />
da receita, potencial melhoria de imagem perante a opinião pública e dos consumidores,<br />
desenvolvimento de capital humano, desenvolvimento de novos modelos de<br />
negócios envolvendo parcerias entre os diversos setores da sociedade e o desenvolvimento<br />
para as pesquisas de novas tecnologias ecologicamente corretas.<br />
É possível falar que a evolução da Responsabilidade Socioambiental é marcante no início da<br />
década de 70, A grande depressão econômica e os efeitos do pós-guerra são fatos marcantes<br />
para o capitalismo, demonstram as fragilidades do sistema e um dos maiores impactos<br />
sentidos pelos próprios capitalistas. Mudanças provocam alterações no modelo de desenvolvimento<br />
econômico fazendo grande número de desemprego. Por tantas transformações<br />
ocorridas no século vinte (XX), a década de 90 foi preconizada com organizações organizadas<br />
e estrategicamente voltadas ao tema Responsabilidade Social Empresarial (RSE). A<br />
noção de Responsabilidade Social Empresarial atrelada ao mundo Empresarial como forma<br />
de Gestão pode ser considerado recentemente visto que, o que havia antes destas incorporações<br />
de conceito ao mundo dos negócios era a prática da filantropia que se diferencia em<br />
vários aspectos das práticas de “RSE”, outro momento histórico importante para a disseminação<br />
do conceito de “RSE” foi a década de 60. Os movimentos Jovens e Estudantis dessa<br />
época questionavam com veemência o capitalismo excludente (PEDRO, 2012).<br />
É possível perceber que algumas empresas estão confundindo o conceito “socioambiental”<br />
com “social”, e a responsabilidade social é outra área totalmente fora<br />
deste contexto.<br />
Responsabilidade Socioambiental diz respeito a muito mais do que as pessoas<br />
que precisam efetivamente daquilo que é amparado ou oferecido por lei.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Uma empresa ou instituição Socioambiental resumidamente é uma empresa<br />
ou instituição que busca o bem-estar dos indivíduos ou de grupos cujo conceito<br />
denominou-se “Responsabilidade Social” que quase sempre é voltado a projetos<br />
de âmbitos educacionais, ambientais ou de outra natureza.<br />
As instituições possuem uma relação diferente das sociedades, nas ações de<br />
Responsabilidade Social. É exigência básica a condução de ações de forma ética<br />
através de práticas que apresentem uma cultura organizacional focada nos princípios<br />
de solidariedade e compromisso social.<br />
Dessa forma, “empresários e empresas divulgam sua participação através projetos sociais,<br />
apoio cultural e doações. A gestão de responsabilidade social abrange muito mais do que<br />
simples doações materiais ou financeiras. As ações de responsabilidade social precisam<br />
atender a todas as partes envolvidas com a organização: sócios, acionistas, proprietários, diretores,<br />
funcionários, fornecedores, clientes, prestadores de serviço, meio ambiente e comunidade.<br />
A organização tem que desenvolver a capacidade de ouvir os diferentes interesses<br />
de todas as partes envolvidas para incorporá-los no planejamento de suas atividades melhorando<br />
como um todo a qualidade de vida, ou seja, responsabilidade social é um requisito<br />
indispensável para obter níveis bons efetivamente por parte da organização.” (PEDRO, 2012).<br />
7 Risco Socioambiental<br />
Nos últimos anos as instituições financeiras e os órgãos reguladores vêm se<br />
adaptando e trabalhando para o desenvolvimento sustentável visando os “clientes<br />
do amanhã”. Por exemplo: o Itaú Unibanco que mostra que tem como essência<br />
da sustentabilidade a: a) Transparência e Governança; b) Satisfação dos clientes;<br />
c) Critérios socioambientais; d) Diversidade; e) Mudanças climáticas; f) Educação<br />
financeira; g) Micro finanças; e h) Engajamento de stakeholders. Possui produtos<br />
como o Fundo Itaú de Excelência Social. E outros fundos de investimentos voltados<br />
para o mesmo propósito. (informação retirada do site).<br />
O Banco Bradesco que desenvolve vários produtos e serviços voltados para a<br />
sustentabilidade como o Cartão de Crédito Amazonas Sustentável, o Banco do Brasil<br />
que trabalha com um programa de desenvolvimento regional Sustentável.<br />
Periodicamente estes bancos emitem relatórios com o tema de sustentabilidade<br />
informando o risco socioambiental, tendo também um Comitê que debate<br />
assuntos voltados ao tema e aos produtos ofertados pela instituição, participando<br />
também de investimentos sociais privados e de doações.<br />
O Banco Santander, também, possui uma preocupação com o desenvolvimento<br />
sustentável iniciado desde 2001, e entre os anos de 2001 e 2002 foram criados as<br />
superintendência e diretoria de responsabilidade social e a partir de então vem<br />
desenvolvendo a área visando uma gerência de responsabilidade social integrada<br />
à diretoria de desenvolvimento sustentável.<br />
O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68<br />
63
As normas são bem claras quando se tratam de Direitos Humanos, direitos das<br />
relações de trabalho, proteção das relações de consumo, meio ambiente, ética e<br />
transparência e governança corporativa para essas instituições.<br />
As questões básicas nas áreas mais envolvidas que as instituições têm para criação<br />
de novos negócios preocupando-se com a sustentabilidade que são apresentadas<br />
na Figura 4.<br />
Fonte: Reis (2007).<br />
64<br />
Crédito<br />
Investimentos<br />
Risco<br />
Custos<br />
Gestão de<br />
Pessoas<br />
Processos e<br />
Operações<br />
Figura 4 – Preocupações com a sustentabilidade<br />
Como prestar serviços de financiamento para as comunidades<br />
de baixa renda?<br />
Como estimular o investimento em empresas comprometidas<br />
com a sustentabilidade?<br />
Somos corresponsáveis pelo modo como nossos clientes<br />
usam o dinheiro?<br />
Como podemos promover a sustentabilidade por meio<br />
dos nossos produtos e serviços?<br />
Quando definimos critérios de sustentabilidade na contratação<br />
de fornecedores os preços vão aumentar?<br />
Como lhe dar com questões históricas e promover a igualdade<br />
de oportunidades?<br />
Como podemos reduzir os impactos de nossas atitudes no<br />
meio ambiente?<br />
A BM&FBovespa foi a primeira bolsa de valores no mundo a se tornar signatária<br />
do Pacto Global em 2004. Em 2010, foi a primeira no mundo a se tornar uma organization<br />
stakeholders da GRI, rede que faz indicações e recomendações estratégicas<br />
com o objetivo de aprimorar cada vez mais os mecanismos de relatórios de sustentabilidade.<br />
No material emitido pela BM&FBovespa chamado Novo Valor divulgado<br />
descreve que as empresas, sociedade e planeta precisam evoluir para se obter um<br />
futuro promissor. A BM&FBovespa atua como promotor do desenvolvimento sustentável<br />
do mercado de capitais, envolvendo investidores, empresas e corretoras. Com<br />
isso, contribui para ampliar a reflexão sobre o futuro do Brasil e do mundo.<br />
O Novo Valor publicou também 13 passos rumo à sustentabilidade, para que<br />
as instituições possam incorporar a agenda de sustentabilidade ao seu negócio; a<br />
empresa logo perceberá que a cada dia novas demandas irão surgir, levando a um<br />
processo de evolução permanente.<br />
Portanto, a sustentabilidade corporativa pode gerar vantagem competitiva ou, pelo<br />
menos, mitigar riscos e melhorar a reputação, gerando maior valor em longo prazo.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Os bancos são corresponsáveis pelas atividades econômicas que financiam e consequentemente<br />
podem ser responsabilizados por emprestar dinheiro a um cliente poluidor. Para<br />
evitar isso, as instituições financeiras passaram a adotar a variável ambiental como uma vantagem<br />
competitiva na avaliação da concessão de crédito.<br />
A inserção da variável ambiental e o reconhecimento da corresponsabilidade no setor financeiro<br />
surgiram gradualmente com ações pontuais e posteriores, globais. (RABELO, 2008, p. 9).<br />
Depois que decisões judiciais responsabilizaram bancos pela reparação de danos<br />
ambientais causados pelos destinatários de seus créditos, entidades do setor<br />
financeiro dos Estados Unidos e países da Europa incorporam como medidas de<br />
prevenção, na concessão de crédito, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório<br />
de Impacto ao Meio Ambiente (RIMA).<br />
Considerações Finais<br />
A preocupação com os riscos socioambientais são cada vez mais aparentes principalmente<br />
nas instituições financeiras devido aos serviços prestados como empréstimos<br />
e créditos que financiem a degradação do meio ambiente e da sociedade.<br />
O risco socioambiental não é mensurável e sim preventivo para as instituições<br />
financeiras, pois é difícil quantificar quantos clientes foram atraídos pelo fator da<br />
preocupação com sustentabilidade que a instituição possui e também informar<br />
quantos processos e exposições negativas à mídia foram evitadas.<br />
A atenção com o risco socioambiental também previne que as instituições<br />
financeiras sofram prejuízos por inadimplência de seus clientes devido a multas<br />
elevadas pelos órgãos responsáveis ao atendimento e melhores práticas das leis e<br />
normas de prevenção ao meio ambiente e da sociedade.<br />
Outro risco que a instituição estará se prevenindo será o risco de imagem e<br />
integridade, pois durante muito tempo elas se empenham em tornar suas marcas<br />
sólidas no mercado transformando em confiáveis na visão do público. Porém pode<br />
ser destruída facilmente com notícias negativas na mídia expondo a instituição informando<br />
que a mesma foi corresponsável devido a queimadas nas matas, desmatamento,<br />
poluição de rios e lagos, vazamentos de produtos químicos, incentivando<br />
o trabalho escravo e infantil, com os empréstimos, financiamentos e créditos<br />
concedidos as empresas que efetivamente realizaram o trabalho.<br />
Como uma das responsabilidades da área de Compliance em uma instituição<br />
financeira é de mantê-la sempre em conformidade com as leis e normas vigentes<br />
prezando pela imagem e integridade de seus serviços, envolvendo a ética adotada<br />
pela empresa, a tendência é de que na estrutura da instituição seja criada uma área<br />
de risco socioambiental ou departamento ligado direta ou indiretamente com a<br />
de Compliance, pois na essência as duas áreas possuem as mesmas preocupações.<br />
O desenvolvimento sustentável e a gestão de compliance em instituições financeiras, Mauro Maia Laruccia e Karen Junko Yamada, p. 49-68<br />
65
Atualmente, bancos como Santander já possui a área de Risco Socioambiental<br />
ligada à área de Compliance para captação de clientes e manutenção de relacionamentos,<br />
até mesmo para concessão de créditos e empréstimos realizando diligências<br />
necessárias, incluindo visitas aos clientes, evitando que sejam envolvidas em<br />
projetos que apresentem grande potencial de envolvimento com problemas de<br />
degradação a natureza e a sociedade.<br />
Há também Comitês institucionais chamados de “Comitês Verdes” que realizam<br />
debates de projetos, concessões de créditos e empréstimos de grandes portes entre<br />
os diretores executivos para tomar a melhor decisão e também para aprovar novos<br />
produtos/serviços que possam ser oferecidas ao setor de agronegócios entre outros.<br />
São realizadas campanhas educativas e treinamentos dentro e fora das instituições<br />
com o intuito de aconselhar clientes e funcionários nas melhores práticas<br />
para que não incentivem ou tenham qualquer ação ou atitude, mesmo que sem<br />
intenção, que degradem ao meio ambiente ou a sociedade e, portanto não prejudiquem<br />
a imagem de boa conduta da instituição.<br />
É importante que as instituições tenham a preocupação com o fator sustentabilidade,<br />
pois é de interesse de todas continuarem tendo clientes durante anos e caso<br />
não haja este envolvimento mais tarde não haverá pessoas que tenham capital para<br />
investir, não haverá a intenção de poupança sem perspectiva de um futuro, não haverá<br />
terras férteis que se possam ser cultivadas e, portanto o mercado de commodities<br />
se tornará menos interessante, entre outros fatores que movimentam a economia.<br />
As instituições que adotaram estas práticas, também desenvolveram produtos<br />
para o incentivo de adesão das empresas ao Protocolo Verde e aos Princípios do<br />
Equador oferecendo menores taxas nas concessões de créditos e empréstimos, algumas<br />
até solicitando que as empresas tenham as certificações ambientais corretas<br />
como selos de qualidade.<br />
Estão disponíveis para o público e funcionários um canal de denúncias de empresas<br />
que tenham uma prática suspeita infringindo as leis e normas vigentes de<br />
prevenção à degradação do meio ambiente e da sociedade.<br />
Portanto se faz e fará cada vez mais necessária que as áreas de Compliance e de<br />
Risco Socioambiental trabalhem juntas na prevenção de fatores que provoquem a<br />
degradação do meio ambiente e da sociedade, e também, auxiliem na melhoria de<br />
processos e procedimentos já existentes.<br />
66<br />
Referências<br />
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68<br />
ARTIGO RECEBIDO EM: 18/09/2012<br />
ARTIGO APROVADO EM: 24/10/2012<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Governança corporativa nas empresas:<br />
estudo de caso do Magazine Luiza<br />
Marcela Lobato Bonisen *<br />
Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos **<br />
Este artigo tem por base o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Marcela Lobato Bonisen do curso de Administração<br />
de Empresas da Faculdade de Administração da FAAP São Paulo, tendo sido orientada pelo Prof. Dr.<br />
Tharcisio Bierrenbach de Souza Santos.<br />
Resumo: A Governança Corporativa é<br />
um tema que vem crescendo cada vez<br />
mais no Brasil e no mundo. A adoção das<br />
boas práticas de governança hoje é essencial<br />
para que a empresa possa alcançar<br />
o espaço desejado no mercado, conquistando<br />
a confiança de investidores,<br />
tanto internos quanto externos. Inicialmente,<br />
são apresentadas questões teóricas<br />
como os conceitos de governança,<br />
seus principais modelos e conflitos de<br />
agência. Na sequência, é apresentado,<br />
de forma cronológica, dentro de qual<br />
contexto surgiu a governança e como<br />
ela se desenvolveu no mercado de capitais<br />
e na gestão das empresas brasileiras.<br />
É feita uma descrição da aplicação<br />
das práticas de governança no Brasil,<br />
através dos níveis diferenciados de Governança<br />
Corporativa, o Novo Mercado<br />
e o IBOVESPA MAIS, e suas dificuldades.<br />
Discute-se, por fim, o processo de abertura<br />
de capital de uma empresa do setor<br />
do grande varejo, Magazine Luiza, mostrando<br />
as etapas para a primeira oferta<br />
de ações, as mudanças necessárias para<br />
que ela pudesse ocorrer, a situação atual<br />
e estratégias da companhia após a primeira<br />
oferta pública.<br />
Palavras-chave: Governança Corporativa.<br />
Mercado de Capitais brasileiro. Conflitos<br />
de Agência. Magazine Luiza.<br />
Abstract: Corporate Governance is a<br />
topic that is rapidly growing in Brazil<br />
and worldwide. Today, the adoption<br />
of good governance is essential for the<br />
company to achieve the desired position<br />
in the market, earning the trust of<br />
investors, both domestic and foreign.<br />
Initially, theoretical issues are presented<br />
such as concepts of governance, its main<br />
models as well as agency conflicts. In sequence,<br />
it is presented, in a chronological<br />
order, in which context governance<br />
emerged and how it developed both in<br />
the financial market and the management<br />
of Brazilian companies. A description<br />
is made of the implementation of<br />
* Graduada em Administração de Empresas pela Faculdade de Administração da FAAP e cursando MBA Executivo na<br />
FAAP. E-mail: mahlobato@homail.com.<br />
** Doutor em Ciências – História Econômica (USP), economista (USP), com cursos de especialização na SUNY - State<br />
University of New York. Professor Titular Doutor das Faculdades de Administração e de Economia da FAAP- Fundação<br />
Armando Alvares Penteado desde 1981. Professor do FAAP-MBA desde 1998. Diretor do FAAP-MBA desde 1998. Foi<br />
Vice-Diretor da Faculdade de Administração da FAAP entre 1996 e 2010. Foi também Visiting Schollar nas Anderson<br />
Schools of Management, The University of New México, Estados Unidos, entre 2002 e 2007. Desenvolve atividades de<br />
consultoria em estratégia, economia e finanças desde 1975, tendo ocupado cargos executivos e em órgãos colegiados,<br />
em instituições governamentais e empresas privadas desde 1970. E-mail: tsantos@faap.br.<br />
Governança corporativa nas empresas: estudo de caso do Magazine Luiza, Marcela L. Bonisen e Tharcisio B. de Souza Santos, p. 69-84<br />
69
governance practices in Brazil, through<br />
the different levels of Corporate Governance,<br />
the New Market and IBPOVESPA<br />
MAIS, and their difficulties. In closing, it is<br />
discussed the process by which occurred<br />
the opening of the capital of a company<br />
in the industry for large retailers, Magazine<br />
Luiza, showing the steps for the first<br />
Introdução<br />
Vários acontecimentos ocorridos nos anos 1990 determinaram mudanças nas<br />
relações entre acionistas e gestores das empresas abertas. Ao mesmo tempo, nas<br />
empresas fechadas, a governança corporativa (GC) passou a ter maior importância,<br />
na medida em que o crescimento do nível de atividade dos fundos de venture capital<br />
(VC) e de private equity (PE) passou a representar uma alternativa importante<br />
para a consolidação das empresas e para seu acesso ao mercado de capitais.<br />
Diversos escândalos em grandes empresas, no final da década de 1990 e início<br />
deste século, enfatizaram a importância da GC. Uma delas foi a ENRON, que falsificou<br />
contas e acobertou uma perda de 2,1 bilhões de dólares americanos. Diversas<br />
empresas, porém, foram alvo de grandes escândalos, como a Parmalat, Tyco, World<br />
Comm, Banco Real e Banco Panamericano.<br />
A GC proporciona o uso de estratégias na administração da empresa. Ao optar,<br />
porém, pela adoção de princípios rígidos, é preciso destacar que é necessário eleger<br />
um Conselho de Administração, que funciona como um instrumento de controle<br />
dos conflitos de agência.<br />
O crescimento das empresas passa a depender da decisão voluntária dos investidores,<br />
que devem confiar nas empresas em que forem investir. E quanto mais rígidas<br />
forem as regras de GC, os investidores se sentem mais incentivados a aplicarem<br />
seu dinheiro no mercado.<br />
Considerando o quadro expositivo do presente artigo, foi realizado um estudo<br />
de caso da aplicação do conceito de GC em empresa do setor de grande varejo.<br />
Como exemplo, será estudado o caso do Magazine Luiza que abriu capital no Brasil,<br />
no Novo Mercado da Bovespa, no início do mês de maio de 20<strong>11</strong>, mostrando<br />
todo o processo de reestruturação que a empresa teve que passar.<br />
A primeira parte explica o que é GC desde o seu surgimento, os modelos, seu<br />
desenvolvimento e aplicação até os dias de hoje. A segunda aborda um estudo de<br />
caso do Magazine Luiza, objetivando conhecer as diferentes nuances que podem<br />
ser assumidas pela GC e sua importância no estágio em que se dá a abertura de<br />
capital de empresas.<br />
70<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
offering, the necessary changes so that<br />
this could occur, the current situation<br />
and the company strategies after the initial<br />
public offering.<br />
Keywords: Corporate Governance, Brazilian<br />
Capital Market, Agency Conflicts,<br />
Magazine Luiza.
1 Marco teórico<br />
1.1 Governança Corporativa<br />
De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) 1 :<br />
Governança corporativa é o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho<br />
de uma companhia, ao proteger todas as partes interessadas, tais como investidores,<br />
empregados e credores, facilitando o acesso ao capital. A análise das práticas de<br />
governança corporativa aplicada ao mercado de capitais envolve, principalmente, transparência,<br />
equidade de tratamento dos acionistas e prestação de contas (CVM, 2002, p. 2).<br />
A governança corporativa (GC) é um tema recente, podendo ser interpretada<br />
de pontos de vista diferentes e apresenta vários modelos. Por isso, passam a existir<br />
diversos conceitos de GC. A GC faz com que as companhias tenham maior acesso<br />
às instituições financiadoras de seu desenvolvimento, além de um menor custo<br />
de capital e menor risco, podendo-se dizer que influencia desde os mercados de<br />
capitais até a economia do país como um todo.<br />
Especialistas dizem que existe um caminho para chegar às melhores práticas<br />
de GC e que são cinco os princípios para isso. O primeiro deles é a transparência<br />
(disclousure), que se trata da transparência das informações, principalmente as de<br />
alta relevância. O segundo deles, equidade (fairness), refere-se ao tratamento justo<br />
de todas as partes interessadas (acionistas, credores, funcionários, clientes e fornecedores<br />
e sócios). O terceiro, prestação de contas (accountability), trata dos agentes<br />
da GC que não devem omitir suas ações, mas sim assumi-las, responsabilizando-<br />
-se por qualquer consequência das decisões tomadas. O quarto princípio, cumprimento<br />
das leis (compliance), refere-se ao cumprimento das leis impostas, zelando<br />
pela longevidade das organizações e valorizações de suas ações. O quinto e último<br />
princípio, responsabilidade empresarial, faz referência à adoção de uma gestão<br />
empresarial que garanta o cumprimento da missão e objetivos da empresa. Estes<br />
princípios listados visam assessorar e facilitar o trabalho de órgãos que controlam<br />
e fiscalizam a GC em seus respectivos países.<br />
Segundo Andrade e Rossetti (2004, p. 34), existem diversos modelos de GC. Estes<br />
são decorrentes das diferentes condições culturais e históricas dos países. Como<br />
melhor pode exemplificar Becht, Bolton e Röel (apud Andrade e Rossetti, 2004, p. 30)<br />
[...] As empresas têm múltiplos grupos de interesse e há múltiplas negociações e compensações<br />
que se entrelaçam na definição de sua estratégia e em suas operações.<br />
Como consequência, diferentes soluções podem ser necessárias em função da origem<br />
1. A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é um órgão regulador cuja missão é desenvolver, regular e fiscalizar o mercado<br />
de valores mobiliários, como instrumento de captação de recursos para as empresas, protegendo os interesses<br />
dos investidores e assegurando a ampla divulgação das informações sobre emissores e valores emitidos (CVM, 2002).<br />
Governança corporativa nas empresas: estudo de caso do Magazine Luiza, Marcela L. Bonisen e Tharcisio B. de Souza Santos, p. 69-84<br />
71
72<br />
do controle, do âmbito geográfico das operações e do tipo de atividade produtiva a ser<br />
governada. [...] Não há, portanto, um único conjunto de regras universalmente aplicáveis<br />
a todas as empresas em todos os lugares, até porque a cultura, as instituições e as pressões<br />
variam muito entre as nações.<br />
Por meio do Quadro 1, apresenta-se as principais características dos modelos<br />
de Governança Corporativa.<br />
Quadro 1 – Modelos de Governança Corporativa<br />
Modelo Shareholder Modelo Stakeholder<br />
Origem anglo - saxônica Origem nipo-germânica<br />
Ativismo e grande poder dos Baixo ativismo e menor poder dos<br />
investidores institucionais<br />
investidores institucionais<br />
Foco: maximização de retorno para o<br />
acionista<br />
Foco: interesses múltiplos<br />
O mercado orienta os processos<br />
Permanecem as forças internas de<br />
controle<br />
Conselhos de administração mais Demonstrações econômico –<br />
rigorosos<br />
financeiras, balaço social e ambiental<br />
Fonte: Adaptado de IBGC (2009).<br />
Verifica-se que se trata de dois modelos bem definidos que são extremamente<br />
opostos. O modelo certo sempre será aquele que atende aos direitos dos acionistas,<br />
tanto majoritários quanto minoritários, e as partes interessadas, tanto em seu<br />
desempenho quanto em suas ações.<br />
O primeiro avanço da GC se deu em 1989 com Robert Monks. Sua atenção esteve<br />
voltada para os direitos dos acionistas e seu trabalho incentivou os acionistas a<br />
exercerem um papel ativo nas organizações, focando fairness e compliance.<br />
O primeiro código de melhores práticas de GC surgiu na Inglaterra em 1992,<br />
com Adrian Cadbury, focando os princípios de accountability e disclousure. Em 1997<br />
é publicada a revisão do código 2 . Em seguida, em 1998, a Organização para a Cooperação<br />
e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estipulou os princípios a serem<br />
seguidos: mobilização do mercado de capitais, crescimento das organizações e<br />
desenvolvimento das nações.<br />
Em julho de 2002 foi aprovada nos Estados Unidos a lei Sarbanes Oxley, cujo<br />
objetivo era resgatar a credibilidade do mercado norte-americano. A principal rea-<br />
2. Segundo o IBGC (2009), hoje existem mais de cinquenta códigos de Governança Corporativa espalhados pelo mundo.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
lização da nova lei foi atribuir responsabilidades e punições aos dirigentes de companhias<br />
de capital aberto.<br />
A evolução dos mercados de capitais, por sua vez, deu origem aos conflitos de<br />
agência, conflito que resulta da separação da propriedade e gestão, passando a<br />
gestão das companhias dos acionistas para gestores profissionais. O problema começa<br />
quando acionistas e gestores objetivavam buscar resultados máximos, mas<br />
fundamentados em propósitos diferentes. Andrade e Rossetti (2004, p. 100) dizem<br />
que dois tipos de decisões podem ser tomadas: as que maximizam a riqueza dos<br />
acionistas ou as que maximizam a riqueza dos gestores.<br />
Logo, existem dois tipos de conflitos: o gestor oportunista e o acionista oportunista.<br />
Segundo Andrade e Rossetti (2004, p. 31), o Gestor Oportunista se refere<br />
ao grande problema de agência visto como o conflito entre administradores e<br />
acionistas. A boa governança empresarial significaria a adoção de mecanismos<br />
que forcem os administradores a proteger os interesses dos acionistas. O conflito<br />
do Acionista Oportunista existe quando a propriedade é concentrada nas mãos<br />
de poucos acionistas majoritários. Segundo Andrade e Rossetti (2004, p. 31), os<br />
acionistas minoritários começam a ver seus direitos e retornos serem engolidos<br />
pelos majoritários. Este conflito ocorre mais em países onde a propriedade do<br />
mundo corporativo é concentrada e o mercado de capitais é imaturo, como por<br />
exemplo, no Brasil.<br />
1.2 Governança Corporativa no Brasil<br />
Segundo Ventura (2006, p. 237) o primeiro marco importante no sistema brasileiro,<br />
referente à Governança Corporativa (GC) foi no ano de 1976, quando se introduziu<br />
a primeira Lei das S.A. pela CVM, cujo objetivo foi regulamentar a estrutura<br />
básica que as empresas deveriam seguir.<br />
O início dos anos 1990 foi marcado por muita instabilidade, crescente globalização,<br />
abertura de mercados, fusões e aquisições, que fizeram com que as empresas<br />
brasileiras começassem a repensar o seu modo de estrutura de propriedade e controle,<br />
mudando assim a configuração do mercado e os padrões da GC.<br />
Em 1995 foi criado o Instituto Brasileiro de Conselhos de Administração (IBCA),<br />
cujo principal objetivo era discutir as melhores práticas para os Conselhos de Administração.<br />
Em 1999 o IBCA mudou seu nome para IBGC (Instituto Brasileiro de<br />
Governança Corporativa), com o objetivo principal de contribuir para melhores<br />
práticas de GC no Brasil.<br />
Em 1997, a Lei das S.A. (BRASIL, 1976) sofreu uma reforma, passando a ter como<br />
principal objetivo o de favorecer a transparência e proteção de acionistas minoritários<br />
no mercado.<br />
Governança corporativa nas empresas: estudo de caso do Magazine Luiza, Marcela L. Bonisen e Tharcisio B. de Souza Santos, p. 69-84<br />
73
O IBGC lançou em 1999, segundo Lodi (2000, p. 17), o Código das Melhores Práticas<br />
de Governança Corporativa cujo principal objetivo era ser referência nacional<br />
no assunto.<br />
Com o objetivo de garantir o tratamento igualitário entre acionistas, foram criadas<br />
em 2001, inovações como o Tag Along 3 . Em 2004, o código do IBGC foi editado<br />
novamente incluindo temas como responsabilidade corporativa, conselho de família,<br />
Free Float 4 , maior detalhamento dos atributos e escopo da atuação dos conselheiros<br />
independentes e da comissão do comitê de auditoria. A terceira edição<br />
aconteceu em 2009, abrangendo novos temas decorrentes da crise de 2008.<br />
Andrade e Rossetti (2004, p. 345) resumem o modelo de GC brasileiro em cinco<br />
características principais:<br />
74<br />
a. A alta concentração da propriedade acionária;<br />
b. A sobreposição propriedade-gestão;<br />
c. Fraca proteção aos acionistas minoritários;<br />
d. A expressão ainda diminuta do mercado de capitais;<br />
e. A pequena parcela das companhias listadas em bolsa nos níveis diferenciados<br />
de governança corporativa.<br />
Essas características, segundo Steinberg (2003, p. 124-127) são históricas do<br />
país e só conseguirão ser reestruturadas num longo prazo. Mesmo sabendo das<br />
vantagens que as práticas de uma boa governança trazem, as empresas brasileiras<br />
ainda não estão motivadas a adotá-las. A falta de transparência das empresas faz<br />
com que as ações sejam subavaliadas, pois os administradores preferem fechar a<br />
empresa a ter de dividir a administração ou revelar alguma informação estratégica.<br />
Outro motivo é o alto custo de manutenção da empresa aberta, sendo necessário<br />
montar uma grande estrutura para cumprir todas as exigências. O fato de algumas<br />
empresas terem aberto capital no passado devido à facilidade da legislação, mas<br />
nunca terem realmente se financiado no mercado, faz com que essas empresas<br />
não se interessem em ingressar nos níveis diferenciados.<br />
Com a intensa globalização, o mercado de capitais vem adquirindo cada vez<br />
mais importância em âmbito internacional. Isso faz com que países abram seus<br />
mercados, conquistando um market share cada vez maior e um mercado mais ativo.<br />
O movimento vem acontecendo desde 1990, quando o país abriu sua economia<br />
e começou uma onda de privatizações, possibilitando o surgimento de grandes<br />
empresas cujo controle passou a ser compartilhado entre grupos nacionais e<br />
3. O Tag Along na legislação brasileira representa o direito de o acionista, que não faz parte do bloco de controle, vender<br />
suas ações por quantia igual ou superior a 80% do valor pago por ação com direito a voto, quanto da venda de bloco de<br />
controle (BRASIL, 1976, Art. 254-A).<br />
4. Free Float - quantidade de ações de uma companhia que está livre, ou seja, está cotada em bolsa, mas não se encontra<br />
fixa nas mãos de acionistas estáveis.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
internacionais, promovendo o crescimento do mercado brasileiro. Assim, as empresas<br />
começaram a ter contato com investidores mais sofisticados e exigentes,<br />
acostumados a investir em mercados com boas práticas de GC.<br />
Segundo Souza Santos (20<strong>11</strong>) o mercado brasileiro cresceu muito em 2007, tendo<br />
seu crescimento sido interrompido apenas durante a crise em 2008 e sendo<br />
retomado posteriormente. As etapas preliminares para este crescimento foram o<br />
Venture Capital (VC) ou Capital de Risco e Private Equity (PE) ou Fundos de Ativos Privados.<br />
De uma forma geral, enquanto o VC está relacionado a empreendimentos<br />
em fase inicial, o PE está relacionado a empresas mais maduras. Ambos os investimentos<br />
podem ser direcionados para qualquer setor da economia que apresente<br />
grande perspectiva de crescimento no longo prazo. Alguns exemplos de empresas<br />
que abriram capital com a ajuda desses recursos foram: Submarino, Natura, Gol<br />
Linhas Aéreas, UOL e Localiza.<br />
O conflito de interesses existente no mercado brasileiro tem origem na constituição<br />
das empresas nacionais, onde a maioria das empresas de capital aberto é familiar.<br />
No século passado, as empresas contavam com uma estrutura de capital pouco<br />
alavancada e eram quase sempre administradas por seu proprietário. Esse controle<br />
familiar gera no acionista majoritário um sentimento de propriedade, fazendo com<br />
que tome decisões que possam prejudicar os acionistas minoritários, gerando um<br />
ambiente de incerteza e enfraquecendo o mercado. Ao terem seus interesses deixados<br />
de lado, os acionistas minoritários adquirem total insegurança, migrando seus<br />
investimentos para aplicações financeiras de baixo risco e especulativas.<br />
A solução para o problema exposto se da através da alteração das regras da bolsa<br />
de valores brasileira, garantindo segurança jurídica. O primeiro passo foi a criação<br />
do Novo Mercado da Bovespa e dos níveis diferenciados de GC, que surgiram<br />
em Dezembro de 2000. Segundo a BOVESPA, o que deu iniciativa a estas medidas<br />
foi a percepção de que a adoção de melhores práticas de GC diminui as incertezas.<br />
Logo, o Novo Mercado surgiu com os objetivos de valorizar as ações e atrair novas<br />
empresas, garantindo assim, um ambiente mais confiável para negociação dessas<br />
ações através das práticas de GC.<br />
Qualquer empresa que esteja disposta a seguir as restrições impostas, pode<br />
fazer parte deste mercado. Dentre as restrições destacam-se: proteção ao minoritário,<br />
boas práticas de governança, disclousure 5 e adesão às regras de listagem 6 .<br />
Segundo Steinberg (2003, p. 178-180), mesmo com fundamentos semelhantes,<br />
o Novo Mercado é mais voltado para listagem de empresas que venham a abrir capital,<br />
enquanto os Níveis Diferenciados de GC foram desenvolvidos para empresas<br />
já listadas na BOVESPA.<br />
5. Disclosoure - transparência e divulgação das informações.<br />
6. Regras de listagem - adesão a um conjunto de regras de “boas práticas de governança corporativa”.<br />
Governança corporativa nas empresas: estudo de caso do Magazine Luiza, Marcela L. Bonisen e Tharcisio B. de Souza Santos, p. 69-84<br />
75
O Quadro 2 apresenta um comparativo dos aspectos abordados em cada tipo<br />
de sistema adotado pelo mercado de capitas brasileiro.<br />
76<br />
Aspectos<br />
abordados<br />
Free float - %<br />
mínima<br />
Características<br />
das ações<br />
emitidas<br />
Conselho de<br />
Administração<br />
Concessão de<br />
tal along<br />
Câmara de<br />
arbitragem do<br />
mercado<br />
Quadro 2 – Comparativo das características dos sistemas<br />
Sistema<br />
tradicional<br />
Nível 1 de<br />
governança<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
Nível 2 de<br />
governança<br />
Novo Mercado<br />
Não há regra Mínimo de 25% Mínimo de 25% Mínimo de 25%<br />
Ações ON e PN Ações ON e PN<br />
Mínimo de 3<br />
membros<br />
Fonte: Adaptado de BOVESPA (2009).<br />
Mínimo de 3<br />
membros<br />
80% para ON 80% para ON<br />
Ações ON e PN<br />
com direitos<br />
adicionais<br />
Mínimo de 5<br />
membros, 1<br />
independente<br />
100% para ON<br />
e 80% para PN<br />
Somente ações<br />
ON<br />
Mínimo de 5<br />
membros, 1<br />
independente<br />
100% para ON<br />
Facultativo Facultativo Obrigatório Obrigatório<br />
VOs novos sistemas trazem grandes vantagens para o desenvolvimento das<br />
práticas de GC no Brasil. Segundo Steinberg (2003, p. 186), as empresas terão suas<br />
ações valorizadas e um maior volume negociado, e os investidores, maior proteção<br />
e transparência em seus investimentos.<br />
1.3 Desafios e tendências da Governança Corporativa no Brasil<br />
Segundo Souza Santos (20<strong>11</strong>), o Novo Mercado apresenta ainda desafios a serem<br />
enfrentados como:<br />
a. Funcionamento do Conselho de Administração (os conselhos não são fortes,<br />
independentes ou bem ajustados);<br />
b. Relacionamento do Executivo Principal (CEO) com o Conselho;<br />
c. Regras para os sistemas de remuneração e avaliação do desempenho de administradores<br />
(executivos conseguem controlar o conselho, de modo com<br />
que obtenham altos níveis de remuneração);<br />
d. As Poison Pills 7 – artigos que complicam a troca de controle acionário;<br />
7. Poison Pills - estratégia usada pelas corporações norte-americanas para desencorajar as tomadas hostis de controle, ao<br />
tornar suas ações menos ativas aos adquirentes. Garante ao administrador que a estratégia adotada pela empresa não<br />
sofrerá grande alteração no curto prazo.
e. A implantação de sistemas de gestão de riscos, que vem ganhando maior<br />
relevância em virtude das dificuldades sofridas após a crise de 2008;<br />
f. A questão do relacionamento das auditorias interna e independente (é comum<br />
se verificar tentativas de redução de custo dos serviços de auditoria<br />
externa por meio do oferecimento de serviços de auditoria interna, normalmente<br />
vinculada ao diretor financeiro).<br />
Existem quatro possíveis tendências que a GC pode tomar: convergência, diferenciação,<br />
adesão e abrangência. Com o passar dos anos, todos os códigos de GC<br />
passarão a enfatizar os mesmos pontos, fazendo com que as práticas de GC sejam<br />
convergidas para os mesmos princípios, a partir do momento em que todos os sistemas<br />
tendem a ser comparados no que se diz respeito à alta eficácia, abrangendo<br />
interesses das corporações, dos mercados e das economias como um todo.<br />
Com o entendimento dos benefícios que a adesão às boas práticas de GC trazem<br />
para as empresas, as resistências serão gradualmente vencidas e muitas companhias<br />
passarão a adotá-las. Cada vez mais, a boa GC será vista como sinônimo<br />
de um bom negócio. Assim, será visível a adesão de novas empresas às práticas,<br />
fazendo com que elas se tornem um elemento diferenciador para cada organização.<br />
A tendência à diferenciação, porém, é pressionada por forças externas a companhia<br />
como, por exemplo, pela criação dos níveis diferenciados de GC.<br />
Logo, a boa GC propicia a maximização de resultados assim como outros interesses.<br />
Isso tende a abrangência, que se refere à harmonização dos interesses dos<br />
acionistas com as partes interessadas.<br />
Os desafios, assim como as tendências, têm seu movimento pressionado mais<br />
por forças externas do que internas. Isso acontece, pois o mercado, devido ao seu<br />
alto grau de crescimento e profissionalização, possui maiores exigências, que muitas<br />
vezes obrigaram as organizações a mudarem sua gestão, visto que a estrutura<br />
não suporta mais o crescimento.<br />
2 Estudo de caso: caracterização da empresa e resultados da<br />
pesquisa<br />
2.1 Metodologia de pesquisa<br />
O método utilizado na pesquisa foi o estudo de caso, sustentado com base nos<br />
princípios desenvolvidos por Yin (2005). Conforme Yin (2005, p. 19-35), o estudo de<br />
caso se torna adequado quando o pesquisador deseja compreender fenômenos sociais<br />
mais complexos. Afirma ainda que é ideal em situações em que se tem pouco<br />
controle sobre os acontecimentos e quando o foco se dirige a um fenômeno contemporâneo<br />
dentro de um contexto natural. A aplicação do Estudo de Caso se tornou<br />
adequada a partir do momento em que o foco se da num fenômeno contempo-<br />
Governança corporativa nas empresas: estudo de caso do Magazine Luiza, Marcela L. Bonisen e Tharcisio B. de Souza Santos, p. 69-84<br />
77
âneo inserido no contexto da vida real, cujo principal objetivo é esclarecer e explicar<br />
a decisão de uma companhia do setor do grande varejo de ter aberto capital.<br />
Foi necessário um plano de pesquisa para que o projeto pudesse ser concluído.<br />
O plano de pesquisa, segundo Yin (2005, p. 41) trata-se da sequência lógica que conecta<br />
os dados empíricos às questões de pesquisa iniciais do estudo e, em última<br />
análise, às suas conclusões, abrangendo etapas como a coleta de dados e análise<br />
de dados relevantes.<br />
O plano de pesquisa é composto por cinco componentes, segundo Yin (2005,<br />
p. 42): as questões de um estudo, as proposições, unidades de análise, lógica que<br />
une os dados às proposições e critérios para interpretar as descobertas. Adotando<br />
como base as teorias de Yin no que se diz respeito à elaboração de um Estudo de<br />
Caso, seguiu-se as etapas anteriormente indicadas. No caso, as questões de estudo<br />
se referem ao desenvolvimento da GC no Brasil e as dificuldades e normas que<br />
uma empresa deve seguir para abrir capital. As proposições fazem referência aos<br />
principais acontecimentos na história da GC, indicando os tópicos que deviam ser<br />
abordados, facilitando a pesquisa. A unidade de análise trata-se do Marco Teórico,<br />
que foi extremamente importante para a realização do trabalho, visto que o objetivo<br />
deste era testar a aplicação da teoria numa grande empresa do setor varejista.<br />
A lógica que une os dados às proposições e os critérios para interpretar as descobertas<br />
referem-se à comparação da teoria com a prática, ou seja, a aplicação das<br />
práticas de GC por parte de uma empresa que abriu capital recentemente.<br />
Segundo Yin (2005, p. 105-106), a coleta de dados para o estudo pode se basear<br />
em seis fontes: documentação, registros em arquivos, entrevistas, observação<br />
direta, observação participante e artefatos físicos. Para a realização do presente<br />
trabalho foram pesquisados documentos (através de relatórios administrativos e<br />
jornais); registros em arquivos, através de registros organizacionais e realizadas entrevistas<br />
com especialistas na área de governança corporativa.<br />
Posteriormente, os dados coletados foram analisados através de um estudo da<br />
situação atual da companhia. Em relação aos princípios teóricos desenvolvidos,<br />
apresenta-se o desdobramento das respectivas fases do estudo de caso.<br />
2.2 Histórico da companhia<br />
Uma empresa familiar que leva o nome da dona. Foi assim que o Magazine Luiza<br />
atingiu um posicionamento de destaque no mercado nacional e se tornou a<br />
terceira maior no varejo brasileiro.<br />
A história da rede começou em 1957 quando o casal Luiza Trajano e Pelegrino<br />
José Donato adquiriu uma loja de presentes na cidade de Franca, localizada no interior<br />
de São Paulo. Desde 1992, o Magazine atua sem nenhum prejuízo, é marcada<br />
por investimentos arrojados: foi pioneira na abertura das lojas virtuais, é conhecida<br />
78<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
por campanhas promocionais que levam milhões de clientes às suas lojas e fez<br />
grandes aquisições, como por exemplo, as Lojas Mercantil em 1976. A partir de<br />
1993 começou a expansão para outros estados.<br />
No ano de 2000, a empresa levou a experiência para o e-commerce, criando o<br />
site magazineluiza.com, que é hoje um dos maiores sites brasileiros do setor. Em<br />
2001 foi feita uma associação com o Unibanco, criando o Luizacred.<br />
A partir do ano de 2003 começou uma grande expansão, com a aquisição de<br />
grandes lojas. Em 2004 a empresa já contava com 253 lojas, e em 2005, com 350.<br />
No ano de 2005 foram criados alguns veículos de comunicação interna, a empresa<br />
recebeu aporte de capital de fundos de privaty equity (PE) e ainda se associou<br />
à Cardif, empresa do Grupo BNP Paribás, para a criação do Luizaseg (seguradora<br />
responsável pelos produtos de garantia estendida).<br />
Em 2008 foram abertas 46 lojas na cidade de São Paulo. Com mais aquisições em<br />
2010, o Magazine Luiza passou a ser presente em 16 estados brasileiros. Hoje, a empresa<br />
conta com 604 lojas, que estão distribuídas pelas principais regiões do país.<br />
A rede dispõe, hoje, de quatro canais de vendas distintos. Um deles são as lojas<br />
de rua, responsáveis pela maior parte dos canais de vendas da empresa. São focadas<br />
num público de classes C e D. Já as lojas de shopping, são focadas num público<br />
com maior poder aquisitivo.<br />
As lojas virtuais são de pequeno porte e localizadas em bairros de alta densidade<br />
em grandes cidades. As televendas se tratam de um comércio on-line criado em<br />
1999, que objetiva proporcionar comodidade aos clientes que queiram realizar suas<br />
compras com facilidade e rapidez, sendo a maior fonte de rentabilidade da empresa.<br />
Com uma das formas mais inovadoras de administrar, o Magazine Luiza ganhou<br />
reconhecimento nacional. Os segredos do sucesso da empresa são: profissionalismo,<br />
velocidade, qualidade e agilidade, tendo o cliente como centro do negócio e<br />
nunca esquecendo a responsabilidade social 8 .<br />
2.3 Informações relativas à oferta<br />
Início de negociação das ações no BM&F Bovespa no dia 2 de maio de 20<strong>11</strong>.<br />
Informações básicas (IPO..., 20<strong>11</strong>, Caderno de Economia):<br />
a. Negociação no Novo Mercado: congrega os níveis mais altos de Governança<br />
Corporativa;<br />
8. As informações da seção “Histórico da Companhia” foram retiradas do “perfil da empresa”, no seu site, cujo endereço é<br />
www.magazineluiza.com.br.<br />
Governança corporativa nas empresas: estudo de caso do Magazine Luiza, Marcela L. Bonisen e Tharcisio B. de Souza Santos, p. 69-84<br />
79
80<br />
b. Preço inicial da ação: R$16,00;<br />
c. Valor de mercado da companhia na data: R$3 bilhões;<br />
d. Participação no varejo;<br />
e. Incentivo aos trabalhadores;<br />
f. Campanha histórica: foco na clareza, transparência e educação;<br />
g. Pedido para realização do IPO: final de fevereiro;<br />
h. Coordenadores da oferta: Itaú BBA (líder), BTG Pactual e BB Investimentos;<br />
i. Distribuição pública primária de 33.750.000 ações;<br />
j. Código da ação: MGLU3.<br />
A aprovação da oferta aconteceu no dia 21 de fevereiro de 20<strong>11</strong>, em Assembleia<br />
Geral Extraordinária da Companhia. O preço por ação foi fixado apenas após a conclusão<br />
do procedimento de Bookbuilding 9 .<br />
2.4 Preparação e procedimentos da oferta<br />
Conforme Sousa (20<strong>11</strong>), companhias iniciantes, como o Magazine Luiza, devem<br />
ser preparadas por seus consultores e pelo coordenador da operação, para evitar<br />
erros ou enfrentar diversidades durante ou imediatamente depois da operação de<br />
abertura de capital.<br />
A abertura de capital da varejista Magazine Luiza ocorreu com três anos de atraso,<br />
visto que se pretendia realizar o IPO em 2008, mas a empresa foi atropelada<br />
pela crise econômica mundial. Luiza percebeu que seria necessário preparar o Magazine<br />
para capitalização em bolsa, após ter fracassado na negociação das Casas<br />
Bahia, perdendo para seu rival, o Pão de Açúcar.<br />
A empresa, até então familiar, começou a ser profissionalizada. O processo durou<br />
dois anos. Desde então, práticas de Governança Corporativa (GC) passaram a<br />
ser adotadas e foi feita a listagem no Novo Mercado.<br />
2.5 Situação atual da companhia<br />
De acordo com publicação de 29/05/20<strong>11</strong> do jornal O Estado de S. Paulo, os recursos<br />
adquiridos com o IPO foram usados para abertura de novas lojas, reformas<br />
e aquisições no setor de varejo e comércio eletrônico, além de reforçar o capital de<br />
giro. O primeiro destaque feito pela empresa em apresentação aos investidores foi<br />
o crescimento da marca em São Paulo e sua consolidação na região Nordeste.<br />
O Magazine Luiza segue os procedimentos da rígida governança corporativa<br />
(GC). A empresa emite apenas ações ordinárias, assegurando direito de voto aos<br />
9. Bookbuilding - procedimento que reflete o valor pelo qual os investidores institucionais apresentaram suas intenções<br />
de investimento no contexto da oferta.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
acionistas nas assembleias gerais, os relatórios são divulgados de maneira transparente<br />
e, além disso, os membros do Conselho de Administração têm acesso a qualquer<br />
dado da companhia, facilitando a tomada de decisão. A companhia trabalha<br />
com uma equipe de auditoria externa da Deloitte e no mínimo 20% dos conselheiros<br />
devem ser independentes, evitando que interesses familiares possam entrar<br />
em conflito com os profissionais.<br />
Qualquer conflito que possa surgir entre os acionistas é obrigatoriamente resolvido<br />
por meio de arbitragem que se caracteriza pela manifestação explícita da<br />
vontade das partes, que tentarão conciliação diante de um árbitro (pessoa de confiança<br />
nomeada pela empresa). Não havendo negociação, o árbitro quem decide<br />
pelo conflito. A oferta de compra de ações deve ser destinada a cada um dos sócios,<br />
resultando na transferência de controle societário a todos eles, e não apenas<br />
aos majoritários. A companhia adota ainda o conceito do Tag Along.<br />
O principal objetivo da varejista, segundo documento oficial de divulgação de<br />
resultados do primeiro trimestre de 20<strong>11</strong>, é adotar estratégias para crescer, porém<br />
que agreguem cada vez mais valor aos acionistas. Dentre elas: abrir novas lojas e<br />
expandir a cobertura geográfica por meio de crescimento orgânico e aquisições;<br />
aumentar a eficiência das operações, visando o aumento da receita, rentabilidade<br />
e redução de estoque; fortalecer e expandir a oferta de serviços e produtos<br />
financeiros; e, aperfeiçoar a experiência de compra por meio da multi-canalidade e<br />
aumentar as vendas dos canais virtuais.<br />
A abertura de capital trouxe vantagens para o Magazine como: maior possibilidade<br />
de investimentos e acesso a capital, liquidez patrimonial, capitalização da<br />
empresa a custos menores, gestão profissionalizada, mais transparente e responsável,<br />
permitiu crescimento em um país de juros tão altos, novo relacionamento<br />
com funcionários e prestígio pessoal e corporativo.<br />
Isso acontece, pois uma companhia de capital aberto é menos afetada pelas<br />
volatilidades da economia e, com a gestão profissionalizada, os executivos têm<br />
maior capacidade de planejar, sem que criatividade e energia sejam consumidas<br />
nas atividades diárias. Além disso, a empresa de capital aberto tem muito mais<br />
reconhecimento e projeção dos públicos com os quais se relaciona, passando a ser<br />
mencionada na mídia e acompanhada por entidades financeiras.<br />
O sucesso de se tornar uma empresa aberta dependeu também das ações tomadas<br />
após a oferta. O bom relacionamento com a CVM, BOVESPA e com o mercado<br />
foram fatores relevantes para o sucesso. Não se pode esquecer de indicar,<br />
porém, os desafios que surgiram posteriormente ao IPO. A pressão para crescimento<br />
e resultados em curto prazo aumentaram, mais informações tiveram que ser<br />
divulgadas ao público, fazendo com que a empresa ficasse mais exposta à concorrência,<br />
introdução do custo inicial de preparação, maiores restrições e perda de<br />
benefícios pessoais. Contudo, o desempenho mensal das ações do Magazine Luiza<br />
foi positivo.<br />
Governança corporativa nas empresas: estudo de caso do Magazine Luiza, Marcela L. Bonisen e Tharcisio B. de Souza Santos, p. 69-84<br />
81
Existe uma tendência de deslocamento entre o IBOVESPA e o IGC, existe desde<br />
2001, com a criação do IGC. Segundo a BOVESPA (2009), o Índice IBOVESPA é o mais<br />
importante indicador de desempenho médio das cotações do mercado de ações<br />
brasileiro. O IGC, conforme a BOVESPA (2009), tem como objetivo medir o desempenho<br />
de uma carteira teórica composta por ações de empresas que apresentem<br />
bons níveis de GC, negociadas nos Níveis 1 ou 2 e Novo Mercado. Comparando-se<br />
o desempenho do IGC e IBOVESPA, durante o ano de 20<strong>11</strong>, o IGC conseguiu um<br />
retorno superior, e nos meses de agosto e setembro, únicos em que o IBOVESPA<br />
teve melhor desempenho, a superioridade foi muito pequena.<br />
Nesses últimos 10 anos, as ações negociadas pelo IGC apresentam altas maiores<br />
e quedas menores do que as do IBOVESPA. Isso acontece, pois empresas que<br />
seguem as práticas de GC sofrem menos com as mudanças no cenário econômico.<br />
Durante o ano de 20<strong>11</strong>, em momentos que a bolsa brasileira recuou, os papéis das<br />
empresas que seguem à risca a GC começaram a se destacar.<br />
De acordo com a Bovespa, a estreia do Magazine Luiza na Bolsa foi feita em um<br />
período turbulento, de constantes quedas, mas a rede estava bem melhor posicionada<br />
do que o Índice Bovespa, apresentando quedas menores. A varejista estreou<br />
em alta no mercado acionário no dia 2 de maio de 20<strong>11</strong>, reforçando o otimismo no<br />
setor de varejo. Conforme o Relatório de Administração divulgado pela empresa, o<br />
lucro foi fraco no terceiro trimestre. O fato foi visto como positivo para os analistas,<br />
que consideraram um destaque o forte ritmo das vendas dentro de um cenário<br />
de grande competição. Já o mercado não recebeu bem o resultado, mas mesmo<br />
assim as ações sofreram valorização.<br />
Considerações Finais<br />
O artigo procurou demonstrar a importância e a atualidade do estudo da governança<br />
corporativa para o aperfeiçoamento e desenvolvimento do mercado de<br />
capitais no país e a relação que as boas práticas de governança têm com o desempenho<br />
das corporações.<br />
O estudo de caso apresentado, mostra que uma boa administração aliada a<br />
uma política de transparência e prestação de contas gera valor e se torna um diferencial<br />
competitivo para a companhia, como aconteceu com o Magazine Luiza.<br />
No caso brasileiro merece destaque o fato de grande parte das empresas serem<br />
familiares, não tendo uma gestão profissionalizada, o que contribui para um<br />
curto tempo de vida útil. Contudo, o Magazine Luiza é uma exceção, a partir do<br />
momento que adotou um modelo de gestão transparente, com princípios éticos<br />
e englobando o interesse de todas as partes. A companhia adotou as mais rígidas<br />
práticas de governança, aderindo ao Novo Mercado, e desde que realizou sua primeira<br />
oferta, no mês de maio do presente ano, só vem obtendo sucesso.<br />
82<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Evidentemente, o desafio não acabou, pois a maioria das empresas ainda<br />
não adotou esse tipo de gestão.<br />
Referências<br />
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novembro de 20<strong>11</strong>.<br />
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aos alunos do último semestre de Administração de Empresas da FAAP. São Paulo,<br />
fevereiro de 20<strong>11</strong>.<br />
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83
VENTURA, Luciano Carvalho. Governança corporativa: 6 anos de notícia. São Paulo: Saint Paul, 2006.<br />
YIN, Robert. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2005.<br />
84<br />
ARTIGO RECEBIDO EM: 05/06/2012<br />
ARTIGO APROVADO EM: 04/10/2012<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Sobre reformas e concessões no setor<br />
elétrico brasileiro: uma análise crítica<br />
Fernando Amaral de Almeida Prado Jr. *<br />
Ana Lúcia Rodrigues da Silva **<br />
Resumo: O Brasil, neste final de ano de<br />
2012, está enfrentando, desde 1993, a sua<br />
quarta onda de reformas institucionais no<br />
setor elétrico, agora com a mudança de<br />
regras associadas à renovação das concessões<br />
de hidroelétricas, linhas de transmissão<br />
e empresas de distribuição. Nesses<br />
20 anos, a indústria brasileira se modernizou,<br />
transformando-se em um sofisticado<br />
ambiente de negócios da ordem de R$<br />
150 bilhões ano. No entanto, o governo<br />
que abdicou de parte de seu controle<br />
com privatizações nos anos 1990 (mais<br />
por necessidade financeira do que por<br />
moto próprio) frequentemente atua redirecionando<br />
as regras do jogo. Este artigo<br />
analisa a intensidade de cada conjunto<br />
de medidas e questiona se a excessiva intervenção<br />
governamental não criaria um<br />
ambiente hostil para futuros investimentos.<br />
No curto prazo, as últimas decisões<br />
que cristalizam este ambiente de frequentes<br />
intervenções tem impactos positivos,<br />
o que gerou apoio da sociedade, mas no<br />
longo prazo podem comprometer a saúde<br />
da expansão da infraestrutura associada<br />
aos serviços de energia elétrica.<br />
Palavras-chave: Regulação. Concessões.<br />
Tarifas. Políticas Públicas.<br />
Abstract: Brazil, by the end of this year of<br />
2012, is facing, since 1993, its fourth wave of<br />
institutional reforms in the power sector, and<br />
currently changes are relative to the renewal<br />
of rules for hydro power plants concessions,<br />
transmission lines and operating licenses<br />
in defined areas for distribution services.<br />
During these last 20 years, the Brazilian industry<br />
has been modernized and became<br />
a sophisticated business environment exceeding<br />
the rate of US $ 75 billion/year. However,<br />
the government that abdicated part<br />
of its control with privatization in the 1990’s<br />
(more by financial need than by political issues)<br />
frequently acts redirecting the rules of<br />
the game. This article analyzes the intensity<br />
of each one of these sets of measures (laws<br />
and regulations) and questions whether excessive<br />
government intervention would not<br />
be creating a hostile environment for future<br />
investments. In a short period, the last set of<br />
decisions which crystallize this environment<br />
of frequent interventions, ended up having<br />
positive impacts and obtained support from<br />
the society, but in long run, they may harm<br />
the health of the infrastructure related to rendering<br />
of services in the electricity industry.<br />
Keywords: Regulation. Concessions. Tariffs.<br />
Public policy.<br />
* Engenheiro civil, mestre e doutor em Planejamento de Sistemas Energéticos pela UNICAMP. Professor Doutor<br />
da Escola Politécnica da USP, onde realizou seu pós-doutorado. Sócio da Sinerconsult Consultoria e Treinamento.<br />
E-mail: fernando@sinerconsult.com.br.<br />
** Física, mestre, doutora e pós doutora em Planejamento de Sistemas Energéticos pela UNICAMP, autora dos livros<br />
“Monografia Fácil: ferramentas e exercícios”; “Marketing Energético” e “Comportamento do Grande Consumidor<br />
de Energia Elétrica”. Sócia da Sinerconsult Consultoria e Treinamento, Professora da Fundação Armando<br />
Alvares Penteado. E-mail: ana@sinerconsult.com.br.<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5<br />
85
Introdução<br />
Como se sabe, o início dos anos 1990 no Brasil foi caracterizado por uma sucessão<br />
de crises econômicas e institucionais. Após o longo período da ditadura<br />
militar e de um governo civil eleito por regras não democráticas (1964-1988), o país<br />
teve seu primeiro presidente eleito democraticamente em 25 anos, destituído pelo<br />
Congresso Nacional por envolvimento direto em corrupção.<br />
No plano econômico enfrentava-se um agravamento do processo inflacionário<br />
endêmico desde meados dos anos 1960. Quando em julho de 1994, por ocasião<br />
da edição do quinto plano de reformas monetárias de combate à inflação, o Brasil<br />
acumulava, desde julho de 1964 uma desvalorização da moeda de 1 quatrilhão e<br />
302 trilhões por cento (LEITÃO, 20<strong>11</strong>).<br />
No setor elétrico, a crise financeira refletia com vigor, em decorrência da tentativa<br />
vã do Governo de controlar a inflação pelo reajuste das tarifas abaixo da<br />
inflação. A escassez de receitas promoveu entre 1985 e o início de 1993, uma dívida<br />
não honrada entre concessionárias, de cerca de US$ 27 bilhões (GREINER, 1994).<br />
Ainda mais, em 1993, existiam 23 usinas em construção com obras paralisadas e<br />
33 hidroelétricas com concessões outorgadas que ainda não tinham iniciado sua<br />
construção (SILVA, 20<strong>11</strong>). Este era o contexto quando foi publicado o primeiro conjunto<br />
de medidas das quais se trata neste artigo.<br />
1 Primeira Onda de reformas – A Lei Eliseu Resende<br />
Na tentativa de corrigir os rumos do setor, Itamar Franco, o novo presidente<br />
da Republica, após o impeachment de Collor, designou o senador Eliseu Resende,<br />
ex-ministro de Minas e Energia, para desenvolver um conjunto de medidas que<br />
viessem reestabelecer as condições para atrair os investimentos necessários. Estas<br />
iniciativas resultaram na Lei 8.631/93, que pode ser considerada o divisor de águas<br />
da indústria de eletricidade no Brasil.<br />
Este primeiro conjunto de medidas, ainda de baixo impacto regulatório, reconheceu<br />
as dívidas setoriais não honradas e promoveu um aporte do tesouro para seu<br />
saneamento, visando propiciar um novo começo para as concessionárias, quase que<br />
em sua totalidade de propriedade do governo federal e, em alguns casos, de governos<br />
estaduais. Outras medidas foram tomadas, sendo as mais relevantes: a obrigatoriedade<br />
da assinatura de contratos entre Geradores e Distribuidores, a eliminação<br />
das tarifas unificadas em todo o Brasil e também o término da garantia de tarifas que<br />
redundassem em retornos sobre o ativo em serviço, de pelo menos 10% ao ano 1 .<br />
1. Esta regra tinha sido tão sistematicamente descumprida durante o período de alta inflação que este descumprimento<br />
justificou politicamente e, também, legalmente, o aporte de recursos para o saneamento financeiro<br />
das empresas.<br />
86<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
A inexistência de contratos era suprida por regras de preço e de operação, determinadas<br />
por grupos de trabalhos, acordadas, na maior parte das vezes, sob o controle<br />
da Eletrobrás, holding de empresas de propriedade governamental. Obviamente<br />
a não existência de contratos facilitava a inadimplência entre as empresas estatais.<br />
As tarifas unificadas facilitavam o desequilíbrio econômico financeiro das concessionárias<br />
de distribuição, pois não guardavam nenhuma relação com o custo<br />
de operação e com o custo de suprimento junto às geradoras. Finalmente, uma<br />
garantia legal de 10% de retorno mínimo sobre os investimentos na prestação do<br />
serviço indicava o caminho para o fracasso, pois asseguravam um benefício sem<br />
contrapartida da boa performance empresarial das estatais.<br />
O conjunto de medidas implementadas pela Lei Eliseu Resende determinou: (i)<br />
a eliminação do retorno garantido sobre investimentos realizados; (ii) a diferenciação<br />
de tarifas para cada área de concessão, que deveriam espelhar suas condições<br />
de custo de produção; e, (iii) a assinatura de contratos criando responsabilidades<br />
formais pelos compromissos comerciais. Complementando estas reformas, foi feito<br />
um aporte do tesouro para sanear as finanças e realizar um grande encontro de<br />
contas que permitiria um novo recomeço das empresas.<br />
2 Segunda Onda de reformas – Projeto RE-SEB e as<br />
consequências do racionamento<br />
As medidas provenientes da Lei Eliseu Resende não foram suficientes para a<br />
retomada dos investimentos, pois a inflação permanecia em níveis muito elevados<br />
e tramitava, no Congresso, a regulamentação de um artigo da Constituição Federal<br />
(GOVERNO DO BRASIL, 1988) que determinava sobre a necessidade de licitações<br />
públicas para outorgas de concessões de serviço público.<br />
Desde 1934, o aproveitamento dos recursos hídricos em usos múltiplos tinha passado<br />
a ser regulado pelo governo federal, sendo considerados como uso de bem público<br />
e facultada sua exploração sob regime de concessões, cuja outorga normalmente<br />
tinha conotações políticas. Na prática, a concessão de aproveitamentos hidroelétricos<br />
era sempre feita para empresas com sede na região onde fisicamente se localizava a<br />
queda d’água e apenas empresas federais do grupo Eletrobrás atuavam em múltiplos<br />
Estados. O artigo 175 da Constituição determinava, assim, a necessidade que todas as<br />
concessões de serviços públicos passassem a ser licitadas, o que, no entanto, somente<br />
ocorreria quando fosse publicada sua regulamentação pelo Congresso.<br />
Assim existiam dois empecilhos para a regularização da expansão da infraestrutura<br />
de energia elétrica no país: as condições inadequadas da inflação descontrolada<br />
(em 1993 a inflação medida pelo Índice Geral de Preços do Mercado - IGPM foi<br />
de 2.567,3%) e a indefinição sobre regras futuras das concessões. Assim, entre 1988<br />
e 1995, por falta de norma legal regulamentadora, nenhuma nova concessão para<br />
geração ou transmissão de energia elétrica foi outorgada.<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5<br />
87
Como resultado, a expansão da capacidade instalada em geração declinou fortemente.<br />
Esta situação é mostrada na Figura 1.<br />
MW<br />
88<br />
12.000<br />
10.000<br />
8.000<br />
6.000<br />
4.000<br />
2.000<br />
0<br />
Figura 1 - Evolução da capacidade instalada no Brasil<br />
1974-79 1979-84 1984-89 1989-94 1994-99 1999-2004<br />
Fonte: Ministério de Minas e Energia (2007).<br />
MW MW/10 3 tep<br />
Por coincidência, o novo governo que se instalara em 1995, tinha como presidente<br />
eleito o ex-senador Fernando Henrique Cardoso (FHC), que tinha sido o relator<br />
do projeto de lei que tratava da regulamentação das concessões 2 . Durante o<br />
primeiro mandado de FHC foi feito um esforço político para a promulgação da Lei<br />
8.987/95, a Lei das Concessões. Ainda neste primeiro ciclo do governo FHC, outra<br />
lei 3 , mais detalhada sobre as concessões, foi publicada, inclusive criando a possibilidade<br />
de mercados competitivos para eletricidade.<br />
O novo governo tinha necessidade de implementar investimentos privados<br />
para atendimento à demanda de energia, especialmente depois de 1994 quando<br />
a estabilidade monetária foi alcançada, o que promoveu um aumento significativo<br />
da atividade econômica, em especial pela renda extra gerada na prática pela eliminação<br />
da corrosão inflacionária. Em 1994 e 1995, a economia cresceu 10,2% de forma<br />
acumulada no período. Apesar desta situação mais favorável, outras demandas<br />
impediam o investimento direto do governo no setor elétrico.<br />
2. FHC durante o período que exerceu o cargo de ministro das Finanças coordenou um grupo de jovens economistas<br />
que, pela quinta vez, tentava controlar a inflação com medidas consideradas heterodoxas. O sucesso deste<br />
Plano, denominado Plano Real, guindou FHC à Presidência da República.<br />
3. Lei 9.074 de 7 de julho de 1995.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
1,2<br />
1,0<br />
0,8<br />
0,6<br />
0,4<br />
0,2<br />
0,0<br />
MW/10 3 tep
Foi decidido então que seria implementada uma profunda revisão do modelo<br />
institucional, sob coordenação do Ministério de Minas e Energia, que contou com<br />
a ajuda de uma consultoria internacional, em um consórcio composto pelas empresas<br />
Coopers & Lybrand; Ulhoa Canto, Rezende e Guerra advogados e Engevix/<br />
Main Engenharia. Este projeto, denominado Projeto RE-SEB, Reestruturação do Setor<br />
Elétrico Brasileiro, durou cerca de três anos e foi desenvolvido com a elite dos<br />
técnicos das concessionárias e envolveu mais de 200 gerentes dessas empresas.<br />
Nas palavras do gerente do Projeto, Lindolfo Paixão, ele deveria ser desenvolvido<br />
“com os ingleses e não pelos ingleses” (PAIXÃO, 2000).<br />
Se a reforma de 1993 tivera como principal objetivo o saneamento econômico<br />
financeiro das empresas, as reformas do primeiro governo FHC, além de uma<br />
nova concepção organizacional, visavam criar as condições para a privatização do<br />
setor. Deve-se inclusive registrar que as primeiras concessionárias de distribuição<br />
a serem privatizadas não contavam com a existência de regras e nem mesmo com<br />
uma agência de regulação estabelecida. A privatização no Brasil, na opinião dos<br />
autores, não foi ideológica e sim premida por necessidades financeiras.<br />
O arcabouço das reformas teve como principais objetivos:<br />
• Assegurar a continuidade do fornecimento, em curto prazo, durante o processo<br />
de transição e assegurar a atração de investimentos para o longo prazo;<br />
• Reduzir as despesas públicas, atraindo capital privado para financiar novos investimentos<br />
e refinanciar a dívida pública com os resultados da privatização;<br />
• Criar mercado competitivo de geração de energia elétrica;<br />
• Criar obrigações de compra para as empresas de distribuição de energia elétrica<br />
visando a criação de um mercado que fomentasse a expansão da geração;<br />
• Criação de mercado competitivo no varejo para unidades conectadas em níveis<br />
de tensão igual ou superior a 69kV, sendo previsto que este poderia ser<br />
expandido com o passar do tempo;<br />
• Promover a desverticalização das empresas ou pelo menos sua separação contábil.<br />
• Permitir o livre acesso à rede;<br />
• Construir referencial regulatório de consolidação das atividades de transmissão<br />
e distribuição como monopólios naturais;<br />
• Criação de novas entidades: Operador Nacional do Sistema (ONS) para operar<br />
as atividades de Transmissão e Geração e formar preços, sem que isso promovesse<br />
prejuízo à otimização do sistema 4 ; Mercado Atacadista de Energia (MAE)<br />
para funcionar como agente de liquidação de contratos comerciais e a Agência<br />
Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), entidade reguladora independente;<br />
• Consolidação do conceito que a atividade de expansão da oferta de geração<br />
constituía uma oportunidade de investimento a ser suprida pelo mercado.<br />
4. No Brasil, pela elevada predominância de hidroelétricas, o despacho centralizado pelo ONS independe do proprietário<br />
de cada usina. A otimização é promovida por meio de sistemas computacionais que levam em conta, além<br />
das condições operacionais (disponibilidade operacional e dos custos variáveis) das usinas térmicas, também a hidrologia<br />
futura das usinas hidroelétricas, visando compatibilizar o custo presente com expectativas de custos futuros.<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5<br />
89
As palavras de ordem do projeto RE-SEB eram “Tanta competição quanto possível,<br />
tanta regulação quanto necessária” (PAIXÃO, 2000).<br />
Com bases no estabelecido nas diretivas do Projeto RE-SEB, iniciou-se o processo<br />
de privatização das empresas de Distribuição, que foi praticamente completado,<br />
sendo que apenas umas poucas empresas permaneceram no controle do Estado<br />
5 . Já na atividade geração, ocorreram muitas resistências políticas à privatização,<br />
sendo que foram terminados apenas os processos da empresa federal da região sul<br />
e da Companhia Energética de São Paulo (CESP).<br />
Para se evitar uma “explosão” de preços e assimetrias de mercado (acesso diferenciado<br />
à geração mais barata) foi determinado que as Distribuidora deveriam manter<br />
seus contratos nos mesmos moldes do regime estatal sendo que, a partir do quinto<br />
ano dessa obrigação, paulatinamente o mercado se desregulamentaria com “descontratações”<br />
anuais de 20% ao ano. A este procedimento se deu o nome de contratos<br />
iniciais. Como se veria depois, a primeira “descontratação” seguiu-se ao primeiro<br />
ano do racionamento, cujos efeitos estão descritos a seguir, o que resultou na efetiva<br />
redução dos contratos, sem que houvesse busca de reposição dessas quotas, redundando<br />
em grandes “sobras”, na maior parte, nas empresas geradoras estatais.<br />
Assim os anos 1990 se encerraram, com aproximadamente 80% das empresas<br />
distribuidoras privatizadas, enquanto na geração este número era da ordem de<br />
25% da capacidade então instalada.<br />
O racionamento de 2001 foi imputado como consequência da privatização e,<br />
como consequência, encerraram-se as condições políticas para novas privatizações.<br />
Como exceção digna de registro, no Estado de São Paulo, uma importante<br />
empresa de transmissão de propriedade do governo estadual foi privatizada em<br />
junho de 2006, sendo hoje a Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista<br />
(CTEEP) a principal transmissora privada do Brasil.<br />
O racionamento de grandes proporções (o mercado deixou de ser atendido em<br />
20% do consumo histórico) ocorrido em 2001, durante o segundo mandato de governo<br />
do presidente FHC, evidenciou problemas gerais na modelagem desenvolvida<br />
pelo projeto RE-SEB.<br />
As condicionantes regulatórias, quer por insuficiência de regras claras, quer<br />
por imperfeições do modelo adotado, não foram capazes de produzir os investimentos<br />
necessários que poderiam ter evitado a crise de abastecimento. Embora<br />
o governo tivesse, na prevenção, articulado ambicioso plano de metas para um<br />
conjunto de termoelétricas a gás natural, proveniente de importação da Bolívia, o<br />
plano praticamente não foi além do planejamento, em especial pelas indefinições<br />
do preço do Gás Natural (GN).<br />
5. Seis empresas do N/NE tiveram performance econômica inadequada e foram federalizadas sob gestão da Eletrobrás.<br />
90<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
A Comissão de Investigação (KELMAN, 2001), que estudou as causas do racionamento,<br />
concluiu que este ocorrera pela combinação de três fatores: (i) dois anos subsequentes<br />
desfavoráveis hidrologicamente; (ii) falta de investimentos e atrasos em obras de<br />
geração; e, (iii) falta de coordenação e ausência de regulamentos a respeito da responsabilidade<br />
das entidades para a gestão do risco de desabastecimento do setor.<br />
Vencido o racionamento, cujas consequências políticas e econômicas se materializaram<br />
na campanha política das eleições presidenciais de 2002, com a eleição<br />
do principal opositor ao governo FHC, novas questões importantes passaram a fazer<br />
parte da agenda do setor.<br />
Entre as mais relevantes estavam a de se dar estabilidade regulatória que permitisse<br />
investimentos de longo prazo. Foram identificados também: aspectos regulatórios<br />
insuficientes relacionados com o planejamento dos inventários para<br />
projetos futuros, insuficiência de definição da participação de empresas de governo<br />
em grandes empreendimentos na região amazônica e a ausência de definições<br />
sobre os usos múltiplos das bacias hidrográficas.<br />
Ainda, em relação à atratividade de investimentos, podiam ser elencados problemas<br />
relacionados à complexidade para obtenção de licenças ambientais de<br />
hidroelétricas, sobre a capacidade de se facilitar os financiamentos de projetos e<br />
critérios para alocação dos riscos hidrológicos.<br />
Também ficou em evidência o questionamento sobre a necessidade de contratação<br />
de energia, em longo prazo, pelas distribuidoras. Esta questão tinha relevância<br />
pelo fato de que, sendo um país com predominância absoluta de usinas<br />
hidráulicas e com o mercado alterado pelo aprendizado do racionamento 6 , o preço<br />
da energia no mercado spot tinha ficado muito baixo durante longos períodos de<br />
tempo, o que representava um incentivo para a não contratação de longo prazo.<br />
A Figura 2 apresenta o mercado de energia elétrica no Brasil nos anos seguintes<br />
ao racionamento, evidenciando uma redução substantiva das necessidades de<br />
suprimento. A Figura 3 mostra os preços do mercado spot no Brasil, em uma perspectiva<br />
de longo prazo. Como se vê, os preços são muito baixos em boa parte do<br />
tempo e, ocasionalmente, atingem valores muito altos.<br />
Dois efeitos combinaram-se quando do encerramento do racionamento: a “sobra”<br />
conjuntural de energia no mercado provocada pelo aprendizado já citado e a possibilidade<br />
regulatória que permitia que as distribuidoras não contratassem a totalidade de<br />
suas necessidades energéticas, podendo fazer aquisições pontuais, à medida que o consumo<br />
fosse ocorrendo, inclusive com acertos contratuais “ex post”. Este último aspecto,<br />
além de não facilitar a expansão pela facilitação do financiamento com recebíveis de<br />
6. Os consumidores foram forçados a reduzir seu consumo em média em 20%. A dificuldade em atender este requerimento<br />
permitiu que aprendizado e ações emergenciais de eficiência energética ficassem perenizados depois<br />
de encerrado o período de restrição de consumo.<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5<br />
91
longo prazo, ainda colocava em risco os consumidores regulados na distribuidora, uma<br />
vez que a exposição ao risco de preço de curto prazo aumentava o risco de preços sazonais<br />
muito elevados, que eram transferidos às tarifas no sistema “pass through”.<br />
Até o período do racionamento, era possível comprar apenas 85% das necessidades<br />
previstas nas projeções de mercado pelas Distribuidoras, sendo que esta<br />
regra se alterou para 95%, uma vez terminado o racionamento (PESSANHA, 2007).<br />
Estes efeitos contribuíam para a pequena demanda por energia a ser contratada<br />
no longo prazo e, consequentemente, falta de direcionadores para a expansão.<br />
Finalmente, entre as criticas ao modelo do projeto RE-SEB, estava a possibilidade<br />
de contratação de compra de energia com parte relacionada, normalmente<br />
com preços elevados, procedimento este facilitado pela possibilidade de repasses<br />
“pass through” o que comprometia a modicidade das tarifas.<br />
320.000<br />
300.000<br />
280.000<br />
260.000<br />
240.000<br />
92<br />
Figura 2 – Mercado de eletricidade no Brasil em GWh/ano<br />
220.000<br />
1994 1996 1998 2000 2002 2004<br />
Fonte: Construída pelos autores com base em EPE (2012).<br />
Fonte: Canal Energia (2012).<br />
Figura 3 - Preços spot no Brasil - Região Sudeste R$/MWh<br />
PLD semanal do período de 1/2001 a 10/2012. Patamar de Carga: Media<br />
R$ 700,00<br />
R$ 560,00<br />
R$ 420,00<br />
R$ 280,00<br />
R$ 140,00<br />
R$ 0,00<br />
6/7/2001 8/4/2005 6/2/2009<br />
Gráco gerado pelo Canal Energia Corporativo - Origem dos dados: CCEE<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
SE/CO
3 A Terceira Onda – Reformas da Ministra Dilma Rousseff<br />
Os desgastes políticos do racionamento, popularmente apelidado de “apagão”,<br />
tiveram influência, embora não se possa afirmar que esta tenha sido decisiva na<br />
eleição de Luiz Inácio Lula da Silva, ou popularmente, Lula.<br />
Ao assumir a presidência pela primeira vez, Lula nomeou a economista, até então<br />
desconhecida do grande público, Dilma Rousseff, como Ministra de Minas e<br />
Energia. Com estilo gerencial coerente com sua personalidade forte, a ministra iniciou<br />
seu mandato com críticas ao modelo institucional do setor, ao mesmo tempo<br />
que se reunia com representantes da cadeia de produção.<br />
As críticas tinham quatro vertentes que explicavam porque o modelo precisava<br />
ser alterado:<br />
• Ocorrera um grande racionamento;<br />
• Não existia suficiente aporte de investimentos no setor;<br />
• As tarifas tinham subido acima da inflação 7 ;<br />
• Existia cerca de 15 milhões de brasileiros sem acesso à rede elétrica.<br />
Embora se reconhecesse a correção das críticas, o anúncio de um novo modelo<br />
novamente paralisou investimentos. O ano de 2003 foi marcado pela discussão do<br />
novo modelo institucional. Em dezembro, foi encaminhado, ao Congresso Nacional,<br />
um conjunto de medidas que viriam a se transformar no arcabouço daquilo<br />
que se convencionou como sendo o modelo Dilma e que representa, neste artigo,<br />
a terceira onda de reformas. Embora tenha recebido mais de 800 emendas no<br />
Congresso, seus princípios foram pouco alterados e, em fevereiro de 2004, foram<br />
promulgadas as Leis 10.847 e 10.848 que tratam dessas reformas.<br />
Entre as principais decisões estavam a da criação de uma Empresa de Planejamento<br />
para retomada do determinismo no planejamento da expansão da geração<br />
e da transmissão. As empresas Distribuidoras passaram a ter atividade exclusivamente<br />
de distribuição, ou seja, recebem remuneração pelo serviço de disponibilização<br />
de ativos (capital) e operação e manutenção da rede e bilhetagem. Estas<br />
empresas passaram a não mais ter riscos associados ao preço do suprimento de<br />
energia, mas receberam a obrigatoriedade de comprar 100% das suas necessidades<br />
energéticas, com cinco anos de antecedência. Com estas medidas foi separado<br />
o mercado regulado com tarifas definidas pela ANEEL e o mercado livre (no qual<br />
as distribuidoras passaram a ficar impedidas de atuar). Toda a energia necessária<br />
para atendimento ao mercado regulado das Distribuidoras passou a ser obrigatoriamente<br />
adquirida através de leilões organizados pelo regulador.<br />
7. Deve-se registrar que as tarifas subiram muito acima da inflação, pois o Governo FHC passou a utilizar a estrutura<br />
arrecadadora do setor elétrico como eficiente agente recolhedor de impostos e encargos destinados a<br />
subsídios cruzados. Deve-se registrar que o governo Lula, em que pese suas criticas, manteve esta situação.<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5<br />
93
O MAE, que enfrentara problemas de risco moral em sua gestão, teve suas atividades<br />
substituídas pela criação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), basicamente<br />
com as mesmas funções, mas com uma estrutura de governança mais robusta.<br />
A Figura 4 apresenta, de forma esquemática, o modelo comercial que passou a<br />
vigorar na contratação de energia. No ambiente competitivo, apenas geradores e<br />
comercializadores podem atuar.<br />
Dada a dificuldade da correta previsão da demanda futura de energia, pelo menos<br />
para os próximos cinco anos, existem leilões de ajustes que são realizados com<br />
antecedência de três anos, um ano ou no mesmo ano de realização do mercado,<br />
com antecedência média de seis meses, de tal forma que as distribuidoras possam<br />
ajustar seu portfólio de contratos ao mercado previsto. Eventuais desvios são liquidados<br />
ao preço do mercado spot, mas diferenças a menor ficam sujeitas a penalidades<br />
elevadas. Desvios superiores ao mercado, limitados a 3% carga da Distribuidora,<br />
podem ser repassados às tarifas dos consumidores finais. Esta característica<br />
indica que o modelo teve um objetivo de incentivar a contratação de energia nova<br />
para suprir as deficiências de captação de novos investimentos.<br />
Os leilões são organizados para que a carga seja atendida, inicialmente, por<br />
meio de hidroelétricas a serem ainda construídas e que ainda não tiveram suas<br />
concessões outorgadas. Caso o volume de energia requerido pelas Distribuidoras<br />
seja superior à disponibilidade de usinas planejadas que já tenham seu inventário<br />
e licenças ambientais concluídas, realiza-se um leilão de usinas térmicas para complementar<br />
o atendimento ao mercado.<br />
G j<br />
Fonte: Cyrino (20<strong>11</strong>).<br />
94<br />
Figura 4 - Ambientes de contratação de energia elétrica<br />
ACR<br />
Ambiente de Contratação Regulada<br />
G 1<br />
Compra de Energia em Leilões<br />
contratos bilaterais regulados – leilões públicos<br />
compra de energia em regime de livre contratação<br />
empresa geradora j<br />
G j<br />
Os contratos firmados entre os empreendedores que irão construir usinas para entrega<br />
futura (cinco anos) são de 30 anos, enquanto que os prazos dos contratos das usinas<br />
Di Cn Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
ACL<br />
Ambiente de Contratação Livre<br />
G 2 G 4 G 5<br />
D 1 D 2 D 3 D 4 D i<br />
empresa distribuidora i<br />
empresa comercializadora n<br />
CL consumidor livre k<br />
k<br />
C 1<br />
CL 1 CL 2 CL 3 CL k
térmicas variam de 15 a 20 anos. A modalidade dos leilões é feita com preços reversos,<br />
sendo que as usinas hídricas possuem um preço de referência (R$ /MWh) e um volume<br />
fixo de energia a produzir a cada ano em função das previsibilidades estocásticas de<br />
vazões (consequentemente, de energia) na bacia hidrográfica onde a usina se situará. O<br />
projeto preliminar e as licenças ambientais iniciais são providenciadas pela Empresa de<br />
Planejamento do governo federal.<br />
Caso a oferta de projetos com estes requisitos atendidos não seja suficiente para o<br />
atendimento à carga projetada, iniciam-se leilões de energia provenientes de usinas térmicas,<br />
nas quais a competição pela venda se dá por meio do menor preço resultante de<br />
um valor fixo (disponibilidade da usina) e de um valor variável (custo do combustível).<br />
Considerando-se que não se sabe, a priori, qual será o despacho das usinas no futuro,<br />
pois este irá depender da hidrologia futura, a empresa de planejamento governamental<br />
estabelece um índice de probabilidade de despacho futuro, atrelado ao custo unitário<br />
variável 8 , ponderando-se assim os custos fixos e variáveis também em R$/MWh.<br />
Nos leilões de ajustes, normalmente três ou um ano antes do momento do consumo,<br />
usualmente não existe espaço para entrada de usinas hidroelétricas, pois o prazo de<br />
construção e obtenção das licenças ambientais não é viável. Assim, nestes leilões usualmente<br />
a energia é contratada por disponibilidade (custo fixo e custo variável associado<br />
ao despacho) ou por quantidade para usinas (eventualmente hidroelétricas) já prontas<br />
que não tenham sua produção totalmente comercializada 9 .<br />
Uma análise detalhada da legislação e dos fatos posteriores à publicação do modelo<br />
Dilma indicam que foi feita uma opção preferencial pela segurança energética em detrimento<br />
a qualquer outro condicionante. Afinal, o governo não poderia correr o risco<br />
político de um novo racionamento.<br />
Do ponto de vista de investimentos, pode-se afirmar que o modelo apresentou elevada<br />
dose de sucesso. As Figuras 5 e 6 apresentam a capacidade instalada acrescida no<br />
sistema de geração e transmissão.<br />
Embora as leis tenham sido publicadas em fevereiro de 2004, apenas em julho foi<br />
publicado um decreto regulamentador que estabelecia, de forma mais clara, os detalhes<br />
da complexa reforma.<br />
Mesmo este não conseguiu esclarecer muitos detalhes regulatórios sobre como implementar<br />
as medidas, de tal forma que a ANEEL publicou centenas de resoluções normativas<br />
nos anos seguintes, tentando colocar os esclarecimentos que os investidores e<br />
consumidores necessitavam.<br />
8. Este índice é utilizado apenas para ranquear as propostas durante o leilão, podendo a empresa futuramente ser<br />
chamada a despachar como frequência diferente, cabendo a ela gerenciar os riscos de volatilidade do preço do combustível.<br />
O indicador de probabilidade de despacho de cada combustível é associado a este preço unitário de tal forma<br />
que combustíveis de custos muito diferentes podem competir pelo direito a estes contratos de disponibilidade.<br />
9. Em alguns leilões, as concessões de hidroelétricas permitem que parte da energia não seja direcionada ao<br />
mercado regulado.<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5<br />
95
96<br />
7000<br />
6000<br />
5000<br />
4000<br />
3000<br />
2000<br />
1000<br />
0<br />
Figura 5 – Acréscimo da capacidade instalada de geração em MW<br />
Fonte: Construída pelos autores com base em Canal Energia (2012b).<br />
A Figura 7 apresenta, ano a ano, o número de resoluções normativas publicadas<br />
pela ANEEL. Embora não se possa atribuir ao modelo à totalidade destas diretivas,<br />
fica claro que o regulador brasileiro tem publicado, em média, uma norma que<br />
estabelece regras ou detalha procedimentos a cada semana, durante os últimos<br />
oito anos. Esta incidência exige esforço muito grande dos participantes do mercado<br />
para seu acompanhamento e para o gerenciamento das informações. Ainda na<br />
linha do aumento da complexidade do modelo, Lima (2012) relata o aumento das<br />
atividades da CCEE que cresceram substancialmente nos últimos anos.<br />
12.000<br />
10.000<br />
8.000<br />
6.000<br />
4.000<br />
2.000<br />
0<br />
2003<br />
Figura 6 - Expansão de linhas de transmissão em Km<br />
2004<br />
2005<br />
2006<br />
Fonte: Construída pelos autores com base em Governo do Brasil (2012b) e Pires e Holtz (20<strong>11</strong>).<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
1990<br />
1991<br />
1992<br />
1993<br />
1994<br />
1995<br />
1996<br />
1997<br />
1998<br />
1999<br />
2000<br />
2001<br />
2002<br />
2003<br />
2004<br />
2005<br />
2006<br />
2007<br />
2008<br />
2009<br />
2010<br />
20<strong>11</strong><br />
2007<br />
2008<br />
2009<br />
2010<br />
20<strong>11</strong>
O modelo Dilma pode ser considerado bastante vitorioso em muitos aspectos,<br />
como afastando riscos iminentes de novas crises de suprimento com investimentos em<br />
geração e uma substancial redução do preço da energia por meio dos leilões de energia<br />
para as Distribuidoras. Também foi bem sucedida a redução da população sem acesso à<br />
rede elétrica, com inclusão, até setembro de 20<strong>11</strong>, de 14,2 milhões de brasileiros com luz<br />
elétrica em suas moradias (GOVERNO DO BRASIL, 20<strong>11</strong>).<br />
No entanto, em uma diretiva, o modelo Dilma fracassou, pois não conseguiu reduzir os<br />
preços de energia, muito influenciados por carga tributária muito ampla e por encargos<br />
setoriais que em muitos casos vigoram desde muito tempo. Assim, apesar da base de geração<br />
brasileira ser quase que em sua totalidade hídrica, por pressuposto devendo ter preços<br />
módicos, o Brasil possui hoje uma das tarifas mais caras do mundo. As Figuras 8 e 9, respectivamente,<br />
apresentam um ranking de tarifas industriais e residenciais (SANTANA, 2012).<br />
Os preços elevados das tarifas de energia elétrica brasileira são influenciados pelos<br />
encargos e tributos, como evidenciado em palestras proferidas por representantes da<br />
ANEEL em recente evento patrocinado pela Federação Patronal das Indústrias do Estado<br />
de São Paulo (FIESP), em São Paulo (COELHO, 2012; SANTANA, 2012). Uma das palestras<br />
(COELHO, 2012) proferida por um diretor daquela Agência, relata a evolução dos<br />
encargos de R$ 2,9 bilhões (2002) para R$ 13,9 bilhões (20<strong>11</strong>). Este último ainda mostra<br />
na Figura 10 que tributos e encargos setoriais 10 conjuntamente representam 43% do<br />
dispêndio médio de uma conta de energia (COELHO, 2012).<br />
Dois destes encargos vinham causando grande contestação por parte de entidades<br />
de defesa de consumidores e de empresas em geral (SALLES, 20<strong>11</strong>a; SALLES, 20<strong>11</strong>b). O<br />
primeiro, a Reserva Geral de Reversão (RGR), que constituí um fundo indenizatório para<br />
uma eventual cassação de concessões e para indenização de ativos não amortizados ao<br />
final de um período de contrato de concessão. Este encargo deveria ter sido encerrado<br />
em 2002 e depois em 2010, sendo sucessivamente prorrogado pelos governos FHC e<br />
Lula. Em 2010, a Eletrobrás empresa holding do governo federal para energia elétrica informou<br />
o Senado que existiam R$16,9 bilhões aplicados em projetos diversos. Os opositores,<br />
além de contestarem a qualidade da gestão desses recursos, ainda questionavam<br />
o fato que a RGR, criada em 1957, nunca antes tinha sido utilizada para os fins de sua<br />
destinação. O valor previsto para ser despendido pelos consumidores no encargo RGR,<br />
em 2012, é da ordem de R$ 1,6 bilhão (SALLES, 20<strong>11</strong>a).<br />
Já o segundo encargo, a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC) deveria ser<br />
utilizado para subsidiar o custo de combustíveis nas regiões mais inóspitas do Brasil,<br />
ainda sem conexão ao sistema interligado. Este encargo foi revisto em 2009, com<br />
aumento de quase 100% e foi eliminado qualquer prazo para sua extinção. Este encargo<br />
em 2012 implicará em R$ 3,2 bilhões (PSR, 2012).<br />
10. CCC - Conta de Consumo de Combustíveis; CDE - Conta de Desenvolvimento Energético; CFURH - Contribuição<br />
Financeira pelo Uso dos Recursos Hídricos; EER - Encargo de Energia de Reserva; ESS - Encargos do<br />
Serviço do Sistema; P&D - Programa de Pesquisa e Desenvolvimento; PROINFA - Programa de Incentivo a Fontes<br />
Alternativas; RGR - Reserva Geral de Reversão; e, TFSEE - Taxa de Fiscalização do Serviço de Energia Elétrica.<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5<br />
97
140<br />
120<br />
100<br />
80<br />
60<br />
40<br />
20<br />
0<br />
98<br />
Figura 7 - Resoluções normativas publicadas pela ANEEL<br />
Nota: o ano de 2012 contempla apenas resoluções publicadas até 10 de outubro<br />
Fonte: Construída pelos autores com base em Canal Energia (2012a).<br />
280<br />
240<br />
200<br />
160<br />
120<br />
80<br />
40<br />
0<br />
Italy<br />
2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 20<strong>11</strong> 2012<br />
Cyprus<br />
175,1<br />
BRAZIL<br />
Panama<br />
Colombia<br />
Fonte: Santana (2012).<br />
Figura 8 - Ranking de tarifas industriais US$/MWh<br />
Belize<br />
Slovak…<br />
Japan<br />
Chile<br />
Turkey<br />
148,3<br />
*BRAZIL<br />
Singapore<br />
Czech Rep.<br />
Destaque importante deve ser dado ao tratamento que as reformas promovidas<br />
por Dilma dedicaram à questão das concessões.<br />
Na Constituição vigente no Brasil (GOVERNO DO BRASIL, 1988) está estabelecido,<br />
no artigo 175, que: “Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou<br />
sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação (grifo nosso)<br />
a prestação do serviço público. A lei disporá sobre:<br />
Artigo I – O regime das empresas concessionárias e permissionárias do serviço<br />
público, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação.”<br />
Lithuania<br />
Ireland<br />
Germany<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
Hungary<br />
Costa Rica<br />
Belgium<br />
Netherlands<br />
Luxembourg<br />
Slovenia<br />
UK<br />
Poland<br />
Média<br />
147,9<br />
Portugal<br />
Croatia
Posteriormente, a Lei das Concessões já analisada neste texto, regulamentou o fato de<br />
que uma vez vencida as concessões, seria necessária uma nova licitação. Posteriormente<br />
à Lei 8.987/95, o que se observou foi um verdadeiro “zig zag legal” (WALTENBERG, 2009).<br />
Ainda em 1995, na Lei 9.074/95 que detalhava as concessões para o setor elétrico, foi admitida<br />
uma única prorrogação para as concessões em andamento anteriores a este processo<br />
legal. Assim, em 2015 seria necessária uma nova licitação. A mesma lei, no entanto,<br />
admitia exceções a esta situação para casos onde ocorresse um processo de privatização.<br />
Nesse caso, seria concedido um novo prazo de 35 anos. Obviamente, esta medida já fazia<br />
parte da agenda de privatizações do governo FHC e visava valorizar as empresas.<br />
Em 1996 (Lei 9.427/96) nova alteração foi feita e se passou a admitir sucessivas<br />
prorrogações. No entanto, o pacote de reformas desenvolvido sob a tutela de Dilma<br />
Rousseff, em 2003/2004, revogou o artigo que tratava das sucessivas prorrogações<br />
e estabeleceu a necessária licitação como anteriormente definido.<br />
400<br />
350<br />
300<br />
250<br />
200<br />
150<br />
100<br />
50<br />
0<br />
Denmark<br />
Germany<br />
Italy<br />
Uruguay<br />
Fonte: Santana (2012).<br />
Figura 10 - Participação percentual dos custos em uma fatura de energia elétrica<br />
Fonte: Adaptada de Coelho (2012).<br />
Figura 9 - Ranking de Tarifas Residenciais US$/MWh<br />
Cyprus<br />
9%<br />
Ireland<br />
27%<br />
8%<br />
Japan<br />
Belgium<br />
229,9<br />
BRAZIL<br />
23%<br />
Netherlands<br />
Hungary<br />
33%<br />
Sweden<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5<br />
Luxembourg<br />
Portugal<br />
Slovak Republic<br />
Chile<br />
New Zealand<br />
Czech Rep.<br />
Slovenia<br />
UK<br />
Turkey<br />
Tributos<br />
Encargos<br />
Singapore<br />
Distribuição<br />
Transmissão<br />
Geração<br />
Switzerland<br />
Média<br />
221,2<br />
Belize<br />
Poland<br />
99
Novamente, com a obrigatoriedade de licitações e considerando-se a elevada<br />
concentração de ativos <strong>11</strong> com concessões vincendas entre 2015 e 2017, uma clara<br />
definição de como o governo enfrentaria a questão marcou fortemente a agenda<br />
de discussões do setor, nos últimos quatro anos. Exatamente esta questão foi o<br />
pivô da quarta onda de reformas, anunciadas, ultimo dia <strong>11</strong> de setembro de 2012.<br />
4 Quarta Onda – Reformas da Presidente Dilma Rousseff<br />
Dilma Rousseff foi eleita presidente da República depois de dois governos sucessivos<br />
de Lula. Com características mais executivas que seu antecessor, que politicamente<br />
adiara algumas decisões importantes em seu último ano de governo,<br />
a nova presidente viu-se, durante seu primeiro ano de governo, com sucessivas<br />
crises políticas envolvendo denúncias de corrupção em vários ministérios, que resultaram<br />
em demissões de sete ministros.<br />
Entre as providências adiadas por Lula estavam as renovações de concessões.<br />
A matéria se refletia de importância ainda maior, porque em 2012 se encerravam<br />
contratos de fornecimento de energia estabelecidos entre empresas de geração<br />
e distribuidoras, decorrentes do primeiro leilão de energia do modelo Dilma que,<br />
excepcionalmente, (conforme previsto na lei) permitiu que fossem ofertadas energias<br />
provenientes de usinas já em operação e que não dispunham de contratos. É<br />
conveniente recordar que, em 2004, o mercado ainda estava bastante deplecionado,<br />
em virtude da retração provocada pelo racionamento e que a maior parte<br />
das empresas geradoras de então pertencia ao próprio governo. A energia hídrica<br />
produzida por essas unidades era remunerada ao preço do spot, chegando a ser<br />
avaliada em menos do que R$ 10/MWh em muitos meses, razão pela qual o governo<br />
incentivou e promoveu sua comercialização a preços baixos, mas substancialmente<br />
superiores ao mercado de curto prazo.<br />
Assim, estes leilões realizados em final de 2004 e outro realizado em 2005 comercializaram<br />
17.000 MWmed de energia assegurada, com preços muito baixos<br />
que refletiam a conjuntura de mercado de então. Popularmente estes leilões foram<br />
apelidados de leilões de energia velha. Com o vencimento desse importante<br />
bloco de contratos, as concessionárias de Distribuição deveriam repor os volumes<br />
contratados. Destaca-se que não existia previsão legal para a renovação desses<br />
contratos, o que viria a ocorrer apenas por interesse comercial.<br />
Assim, novamente se combinavam dois efeitos, o vencimento de grande volume<br />
de contratos baratos (2012-2013) e, ao mesmo tempo, o vencimento de concessões,<br />
de usinas, muitas das quais com os chamados contratos de energia velha.<br />
<strong>11</strong>. As concessões no Brasil não são feitas por empresa, mas por ativo. Assim, uma empresa pode ter várias usinas hidroelétricas<br />
com datas diferentes de vencimento de suas concessões.<br />
100<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Considerando-se as condições de mercado, vigentes em 2012, seria pouco provável<br />
que as geradoras detentoras dessa energia se interessassem por renovação nas<br />
mesmas condições pactuadas em 2004/2005. A recontratação da energia “velha” por<br />
preços de mercado poderia impactar as tarifas, já duramente criticadas, na ordem de<br />
10%, podendo chegar a 20% nos casos, sempre se considerando valores corrigidos<br />
pela inflação. Reportagem sobre o tema, indicava que os preços desses leilões, já<br />
corrigidos pela inflação, importavam em R$ 87/MWh em 20<strong>11</strong> (CAMAZIO, 20<strong>11</strong>).<br />
A não renovação das concessões, portanto, causava uma indefinição importante<br />
do lado dos consumidores e também por parte dos geradores que ficavam impedidos<br />
de comercializar energia, por prazos longos, em mercados competitivos,<br />
para períodos além da data de vencimento das concessões.<br />
Em 20<strong>11</strong>, a FIESP, passou a discutir, publicamente, inclusive com campanhas publicitárias<br />
na grande imprensa, a necessidade de licitações, conforme a lei estabelecia,<br />
visando o barateamento das tarifas de energia.<br />
De outra parte, outros movimentos de grupos de interesse passaram também a<br />
discutir o assunto. Associações de empresas geradoras e transmissoras passaram a reivindicar<br />
a prorrogação das concessões, no que era acompanhado pelos movimentos<br />
sindicais de empregados de empresas estatais. Já as associações de grandes consumidores<br />
de energia e clientes livres do mercado competitivo identificaram a necessidade<br />
de exigir que o tratamento que fosse dado a esta energia potencialmente barata,<br />
fosse também direcionada de forma proporcional ao mercado competitivo 12 .<br />
O ano de 2012 apresentou novos desafios políticos ao governo federal, na figura<br />
de importantes eleições para prefeitos em cada um dos municípios brasileiros,<br />
com indicadores de um segundo ano com baixa performance na economia (2,7%<br />
em 20<strong>11</strong> e projeções de 1,9% em 2012) e o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal<br />
de várias lideranças políticas, praticamente coincidindo com as eleições. Esta<br />
agenda e, também, é claro, a necessidade premente de resolução das indefinições<br />
que pairavam sobre o tema das concessões levaram a Presidente da República a<br />
anunciar, em <strong>11</strong> de setembro, um amplo conjunto de medidas, visando desonerar<br />
o custo de energia elétrica para a sociedade brasileira.<br />
Considerando-se o ambiente legal já discutido, qualquer providência que não fosse<br />
o de organizar leilões para licitação dessas concessões teria que ser feita com mudanças<br />
na lei. O caminho escolhido pelo Governo Federal foi o das Medidas Provisórias (MP) 13 .<br />
12. Palestra de diretor da CCEE (LIMA, 2012) informava que, em maio de 2012, o Ambiente de Contratação Livre<br />
correspondia a 27% de todo o consumo de energia elétrica do Brasil.<br />
13. Medidas provisórias são “providências (como o próprio nome diz, provisórias) que o Presidente da República<br />
poderá expedir, em caso de relevância e urgência, e que terão força de lei, cuja eficácia, entretanto, será eliminada<br />
desde o início se o Congresso Nacional, a quem serão imediatamente submetidas, não as converter em lei dentro<br />
do prazo - que não correrá durante o recesso parlamentar - de 120 dias contados a partir de sua publicação”.<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5 101
O conjunto de medidas que causou grande impacto foi apelidado jocosamente de<br />
“<strong>11</strong> de setembro do setor elétrico” pela coincidência da data de seu anúncio. As medidas<br />
consistiram em admitir a prorrogação das concessões vincendas em 2015, imediatamente<br />
a partir de 1º. de janeiro de 2013, por 30 anos sob determinadas condições.<br />
Foram envolvidas Empresas de Geração constituindo em 22.341 MW de potência<br />
instalada, 18,7% da capacidade instalada total do Brasil (<strong>11</strong>9.332,8 MW em setembro<br />
de 2012). Empresas de Transmissão: 85.326 km (sendo 68.789 km da rede<br />
básica com tensão superior a 230kV) e empresas de Distribuição envolvendo pequenas<br />
empresas federalizadas e três grandes empresas de propriedade de governos<br />
estaduais, correspondendo a 35% da área de atendimento nacional.<br />
Para cada uma das usinas será calculado um valor de energia correspondente<br />
ao seu custo de operação e manutenção e a totalidade de sua produção será direcionada<br />
para o mercado regulado em um regime de participação de quotas para<br />
as empresas de distribuição.<br />
Usinas com concessão vincenda e que eram destinadas à autoprodução podem ser<br />
prorrogadas, mas vão ter que pagar contribuição pelo uso do bem público. Neste caso,<br />
precisam ser menores do que 50MW e destinar 100% da produção para uso próprio.<br />
Cada linha de transmissão terá calculado um valor correspondente ao seu custo<br />
de O&M e terá direito a uma receita assegurada, compatível com os custos apurados.<br />
Não foram definidas as regras para a prorrogação das concessões das empresas<br />
Distribuidoras. Apenas genericamente foi estabelecido que serão definidas condições<br />
que aperfeiçoem a qualidade do serviço. A MP estabelece que, posteriormente,<br />
serão publicadas regras sobre o assunto.<br />
Os objetivos anunciados referem-se à redução expressiva das tarifas que será<br />
obtida pela contratação de longo prazo pelas Distribuidoras da energia, com preços<br />
associados a custos operacionais, o mesmo para o custeio do transporte da<br />
energia e pela eliminação de encargos por parte do Governo (CCC, RGR e 75% da<br />
CDE). Parte dos recursos retirados dos encargos eliminados será realizado por meio<br />
de aporte do tesouro, estimado na MP em R$ 3,3 bilhões.<br />
A princípio, foi considerado que as Distribuidoras que vem sofrendo processos de<br />
revisão tarifária e redefinição do fator X e do custo de capital não devem sofrer impactos<br />
tarifários, mas apenas maior exigência nos padrões da qualidade do serviço.<br />
Foi também estabelecido que a juízo de auditoria a ser encaminhada pela ANEEL,<br />
ativos ainda não depreciados seriam indenizados à vista, de tal sorte que, em janeiro<br />
de 2013, não remanescessem ativos em serviço que precisassem remuneração.<br />
Os ativos não depreciados devem ser indenizados pelo Valor Novo de Reposição. O<br />
Governo ainda anunciou que, pelas suas expectativas, os recursos existentes da RGR<br />
seriam mais do que suficientes para esta indenização. Alguns analistas, no entanto,<br />
102<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
questionam a suficiência de recursos (PIRES; HOLTZ, 2012), o que foi endossado por<br />
algumas das concessionárias, por exemplo, pela presidência da Eletrobrás, que indicava<br />
uma expectativa de ressarcimento de até R$ 28 bilhões, cifra da ordem de R$ 9<br />
bilhões acima da disponibilidade total dos fundos da RGR (CANAL ENERGIA, 2012b).<br />
Outra providência metodológica diz respeito à alocação da energia proveniente das<br />
usinas a terem seu regime de custeio alterado. A MP estabelece que a ANEEL estabelecerá<br />
um sistema de quotas. No entanto, não existem maiores detalhes sobre o assunto.<br />
Considerada a experiência brasileira de alocação de quotas da energia provenientes da<br />
Usina de Itaipu (empreendimento binacional com o Paraguai) que indica compra compulsória<br />
na proporção dos mercados das empresas da região Sul/Sudeste, com reavaliação<br />
periódica, considera-se que a metodologia seja similar, mas não restrita a determinismos<br />
geográficos, mas sim, a todo o Sistema Interligado Nacional (SIN).<br />
Finalmente, a medida estabeleceu um rígido cronograma para todas as providências,<br />
no qual o primeiro marco representa a adesão formal ao programa do<br />
governo, no prazo de 35 dias depois da publicação da MP. Caso estas não aceitem<br />
as condições estabelecidas, serão mantidas as regras atuais e, posteriormente, por<br />
ocasião do vencimento (sendo a maior parte em 2015), ocorrerá uma nova licitação.<br />
É importante destacar que esta adesão pelo cronograma publicado deverá ocorrer<br />
antes das datas nas quais a ANEEL se manifestará sobre a indenização dos ativos<br />
não depreciados, da alocação das quotas e das novas tarifas que serão praticadas.<br />
Finalmente, como impacto técnico relevante, foram incluídas, entre as usinas<br />
atingidas pelas medidas, algumas que teriam seu vencimento ainda passível de<br />
uma prorrogação por 20 anos. Embora este detalhe seja de tecnicidade jurídica, as<br />
empresas mais afetadas, CESP e CEMIG, manifestaram-se considerando que existiria<br />
ilegalidade nesta inclusão.<br />
Os resultados esperados indicam uma redução de tarifas que pode ultrapassar<br />
20% das tarifas reguladas. O governo, durante seu anúncio, publicou expectativas,<br />
mas sobre as quais não foram dados maiores detalhes. A consultoria PSR, que assessorou<br />
o governo na preparação das medidas, publicou estudo exemplo para<br />
as tarifas da CPFL, companhia distribuidora do Estado de São Paulo, admitindo as<br />
reduções anunciadas para os encargos e assumindo custos médios de geração restritos<br />
a O&M de apenas R$ 30,1/ MWh e receitas da transmissão reduzidas para 1/3<br />
dos valores atuais. Com base nestas premissas, os resultados deste estudo (PSR,<br />
2012), comparados com o anúncio do governo, estão expressos na Figura <strong>11</strong>.<br />
Muitos impactos foram identificados com o anúncio destas medidas. Os principais<br />
foram: redução expressiva do valor das ações das empresas de energia, proposição<br />
de reestruturação dos quadros de recursos humanos das empresas afetadas,<br />
avaliação da legalidade das medidas, perda de impostos arrecadados pelos Estados,<br />
redirecionamento de montantes de energia já contratados pelo mercado livre para o<br />
mercado regulado (o que vai alterar as condições do equilíbrio competitivo vigente)<br />
e, por fim, a curta disponibilidade de tempo e ausência de detalhes para a tomada de<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5 103
decisão por parte das empresas envolvidas. Na sequência, apresentam-se questionamentos<br />
e avaliações desenvolvidos pelas empresas e por analistas. Ressalta-se que<br />
a maioria perdura, sem ainda uma definição de solução aos problemas indicados.<br />
104<br />
26% 25%<br />
Fonte: (PSR, 2012).<br />
Figura <strong>11</strong> - Estudo comparativo de redução de tarifas para a CPFL 14<br />
24%<br />
22% 22%<br />
O primeiro impacto evidente diz respeito ao valor de mercado das empresas<br />
listadas na Bolsa de Valores. As Figuras 12 a 16 apresentam resultados das cotações<br />
na Bolsa de Valores no Brasil (UOL, 2012).<br />
Mesmo as empresas não afetadas pelas medidas, tais como a Tractebel Energia<br />
(maior gerador privado do Brasil) e a AES Tietê, foram afetadas em seu valor de<br />
bolsa, dando claras indicações de que o mercado considerou muito complexas as<br />
intervenções realizadas pelo governo. As Figuras 17 e 18 apresentam os valores de<br />
cotação destas empresas cujas concessões vão vencer apenas em 2028.<br />
No total, a perda de valor em cotações de bolsa foi superior a R$ 20 bilhões,<br />
coincidentemente, um valor muito próximo do valor que será usado, segundo expectativa<br />
do Governo, com a RGR para indenizar os ativos ainda não depreciados.<br />
Nos dias que se seguiram ao anúncio, o BTG PACTUAL, em correspondência aos<br />
investidores, recomendou a imediata venda das ações da CESP e da Transmissão Paulista,<br />
reduzindo suas expectativas de preço para a Copel e indicando maior necessidade<br />
de tempo para uma correta avaliação sobre uma decisão sobre o investimento<br />
em ações da CEMIG, embora tenha retirado esta ação de seu portfólio. Na mesma<br />
correspondência, o banco assume que, para a Transmissora Paulista, a melhor decisão<br />
seria não aderir ao pacote de medidas governamentais (BTG PACTUAL, 2012).<br />
14. A2 refere-se a consumidores conectados entre 88 e 138 kV; A3 para conexões de 69 kV e A4 conexões entre 2,3 e 25 kV.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
19%<br />
Estimativa PSR para 17 Discos<br />
Estimativa do Governo<br />
16% 16%<br />
A2 A3 A4 B-Res
Fonte: UOL (2012).<br />
Fonte: UOL (2012).<br />
Figura 13 - Cotações de ações ordinárias da CESP<br />
Figura 14 - Cotações das ações ordinárias da Companhia Paulista de Transmissão<br />
Fonte: UOL (2012).<br />
Figura 12 - Cotações de ações preferenciais da CEMIG<br />
Ago Set Out<br />
Ago Set Out<br />
Ago Set Out<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5 105<br />
42.5<br />
40<br />
37.5<br />
35<br />
32.5<br />
30<br />
27.5<br />
25<br />
22.5<br />
20<br />
35<br />
32.5<br />
30<br />
27.5<br />
25<br />
22.5<br />
20<br />
17.5<br />
70<br />
60<br />
50<br />
40<br />
30
Fonte: UOL (2012).<br />
Fonte: UOL (2012).<br />
Fonte: UOL (2012).<br />
106<br />
Figura 15 - Cotações das ações ordinárias da Copel<br />
Ago Set Out<br />
Figura 16 - Cotações das ações ordinárias da Eletrobrás<br />
Ago Set Out<br />
Figura 17 - Cotações das ações ordinárias da Tractebel Energia<br />
Ago Set Out<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong><br />
40<br />
37.5<br />
35<br />
32.5<br />
30<br />
27.5<br />
25<br />
22.5<br />
17<br />
16<br />
15<br />
14<br />
13<br />
12<br />
<strong>11</strong><br />
38<br />
37<br />
36<br />
35<br />
34<br />
33<br />
32<br />
31<br />
30
Fonte: UOL (2012).<br />
Figura 18 - Cotações das ações ordinárias da AES Tietê<br />
Ago Set Out<br />
Efeito indesejado pelo governo diz respeito à reestruturação do quadro de empregados<br />
das empresas afetadas. Considerados os efeitos em muitas dessas empresas,<br />
parece evidente que estruturas destinadas à comercialização de energia ao<br />
mercado competitivo deixam de fazer sentido. Mesmo empresas de propriedade do<br />
governo federal já antecipam os ajustes.<br />
Analistas ouvidos pela Imprensa (GERADORAS..., 2012) afirmam ser “necessário<br />
um dramático ajuste no excesso de pessoal e de outras distorções herdadas de administrações<br />
anteriores, muitas marcadas por influência política”. Já a empresa Furnas,<br />
subsidiária da Eletrobrás, já anunciou um plano de demissões voluntárias que deverá<br />
reduzir seu quadro em 28% até julho de 2013 e a CELESC, empresa de propriedade<br />
do governo estadual de Santa Catarina, fez o mesmo com meta de redução do quadro<br />
de empregados de 20,2% (CONCESSÃO..., 2012a).<br />
Outro efeito de importância diz respeito à legalidade das medidas. Algumas empresas<br />
e analistas jurídicos questionam se o conjunto de medidas anunciadas atende<br />
a todos os requisitos de legalidade. Os principais pontos indicam que, por se tratar<br />
de legislação que regulamenta um dispositivo constitucional, precisaria ser feito por<br />
meio de emenda constitucional (o que exige maioria de 2/3 no Congresso Brasileiro).<br />
Outro questionamento indica que não existiria a urgência que é exigida para uma<br />
medida provisória, uma vez que sempre se soube que o vencimento das concessões,<br />
em sua maioria, aconteceria em 2015. No entanto, este posicionamento não é unânime,<br />
uma vez que outros analistas identificam que a MP atendeu a todos os requisitos<br />
constitucionais, conforme palestra realizada na Associação Brasileira de Concessionárias<br />
de Energia (LUSTOSA, 2012).<br />
No plano da governança, outras críticas foram dirigidas ao governo pela não realização<br />
de audiências públicas prévias sobre o tema e também pelo fato do anúncio<br />
ter coincidido com os mercados de ações em funcionamento, sem que houvesse<br />
tempo hábil para compreensão das medidas afetando os investimentos.<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5 107<br />
26<br />
24<br />
22<br />
20<br />
18<br />
16
Finalmente, no plano da legislação, foram encaminhadas ao Congresso 431 propostas<br />
de emendas legislativas 15 propondo alterações à MP do governo, sendo que<br />
apenas um deputado pelo Estado de São Paulo propôs 91 alterações.<br />
Estas emendas dos congressistas que, potencialmente, podem alterar alguns<br />
pontos da MP no Congresso levaram o Secretário Executivo do Ministério de Minas<br />
e Energia (MME) a antecipar problemas relacionados à assinatura dos contratos<br />
que, pelo cronograma do governo, irá acontecer antes da conclusão da tramitação<br />
legislativa. O secretário Zimmermann comentou (ELÉTRICAS..., 2012) que o governo<br />
precisará fazer malabarismos jurídicos para que os contratos tenham flexibilidade<br />
suficiente para se adaptarem às emendas que ocorrerão.<br />
No plano dos governos, a perplexidade se deu pela perda potencial da receita<br />
associada ao imposto sobre valor agregado, denominado ICMS de destinação aos<br />
Estados. Apenas o Estado de São Paulo avalia que perderá receita em tributos associados<br />
à energia elétrica da ordem de R$ 1 bilhão por ano, conforme estimativas do<br />
Secretario de Energia daquele Estado (COM LUZ..., 2012).<br />
Outro ponto polêmico relaciona-se à destinação exclusiva da energia dessas usinas<br />
para o mercado regulado. Grande parte das emendas apresentadas ao Congresso estabelece<br />
que deveria existir uma proporcionalidade da destinação da energia entre os<br />
mercados regulado (ACR) e o mercado competitivo (ACL). A Associação Brasileira das<br />
Empresas de Comercialização de Energia Elétrica (ABRACEEL) argumenta que, como os<br />
grandes consumidores (em especial os das classes tarifárias A3 e A2) já optaram, em<br />
sua absoluta maioria, pelo mercado livre, os benefícios apontados pelo governo seriam<br />
apenas virtuais. Outro argumento favorável a uma isonomia para o destino da energia<br />
barata seria que, os consumidores livres, de certa maneira como parte da sociedade,<br />
também teriam contribuído para a amortização das usinas com concessões vincendas.<br />
Os efeitos das medidas no mercado competitivo não se restringem, no entanto,<br />
ao fato da energia ser destinada exclusivamente a consumidores regulados. Nos dias<br />
que se seguiram ao anúncio das medidas, o governo alterou o prazo de permissão<br />
para retornar ao mercado cativo para clientes que adquiriam energia de fontes incentivadas<br />
(fontes de baixo impacto ambiental e de pequeno porte) de seis meses<br />
para cinco anos de aviso prévio, igualando o prazo requerido para fontes de grande<br />
porte e ou com maiores impactos ambientais.<br />
Ainda em relação ao mercado competitivo, muitas das usinas envolvidas no plano<br />
de medidas já tinham comercializado sua produção junto ao mercado livre, para<br />
os anos de 2012 até 2015. Como as medidas estabelecem que a totalidade da energia<br />
produzida será direcionada ao mercado regulado, a energia já comercializada deverá<br />
ser objeto de contratação junto a outros fornecedores, para substituição dos compromissos<br />
assumidos. Por um efeito perverso, as condições hidrológicas no Brasil,<br />
15. Como já discutido anteriormente o dispositivo das MPs precisa ser aprovado no Congresso, mas pode receber contribuições<br />
dos congressistas, que também precisam ser aprovadas pelos pares.<br />
108<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
neste final de ano de 2012, são adversas, fazendo com que o preço do mercado spot,<br />
que ajuda a formar preços de contratos mais longos, seja o maior desde janeiro de<br />
2008. A Figura 3 apresentada anteriormente ilustra esta situação.<br />
O impacto financeiro, portanto, pode ser relevante, dependendo do montante de<br />
energia já comercializada pelas geradoras que possuem usinas afetadas pelas medidas<br />
e dos preços de reposição de contratos que estas empresas vierem a conseguir<br />
para honrar contratos previamente firmados.<br />
Parece claro que os efeitos benéficos das medidas não atingirão, como um todo, o<br />
mercado livre, pois parte das economias virá da energia mais barata dos empreendimentos<br />
já amortizados. A redução dos encargos, no entanto, beneficiará igualmente<br />
clientes livres ou regulados. O mesmo se aplica aos efeitos advindos da redução do<br />
custeio da transmissão que afeta, da mesma forma, os consumidores regulados e<br />
aqueles no mercado competitivo.<br />
Deve-se registrar que nos mercados concorrenciais, exceção feita a mercados direcionados<br />
a energia limpa (produtos “verdes”), o direcionador do tomador de decisão é<br />
o preço final, assim o Governo, ao reduzir a base de comparação das tarifas reguladas,<br />
reduziu a margem da comercialização. Outras medidas recentes, também relacionadas<br />
ao mercado livre, como o impedimento de contratação “ex-post” e o aumento do prazo<br />
de retorno ao mercado livre, dão indicativos da pouca importância do governo em incentivar,<br />
ou mesmo proteger, esta alternativa de contratação de eletricidade.<br />
Finalmente, um dos maiores efeitos que o conjunto de medidas vem provocando,<br />
relacionam-se aos poucos detalhes disponíveis para a tomada de decisão. Por exemplo,<br />
não se conhecem ainda os critérios que irão nortear as quotas de energia e nem se a ANE-<br />
EL irá se preocupar com um eventual aumento da sobre contratação das Distribuidoras.<br />
Explicando melhor, como a legislação estabelece que os agentes de Distribuição devem<br />
estar sempre com uma carteira de contratos que reflita a totalidade de seu mercado<br />
e que o não cumprimento desta obrigação regulatória redunda em penalidades expressivas,<br />
não raro as Distribuidoras preferem o risco de super contratação 16 do que eventual<br />
necessidade de contratação no mercado spot associado a pagamento de multas.<br />
Neste quadro, a alocação de quotas pode agravar uma situação de super oferta<br />
de contratos. Não se sabe ainda se a ANEEL pretende ou não utilizar quotas para corrigir<br />
assimetrias das carteiras de compra decorrentes da diversidade de estratégias<br />
das Distribuidoras nos últimos oito anos em múltiplos leilões. Ressalte-se que a MP<br />
não estabelece diretivas sobre a constituição das quotas e também não define se<br />
estas poderão vir a sofrer ajustes periódicos.<br />
16. Até o limite de desvio de 103% do mercado de vendas efetivamente ocorrido, a Distribuidora pode repassar eventuais<br />
prejuízos à tarifa. Caso esta sobre contratação produza lucros inesperados por conta de preços do spot superiores aos do<br />
contrato, estes lucros também são considerados na próxima revisão de tarifas. Desvios de contratação que suplantem 3 %<br />
acima do mercado correm por conta e risco da Distribuidora.<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5 109
É claro que a MP 579 não apresenta apenas problemas. A redução de preços certamente<br />
levará à redução das taxas de inflação e a um aumento da competitividade<br />
de todos os usuários de energia na modalidade produtiva, mesmo que para isso parte<br />
dos benefícios tenham decorrido do ônus do contribuinte, uma vez que o tesouro<br />
irá arcar com parte dos recursos decorrentes da extinção de encargos.<br />
Outro benefício importante está no fato de que uma solução esteja encaminhada,<br />
uma vez que a indefinição, neste caso, pode ser tão danosa quanto más escolhas<br />
na formação das políticas.<br />
A possibilidade de renovação das concessões foi considerada positiva pelo pesquisador<br />
de Harvard, Ashley Brown, uma vez que a sua não renovação penalizaria<br />
os bons concessionários, introduzindo novas dimensões de risco por questões não<br />
conhecidas de novos investidores que viessem a assumir velhas concessões (“esqueletos<br />
no armário”).<br />
Destaca ainda o pesquisador que a possibilidade de renovação introduz, de forma<br />
virtuosa, maior controle sobre os destinos dos investidores, promovendo a segurança<br />
regulatória de longo prazo (BROWN, 2012).<br />
Considerações Finais<br />
Cada uma das reformas descritas apresentou características de forte intervenção<br />
do Estado nas atividades industriais do setor elétrico, inclusive porque, nos âmbitos<br />
das ondas, primeira e segunda, de reformas, as empresas eram, em sua maioria absoluta,<br />
de propriedade do próprio Estado.<br />
No terceiro bloco, de modo geral, foram afetadas todas as empresas privadas (privatizadas<br />
ou não) e as estatais, uma vez que este conjunto de medidas estabeleceu<br />
um novo modelo comercial, afetando a maneira como os negócios se estabeleceriam<br />
daí por diante.<br />
Finalmente, nesta quarta onda de reformas, embora a maioria das empresas envolvidas<br />
diretamente seja de propriedade estatal (uma vez que as empresas privatizadas tiveram<br />
suas concessões prorrogadas por 30 anos), deve-se destacar que todas as empresas,<br />
inclusive aquelas não afetadas pelas renovações de concessão, foram impactadas.<br />
As Distribuidoras terão à disposição de suas necessidades para atendimento ao<br />
mercado um bloco significativo de energia a preços, provavelmente, muito baixos e<br />
aquelas cujas concessões encontram-se vincendas terão novas exigências de qualidade<br />
por parte do Poder Concedente. As suas tarifas aos consumidores finais serão<br />
revisadas e os padrões de qualidade dos serviços alterados.<br />
As Transmissoras também terão suas receitas reduzidas e as tarifas dos sistemas<br />
de transmissão afetadas da mesma maneira.<br />
<strong>11</strong>0<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
Finalmente, as Geradoras foram influenciadas diretamente pela redução de sua<br />
receita em troca da prorrogação das concessões ou indiretamente pelas alterações<br />
do market share da energia proveniente das hidroelétricas, modificando as relações<br />
das forcas competitivas entre o Ambiente de Contratação Regulada (ACR) e o Ambiente<br />
de Contratação Livre (ACL). No caso das geradoras, ainda como se viu, forte<br />
impacto no valor de mercado dessas companhias foi registrado.<br />
A grande questão conceitual envolvendo as medidas governamentais nesta quarta<br />
onda de reformas, e que pela sua importância ensejam este artigo, diz respeito à<br />
renda que poderia ser auferida pelas usinas depreciadas, caso as concessões fossem<br />
prorrogadas sem nenhuma alteração às regras. Como se sabe, usinas hidroelétricas são<br />
intensivas em capital e, portanto, uma vez passados os prazos razoáveis para que sua<br />
depreciação tenha sido contabilizada, faz sentido um tratamento especial regulatório.<br />
Aliás, não se pode esquecer que em dois momentos no passado, algum tratamento<br />
discriminatório já tinha sido empregado, visando-se evitar esta renda adicional.<br />
O primeiro, durante o Governo FHC, quando o ambiente de empresas totalmente<br />
estatais foi substituído por empresas privadas (segmento de geração) e foram estabelecidos<br />
os chamados “contratos iniciais”, que estabeleciam um prazo de cinco<br />
anos, antes de uma desregulamentação paulatina dos contratos, dando-se tempo<br />
considerado adequado para que a competição se estabelecesse.<br />
O segundo, quando foram realizados os primeiros leilões de energia no Governo<br />
Lula e foram separados os blocos em energia “velha” e empreendimentos já em operação,<br />
mas relativamente novos, que o mercado ironicamente apelidou de energia<br />
”botox”. Esta separação, assim como a contratação de energia de usinas ainda a serem<br />
construídas, visava confinar empreendimentos de preços de mesma ordem de<br />
grandeza, condizentes com o grau de depreciação implícito.<br />
Na sequência da análise dos impactos espera-se que dado o prazo exíguo para<br />
manifestação da adesão ao programa, espera-se que a maioria absoluta venha sinalizar,<br />
positivamente, embora este aceno não possa ser considerado como definitivo,<br />
uma vez que os contratos somente deverão ser assinados em dezembro, parecendo<br />
ser possível algum retrocesso de posição. Não se espera, no entanto, que isso possa<br />
ocorrer com as empresas controladas pelo Governo Federal. Esta convicção decorre da<br />
firmeza com que o Governo vem desenvolvendo o relacionamento com os agentes e<br />
pelo empenho que vem dando à condução da pressão política no Congresso, visando<br />
evitar que emendas parlamentares desconfigurem o modelo, tal qual proposto.<br />
Em posição bastante criticada, o Diretor Geral da ANEEL acenou, ameaçadoramente,<br />
que a não adesão ao plano, na expectativa de melhores condições em um<br />
processo de licitação futuro (2015) poderia sofrer a retaliação, com a exclusão do direito<br />
de participar à frente. Esta posição foi duramente criticada por analistas e pela<br />
imprensa, em geral, inclusive questionando-se se o Governo teria instrumentos legais<br />
para impor esta restrição (CONCESSÃO..., 2012b; BORGES, 2012). No entanto, em<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5 <strong>11</strong>1
termos práticos, um leilão posterior poderia simplesmente ter preços ainda menores<br />
do que os de hoje, na medida em que a depreciação ainda seria maior.<br />
Perduram ainda muitas dúvidas a respeito de como serão tratadas as questões relacionadas<br />
aos investimentos necessários durante o novo período de concessão e sobre<br />
critérios de gestão do risco hidrológico associado à operação de cada uma das usinas.<br />
Ponto ainda pouco discutido diz respeito à renovação das concessões de Distribuição<br />
onde não existe nenhuma indicação de qual será a contrapartida exigida<br />
pelo governo para as empresas envolvidas.<br />
De todo o impacto, pode-se afirmar que as concessionárias não estão confortáveis<br />
com as reformas anunciadas. Pode-se afirmar ainda, que parte do desconforto<br />
registrado entre os investidores diz respeito não só às medidas anunciadas, mas<br />
também à falta de transparência do seu encaminhamento e ausência de diálogo no<br />
momento subsequente ao anúncio das medidas. Preocupa mais a ausência de orientação<br />
do que o remédio prescrito pelo médico.<br />
Os investidores estariam também preocupados com o excesso de intervencionismo<br />
governamental no setor, identificado também nas políticas de Gás e Petróleo.<br />
Assim, resta saber se a renda reprimida das usinas que, evidentemente, tem o<br />
aplauso do setor produtivo e da população em geral, não se refletirá em afastamento<br />
de novos investimentos e perda da qualidade do serviço em prazos médios.<br />
Reguladores (governos aqui se incluem nessa definição) devem zelar pelo equilíbrio<br />
de suas decisões.<br />
Em setores da economia onde o interesse público se mistura com condições estratégicas<br />
para o adequado funcionamento da sociedade, surge o dilema do regulador:<br />
equilibrar tarifas reguladas, que a sociedade deseja e pode pagar, com incentivos<br />
para a expansão da infraestrutura evitando-se que os benefícios de hoje sejam<br />
devolvidos no futuro pela escassez de oferta.<br />
Assim, para que esta equação seja equilibrada, as tarifas precisam ser reduzidas<br />
(e a sociedade aplaude os passos dados nesta direção), mas o regulador/governo<br />
precisa dosar e reequilibrar suas iniciativas para que uma ação virtuosa não promova<br />
um grande desincentivo na capacidade de investimento no setor.<br />
<strong>11</strong>2<br />
Este é o dilema do regulador.<br />
Estratégica, vol.<strong>11</strong>(02), dezembro.20<strong>11</strong>
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ARTIGO RECEBIDO EM: 24/10/2012<br />
ARTIGO APROVADO EM: 06/<strong>11</strong>/2012<br />
Sobre reformas e concessões no setor elétrico brasileiro: uma análise crítica, Fernando A. de Almeida Prado Jr. e Ana Lúcia R. da Silva, p. 85-<strong>11</strong>5 <strong>11</strong>5
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1) Foco da Revista<br />
Orientações para os autores<br />
A Revista Estratégica publica artigos inéditos nas áreas de Estratégia, Administração,<br />
Gestão e temas afins, em português, espanhol e inglês, de autores brasileiros<br />
e do exterior e que foram devidamente aprovados pelo Conselho Editorial<br />
da Revista. Excepcionalmente, publica também artigos não inéditos, mas ainda<br />
não divulgados em português ou espanhol, e que a Revista considere importantes<br />
para publicação nestas línguas, conforme avaliação dos editores ou de membros<br />
do Conselho Editorial.<br />
2) Conteúdo do artigo<br />
Os artigos devem conter: resumo, palavras-chave, abstract, keywords, introdução,<br />
desenvolvimento, considerações finais e referências. A escrita deve ser acessível<br />
ao público em geral.<br />
3) Formato dos originais<br />
Os textos devem ser submetidos no formato de arquivo eletrônico, enviados<br />
por e-mail, no programa Word, em fonte Arial, 10. Considerando os gráficos e tabelas,<br />
cada artigo deve conter entre 8 e 25 páginas, tamanho A4, com espaço simples<br />
entre linhas. Deve existir uma linha entre parágrafos.<br />
As tabelas e gráficos não preparados originalmente pelo autor e retirados de outras<br />
fontes não poderão ser colocados no artigo no formato de figuras, necessitando<br />
ser refeitos, e sempre escritos no mesmo idioma do texto em que estão inseridos.<br />
4) Remessa de originais<br />
Para o e-mail estrategica@faap.br. Além do arquivo texto em Word deverão<br />
ser encaminhados os demais arquivos contendo gráficos e tabelas, a fim de facilitar<br />
a edição do artigo e garantir a fidelidade na reprodução.<br />
5) Avaliação dos artigos<br />
Os artigos passarão por uma pré-avaliação do Editor ou do Editor Associado.<br />
Após a aprovação inicial, os artigos serão submetidos a dois pareceristas do Con-<br />
<strong>11</strong>7
selho Editorial. Para aprovação de um artigo há necessidade de pelo menos um<br />
parecer positivo. O processo de avaliação é na modalidade double blind, ou seja,<br />
autores não sabem quem são os pareceristas e vice-versa.<br />
6) Exemplares para os autores<br />
<strong>11</strong>8<br />
Os autores recebem 3 (três) exemplares da revista.<br />
7) Assinaturas<br />
Informações sobre assinatura ou permuta da revista poderão ser obtidas pelo<br />
e-mail estrategica@faap.br<br />
AVISO IMPORTANTE<br />
A responsabilidade dos artigos publicados é exclusivamente dos autores, não<br />
expressando qualquer opinião ou posicionamento da revista ou da FAAP.<br />
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1) Cabeçalho do artigo<br />
Título do artigo (fonte Arial, 20, negrito).<br />
Nome do autor (fonte Arial, 12, negrito, itálico).<br />
Breve currículo (até 5 linhas) indicando a titulação acadêmica, a ocupação atual<br />
e o e-mail para contato (fonte Arial, 9).<br />
2) Resumo e palavras-chave<br />
Apresentar em até 150 palavras, um resumo do trabalho, em texto conciso e<br />
sem parágrafos, contendo necessariamente os seguintes elementos: problema<br />
objeto da pesquisa, justificativa, objetivos, método adotado, resultados obtidos e<br />
considerações finais, incluindo a contribuição do trabalho para o conhecimento ou<br />
enfrentamento do problema selecionado.<br />
Palavras-chave: apresentar de 3 a 5 palavras. (fonte Arial, 10).<br />
3) Abstract e keywords<br />
Tradução do resumo para o inglês, inclusive com as palavras-chave.<br />
4) Introdução<br />
Orientações para a elaboração<br />
de artigos científicos<br />
Apresentar o trabalho, contemplando os seguintes aspectos:<br />
a. Relevância do tema escolhido e contexto (época e lugar) em que se insere;<br />
b. Descrição do problema de pesquisa;<br />
c. Apresentação dos objetivos da pesquisa;<br />
d. Apresentação, quando necessário, do público-alvo e localização geográfica.<br />
5) Desenvolvimento<br />
Criar subtítulos do tipo: método adotado (descrever o método que foi adotado<br />
para atingir o objetivo da pesquisa).<br />
<strong>11</strong>9
Apresentar os Referenciais Teóricos para dar sustentação ao artigo e elaborar<br />
um debate com o pensamento já produzido sobre os temas.<br />
Informar em que região geográfica foi realizada a pesquisa, no caso de pesquisa<br />
de campo. Para uma pesquisa puramente bibliográfica, deve ser informado o que<br />
foi feito, a fim de elucidar questões que diversos teóricos tenham pensado sobre<br />
o tema. Descrever o período de tempo dedicado à coleta de dados e apresentar a<br />
amostra (participantes) que selecionou.<br />
Apresentar os dados que coletou, lembrando que um conceito expresso por<br />
algum teórico ou um pensamento colhido durante uma entrevista, são dados. Informar<br />
qual foi “a referência teórica” adotada para realizar a análise dos dados.<br />
Uma pesquisa puramente bibliográfica indica que os dados são “conceitos” colhidos<br />
na literatura que serão igualmente comparados, de acordo com “o problema”<br />
da investigação.<br />
6) Considerações Finais<br />
Apresentar as descobertas de maneira lógica (ou seja, isso é consequência daquilo;<br />
isso causou aquilo), com vocabulário claro e conciso.<br />
Devem estar fundamentadas nos resultados e na discussão anteriormente<br />
abordadas. Oferecer respostas sobre o problema investigado; informar se cada objetivo<br />
foi alcançado; se elaborou hipóteses, informar quais foram confirmadas e<br />
quais foram infirmadas (negativadas).<br />
Convém informar sobre as limitações encontradas e com as quais não foi possível<br />
lidar, entretanto, poderiam ser exploradas por outros pesquisadores, por outros<br />
trabalhos. Nenhuma citação de outros autores deve ser feita na fase de conclusão.<br />
A conclusão é do autor(es) da pesquisa.<br />
7) Referências<br />
A lista de Referências deve ser ordenada pelos sobrenomes dos autores consultados,<br />
não devendo ser numeradas. O padrão a ser utilizado é o da ABNT.<br />
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Todas as fontes de informações citadas no texto devem constar em Referências.<br />
Nas Referências só devem constar as obras mencionadas no artigo.<br />
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8) Citações<br />
Diretas ou indiretas devem ser apresentadas no padrão ABNT.<br />
9) Apêndices / Anexos<br />
Devem vir ao final do trabalho. Vale salientar que os apêndices e os anexos, ao<br />
serem inseridos, são contados como páginas.<br />
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