rachel freire barrón torrez centralidade na cidade ... - Ippur - UFRJ

RACHEL FREIRE BARRÓN TORREZ
CENTRALIDADE NA CIDADE CONTEMPORÂNEA,
NOVOS SUJEITOS E PROJETOS:
o caso das universidades na Área Central do Rio de Janeiro.
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional
UFRJ

RACHEL FREIRE BARRÓN TORREZ
CENTRALIDADE NA CIDADE CONTEMPORÂNEA,
NOVOS SUJEITOS E PROJETOS:
o caso das universidades na Área Central do Rio de Janeiro.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do
Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e
Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção
do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.
Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz Alves Natal
Rio de Janeiro
2009

B277c
Barrón Torrez, Rachel Freire.
Centralidade contemporânea, novos sujeitos e projetos :
o caso das universidades na área central do Rio de Janeiro /
Rachel Freire Barrón Torrez. – 2009.
193 f. : il. color. ; 30 cm.
Orientador: Jorge Luiz Alves Natal.
Tese (mestrado) – Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional, 2009.
Bibliografia: f. 182-191.
1. Espaço. 2. Espaço urbano – Rio de Janeiro (RJ).
3. Crescimento urbano. 4. Universidades e faculdades.
I. Natal, Jorge Luiz Alves. II. Universidade Federal do Rio
de Janeiro. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e
Regional. III. Título.
CDD: 307.76

4
RACHEL FREIRE BARRÓN TORREZ
CENTRALIDADE NA CIDADE CONTEMPORÂNEA,
NOVOS SUJEITOS E PROJETOS:
o caso das universidades na Área Central do Rio de Janeiro.
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa
de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte
dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em
Planejamento Urbano e Regional.
Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Prof. Dr. Jorge Luis Alves Natal – Orientador
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - UFRJ
__________________________________
Prof. Dra. Fernanda E. Sánchez
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - UFF
__________________________________
Prof. Dr. Glauco Bienenstein
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – UFF
__________________________________
Prof. Dr. Alberto de Oliveira
Instituto de Ciências Humanas e Sociais – UFRRJ

5
A Rodolfo e Milta, meus pais, pelos exemplos de vida,
dedicação e apoio em etapas importantes da minha vida.

6
AGRADECIMENTOS
Aos funcionários da Secretaria de Ensino, Administração e da Biblioteca do
IPPUR, pelo excelente trabalho que exercem e pelo carinho ofertado ao longo da
minha caminhada no IPPUR. Agradeço, especialmente, ao Josimar, Zuleika, Paulo,
João, Alberico, Paulo, Kátia, Cláudia, Ana Lucia e Luisa.
Aos colegas e amigos do curso de mestrado: sobretudo Mariana, Marcela,
Heitor, Júlio, Camila Saraiva e Daniele, pelos momentos compartilhados de
(des)construção do conhecimento e pelas palavras sinceras de apoio mútuo.
A todo o corpo docente do IPPUR, pela dedicação ao ensino de qualidade
que tanto contribuiu para a reflexão que aqui realizo. Agradeço, especialmente, a
Ana Clara e Helion Póvoa pelos preciosos comentários decisivos no delineamento
geral deste trabalho.
Ao professor e orientador Jorge Natal, agradeço a paciência e preciosa
colaboração para vencer as inseguranças que acompanham o solitário rumo dos
trabalhos de pesquisa.
À direção do IPPUR, pelo apoio e oportunidade de desenvolver este trabalho.
Aos professores, colegas e amigos da Universidade Federal Fluminense,
pelas maravilhosas trocas de idéias, pelos momentos juntos que me levaram ao
amadurecimento, e a todos que sempre me incentivaram a continuar no caminho da
investigação acadêmica. Agradeço, especialmente, a Satiê Mizubuti, Rogério
Haesbaert, Sérgio Nunes, Ivaldo Lima, Fernanda Sánchez, Glauco Bienenstein,
Eduardo, Flávia, Rafael e Ísis.
Aos muitos amigos e amigas, que sempre estiverem presentes apoiando a
execução deste trabalho. Agradeço, especialmente, à Cláudia, Paula e Gabriela.

7
A todos os amigos do Projeto Água da Vida, pelo apoio em oração e por todos
os momentos compartilhados durante a minha caminhada com Cristo.
À minha família, minha gratidão pelo consolo e amor nunca negados apesar
das dificuldades e distâncias. Amo vocês.
Ao meu marido Thiago, meu amor e companheiro em todos os sentidos,
minha imensa gratidão por suportar o longo período de elaboração desta
dissertação.
A Deus, consolo bem presente na tribulação.

... porque a geografia, na realidade, deve ocupar-se em pesquisar
como o tempo se torna espaço e de como o tempo passado e
presente têm, cada qual, um papel específico no funcionamento do
espaço atual (SANTOS,1978, p. 105).
8

9
RESUMO
A reflexão sobre a dinâmica urbana exige a investigação dos processos específicos
que condicionam os espaços físicos, e, portanto, os contextos nos quais as práticas
sociais se realizam, trazendo transformações na configuração do ambiente
construído. No caso do Rio de Janeiro, a configuração atual da sua Área Central
reflete o processo histórico que a engendrou produzindo diferentes dimensões de
centralidade exercidas durante séculos. Seu legado de formações sócio-espaciais é
percebido enquanto fruto de períodos e processos espaciais definidores das
contradições e da sua estrutura atual. Destacam-se, como exemplos, a expansão
exacerbada da metrópole carioca e conseqüente descentralização dos serviços
urbanos e atividades econômicas para outras áreas da cidade; a implementação de
políticas públicas de reabilitação/revitalização urbana, e ações privadas visando à
ocupação de vazios no tecido urbano central providos de infra-estrutura; a criação
de novas funções e/ou estímulo às existentes, adaptando-se ao contexto urbano e
econômico mundial. Desta forma, no intuito de compreender tais aspectos da
dinâmica metropolitana recente, este trabalho concentra-se na investigação das
instituições privadas de ensino superior, e no processo de implantação crescente de
unidades/campus universitários, a partir da década de 1990, o qual sinalizaria o
reforço ou a recuperação de antigas centralidades na Área Central do Rio de
Janeiro. No entanto, evidencia-se a inserção destas nos processos de gentrificação
dos centros urbanos que tendem a conferir privilégios a espaços já diferenciados no
contexto contemporâneo.
Palavras-Chave: Rio de Janeiro (RJ). Centralidade. Área Central. Universidades.
Planejamento urbano. Geografia Urbana.

10
ABSTRACT
The reflection on the urban dynamics demands the investigation of the specific
processes that condition the physical spaces, and, therefore, the contexts in which
the social practices are accomplished, bringing transformations in the configuration of
the built environment. In Rio de Janeiro's case, the current configuration of its
Central Area reflects the historical process that engendered it, producing different
dimensions of centrality exercised for centuries. Its legacy of social-spatial formations
is realized as a product of spatial periods and processes, determinants of the
contradictions and of its current structure. Are highlighted, as examples, the
exacerbated expansion of the "carioca" metropolis and consequent decentralization
of the urban services and economic activities to other city areas; the implementation
of urban rehabilitation/revitalization public politics and private actions aiming at the
empty spaces occupation in the central urban tissue provided with infrastructure; the
creation of new functions and/or stimulus to the existing ones, adapting it to the
urban and economic world context. Thus, in order to comprehend such aspects of the
recent metropolitan dynamics, this work concentrates on the investigation of the
private institutions of higher education, and on the increasing implantation process of
academic unities/campus, from the decade of 1990 on, which would mark the
reinforcement or the recovery of old centralities in Rio de Janeiro's Central Area.
However, there are evidences of its insertion in the processes of gentrification of the
urban centers that tend to privilege spaces already differentiated in the contemporary
context.
Key-words: Rio de Janeiro (RJ). Centrality. Central Area. Universities. Urban
planning. Urban geography.

11
Figuras
Mapas
1- Modelos espaciais (Capítulo 1, p.42)
LISTAS DE ILUSTRAÇÕES e TABELAS
2- Imagem do produto turístico criado pelo comitê de marketing do Pólo (Capítulo 2,
p.120)
3- Imagem do convite feito pela Prefeitura/ SETUR para o lançamento do Guia do Pólo
da Praça XV (Capítulo 2, p.120)
4- A imagem apropriada (Capítulo 3, p.135)
5- Áreas que fazem parte da legislação municipal de proteção de ambiência
– Corredor Cultural (Capítulo 3, p.141)
1- Centro e Zona Sul (Capítulo 2, p. 104)
2- O Núcleo Central, segundo Duarte (1967) (Capítulo 2, p.105)
3- A configuração da área central em 1967: núcleo e periferia (Capítulo 2, p.106)
4- Limites do Corredor Cultural (Capítulo 3, p.142)
5- A localização das IES privadas na Área Central do Rio de Janeiro (Capítulo 3, p.164)
Quadros
1- Quadro de Áreas de Proteção do Ambiente Cultural e Legislação de Criação (Capítulo
3, p.141)
2- Localização das principais IES privadas na Área Central (Capítulo 3, p.165)
3- Estratégias de localização das universidades (Capítulo 3, p.166)
Gráficos:
1- O crescimento das matrículas no ensino superior (em milhões de alunos)
– Brasil -1997-2002 (Capítulo 3, p.158)
2- Distribuição do Número de Instituições por Dependência Administrativa,
Tabelas
segundo as regiões – 1998 (Capítulo 3, p.159)
1- Evolução do Número de Instituições por Dependência Administrativa
- Brasil - 1980-1998. (Capítulo 3, p.159)
2- Distribuição do Número de Instituições por Dependência Administrativa,
segundo as regiões – 2000 (Capítulo 3, p.160)

12
LISTA DE ABREVIATURAS
ACRJ
ADEMI
ACRJ
ACN
BID
CBD
ERJ
ESPM
FGV
FMJ
IBMEC
IES
INEP
PUC - Rio
UCAM
UCB
UERJ
UESA
UFRJ
UFRRJ
UGF
UNIRIO
SMU
Associação Comercial do Rio de Janeiro
Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário
Associação Comercial do Rio de Janeiro
Área Central de Negócios
Business Improvement District
Central Business District
Estado do Rio de Janeiro
Escola Superior de Propaganda e Marketing
Fundação Getúlio Vargas
Faculdade Moraes Júnior
Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais
Instituições de Ensino Superior
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Universidade Cândido Mendes
Universidade Castelo Branco
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Universidade Estácio de Sá
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro
Universidade Gama Filho
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Secretaria Municipal de Urbanismo

13
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................14
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................16
CAPÍTULO 1: OS CENTROS URBANOS..........................................................................26
1.1. O ESPAÇO URBANO
1.2. A DINÂMICA DOS CENTROS URBANOS: DEFINIÇÕES, NOÇÕES E
CONCEITOS
1.2.1. Os modelos de estruturação urbana
1.2.2. Os atributos da centralidade
1.3. (RE) DEFININDO A CENTRALIDADE: FORMAÇÃO, PROCESSOS
ESPACIAIS E DINÂMICA RECENTE
CAPÍTULO 2: A DINÂMICA DA CENTRALIDADE: MUDANÇAS
E PERMANÊNCIAS NA CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA CIDADE DO
RIO DE JANEIRO .................................................................................................................69
2.1. DE CENTRO DA CIDADE COLONIAL AO CENTRO DA METRÓPOLE INDUSTRIAL
2.1.1. As reformas urbanísticas que marcaram a evolução urbana do Centro
2.1.2. O surgimento dos centros funcionais
2.2. DE CENTRO DA METRÓPOLE INDUSTRIAL AO CENTRO DA METRÓPOLE
NO CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO
2.2.1. A perda de centralidade e o “esvaziamento” do centro
2.2.2. A renovação urbana e a “volta ao centro”
CAPÍTULO 3: IDEOLOGIA E PLANEJAMENTO: DISCURSOS E PRÁTICAS EM
DISPUTA NA ÁREA CENTRAL DO RIO DE JANEIRO..............................................128
3.1. O “NOVO” E O “VELHO” NA ESTRUTURA URBANA
3.2. IDEOLOGIA E PLANEJAMENTO: AS NOVAS ATIVIDADES CULTURAIS
3.3. AS NOVAS UNIVERSIDADES E O SEU SENTIDO PARA A ÁREA CENTRAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................177
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................182
ANEXOS................................................................................................................................192
A- Mapa dos bairros da cidade do Rio de Janeiro – 2004

14
APRESENTAÇÃO
Vivemos um contexto urbano contemporâneo onde os processos sociais que orientam
as formas urbanas são cada vez mais velozes, onde a dinâmica das transformações prevalece
às permanências. Um contexto que caminha numa complexa rede de mudanças que se
interpenetram e se realizam na esfera material e imaterial da sociedade capitalista mundial.
Podem ser apontadas mudanças nos contextos, a saber: econômico-político internacional,
produtivo, da cidade e do planejamento urbano, da sociedade e do indivíduo, e do tempo
(vivido socialmente).
A partir de alguns esforços de síntese, característicos da ciência geográfica, cujas
fontes são leituras e percepções adquiridas ao longo da vivência acadêmica, iniciamos este
trabalho com os objetivos de compreender as novas dinâmicas que permeiam o cenário
urbano contemporâneo e propor posicionamentos quanto a estas, tanto intelectuais quanto
políticos.
O interesse pelas ciências sociais, e mais adiante, pela temática urbana iniciou-se ao
longo do ensino médio cursado no Colégio Pedro II, Rio de Janeiro. Já o ingresso no curso de
graduação em Geografia na Universidade Federal Fluminense, no ano 2000, realizou-se a
partir da descoberta da ciência geográfica dentro das ciências sociais, devido à sua
importância e contemporaneidade dos estudos sobre o contexto sócio-cultural mundial.
Inicialmente, o interesse pela área humana e social voltou-se às disciplinas de
Geografia Política e Geografia Econômica. No entanto, no decorrer do curso este interesse
inclinou-se para a área de estudo da Geografia Urbana, cujo despertar pela pesquisa científica
se concretizou por intermédio da Prof.ª Dr.ª Satiê Mizubuti, responsável na época pela
ministração da disciplina no Instituto de Geociências. Ao longo do curso foram vividas
experiências que promoveram a aproximação com as questões urbanas, em especial pelo
estudo das áreas centrais das grandes cidades, e mais especificamente, do centro da cidade do
Rio de Janeiro.
A intensa trajetória da pesquisa sobre o tema da “centralidade” iniciou-se há três anos
e, resultou nas monografias de Conclusão do Curso de Geografia, de Especialização em
Planejamento e Uso do Solo Urbano (IPPUR), e na dissertação de Mestrado em Planejamento
Urbano e Regional. Desta forma, entendemos que a escolha pela pós-graduação strictu-sensu
(mestrado) se realizou devido ao interesse e necessidade de aprofundamento teóricoconceituais
e metodológicos na discussão/reflexão quanto ao tema da questão urbana e

15
regional, auxiliando-me como pesquisadora e como geógrafa. Neste sentido, tal
aprofundamento científico veio a enriquecer as experiências vividas tanto na “academia”
quanto em ambientes profissionais, como o Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos
– IPP, a Secretaria de Infra-Estrutura, Urbanismo e Meio Ambiente do município de São
Gonçalo e, recentemente, a Secretaria Estadual de Educação.
Portanto, a intenção no desenvolvimento desta dissertação volta-se à exploração e ao
reconhecimento da situação física, funcional e simbólica do centro do Rio de Janeiro nos dias
atuais. A exposição de vasta bibliografia no presente trabalho revela o interesse permanente
sobre o tema “centro e centralidade” por parte do meio acadêmico, do Poder Público e do
setor privado. Neste sentido, busca-se contribuir com tão rico acervo de referências,
entendendo que as informações existentes sobre as características das ocupações e as
atividades predominantes neste trecho da cidade ainda mostram-se insuficientemente claras
ou sistematizadas.

16
INTRODUÇÃO
A estrutura interna das cidades reflete lógicas de tempos diferentes. O espaço urbano é
reflexo tanto de ações que se realizam no presente, como daquelas que se realizaram no
passado e deixaram suas marcas no presente. Sendo assim, esta reflexão, a ser aqui
desenvolvida, aponta para a compreensão do movimento dialético das mudanças e
permanências na organização espacial intra-urbana, fruto da “desigual espaço-temporalidade
dos processos sociais” 1 .
A primeira apreensão deste movimento se pauta nas transformações territoriais
recentes porque tem passado o centro das metrópoles brasileiras, iniciadas pelos ditos
processos de “decadência” do Centro tradicional ou principal, resultantes do processo de
descentralização e também de desconcentração das atividades econômicas que ocorreu em
quase todas as metrópoles na década de 1970.
Para a realidade nacional do Brasil, cumpre considerar o surgimento dos primeiros
subcentros entre as décadas de 1920 e 1940, voltados às camadas sociais de baixa renda. Ou
ainda, exceções como a da cidade do Rio de Janeiro que, no início da década de 1950, já
apresentava subcentros bem desenvolvidos e que começavam a oferecer concorrência com o
centro principal. Seu declínio terá início, portanto, no final da década de 1940 2 .
No entanto, com o crescimento da área metropolitana e o desenvolvimento de grandes
“sub-regiões urbanas” na década de 1960, na maioria das metrópoles, inclusive nas cidades
médias, há a estruturação de bairros mais afastados do centro principal. Desta forma, o
processo de descentralização se concretizará mais intensamente na década de 1970 com o
surgimento dos “novos centros” afastados dos antigos.
Dentre as diversas “forças sociais” que determinaram tal efeito sobre o espaço urbano,
sublinha-se a atuação “simultânea, generalizada e profunda composta pelo novo padrão de
1 CORRÊA, 2001, p.172.
2 VILLAÇA, 1998. O processo de urbanização do Rio de Janeiro iniciou-se com a expansão da malha urbana
durante o Século XIX, resultando no surgimento de bairros residenciais para as classes mais abastadas na parte
sul e no entorno do núcleo original da cidade, assim como, o deslocamento para o vetor norte e leste das
populações mais pobres. No contexto da cidade moderna, há um novo momento de crescimento urbano, no início
do Século XX, fruto de uma fase de rápida expansão da economia brasileira. O aumento acelerado da atividade
de exportação integrava-a progressivamente ao capitalismo internacional. Já nas primeiras décadas se
consolidam, portanto, as tendências da urbanização do Rio de Janeiro, com um incremento da malha urbana e, ao
mesmo tempo, uma densificação na ocupação do espaço. Este processo se faz concomitante ao esvaziamento
populacional das freguesias que compunham o centro histórico da cidade devido ao processo de especialização
em zona comercial. Portanto, a partir da década de 1920 até 1970, a estrutura da cidade se direcionou para a
policentralidade baseada em fatores de circulação e especialização de áreas característicos do processo de
metropolização.

17
mobilidade espacial decorrente da difusão do automóvel” 3 . Este, adquirido pelas classes de
renda alta, proporcionou “novas frentes de acessibilidade” e produziu um “novo espaço
urbano” para as mesmas. Desta maneira, modificou-se o padrão de deslocamento nas
metrópoles do país, estabelecendo-se uma nova mobilidade territorial que, em conjunto com o
capital imobiliário, tornam obsoletos os centros existentes e promovem novos centros, novas
frentes imobiliárias 4 .
As transformações do Centro principal, quanto à sua realidade física, geográfica,
funcional e simbólica, se refletirão com a transposição para outras áreas da cidade da noção
do que é central. Tal processo de descentralização significa “a expansão da cidade
transformada em metrópole (...) [conferindo] sentido à existência do Centro principal e dos
sub-centros, resultado de uma determinada forma de entender a cidade como contígua e
interligada” 5 . Assim, a centralidade passa a não ser apenas um atributo do lugar central,
como já diziam os estudiosos da ecologia humana.
As mudanças que ocorrem na sociedade e nos elementos da centralidade, portanto,
também refletirão no seu centro. Uma mudança nas estruturas de poder, mudanças
de acessibilidade (introdução de novos meios de transporte, alterações nos meios já
existentes ou mudanças no sistema viário), mudança na base produtiva ou alterações
da relação de importância dos diversos elementos componentes do urbano ou
elementos naturais de sua paisagem que atuam como forças de atração definindo
centralidades levarão às mudanças no centro da cidade (SANTOS, 2001, p.39).
Segundo Tourinho (2006), o sistema de Centro/sub-centros - dominante até os anos de
1980, e seus elementos, o Centro principal, o sub-centro e centro expandido 6 , “fazem parte de
um mesmo sistema, ainda que não possuam a mesma abrangência territorial” 7 . Em tal
sistema, esses elementos da estrutura urbana
se complementavam e se relacionavam para criar uma teia de sustentação da
estrutura urbana da cidade como um todo – onde Centro e sub-centros, com suas
conexões e relações, garantiam a possibilidade de crescimento sustentado da
metrópole a partir de um sistema hierarquizado de redes de interligação que davam
sentido e ordem ao caos difuso da ‘mancha urbana’, facilitando os intercâmbios e a
reprodução da força de trabalho (Ibid., p.290).
3 Ibid., p.281.
4 VILLAÇA, loc.cit.
5 TOURINHO, 2006, p.283.
6 Esta concepção da dinâmica urbana no Século XX faz parte de uma abordagem sistemática tradicional de
produção de centralidade associada a uma determinada forma física da cidade que era depositária dessa
centralidade, o Centro urbano. Fazem parte desta concepção a estrutura do Sistema Monocêntrico e o Sistema
Policêntrico tradicional, dos sub-centros (TOURINHO, 2006).
7 Ibid., p.283.

18
No entanto, uma nova onda de transformações sociais se dará nas relações do Centro
com o restante da estrutura urbana na passagem da década de 1980/90, perdurando até os dias
de hoje; ela é representada pelo surgimento das “novas centralidades”.
nas últimas décadas, o Centro perdeu centralidade para as chamadas ‘novas
centralidades’, uma vez que não consegue continuar comandando, ele só, o
complexo processo de construção metropolitana, sendo obrigado a entrar na arena
competitiva com outras áreas da cidade. Dessa forma, a centralidade tornou-se
independente do Centro, distanciou-se dele, conceitual e fisicamente falando. Nesse
sentido, a centralidade, como qualidade do que é central, tornou-se ela própria
medida, passando a identificar a aptidão que certos elementos têm para promover e
impulsionar fluxos de intercâmbio (TOURINHO, loc.cit.).
Desta forma, o Centro deixa de ser o principal referencial simbólico de “vida urbana”,
ou seja, sua participação nos processos de reprodução da força de trabalho perdem
importância no contexto contemporâneo. No espaço metropolitano carioca essa perda relativa
do papel do Centro em relação ao conjunto da cidade se refletirá nos processos de
“decadência” urbanística e abandono de algumas atividades da área central ao longo das
décadas de 1970/80.
Sob um contexto de “crise urbana” relacionado ao fenômeno da metropolização; à
“reestruturação produtiva das empresas e das economias mundiais e, particularmente, com o
apoio das inovações tecnológicas” 8 ; e, ao “esvaziamento” econômico e político que passa o
Estado do Rio de Janeiro e, particularmente, a antiga capital nacional, o espaço urbano da área
central se degrada devido ao não investimento, tanto por parte do poder público quanto
privado.
Quanto a este último, houve deslocamento do capital imobiliário na malha urbana para
outros bairros e o seu impacto sobre os mercados imobiliários, provocando alterações nos
estoques residenciais e comerciais na área central 9 .
a área central da cidade do Rio de Janeiro presenciou, até meados da década de
1980, um processo de esvaziamento econômico que culminou em uma grave crise,
8 KON, 1999, p.65.
9 Durante as décadas de 1960 e 1970, uma série de normas urbanísticas foi imposta por meio da nova política
adotada para a cidade, incluindo o Centro, como por exemplo, o aumento da verticalização e a especialização de
usos. Segundo CARLOS (2006), na década de 1970 se consolidou o zoneamento da cidade através do decreto
322, de 1976, que determinou, dentre outros pontos, o fim do uso residencial no Centro”. A esta situação somase
a demolição de grande parte do acervo histórico e arquitetônico, a perda do papel de capital federal, e a
tendência geral de espraiamento da cidade (em direção à zona sul, norte e subúrbios), abandonando seus centros
históricos devido à configuração de novos sub-centros ligados à função de comércio e serviços. Com todo este
contexto, inicia-se um processo de perda de posição relativa do Centro que perdurará até a década de 1990.

19
refletindo-se nos campos político e social, (...) as evidências da pobreza se
materializaram na degradação do espaço físico, no crescimento da população de rua,
na ampliação do comércio informal e na elevação de índices de violência urbana
(COLOMBIANO, 2005, p.53).
Desta forma, após período de intensa decadência econômica e obsolescência de vários
de seus espaços centrais, num contexto de policentralidade urbana, a cidade do Rio de Janeiro
vem seguindo, desde meados da década de 1980, uma tendência mundial - a de renovação
urbana. Em conseqüência, a partir da década de 1990, uma nova dinâmica da centralidade se
articula no Centro – a redefinição funcional – no que se refere à perda, permanência, resgate e
inserção de novas funções.
Acerca deste fato novos debates sobre os conceitos e conotações de centro e
centralidade surgem, tanto por parte do poder público quanto por atores privados e pela
“academia”. Segundo Tourinho, após o intenso debate sobre a crise das cidades até a década
de 1970, há o surgimento de outros temas que conferiram novos contornos às discussões sobre
o centro, na década de 1980, “substituindo o discurso de crise pelo de revalorização de áreas
centrais, entendidas como pontos estratégicos para atender às demandas de competitividade
entre cidades por recursos regionais ou mundiais” 10
Diante deste contexto recente de descentralização, crise, decadência, renovação e
refuncionalização, e tantos “re” – re-qualificação, re-valorização, re-vitalização, defendidos
ou criticados por diversos estudiosos e atores políticos e econômicos, cabe perguntar: qual o
papel do Centro, hoje, em relação à cidade? Quais as articulações que se mantiveram no
Centro durante os movimentos de descentralização e esvaziamento? Que tipos de
articulações se expressam nos processos espaciais de refuncionalização e renovação urbana?
E qual a importância destas para a reprodução da sociedade contemporânea?
Portanto, o objeto de estudo desta dissertação possui como recorte espaço-temporal a
Área Central do Rio de Janeiro, ou seja, o Centro principal ou tradicional 11 e a sua
dinâmica recente, tendo como marco temporal meados da década de 1960, quando passam a
manifestar mudanças significativas na sua organização espacial ocasionadas por novas lógicas
políticas e econômicas, resultando na perda de importância relativa do espaço central em
relação ao conjunto da estrutura urbana.
A questão central é, por conseguinte, considerar este objeto no debate das
transformações e permanências sócio-espaciais que envolvem o Centro, num contexto
10 TOURINHO, op.cit., p.278.
11 VILLAÇA, 1998.

20
metropolitano contemporâneo de policentralidade. Ou seja, compreender a área central da
cidade na sua dinâmica recente e o seu papel na cidade do Rio de Janeiro.
A compreensão desses processos sócio-espaciais mais amplos contribui para a
apreensão da complexidade da presente problemática que, por sua vez, questiona o papel da
crescente concentração de universidades particulares na área central do Rio de Janeiro nas
últimas décadas. Logo, a partir da discussão dos processos recentes já mencionados de
esvaziamento e refuncionalização do Centro principal, assim como dos novos debates
envolvendo possíveis revalorizações e revitalizações do mesmo, resultam algumas perguntas:
o que representa a localização recente e crescente de universidades na área central do Rio?
Qual o seu sentido no processo de refuncionalização do espaço central?
Pode-se dizer, à luz desse quadro teórico-metodológico, que as Instituições de Ensino
Superior (IES) privadas localizadas no centro da cidade têm se estruturado em novos moldes
no arranjo espacial da cidade desde a década da de 1990. Isto posto, a hipótese aqui formulada
é a de que a localização dessas instituições no Centro expressa a articulação entre o processo
de acumulação de capital e a implementação de políticas recentes voltadas à valorização de
centros urbanos. Neste sentido, as novas práticas dos atores privados estariam, pois,
relacionadas ao novo ativismo econômico que agrega “cultura e economia”; à utilização de
estratégias locacionais que se apropriam de áreas centrais reabilitadas visando o lucro; à
“mercantilização” do ensino superior que visa à criação de novos nichos de consumo e de
investimentos financeiros pelo setor privado (no caso os serviços educacionais); e às novas
representações ideológicas que fundamentam a sociedade de consumo (JAMENSON, 2006) e
a valorização do indivíduo no cenário urbano contemporâneo.
***
Os eixos analíticos construtores do estudo de caso e os temas abordados em cada
capítulo da dissertação são os seguintes:
No Capítulo 1, intitulado “Os Centros Urbanos”, realiza-se o resgate teórico do
processo de estruturação intra-urbana e da especialização de uma área central resultante da
dinâmica social contemporânea. E que sendo assim, como reflexo da história da sociedade
capitalista, tal área é por excelência dinâmica, sofrendo processos de centralização,
descentralização, recentralização e afirmação de novas centralidades de acordo com cada
momento socialmente ‘vivido’.
No Capítulo 2, denominado “A Dinâmica da centralidade: mudanças e permanências
na configuração espacial da cidade do Rio de Janeiro” realiza-se um resgate histórico da
formação da Área Central, com o objetivo de apontar o seu papel ao longo da história do Rio

21
de Janeiro, antes e após a ação planejada do Estado. Neste sentido procura-se no possível
considerar os atores políticos e econômicos envolvidos, seus discursos e estratégias
locacionais, assim como as influências destes nas representações sobre o “centro” no
imaginário simbólico.
Realizam-se aqui uma reconstituição histórica e uma análise quanto à redefinição da
centralidade de acordo com as formas de articulação na estrutura urbana e apropriação pelos
grupos sociais dominantes 12 , a saber: as mudanças e permanências (em termos físico,
funcional e simbólico) que caracterizaram a antiga centralidade até a década de 1950, e as
transformações na mesma a partir da década de 1960.
Desta forma, constata-se um movimento de descentralização e perda da importância
relativa do centro na escala intra-urbana e regional/nacional devido: ao processo de
metropolização; ao deslocamento da capital e do poder político para Brasília, em 1960; à crise
urbana, econômica e fiscal da década de 1980; à dinâmica do capitalismo em âmbito mundial,
com a financeirização e terciarização da economia (que transforma São Paulo em capital
nacional e “cidade mundial”).
Paulatinamente, constata-se a afirmação de novas centralidades com o surgimento dos
subcentros a partir da década de 1920/30 (Copacabana, Botafogo, Méier, Tijuca, Barra da
Tijuca, entre outros). Neste sentido indaga-se sobre a perda da capacidade de atração de
fluxos e de hierarquização do território por parte do Centro Principal em relação às outras
centralidades.
No entanto, surge outro movimento; ele é denominado por alguns autores como a
“volta ao centro”. Tendo em vista a recente implementação de políticas públicas de
“revitalização” ou “requalificação” urbanas como forma de retomada dos centros ditos
“degradados”, alguns eixos de análise afiguram-se relevantes. Assinala-se ainda o
questionamento sobre a real natureza da recentralização, levando-se em consideração os
atores que rearticulam a mesma; os novos investimentos em cultura, financeiro e gestão de
negócios; e o papel da cultura na reconfiguração recente de áreas centrais.
No Capítulo 3, intitulado “Ideologia e Planejamento: discursos e práticas em disputa
na Área Central do Rio de Janeiro”, apresenta-se um estudo empírico a partir do exame sobre
as estratégias de atuação das universidades particulares na área central do Rio de Janeiro,
relacionando-as à reconfiguração do Estado e à valorização da esfera econômica no âmbito
das políticas públicas, causando mudanças na sociedade brasileira. Neste sentido, a partir da
12 Neste sentido trazemos as contribuições metodológicas de Frúgoli Júnior (2006).

22
década de 1990, presencia-se uma “mudança de paradigma na produção das políticas públicas
em geral, e, no caso aqui estudado, na educação superior no Brasil, também conhecido como
processo de mercadorização da esfera pública [saúde, educação, transporte, seguridade social,
ciência e pesquisa]” 13 .
Por conseguinte, aponta-se a existência de um discurso dominante, construído sob o
ponto de vista simbólico, que apresenta as novas universidades, além das torres empresariais e
dos empreendimentos imobiliários residenciais, como sinais positivos no que se refere ao
movimento de reversão da decadência ou “renascimento” da área central. Esses sinais são
apontados tanto pela mídia como por organismos da área do urbanismo. Logo, são
representados como empreendimentos “festejados”, ou seja, bons sinais da chamada
“revitalização”, argüindo-se aí a geração de dinamismo econômico e a retomada de atividades
ligadas ao entretenimento e à cultura no Centro.
Desta forma, no intuito de compreender tais aspectos da dinâmica metropolitana
recente, este trabalho concentra-se na investigação do processo crescente de implantação das
IES privadas, as quais sinalizariam o reforço ou a recuperação de antigas centralidades. No
entanto, evidencia-se a inserção destas nos processos de gentrificação dos centros urbanos
que tendem a conferir privilégios a espaços já diferenciados no contexto urbano 14 .
Os questionamentos gerais que permeiam a investigação seguem em parte uma
abordagem estatística, quantitativo-descritiva, levando em consideração a análise sobre a
estrutura urbana, dados secundários e mapeamentos de usos do solo na área estudada ao longo
do tempo, e também uma abordagem qualitativa partindo dos sintomas causadores e
condicionadores da problemática em estudo.
São expostos, a seguir, os procedimentos metodológicos adotados para o
desenvolvimento da dissertação.
1. Análise sistemática.
2. Leitura do registro de ações de política pública em parceria com o setor privado
veiculado pela grande imprensa/internet, sobretudo o jornal O Globo e revista
Veja, e pela imprensa alternativa, principalmente os jornais a Folha do Centro,
Avenida Central, Jornal do Commercio, e portal eletrônico de associações
comerciais como ADEMI e ACRJ.
3. Leitura de folders institucionais das instituições de ensino superior.
13 SILVA JR ; SGUISSARDI, 2001, p.18, 246.
14 SILVEIRA, 2004.

23
4. Comparecimento a palestras, seminários, apresentação de trabalhos e congressos
nas áreas de Arquitetura/Urbanismo, Geografia e Planejamento Urbano, de modo
que, paralelamente aos estudos fossem incorporados debates acadêmicos referidos
ao tema/problema da revitalização das áreas centrais e reabilitação urbana.
5. Execução de pesquisa empírica, de natureza qualitativa, através de trabalhos de
campo e entrevistas com representantes das instituições universitárias, do poder
público municipal (Secretaria Municipal de Urbanismo - SMU), e de associações
comerciais/profissionais.
6. A revisão bibliográfica, concentrada no primeiro e no segundo capítulos, partiu de
uma visão abrangente do tema/problema defendido, discorrendo sobre os
processos de estruturação espacial intra-urbana, a constituição e afirmação de
centralidades ao longo do tempo, tanto em contextos mundiais quanto o específico
da cidade do Rio de Janeiro.
Logo, parte-se da apropriação do debate sobre espaço urbano, centro, subcentros e
políticas de intervenção urbana que auxilia a percepção das centralidades no tecido urbano e
sua dinâmica espaço-temporal.
Filiando-se ao pensamento de Villaça (1998), percebe-se a importância de se conhecer
os elementos principais e processos relacionados à estrutura territorial intra-urbana, e no
caso específico de nossa análise, o centro da cidade ou da metrópole apontado pelo autor
como um elemento absolutamente fundamental.
De Tourinho (2006) vem à tese sobre a centralidade na cidade contemporânea. Para a
autora, enquanto os centros urbanos são produtos do zoneamento, as chamadas “novas
centralidades”, tema que surge nas décadas de 1980 e 90, são frutos da fragmentação do
mundo pós-moderno 15 . É dizer; existe um problema de indefinições de termos e conceitos
15 O conceito de pós-modernismo é reconhecido em sua variedade de manifestações. Para Jamenson (2006),
primeiramente, é visto na reação às formas estabelecidas do alto modernismo “que conquistou a universidade, o
museu, a rede de galerias, e as fundações” (p.16), antes reconhecidas pela sociedade pré-guerra como
subversivas e polêmicas, mas criticadas pela nova geração da década de 1960. Neste sentido, experiências
culturais antes marginais ou secundárias ao alto modernismo agora se tornam aspectos centrais da produção
cultural da sociedade. Uma segunda forma de abordagem do conceito se relaciona à aproximação entre a alta
cultura e a cultura de massa na “teoria contemporânea” construindo “um novo tipo de discurso” teórico
representado, por exemplo, na obra de Michel Foucault. Uma terceira manifestação do pós-modernismo é tratada
do ponto de vista funcional, como um conceito de periodização “cuja função é correlacionar o surgimento de
novos aspectos formais na cultura com o surgimento de um novo tipo de vida social e de uma nova ordem
econômica – o que é freqüentemente chamado, em tom de eufemismo, de modernização, sociedade de consumo
pós-industrial, de sociedade da mídia e do espetáculo, ou ainda, de capitalismo multinacional. [...] A década de
1960 é [...] o principal período de transição; um período no qual a nova ordem internacional (o neocolonialismo,
a Revolução Verde, a disseminação dos computadores e das informações eletrônicas) é, ao mesmo tempo,

24
vinculados ao conhecimento do centro e da centralidade, com significados
descontextualizados e imprecisos. Neste sentido, a contextualização do debate conceitual
sobre centro e centralidade no Século XX é uma das grandes contribuições da autora para o
presente trabalho.
Sobre o conceito de espaço urbano e os processos espaciais que envolvem a produção
da espacialidade urbana, a dissertação considera as contribuições teóricas de Corrêa (1997,
1999 e 2001).
Aproximando o foco foram selecionadas algumas idéias de Silveira (2004) e Rabha
(2006), devido à carga teórica e empírica que as autoras trazem sobre o centro da cidade do
Rio de Janeiro. As conclusões de Duarte (1967) sobre a Área Central são resgatadas por
Rabha em sua abordagem teórico-metodológica que compara as informações atuais do
Centro, traçando um panorama instigante sobre as transformações na sua organização sócioespacial
no período de 1967 a 2005.
Para a compreensão dos processos recentes de renovação e revalorização das áreas
centrais foram pesquisados autores como Arantes (2000 e 2002), que relata o surgimento, na
década de 1990, do novo modelo de produção do urbano – a “cidade –empresa”, fruto da
lógica da revalorização urbana visando proporcionar acréscimos e vantagens ao modo de vida
capitalista moderno. A autora traz o tema da cultura associado à transformação e gestão
urbana, abordando os “movimentos urbanos” que se realizam na cidade baseados numa
estratégia cultural interessada no binômio “rentabilidade e patrimônio arquitetônico –
cultural”.
De Sánchez (2003), entre tantas contribuições, vem à tese sobre as novas formas de
intervenção urbanísticas e de administração pública, ou seja, a construção de uma nova
agenda urbana contemporânea formada por novos atores, novos projetos urbanos e novas
coalizões políticas. Tal agenda promove a criação de espaços “refuncionalizados e
revitalizados” prontos para “formar novos complexos de consumo em sintonia com padrões
culturais dominantes”.
Desta forma, são válidas as reflexões de Magalhães (2001 e 2002) quanto à alteração
nas narrativas sobre a “fuga” do centro do Rio de Janeiro, no fim da década de 1970 e início
de 1980. Para o autor, um novo discurso urbanístico se legitima enfocando a recuperação de
áreas centrais e a “requalificação dos centros, de forma a servir à competitividade entre as
instaurada e abalada” (p.20). A “recém-surgida ordem social do capitalismo tardio” reproduz uma “estética da
sociedade do consumo” pautada em novos tipos de consumo, na obsolescência planejada, na valorização da
moda fugaz, na penetração da propaganda, na cultura do automóvel, entre outros.

25
cidades, característica da globalização. Ressurge assim a opção de retomada do centro
tradicional”.
De Bidou-Zachariasen (2006) e Fix (2007) partem as teses sobre os processos sociais
que projetam centralidades urbanas, vistas enquanto imposição espacial do poder econômico e
político, e sua associação com estratégias “gentrificadoras” de apropriação do espaço. Neste
sentido ressalta-se a sobrevivência institucional das universidades relacionada à sua atitude
cooperativa diante do mundo dos negócios, ao “culturalismo de mercado” e ao seu papel de
“fornecedora de bens e serviços simbólicos” 16 , numa sociedade mundializada e invadida por
novos padrões culturais, novos valores, novos signos, novos comportamentos.
Portanto, esta dissertação se propõe a pesquisar o tema já apresentado, o centro e a
centralidade, numa escala de análise intra-urbana, refletindo sobre o mesmo a partir da
dinâmica de mudanças e continuidades, ou seja, no que se refere à dimensão dialética da
formação do urbano (LEFÉBVRE, 1999). Desta forma, elaborou-se um debate acerca do
papel das universidades na reconfiguração recente das áreas centrais. Ou seja, buscou-se
examinar os fatores de atração (condicionantes para a implantação) e as reais causas por trás
do processo de refuncionalização, retomada e afirmação de centralidades por atores
econômicos, sociais e políticos.
16
ARANTES, 2002, p.67- 8.

26
CAPÍTULO 1 - OS CENTROS URBANOS
Avenida Central, Século XIX. Fonte: IPP, memória iconográfica, 2006.
A Área Central traduz a complexa espacialidade da grande cidade capitalista. É
reconhecida, primeiramente, como um recorte espacial revelador de uma materialidade social
composta por fixos, fluxos, tipos humanos e uma dinâmica geral e ao mesmo tempo particular
dentro da estrutura interna da cidade – no caso, do ambiente metropolitano carioca 17 .
É conveniente apontar que os ambientes da metrópole são objetos de significados e
práticas distintas; no entanto, eles “não constituem células autônomas, independentes (...), são
simultaneamente fragmentados e articulados entre si (...) reflexos e condicionantes das
desigualdades sociais, constituem campos de lutas e campos simbólicos” 18 , pois são parte da
sociedade de classes.
A espacialidade diferencial (...) reflete os processos e as características da sociedade
que o criou e que ali vive, como impacta sobre o seu futuro imediato. Por outro lado
a espacialidade está sujeita a um dinamismo fornecido pelo movimento da
sociedade, mas é parcialmente minimizada pela força de inércia dos objetos
materiais socialmente produzidos: o meio ambiente é mutável sem que as formas
espaciais existentes tenham mudado substancialmente (CORRÊA, 2001, p.156).
17 Espacialidade diferencial é entendida como a diferenciação geográfica dos ambientes no que se refere á sua
distribuição e valoração/qualificação (CORRÊA, 2001).
18 Ibid., p.167-9.

27
O espaço urbano do centro da cidade do Rio de Janeiro, devido à complexidade da sua
estrutura espaço-temporal 19 , pode ser analisado sob uma multiplicidade de abordagens
teórico-metodológicas. Sendo assim, a Área Central é considerada aqui a partir de um
pensamento geral sobre as cidades - “como compósitos de espacialidades e de
temporalidades”, inseridos no “processo de reprodução do espaço urbano gerador de formas,
conteúdos e representações que se inserem em múltiplos níveis de investigação” 20 .
Com efeito, “espaço físico da cidade deve ser sempre considerado em suas relações
culturais” 21 , logo, percebe-se a Área Central do Rio de Janeiro como uma realidade sócioespacial
complexa devido à sua histórica função de centralidade nos diversos cenários
políticos, econômicos e sociais da cidade – e desde a sua formação. A posição do centro 22 da
cidade na história do Rio de Janeiro é percebida pelo legado de formações sócio-espaciais –
coexistências – fruto do “papel de capital (da colônia, do Reino, do Império e da República)
exercido pela cidade ao longo de quase duzentos anos (1763 a 1960), tornado-a palco de
transformações políticas, econômicas, sociais e culturais” 23 pelos atores públicos e privados.
Considerando que a dinâmica urbana constrói-se historicamente através de práticas
materiais e simbólicas por diversos atores sociais, esta dissertação visa compreender o papel
atual do centro para a cidade do Rio de Janeiro. Desta forma, suscita-se a reflexão acerca dos
processos históricos que engendram a formação desta centralidade, resultando numa
fisionomia e importância social diferente em relação ao restante da cidade. Outro problema
central são os processos que envolvem a sua dinâmica recente, a partir das últimas décadas do
Século XX, representativos do movimento de reprodução da uma sociedade capitalista
mundializada, e que desafiam a metrópole carioca.
A intenção deste capítulo se volta para a compreensão da organização interna da
cidade, concentrando-se no processo de estruturação de uma área central e sua dinâmica ao
longo do tempo, no caso do objeto estudado – o centro da metrópole carioca. Como reflexo
de uma sociedade capitalista em processo contínuo de expansão, esta área sofreu processos de
centralização, descentralização e recentralização de acordo com cada momento histórico,
legando diferentes sentidos para a centralidade nos âmbitos territorial, funcional e simbólico,
e logo, variadas formas de apropriação social.
19 SANTOS, 1997.
20 ABREU, 2003, p.97.
21 SILVEIRA, 2004, p.30.
22 Consideramos neste trabalho diversos termos associados à centralidade urbana, no entanto, no que se refere
ao recorte espacial do nosso objeto de estudo, os termos Área Central e Centro adquirem o mesmo sentido e
delimitação geográfica. Esta querela será melhor trabalhada no Capítulo 2.
23 RODRIGUES, 1998, p.37.

28
1.1. O ESPAÇO URBANO 24
O espaço metropolitano, numa primeira aproximação, pode ser recortado
espacialmente em diferentes ambientes de modo a evidenciá-lo como um rico mosaico
“caracterizado pela justaposição de diferentes paisagens e usos da terra” 25 , tais como:
o núcleo central, a zona periférica do centro, as áreas industriais, os sub-centros
terciários e as áreas residenciais distintas em termos de forma e conteúdo, como as
favelas e os condomínios exclusivos, áreas de lazer e, entre outras, aquelas
submetidas à especulação visando a futura expansão (CORRÊA, 2001, p.145).
A dinâmica intra-urbana integra as diferentes áreas/ambientes da metrópole
articulando as partes com o todo por meio das relações espaciais – os fluxos -, fornecendo,
assim, uma unidade à grande cidade capitalista. Desta forma, esta dinâmica constitui cada
uma destas áreas como “uma base de existência e reprodução social” simultaneamente própria
e geral para os agentes modeladores do espaço, são eles: os proprietários dos meios de
produção, especialmente os industriais, proprietários fundiários, promotores imobiliários,
Estado e grupos sociais excluídos 26 .
Os processos de organização e reorganização do espaço capitalista refletem a lógica de
reprodução da sociedade que o produz e o consome. Segundo o pensamento marxista 27 , a base
da sociedade e do próprio homem é o trabalho. É pelo trabalho que o homem se relaciona com
a natureza e com os outros homens de forma a produzir sua existência material (formas de
organização jurídica, política, artística).
Para o método de análise do materialismo-histórico e dialético, a sociedade constrói os
vínculos sociais entre os homens baseados no caráter da relação de produção, estabelecendo
desta forma as relações de transformação com o meio, por intermédio das relações de
trabalho. A realidade social se estrutura, então, pelo modo de produção – no caso, o modo de
produção capitalista.
O homem, enquanto ser social, ao fazer a sua história em condições determinadas pela
lógica do modo de produção passa a ser determinado e determinante da/pela natureza e por
24 A redação dos itens 1.1 e 1.2 apóia-se, em grande parte, nos textos desenvolvidos por Corrêa (1997, 1999,
2001 e 2002).
25 CORRÊA, 2001, p.145.
26 Ibid.
27 MARX, 1977.

29
outros homens, na medida em que transforma a natureza para satisfazer suas necessidades
básicas e, nesse processo, cria novas necessidades que o transformam também. Portanto,
material e dialeticamente, os processos sociais transformam a realidade social historicamente,
ao passo que essa dinâmica também os determina.
A estrutura metropolitana expressa a complexidade da organização espacial criada
como condição para a manutenção dos processos sociais inerentes à reprodução do sistema
capitalista contemporâneo. Além de “fragmentado e articulado, reflexo e condicionante social,
o espaço urbano é também o lugar onde os diferentes grupos sociais vivem e se
reproduzem” 28 , apropriando-se dele e atribuindo-lhe valores ligados ao cotidiano e ao futuro.
O espaço se torna desta maneira um campo simbólico com dimensões e significados variáveis,
posto que a sua fragmentação e articulação, o seu caráter de reflexo e condição social, são
vivenciados, bem como valorados diferenciadamente pelos grupos sociais 29 .
De acordo com a lógica capitalista, as diferentes classes e grupos sociais se apropriam
diferentemente das condições de existência e reprodução social no espaço urbano capitalista, e
sua conscientização quanto à essa situação de desigualdade projetada nas formas espaciais o
converte também em um campo de lutas sociais 30 .
Deste modo, a estrutura intra-urbana se constitui por uma extrema mobilidade e
desigualdade social e uma capacidade complexa de mutabilidade em ritmos e natureza
distintos a fim de promover as condições para a reprodução da dinâmica de acumulação de
capital e da força de trabalho.
O mosaico urbano reflete, portanto, a diferenciação do espaço em forma e conteúdo e
traduz as mudanças ocorridas na organização social ao longo do tempo. É possível perceber as
diferentes temporalidades cristalizadas no espaço, transformações e permanências
acumulando-se na paisagem urbana, fruto da ação dos agentes com seus diferentes tempos e
lógicas de atuação. Assim, a estrutura interna das cidades mostra-se conjuntamente reflexo de
ações que se realizam presentemente quanto das já realizadas – todas deixando as suas marcas
no presente.
O par conceitual representante dos processos de fragmentação/articulação espacial,
definidos por Corrêa, manifesta uma “luta de tendências” entre as forças de inércia que
28 CORRÊA, op.cit., p.150.
29 CORRÊA, loc.cit.
30 Ibid.

30
tendem a acumular as formas herdadas do passado, e as forças de transformação que
representam o dinamismo atual, as formas presentes de vida 31 .
A importância na percepção da dialética espaço-tempo está exatamente no que se
refere à avaliação das articulações sócio-espaciais entre os processos de mudanças e de
permanências que ocorrem em importantes ambientes construídos e vividos cotidianamente
pelos que habitam a cidade. Percebe-se, então que, num determinado período histórico, tem-se
ações dirigidas para a manutenção ou para a transformação de determinadas condições
viabilizadoras da reprodução da sociedade e, claro, do sistema de acumulação capitalista.
Assim, a dinâmica urbana reflete a tensão entre as formas de apropriação da cidade
pelos diversos atores e segmentos sociais tornando-se condição social para a reprodução das
relações sociais de produção 32 . Com relação à cidade do Rio de Janeiro, entende-se estas
questões com relação às formas de apropriação de centralidade por meio da implantação de
novas funções urbanas no espaço central, ao longo das últimas décadas.
Santos (1995) 33 , em sua conferência intitulada “Salvador: centro e centralidade na
cidade contemporânea” indica a existência desta luta de tendências no Pelourinho, trecho da
área central da cidade, caracterizada pelo surgimento dos sub-centros (descentralização), pela
decadência e revalorização do velho centro (re-centralização). Anteriormente, o “centro
‘antigo’, em certas épocas limitadas, era quase congelado”, e apresentava “funções típicas da
centralidade” que se superpunham, “escolhendo aqui e ali subespaços especializados”.
Tratava-se de um centro polifuncional e monopólico - o único centro da cidade que
comandava toda a estrutura urbana, incluindo a vida econômica, a vida política e a cultural.
Num período posterior, vinculado ao processo de expansão urbana, Santos verifica a
multipolarização ou polinucleação da cidade, com especializações dos seus espaços e
conseqüente redistribuição das funções urbanas para outros bairros. Logo, concomitantemente
ao surgimento de sub-centros há uma gradativa decadência do centro velho. No entanto, nas
últimas décadas, houve uma mudança funcional de Salvador, instigada por atores privados
ligados à “expansão de um sistema financeiro exigente de localizações precisas” e em parte
pelo poder público.
31 SANTOS, 1959.
32 LEFÉBVRE, 1999.
33 SANTOS, op. cit., p.14-21.

31
O Turismo Cultural 34 “evidencia-se como fenômeno crucial para a compreensão da
centralidade. Nesse contexto, junto aos habitantes com sua lógica de consumo do centro
vinculada ao seu poder aquisitivo e à sua possibilidade de mobilização, afluem os turistas” 35
“dispostos a estar em toda parte e que começam a repovoar, a recolonizar, a refuncionalizar e
a revalorizar” 36 o centro antigo.
O programa de revitalização do Pelourinho, amplamente divulgado pelo Governo do
Estado da Bahia, representa o momento atual do “rejuvenescimento parcial do velho centro
adaptado às exigências do turismo” 37 . Para tais adaptações o Pelourinho assume, em vários
exemplos de edificações restauradas e com novos usos voltados para o consumo das classes
médias e altas, assim como, dado o processo de expulsão da maioria da população local
pobre, características nítidas de “gentrificação” 38 .
Este exemplo da cidade de Salvador revela que na organização espacial as formas
espaciais pretéritas ou rugosidades 39 que “tiveram uma gênese vinculada a outros propósitos e
permaneceram no presente”, assim o foram porque puderam ser adaptadas às necessidades
atuais e apresentam uma “funcionalidade efetiva em termos econômicos ou um valor
simbólico que justifica sua permanência” 40 .
Desta maneira, as mudanças no espaço urbano ocorrem porque derivam da
necessidade de manutenção da dinâmica de acumulação de capital (seja porque os capitais
acumulados anteriormente precisam ser reinvestidos), e das “necessidades mutáveis de
reprodução das relações sociais de produção e dos conflitos de classes” com a finalidade de
garantir a reprodução das diferenças sociais 41 .
A reflexão sobre a dinâmica urbana exige a investigação dos processos específicos que
condicionam os espaços físicos e, portanto, os contextos nos quais as práticas sociais se
realizam, trazendo transformações na configuração do ambiente construído. No caso do Rio
34 Sobre este assunto ver as obras de Motta (2000), Vaz (2001), Arantes (2002), Sánchez (2003), Silveira
(2004), Colombiano (2005), Rabha (2006) entre outros.
35 SILVEIRA, op. cit., p.18.
36 SANTOS, op.cit., p.17.
37 Ibid.
38 Tais fenômenos sócio-espaciais de gentrificação possuem referências na cidade do Rio de Janeiro, como será
dicutido mais à frente, no Capítulo 3. Segundo Silveira (op. cit.), a “leitura de autores que discorrem sobre os
espaços públicos e a observação dos planos e projetos de ‘preservação’/ ‘revitalização’ urbanas possibilitam
verificar que a implementação de políticas urbano-culturais tem como locus privilegiado as centralidades intraurbanas.
Esta constatação sinaliza o potencial de gentrificação desses planos e projetos, que tendem a conferir
privilégios a espaços já diferenciados no contexto urbano” (p.22). Ver estudos organizados por Bidou-
Zachariasen (2006), a respeito dos processos de gentrificação e políticas de “revitalização” dos centros urbanos.
39 SANTOS, 2002.
40 CORRÊA, 2002, p.71.
41 CORRÊA, 2001, p.146.

32
de Janeiro, a configuração atual da sua área central reflete o processo histórico que a
engendrou calcado na produção de diferentes dimensões de centralidade como: a expansão
exacerbada da metrópole carioca e conseqüente descentralização dos serviços urbanos e
atividades econômicas para outras áreas da cidade; a implementação de políticas públicas e
ações privadas visando à ocupação de vazios no tecido urbano central providos de infraestrutura;
a criação de novas funções e/ou estímulo às existentes, adaptando-se ao contexto
urbano e econômico mundial, “resultando, muitas vezes, em processos de elitização ou
gentrificação de centralidades urbanas” 42 .
Como expressões espaciais desses processos sociais há no espaço urbano áreas de
múltiplas gêneses, resultantes do acúmulo espacial de formas herdadas. O espaço se apresenta
re-fragmentado em sua forma-função por meio de diferentes processos, tais como os de
inércia, onde se tem a permanência do uso da terra; os de refuncionalização, quando há
utilidade ou valor de uso na forma espacial no presente; e a renovação urbana, quando há
mudança de forma e função. Percebe-se, portanto, que a fragmentação do espaço está sempre
sendo refeita a fim de adequar a materialidade socialmente produzida ao dinamismo dos
fluxos da sociedade. Assim,
a ação dos agentes modeladores gera mudanças de conteúdo e/ou das formas das
diversas áreas, de modo que novos padrões de fragmentação do espaço urbano
emergem, desfazendo total ou parcialmente os antigos e criando novos padrões no
que diz respeito à forma e ao conteúdo (CORRÊA, 2001, p.146).
As articulações entre as partes da cidade se dão de modo visível e invisível
constituindo um amplo e complexo conjunto de deslocamentos de pessoas, mercadorias,
capital e informação. Deste modo, empiricamente, os fluxos manifestam-se através: da
jornada para o trabalho, circulação de mercadorias diversas, deslocamento para compra no
centro da cidade, visitas a equipamentos culturais como museus e teatro, praia, parque, etc. Já
os laços invisíveis podem ser descritos como a “circulação de decisões e investimento de
capital, mais-valia, salários, juros, rendas, envolvendo ainda a prática do poder e da ideologia
em sua dimensão espacial” 43 .
42 SILVEIRA, op. cit., p. 18.
43 CORRÊA, op.cit., p.147.

33
Estes tipos de interações apresentam variações na sua natureza, intensidade e
freqüência de ocorrência, ou seja, variam conforme a distância e direção, propósitos, podendo
se realizar através de diversos meios e velocidades 44 .
No entanto, as interações espaciais devem ser vistas como parte integrante da
existência (e reprodução) e do processo de transformação social e não como puros e
simples deslocamentos de pessoas, mercadorias, capital e informação no espaço. No
que se refere à existência e reprodução social, as interações espaciais refletem as
diferenças de lugares face às necessidades historicamente identificadas. No que
concerne às transformações, as interações espaciais caracterizam-se,
preponderantemente, por uma assimetria, isto é, por relações que tendem a favorecer
um lugar em detrimento do outro, ampliando às diferenças já existentes, isto é,
transformando os lugares (Ibid., p. 279 - 280).
A análise dos tipos de fluxos que se realizam na área central do Rio de Janeiro ao
longo da história pode auxiliar a compreensão quanto ao seu papel atual e ao sentido de
centralidade atribuído pelos diferentes atores sociais. Assim, ela aponta a apropriação da área
central como “um local privilegiado” – “seja pelo seu papel simbólico seja por sua relevância
funcional, econômica ou política” – útil para a implementação de políticas públicas ligadas ao
turismo cultural e ações privadas ligadas ao comércio, serviços e moradia. Observa-se,
atualmente, uma nítida relação entre os projetos do poder público/privado e a criação e/ou
afirmação de centralidades 45 .
1.2. A DINÂMICA DOS CENTROS URBANOS: DEFINIÇÕES, NOÇÕES E
CONCEITOS
A questão da centralidade em geral, da centralidade urbana em particular, não é das
mais fáceis, ela atravessa toda a problemática do espaço (...). Cada época, cada
modo de produção, cada sociedade particular engendrou (produziu) sua centralidade:
centro religioso, político, comercial, cultural, industrial, etc. Em cada caso, a relação
entre a centralidade mental e a centralidade social está para ser definida
(LEFEBVRE, 1974 46 apud SILVEIRA, op.cit., p.33)
Na reflexão a respeito da configuração sócio-espacial da área central alguns eixos de
análise se afiguram relevantes. Assinala-se a importância da área central enquanto localização
na estrutura urbana e, assim, os processos sociais expressos na sua espacialidade. Para tal,
44 CORRÊA, 1997.
45 SILVEIRA, op.cit., p.18/36.
46 LEFEBVRE, Henri. L’ Espace contraditoire. In: La production de l’espace. Paris: Éditions Anthropos, 1974.
p. 383.

34
verificam-se as razões que deram origem ao seu processo de centralização/concentração, os
tipos de fluxos atraídos pela centralidade, e as forças sociais envolvidas nas vantagens da
localização central. Mas quais os sentidos que conformam esta centralidade? Quais têm sido
valorizados pela dinâmica urbana recente – econômico/funcional, social/simbólico, históricocultural?
Concordando com Silveira,
a compreensão da configuração espacial da cidade do Rio de Janeiro, mediante a
identificação de seu centro e demais centralidades do tecido urbano, suscita uma
investigação das noções e conceitos de centro e centralidades espaciais na escala
intra-urbana (Ibid., 2004, p.33).
A autora respalda-se em Lefebvre e em Castells 47 para afirmar que a “tal investigação
constitui tarefa complexa”. Para tal, sinalizam-se algumas noções de centro e centralidade
conforme a visão de alguns autores 48 no intuito de evidenciar aspectos significativos para o
estudo.
De acordo com Lefebvre, o centro se configura como um referencial sócio-espacial
para toda a cidade de acordo com diferentes sentidos dados às centralidades que o compõem.
Podem ser referenciais econômicos, simbólicos, políticos, culturais, etc. que demandam certa
centralidade.
Não há possibilidade de existir alguma realidade urbana sem um centro, que pode
configurar-se tanto como centro comercial (que reúne produtos e coisas), como
centro simbólico (que reúne e torna simultâneas determinadas significações) e como
centro de informação e de decisão, etc. (LEFEBVRE, 1976 49 apud SILVEIRA,
op.cit., p.34)
A análise sistemática de Castells sobre os centros, incorporada à tese de Silveira, traz
importantes esclarecimentos quanto ao tema em estudo. Segundo o autor, “das concepções
urbanísticas, imbuídas das idéias de ordem urbana”, emerge a noção de centro integrador e
simbólico. Sob esta perspectiva identificam-se os trabalhos de Villaça (1998), Frúgoli Júnior
(2006) e Tourinho (2006) que serão apresentados mais adiante. Villaça aborda a natureza do
centro principal e os fatores geradores dos fluxos da centralidade. Partindo da teoria sobre
47 CASTELLS, Manuel. Estudo de elementos da estrutura urbana. In: Problemas de investigação em sociologia
urbana. Lisboa: Editorial Presença; São Paulo: Editora Martins Fontes, 1975. p. 141-208.
48 Nesta pesquisa apontam-se como referências de autores que trabalham a temática centro e centralidade:
Burgess (1974), Liberato (1976), Villaça (1998), Corrêa (1999, 2001), Campos (1999), Sposito (1991), Vaz &
Silveira (1994), Mello (2002), Tourinho (2006), Frúgoli Júnior (2006), Hoyt (2005), entre outros.
49 LEFEBVRE, Henri. Espacio y política. Barcelona: Ediciones Península - Historia, Ciencia, Sociedad, 128,
1976. p. 69.

35
localização intra-urbana, baseia-se em duas indagações: por que o espaço urbano se estrutura
dessa forma?; e que relações conformam este tipo de organização?
Esta concepção urbanística parte da seguinte noção:
Centro é uma parte da cidade delimitada espacialmente (por ex., situada na
confluência de um esquema radial de vias de comunicação), que desempenha uma
função simultaneamente integradora e simbólica. O centro é um espaço que, devido
às características de sua ocupação, permite uma coordenação das atividades urbanas,
uma identificação simbólica e ordenada destas atividades e, por conseguinte, a
criação das condições necessárias à comunicação entre os atores (CASTELLS, 1975
apud SILVEIRA, op.cit., p. 34)
Castells menciona também a “visão de um centro essencialmente funcional, isto é,
referente ao seu papel desempenhado na estrutura urbana”. Partindo da perspectiva da
corrente de Ecologia Urbana, “destaca a noção de centro como zona de intercâmbio e
coordenação de atividades descentralizadas”, cujo núcleo é objeto de estudo de diversos
autores. Formam-se, portanto, as investigações relacionadas à noção de central business
district, que “contribuíram decisivamente para formar a imagem já clássica do coração
administrativo e comercial das grandes aglomerações” 50
Sob esta perspectiva, identificam-se os trabalhos dos estudiosos da escola de Ecologia
Humana/Urbana, como Burguess (1974) e Hoyt (2005) e os geógrafos da corrente quantitativa
como Duarte (1967), Duarte (1974) e Liberato (1976), e da corrente crítica como Corrêa
(1999, 2001) e Santos (1995). Nestes estudos enfoca-se a importância do centro,
principalmente do Núcleo Central como o lugar detentor da máxima centralidade urbana,
devido a uma série de fatores atribuídos ao longo do tempo como a acessibilidade,
externalidades, amenidades, etc. A produção do espaço da área central e suas formas de
articulação com os demais elementos da estrutura urbana estariam vinculadas à dinâmica das
funções urbanas, em especial no âmbito econômico (comercial e financeiro).
Outra característica ressaltada por Castells é a dos centros de lazer e de espetáculo –
um “núcleo lúdico, onde se concentram lugares de diversão e ócio”. Neste ambiente há uma
“sublimação do ambiente urbano propriamente dito, através de toda uma gama de opções
possíveis e da valorização de uma disponibilidade de ‘consumo’, no sentido mais lato da
palavra” 51 .
Tal dimensão da centralidade é apropriada historicamente por diferentes grupos e
segmentos sociais. Recentemente o centro do Rio de Janeiro, seguindo uma tendência
50 CASTELLS, 1975 apud SILVEIRA, op.cit., p.34.
51 Ibid.

36
mundial de revalorização dos espaços centrais das grandes cidades, é representado como o
lugar privilegiado de tradição e memória histórica e cultural, tanto pela mídia, quanto pelo
poder público e associações comerciais e de moradores. Tal ideal de revalorização orienta
uma série de políticas ligadas ao turismo cultural, bem como a implantação de novas
atividades de comércio e serviços. Logo, verificamos a afirmação e criação de centralidades
na área central no sentido de configurar plataformas de enunciação de valores consumistas
globais.
Mas no que constituiria essa re-significação de determinados espaços da cidade? Sob
esta perspectiva identificam-se os trabalhos de arquitetas-urbanistas e sociólogas, tais como
Silveira (2004), Arantes (2000 e 2002), Compans (2004), Motta (2000), Sánchez (2003),
Zukin (2000 e 2003), Bidou-Zachariasen (2006), entre tantos outros autores, que trabalham a
articulação entre cultura, relações de poder e atores sociais que participam do processo de
retomada do centro. São estudadas temáticas que envolvem ações, políticas e representações
em torno do movimento de reversão da “decadência”, ou seja, do “renascimento” do centro.
Tais autores, em geral, apontam o contexto de um ideário urbano pautado numa agenda global
de reconversão de áreas centrais. E partem do pressuposto que esse processo é inserido na
dinâmica metropolitana como fator de competitividade internacional nos últimos vinte anos.
Seguindo o aporte de Arantes 52 , Silveira apresenta “o debate sobre centro, lugar
público e espaço público”, articulando-o num “panorama da institucionalização da temática
preservacionista, relacionado à concepção renovadora das intervenções urbanas”. Neste
diálogo resgatam-se “algumas idéias de urbanistas reformistas, do início dos anos 1950, que
preconizavam a concepção de cidade como lugar de encontro, dotada de um único core”. A
autora aponta esta visão como “precursora dos debates recentes sobre os centros das cidades”
e que teve como principal foco questionar a cidade funcional defendida pela “concepção
modernista sintetizada na Carta de Atenas, de 1942” 53 .
Silveira traz o debate sobre as formas de urbanização orientadas e discutidas por
diferentes órgãos ligados ao planejamento urbano nos países centrais, a partir de meados do
Século XX e, principalmente, reflete sobre os atuais padrões urbanísticos norteados por
políticas urbano-culturais.
52 ARANTES, Otília. A Ideologia do lugar público na arquitetura contemporânea. In: ______. O lugar da
arquitetura depois dos modernos. São Paulo: Edusp; Studio Nobel, 1993. p. 97-155.
53 SILVEIRA, op.cit., p.29.

37
No início dos anos 1950, emerge uma vertente crítica formulada por dissidentes da
urbanística do Movimento Moderno, no caso opositores da orientação
haussmanniano – corbuseriana (...) que exigia a criação de lugares em que fosse
possível revitalizar as cidades destruídas pela guerra ou pelo predatório urbanismo
moderno. (...) Tratava-se de uma proposta de re-centralização da cidade dispersa
pelo processo de crescimento e suburbanização, ratificando a crítica à visão de
cidade funcional. Consideravam a necessidade de restituir o espaço público nos
centros urbanos, mediante a reestruturação do ‘coração da cidade’, expressão de
Camillo Sitte, que constituiria o centro vital da cidade, local onde seria possível
desenvolver-se o ‘sentido de comunidade’ (ARANTES, 1993 apud SILVEIRA,
2004, p.37/ 49).
No entanto, como apontado por Arantes, tal “postura crítica em relação aos
‘modernos’ (...) parece ter sido suplantada pelos projetos recentes do Estado destinados à
restauração dos espaços de vida pública”. E enfatiza que, “no momento atual, tem sido
reforçada a atuação do capital na produção dos espaços urbanos”, assim como...
a implementação de políticas de planejamento da cidade através da incorporação da
cultura. Essa atuação do poder público seria especialmente visível na inserção da
arquitetura protegida pelo patrimônio e dos grandes equipamentos públicos, como
casas de cultura e novos museus, no conjunto estratégico das políticas culturais
(SILVEIRA, op.cit., p.40).
Seguindo esta mesma linha de pensamento apresentamos o debate sobre centro e
reestruturação produtiva na metrópole contemporânea numa escala de análise que ultrapassa a
intra-urbana e abarca o processo de urbanização global, “a qual é, ao mesmo tempo, produto e
condição de processos sociais de transformação, vigentes na fase mais recente do
desenvolvimento capitalista” 54 .
A partir dos anos 1960/1970, com o surgimento das novas tecnologias da
informação, entre outros processos, as transformações que vêm ocorrendo na
organização espacial das grandes cidades têm suscitado novos questionamentos
(SILVEIRA, op.cit., p.50).
Interessa salientar que as recentes transformações nas formas de apropriação social da
área central do Rio de Janeiro revelam-se “parte de projetos maiores de reestruturação do
espaço mundial” 55 , e podem ser entendidas a partir das novas relações espaço-tempo e do
“processo de reprodução da sociedade mundializada” 56 . Assim, considera-se que a
configuração sócio-espacial da área central do Rio de Janeiro reflete a re-configuração
espacial das atividades humanas a partir da: reestruturação do sistema capitalista (baseado na
54 HARVEY, 1996.
55 SÁNCHEZ, 2003.
56 CARLOS, 2004.

38
acumulação flexível de capital e na redução de custos por meio das novas tecnologias); da
compressão espaço-tempo 57 ; da valorização do mercado e do consumo; da cultura visual 58 ;
da formatação dos padrões de vida e de desenvolvimento nas cidades; e, ao mesmo tempo, da
busca incessante dos habitantes e governantes por novos referenciais identitários e
particularismos num mundo globalizado.
Sob algumas destas perspectivas de análise identificam-se os trabalhos de arquitetos e
geógrafos como Harvey (1992 e 1996), Soja (1993), Bienenstein (2001), Carreras (2005),
entre outros. Em geral, trabalham com “imensos objetos geográficos” nos quais se
constituíram as metrópoles e que há algumas décadas têm seus espaços internos
reestruturados.
De acordo com Lefebvre 59 :
A revolução tecnológica estava acompanhada de uma forte urbanização e
industrialização que tomou forma desde 1960, enquanto o modo de produção
capitalista se apropriava inteiramente do espaço. [...] Desde 1960, os centros
históricos das cidades começaram a ser remodelados sob a hegemonia capitalista.
Foi nesse tempo que projetos como o de Beaubourg e do Centro de Paris começaram
e houve o grande estopim do fenômeno urbano: a desintegração do centro histórico e
seu remodelamento, a expansão da periferia urbana e, junto com isso, todos os
projetos de planejamento. Nesse contexto procurei introduzir o conceito de produção
do espaço, espaço como um produto social e político, espaço como um produto que
se vende e se compra [...] (LEFEBVRE, 1987 apud SILVEIRA, op.cit, p.50).
Cargnin (1998) traz contribuições sobre o tema em seus apontamentos sobre o
reconhecimento dos centros urbanos. Para o autor, apesar das transformações de suas
características devido ao processo de acumulação e ao avanço da técnica e da ciência, o centro
ainda “tem funcionado como uma fonte de centralidade permanente, a partir da qual se
formam centralidades periféricas” 60 . Partindo da compreensão dos processos e práticas sociais
e seus significados na produção social, o autor entende que o centro urbano assume uma
especificidade que atua na constituição de uma centralidade própria para cada centro como
resultado da atuação dos atores urbanos.
Segundo o autor,
o centro urbano sempre foi reconhecido como uma das áreas mais importantes,
devido aos papéis que desempenha perante o restante da cidade. [...] Em meio à
decadência do que tradicionalmente era considerado, é real afirmar que o centro está
57 HARVEY, 1992.
58 ZUKIN, 2003.
59 LEFEBVRE, Henri. Conversa com Henri Lefebvre. Espaço e Debates São Paulo: USP/NERU, n. 30, 1987, p.
63.
60 CARGNIN, 1998, p.39.

39
mais vivo do que nunca na forma urbana, no imaginário das pessoas e,
conseqüentemente, na realimentação da cidade (CARGNIN, loc.cit.).
Portanto, a partir da reflexão de alguns autores torna-se possível compreender a
configuração do contexto urbano-metropolitano orientada por diferentes estratégias de
apropriação do espaço pelo capital, caracterizada pela expansão de áreas especializadas que
absorveram atributos do centro e, por processos de esvaziamento e renovação das áreas
centrais. Neste processo verifica-se a permanência de referências ao centro
histórico/tradicional, logo, mesmo que este não permaneça em sua forma original ele é/será
um ponto de origem a partir do qual a cidade cresce.
Finalizando este panorama geral de percepções sobre o centro e a centralidade,
seguem algumas leituras que trouxeram contribuições teórico-metodológicas para a
compreensão dos processos sócio-espaciais que, ao longo do tempo, culminaram na
estruturação do ambiente metropolitano e na configuração atual dos espaços centrais - no
nosso caso, da área central da cidade do Rio de Janeiro.
1.2.1. Os modelos de estruturação urbana
O conhecimento sistematizado sobre os processos de estruturação urbana e a
conseqüente formulação de modelos representativos de padrões de organização sócio-espacial
da cidade influenciam os estudos sobre os padrões de crescimento urbano e transformações
sociais nos grandes aglomerados urbanos - primeiramente dos países desenvolvidos. Estudos
estes aprofundados por pesquisadores do curso de Ecologia Humana, embrionário da Escola
de Chicago, cujas principiais produções se deram entre 1917 e 1940.
No contexto do século XIX, as cidades foram profundamente alteradas, passando
por crescimento ou transformação de sua organização espacial. Em especial, as
novas cidades americanas, das quais Chicago tornou-se a referência, foram
vigorosamente afetadas por acontecimentos que instigaram a necessidade de
compreensão e requeriam explicações teóricas (...). Foi na Sociologia, numa
ramificação de estudos oriundos da ecologia, ciência baseada em princípios da
‘cooperação competidora’ e na ‘teia da vida’ que o estudo de processos urbanos
floresceu (RABHA, 2006, p.28).

40
Os sociólogos da Escola de Chicago 61 , como Halbwachs e Wirth, procuravam
“relacionar os interesses da sociologia urbana com o imenso crescimento das cidades
modernas, transformadas, através de intensivos trabalhos empíricos, em laboratórios de estudo
da vida e da organização social que se estruturavam nesses espaços”. A preocupação desses
estudiosos centrava-se “principalmente na questão da ocupação do território urbano,
permitindo uma análise reflexiva sobre o funcionamento espacial das cidades com a entrada
em cena de novos tipos sociais” 62 .
As novas formas de interação social e cultural que surgiam no moderno ambiente
urbano e industrial das cidades eram então estudadas intensamente. Era necessário, por
conseguinte, buscar a compreensão das implicações do crescimento das cidades; enfim, o que
ele acarretava ao nível da nova vida social eminentemente urbana 63 .
A cidade é um espaço ocupado por indivíduos heterogêneos, e o sociólogo devia se
preocupar com as formas de ação e de organização social que se estruturavam nesse
espaço. A cidade abriga uma grande variedade e diversidade de grupos em um
mesmo território geográfico, e a ordenação espacial no meio urbano poderia ser
explicada pela competição entre indivíduos, grupos e instituições, um fator
explicativo das coexistências e das concorrências nas metrópoles. Sob essa
perspectiva de análise, a competição por espaço é a grande força reguladora que
opera no ambiente urbano, possibilitando com o estudo da distribuição de grupos no
espaço urbano uma melhor compreensão de fenômenos comportamentais e culturais
nas cidades (ÁGUEDA, op.cit., p.2-3).
A Ecologia Humana surge, portanto, como uma importante tradição da Sociologia
sobre a estrutura urbana. Esta é entendida como uma estrutura orgânica que expressa a cidade
na sua lógica de “desordem. Os processos e relações ecológicas que conformam à sociedade,
no entendimento desta corrente de pensamento, podem ser dispostos nos seguintes conceitos e
categorias: disfunção, estabilidade-instabilidade, ordem-desordem, invasão-sucessão, divisão
social do trabalho, comunidade, etc.
A corrente da Ecologia Humana analisava a ocupação do espaço urbano através da
“competição e da coexistência territorial entre indivíduos e grupos, comparando
metaforicamente o comportamento humano no ambiente urbano com o comportamento dos
animais e das plantas no ambiente natural” 64 . Desta forma,
61 Halbwachs teria sido professor convidado da Escola de Chicago. Ver HALBWACHS, Maurice. A Memória
Coletiva. São Paulo: Ed. Vértice, 1990. Cf. também WIRTH, L. O urbanismo como modo de vida. In: VELHO,
Otávio Guilherme (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1987.
62 ÁGUEDA, Abílio. Memórias coletivas no espaço urbano. Disponível na internet: > Acesso em junho de 2007.
63 WIRTH, 1938, apud ÁGUEDA, 2004, p.2.
64 ÁGUEDA, op.cit., p.8.

41
entendia a estrutura interna das cidades como a conseqüência da luta intra-específica
pela sobrevivência, numa evidente comparação com os sistemas naturais. A
organização física das cidades, a ordem moral e os termos ‘ecológicos’ como
‘competição’, ‘invasão-sucessão’ e ‘assimilação-segregação’ norteavam seus
trabalhos. Assim, a organização espacial e a expansão urbana eram processos
‘naturais’, cujas forças bioecológicas (e ‘culturais’) do homem suplantavam as
questões especificamente sociais, políticas e econômicas (JÚNIOR, 2002, p.10).
A escola de Ecologia Humana trouxe importantes contribuições ao estudo do espaço
geográfico no que se refere à análise empírica e propostas teórico-metodológicas acerca do
espaço intra-urbano, embora em parte adaptadas, com novas abordagens e conotações. Por
exemplo, tem-se a formação de quadros interpretativos sobre: estudos da cidade e do urbano;
organização espacial intra-urbana; processos e formas espaciais; descentralização e
segregação; uso e ocupação do solo; valorização do solo, etc.
Entre outras contribuições mencionam-se: i) a análise sobre a estrutura urbana a partir
de modelos de segregação residencial mais re-conhecidos e utilizados na interpretação do
espaço da cidade; ii) a correspondência entre estrutura urbana e estrutura social (padrão de
distribuição de classes ou grupos sociais); iii) a formulação de modelos de estrutura urbana 65
que têm servido amplamente para demonstrar as diferenças entre a urbanização nos países
desenvolvidos e subdesenvolvidos, e especificamente, nas cidades latino-americanas; e iv) a
importância dada às “relações, fluxos e processos” no que se refere à organização interna das
cidades 66 .
Segundo Rabha (op.cit), “face às mudanças que se verificavam nos contextos urbanos,
muitos estudos passaram a tratar de padrões e investigar para quais atividades as
centralizações/descentralizações estariam ocorrendo” 67 . Desta forma, alguns modelos
espaciais foram concebidos, tanto por sociólogos quanto por economistas urbanos, “desde
meados do século XIX, tentando representar de forma simplificada a organização interna das
cidades” 68 .
Em um dos primeiros modelos (Figura 1.1) a seguir,
65 Ver as obras de J. G. Kohl, de medos do século XIX, e de E. W. Burgess e H. Hoyt, nas primeiras décadas do
século XX.
66 Em nível metodológico, começam a se destacar, ainda em meados dos anos 1960, os trabalhos de Milton
Santos sobre a especificidade do fenômeno urbano nos países subdesenvolvidos. Trabalhos pioneiros sobre
descentralização (sobretudo terciária) e agentes modeladores do espaço (sobretudo a “indústria”) datam dessa
fase, estendendo-se à atualidade. Ainda sob influência desta escola, a corrente neopositivista da Geografia
(Quantitativa), na década de 1970, buscava padrões espaciais, ou seja, padrões de distribuição de fenômenos no
espaço intra-urbano. Esta corrente foi retrabalhada posteriormente pela crítica neoliberal (uma crítica “interna” à
teoria econômica neoclássica), e pela a crítica marxista (uma crítica “interna” ao marxismo positivista).
67 RABHA, 2006, p. 31.
68 DIAS, 2005, p.14.

42
[...] datado de 1841, J. G. Kohl tenta representar o que era ainda uma cidade préindustrial,
onde a elite reside junto ao centro, enquanto a periferia torna-se área
ocupada pelos pobres. Já o modelo do sociólogo E. W. Burgess, baseado nas grandes
cidades norte-americanas da década de 1920, nos apresenta o entorno do centro
abandonado pelas elites – movendo-se em direção aos subúrbios -, e que, portanto,
passa a ser ocupado pela população de baixa renda, disposta a enfrentar as
desvantagens de um centro saturado, repleto de problemas advindos da urbanização
(DIAS, 2005, p.14).
FIGURA 1 – Modelos Espaciais
FIGURA 1.1 MODELO DE KOHL
FIGURA 1.2 MODELO DE BURGESS
FIGURA 1.3 MODELO DE HOYT
FIGURA 1.4. MODELO DE MERTIS
& BÂHR
Fonte: Modelo adaptado por DIAS (2005).
Ernest W. Burgess, sociólogo urbano da escola de Ecologia Humana de Chicago,
estudou a sociedade moderna manifesta espacialmente no fenômeno de crescimento das
grandes cidades, entendidas como reflexo do processo de industrialização. Sua percepção era

43
direcionada à transformação da sociedade rural em urbana de acordo com as suas
manifestações, tais como: o surgimento de arranha-céus, do metrô, dos grandes armazéns, da
imprensa, da assistência social, ou seja, das grandes transformações na vida social.
Em sua obra 69 utiliza estudos estatísticos e sintomáticos para analisar o crescimento
urbano – seus efeitos, natureza e processos. Desta forma analisa as alterações na estrutura
social a partir do aumento da taxa de crescimento das cidades e aponta as alterações na
organização social da comunidade como efeitos deste crescimento, e também a natureza e
processos que movem e causam tal crescimento.
Em sua percepção da expansão urbana como um crescimento físico, e como um
processo, Burgess percebe a formação de uma Área Metropolitana (uma zona urbana
contínua) com vários núcleos de crescimento interno e aponta a formação de imensas
manchas urbanas possibilitadas pelo desenvolvimento dos transportes. Sua formulação de um
modelo concêntrico (Figura 1.2) aponta um processo tipificado de expansão da cidade
representado por círculos concêntricos designando zonas sucessivas de expansão urbana como
tipos de áreas diferenciadas no processo de expansão. O modelo de Burgess representa,
portanto, a construção ideal de tendências de toda cidade em sua expansão radial, partindo do
seu distrito central.
Tal modelo compara a comunidade urbana aos organismos biológicos que crescem
pelo processo de subdivisão, acarretando no surgimento de áreas especializadas nas cidades.
Desta forma, Burgess discute os processos de mudanças urbanas e mobilidade, onde a sua
principal hipótese é a de que o processo de expansão seria representado por uma série de
círculos concêntricos.
O modelo concêntrico expressa uma dinâmica social, não se referindo a uma cidade
estática. Como fruto das idéias da ecologia humana, Burguess descreve a seqüência de
eventos referentes ao crescimento da cidade, que se realiza de duas formas: expansão
periférica e crescente concentração interna 70 .
Baseado em estudos empíricos realizados principalmente na cidade de Chicago,
Burgess definiu zonas concêntricas em torno do núcleo dominante (C.B.D.- ‘Central
Business District’- Distrito Central de Negócios), situado no ponto de acessibilidade
máxima. Em volta deste, situam-se sucessivas zonas caracterizadas por uma
combinação específica de usos do solo e densidade: zona atacadista e de
estabelecimentos industriais leves, seguida por uma ‘área de transição’,
correspondente a áreas residenciais antigas deterioradas, envolvida por sua vez por
69 BURGESS, E. W., 1974.
70 ZMITROWICZ, 1977, apud SOUZA, s/d. ZMITROWICZ, Witold. Considerações sobre o conceito de
planejamento. Revista de Planejamento - FAUUSP, São Paulo, n.200, p. 1-60, 1977.

44
zonas residenciais de densidades decrescentes, começando com prédios de
apartamentos e terminando com casas isoladas de subúrbios (SOUZA, s/d) 71 .
Segundo o modelo de Burguess, o “centro da cidade é, em princípio, o local desejável
para a instalação de comércios e serviços em função da sua acessibilidade, e assim pessoas e
estabelecimentos novos procuram locações tão centrais quanto possível” – realizando o
movimento de concentração.
Como nem todos podem ali se localizar, com o tempo se inicia um processo de
segregação e pressões centrífugas, cada zona pressionando a sua envolvente
seguinte. A conseqüente invasão de atividades estranhas resulta numa sucessão de
usos, que são substituídos, ocorrendo uma relocação geral com expansão/extensão
da urbanização. Em termos de densidades, este crescimento forma uma espécie de
onda concêntrica progressiva, cuja crista também se desloca para fora do centro
inicial, sua posição marcando as áreas de maiores incrementos de população e de
atividade de construção mais intensa [há, portanto um processo de descentralização
de atividades e funções urbanas] (SOUZA, passim, [grifo nosso]).
O modelo de Burgess se limita ao reconhecimento de um padrão de distribuição de
classes sociais nas cidades americanas relacionado a uma mudança nos padrões do forte
modelo “centro-periferia” (com a elite no centro) no momento em que indústria ocupa a área
central. Com a disponibilidade crescente de meios de transporte, as classes abastadas se
deslocariam para os subúrbios (periferia), enquanto os baixos estratos sociais se confinariam
nas áreas degradadas e desvalorizadas do centro.
No entanto, Burgess relaciona o crescimento da cidade aos seus aspectos técnicos e
físicos, e a lógica de reorganização espacial à idéia de metabolismo, ou seja, a organização
social ao passar por desequilíbrios metabólicos provocados por qualquer crescimento
excessivo (seja por êxodo rural, migração, etc.) tenderia a achar o seu equilíbrio natural.
Os desvios representariam os sintomas de anormalidades no metabolismo social. Já o
progresso ou ordem social se daria por meio de equilíbrios ligados aos processos de
cooperação - desorganização/organização. Assim, para Burgess, a dinâmica espacial expressa
nos processos de diferenciação social ou territorial representaria a fragmentação da cidade em
“agrupamentos naturais, econômicos, culturais”. Tal dinâmica conformaria e caracterizaria a
cidade.
71 SOUZA, Marcos. T. R. de. As Teorias sobre localização das atividades econômicas e a estrutura espacial das
cidades. Texto disponível no endereço eletrônico da Editora Plêiade.
Acesso em novembro de 2007.

45
O economista urbano norte-americano, Homer Hoyt, em seus estudos sobre a
dinâmica de aluguel nas cidades americanas, datados de 1939, trouxe contribuições ao debate
sobre a estrutura das cidades e à dinâmica de mudança do uso do solo. Diferentemente de
Burgess, Hoyt (2005) combinou círculos e setores para representar a organização intra-urbana
e “formulou para as áreas residenciais norte-americanas (...) um modelo diverso, denominado
‘modelo setorial’ (...) de estruturação urbana, que interpreta como padrão espacial de
segregação os denominados setores de círculo, formados a partir do centro” 72 (Figura 1.3).
Sua teoria aponta os diferentes usos do solo urbano e refere-se, essencialmente, aos
usos residenciais no espaço urbano. O economista concluiu que o desenvolvimento
residencial nas cidades americanas era mais axial do que circular, seguindo para um padrão de
setores mais que de círculos concêntricos. Argumenta que a cidade tende a crescer
setorialmente e cada classe social ocupa um segmento em expansão.
Os moradores de uma cidade costumam movimentar-se preferencialmente ao longo
dos principais eixos de transporte, que em geral se dispõem radialmente por razões
de desenvolvimento histórico das áreas urbanas. A população de determinado nível
sócio-econômico, com hábitos semelhantes, dificilmente se desloca de um extremo a
outro da cidade, confinando-se num espaço que se estende do centro à periferia ao
longo de um mesmo eixo. Forma-se, assim, na cidade setores circulares com
características bastante homogêneas, constituindo uma estrutura definida mais pelas
direções que pelas distâncias (SOUZA, passim).
Uma premissa da teoria dos setores é que os usos do solo nas áreas urbanas não
aparecem aleatoriamente, e sim que se atraem uns pelos outros. Um dos setores peculiares de
uma cidade é o seu centro, considerado como elemento organizador de todo o espaço urbano.
Cabe a esta dissertação considerar que ambos os modelos de Hoyt e de Burgess foram
desenvolvidos para adaptar os acontecimentos das cidades norte-americanas, no inicio do
Século XX, e assumem a consolidação do C.B.D – Central Business District (Núcleo Central
de Negócios) e o crescimento dos transportes de massa como fatores importantes para o
processo de estruturação intra-urbana.
No entanto, as premissas dos autores são distintas, pois analisam sob diferentes
aspectos os processos de crescimento e mudança das cidades. Burgess focalizou sua análise
no processo de decadência do centro, na ocupação do mesmo por imigrantes pobres e em
questões de organização social. Já Hoyt refere-se, primeiramente, às localizações suburbanas,
à classe rica e à qualidade da moradia. Ele analisa o modelo de zona que enfatiza a faixa de
desenvolvimento compreendida ao longo das ruas comerciais que se conduzem para fora da
72 SOUZA, passim.

46
C.B.D e à tendência da indústria de seguir as linhas de trem e rios. Hoyt também observa a
presença de moradias de classe média e baixa, e a instalação de grandes indústrias
desenvolvidas ao longo de áreas residenciais abastadas na periferia urbana. Assim, ele aponta
a conformação dos setores de áreas residenciais como fruto da influência de outros tipos de
usos da terra, como os usos comerciais, o sistema de transportes, a indústria e sua associação
com áreas populares, as amenidades e o valor simbólico.
Sobre os bairros residenciais das camadas de “alta renda”, como denomina Hoyt, eles,
em seu movimento, não “pululam ao acaso”, mas seguiriam um encaminhamento definido
em um ou mais setores da cidade. Na verdade, a suburbanização da elite se daria para os
melhores setores periféricos próprios para esta classe. Seu padrão de ocupação se conformaria
em direção à periferia, como seguimento ao abandono de suas casas obsoletas, construindo
novas moradias em áreas de vacância. Estas áreas estariam disponibilizadas à frente das áreas
de “altos aluguéis”, como símbolo de enobrecimento e seriam antecipadas por promotores
imobiliários que trariam restrições ao seu uso ou por especuladores que determinariam um
valor alto demais para os segmentos de renda mais pobre e intermediária não ocuparem da
mesma.
Segundo Hoyt, em todas as cidades estudadas, as áreas residenciais das classes de
maior renda tiveram seu ponto de origem próximo ao centro varejista e de escritórios. É ali
que os estes grupos trabalham e esse ponto é o mais afastado daquela parte da cidade onde
estão as indústrias e os armazéns. Assim, a direção e o padrão do futuro crescimento das áreas
residenciais da classe alta tendem então a ser governados por fatores de acessibilidade,
centralidade, amenidades, entre outros.
Além do reconhecimento acerca das contribuições que estes modelos e formas de
análise trouxeram para o estudo da cidade, possibilitando abordagens mais contextualizadas e
com novas conotações, considera-se que as diversas críticas aos mesmos fazem progredir o
conhecimento científico 73 . Desta forma, quando se busca explicação para as causas e
implicações das relações que orientam a estruturação intra-urbana, verificam-se “lacunas” que
os modelos espaciais não conseguem responder. Algumas delas referem-se à intervenção do
Estado nestes processos e à heterogeneidade da estrutura urbana capitalista, reflexo da
desigualdade presente na sociedade.
73 Uma análise mais rica sobre as contribuições e críticas aos estudos de estruturação urbana e organização
espacial realizados pela Ecologia Humana, assim como, os seus cruzamentos nos campos de investigação com a
ciência geográfica, pode ser encontrada em Rabha (2006).

47
O objetivo quanto à exposição das diferentes frentes teórico-metodológicas sobre a
estrutura urbana é revelar que organização interna das cidades reflete lógicas distintas ao
longo do tempo e do espaço. As diferentes formas da organização espacial intra-urbana são
frutos, portanto, da “desigual espaço-temporalidade dos processos sociais” 74 - condição de
reprodução de uma sociedade desigualmente móvel e mutável.
Portanto, na leitura sobre o elemento centro e suas relações com a estrutura urbana,
cabe identificar as forças sociais determinantes das transformações que ocorrem na cidade,
suas correspondentes formas de atuação e os conflitos envolvidos neste processo. Assim,
diferentemente dos modelos espaciais, que para Villaça (1998), além de serem simplificados e
esquematizados, são estáticos, ou seja, não captam tendência em movimento, a análise
dialética da estruturação intra-urbana exige que esta seja:
encarada como um processo e, como tal, sua abordagem é efetuada em termos de
movimento, e o movimento das estruturas urbanas é sempre fruto da atuação de
várias forças que atuam em sentidos diferentes com intensidades diferentes. O que
cabe analisar são as forças presentes, suas origens e intensidades (VILLAÇA,
op.cit., p.133).
1.2.2 Os atributos da centralidade
Villaça traz contribuições ao debate sobre os centros urbanos, trabalhando a noção de
natureza do Centro Principal, denominação dada para a área central da cidade, e localização
intra-urbana. De acordo com o autor, as teorias sobre a localização 75 se baseiam no
conhecimento sobre as formas urbanas e suas relações com a dinâmica da cidade como um
todo. Neste sentido, Villaça considera que concomitante à produção de localizações por
determinados grupos sociais (através de alianças entre o capital e o Estado), há também a
afirmação de centralidades, disputadas dentro do território intra-urbano.
Em sua defesa acerca do papel do centro como principal elemento estruturador da
cidade, o autor traz indagações sobre as relações que conformam as novas formas de
organização das áreas centrais das grandes cidades, assim como, das forças sociais que atuam
nas mudanças do seu sentido enquanto localização dentro da estrutura urbana. Consideram-se
tais questões pertinentes a uma melhor compreensão do atual papel do centro na cidade do
74 CORRÊA, 2001, p.172.
75 Sobre as teorias locacionais das atividades sociais na estrutura urbana ver Souza (op.cit). Neste artigo, o autor
“apresenta algumas das principais teorias da localização das atividades econômicas e suas inter-relações com a
estrutura espacial das cidades”.

48
Rio de Janeiro e das transformações que se sucedem na sua organização sócio-espacial de
modo articulá-la na dinâmica metropolitana carioca.
Segundo Villaça, “nenhuma área é ou não é centro, como fruto de um processo ou
movimento - torna-se centro”. Há, portanto, uma dimensão relacional entre um determinado
ponto, ou conjunto de pontos do território urbano e todos os demais, uma “relação de
localização”. Assim, o autor parte da hipótese que “os produtos específicos resultantes da
produção do espaço intra-urbano (...) [são] suas localizações. A localização é ela própria,
também, um produto do trabalho e é ela que especifica o espaço urbano” 76 .
Sua importância se dá por ser o local onde os produtos dos valores-de-uso são
produzidos e consumidos, envolvendo uma série de “deslocamentos dos produtores e dos
consumidores entre os locais de moradia e os de produção e consumo” 77 . Tais relações
espaciais – os fluxos - que se dão entre localizações urbanas se realizam por meio dos
“transportes (de produtos, energia e pessoas), das comunicações e da disponibilidade de infraestrutura”.
Desta forma, segundo Villaça, o centro enquanto localização privilegiada por atributos
de centralidade, constitui-se em “elemento fundamental da estrutura territorial intra-urbana” 78 .
O espaço intra-urbano [...] é estruturado fundamentalmente pelas condições de
deslocamento do ser humano, seja enquanto portador da mercadoria força de
trabalho – como no deslocamento casa/trabalho – seja, enquanto consumidor –
reprodução da força de trabalho, deslocamento casa-compras, casa-lazer, escola, etc.
Exatamente daí vem, por exemplo, o enorme poder estruturador intra-urbano das
áreas comerciais e de serviços, a começar pelo próprio centro urbano. Tais áreas,
mesmo nas cidades industriais, são as que geram e atraem a maior quantidade de
deslocamentos de força de trabalho – os que ali trabalham – com os de
consumidores – os que ali fazem compras e vão aos serviços (VILLAÇA, 1998,
p.20).
Produto de disputas pelo controle das condições de deslocamento por parcelas mais
beneficiadas da sociedade, o Centro Principal – e logo, a sua natureza – é resultante de um
processo dialético que produz dois resultados: o centro e o não-centro. Tal controle visa
“otimizar o uso dos tempos de deslocamento ou controlá-lo” 79 .
Portanto, a força atrativa de fluxos inerente à centralidade é otimizada pelo alto grau
de acessibilidade.
76 VILLAÇA, op.cit., p.238.
77 Ibid., p.23-24.
78 Ibid., p.30.
79 Ibid., p.244.

49
Quanto à acessibilidade, geralmente, é promovida pela ampliação de terminais de
transportes que estimulam o desenvolvimento de um amplo comércio varejista, além
de setores de lojas de departamentos, escritórios, restaurantes e outras atividades
afins, tornando-se local privilegiado ao consumo e fontes de matérias primas
(SILVEIRA, 1995 80 apud CAMPOS, 1999, p.40).
No entanto, a “acessibilidade não é semelhante em todas as direções” e nem para toda
a sociedade. Além dos obstáculos naturais como morros e cursos de água, há uma dimensão
política que envolve a diferenciação nas formas de acesso e apropriação do território por
parcelas da sociedade. O traçado das vias de acesso às localidades urbanas, assim como a
disponibilidade de infra-estrutura de transportes revelam essa dimensão, que não se limita
apenas a uma questão técnica.
As acessibilidades variam ainda de acordo com os veículos utilizados. Variam,
portanto, com as classes sociais: com a distinção, por exemplo, entre a acessibilidade
para quem depende de transporte público e para quem possui transporte individual.
Sendo os transportes intra-urbanos os maiores determinantes das transformações dos
pontos, as vias de transporte têm enorme influência não só no arranjo interno das
cidades, mas também sobre os diferenciais de expansão urbana (VILLAÇA, op.cit.,
p.80).
Desta maneira, o centro se estrutura pela lógica espacial da dominação social visando
principalmente “à apropriação diferenciada [das] vantagens locacionais”. A sua espacialidade
reproduz a lógica desigual capitalista geradora de lucros através da produção de localizações
com diferenciação de acesso dentro da estrutura – durante longos períodos o preço da terra e
dos imóveis aí localizados se apresentavam como os mais elevados dentre as outras áreas da
cidade - possibilitando assim maior controle do uso do território por determinadas classes
sociais.
Nestes termos, segundo Villaça, há uma disputa em torno das condições de consumo
por parcelas da sociedade, sendo essa disputa “o determinante principal do processo de
estruturação intra-urbana” 81 .
São essas distinções que fazem com que, sendo objeto de disputa entre as classes, o
centro se torne mais acessível a uns do que a outros, através dos mais variados
mecanismos: desde o desenvolvimento de um sistema viário associado a
determinado tipo de transportes, até o deslocamento espacial do centro e suas
transformações (sua decadência ou pulverização, por exemplo). As transformações
porque passaram e continuam passando os centros de nossas cidades são fruto dessa
disputa (Ibid., p.243).
80 SILVEIRA, C. B. Uso Residencial na Área Central do Rio de Janeiro: um estudo na periferia do Centro.
1995. Dissertação (Mestrado em Geografia) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: 1995.
81 Villaça, op.cit., p.45.

50
Diante de tais abordagens teóricas algumas questões se colocam: o que define a
centralidade?; quais são seus atributos, e por quem são apropriados?; qual a sua relação com
o restante da metrópole?
Neste sentido, num primeiro momento apontamos a concepção de centralidade
territorial – como referência ao lugar central 82 , advinda da ecologia humana. Como condição
para a apropriação do máximo lucro de localização, o acesso ao lugar central era sinônimo de
disputa entre investidores – o que deixa de ter sentido na metrópole contemporânea 83 .
A abordagem sistemática tradicional associava uma determinada forma física da
cidade que era depositária dessa centralidade, o Centro urbano 84 . Daí surgirem teorias sobre a
organização da cidade e a funcionalidade do Centro expressas no Sistema Monocêntrico e no
Sistema Policêntrico tradicional de Subcentros.
[...] o discurso urbanístico [...], desde Christaller até os anos 1980, definia a
centralidade como atributo do lugar central, ou seja, o Centro, de onde tomava os
mediadores básicos de referência para possibilitar a identificação de qualidades
semelhantes no restante do tecido urbano. Assim, uma vez reveladas essas
qualidades do espaço Centro, como encarnação do que é central, isto é, da
centralidade propriamente dita, era possível conferir certos ‘graus’ de centralidade
(TOURINHO, 2006, p.286).
O “grau de centralidade” indicava o quanto um Centro principal ou padrão é a
referência. Por exemplo, o sistema de subcentros, caracterizado por “áreas que, de forma
hierarquizada e complementar, apresentavam graus de centralidade a partir do Centro,
considerado principal” 85 , indicava espacialmente o “depósito das qualidades” 86 ou atributos
do que é ser central”.
No entanto, o Centro Principal apresenta desde a sua nomenclatura a idéia de que o
espaço intra-urbano é dinâmico, pois pressupõe a existência de outras centralidades. Logo,
enquanto uma organização socialmente construída a área central da cidade reflete a lógica de
reprodução de uma sociedade capitalista mutável, móvel e desigual.
82 O conceito de “central-place” é apontado na “Teoria das Localidades Centrais” ou do “Lugar Central” do
geógrafo alemão Walter Cristaller, desenvolvida na década de 1930.
83 TOURINHO, op.cit.
84 Para Tourinho, o Centro possui um “caráter concentrado, resultante do desdobramento do ‘centro velho’ no
‘centro novo’, cuja unidade se consolida nos anos 1950, caracterizado pela contigüidade física e pela
complementação funcional”(p.279).
85 Ibid., p.297.
86 Ibid., p. 290.

51
O Centro revela-se um espaço especializado, multifuncional, heterogêneo, segregado,
fragmentado e conflituoso. Sua diferenciação na estrutura urbana também se dá como “espaço
complexo (histórico, arquitetônico, urbanístico, legal, político, social, econômico, simbólico,
residual, não dominado, diverso), caracterizando-se como um espaço de difícil apropriação” 87 ,
o que “desagrada” a atuação do capital (imobiliário e financeiro) e do setor público.
Assim, as formas de articulação deste espaço fragmentado também são dinâmicas e
seguem lógicas diferentes ao longo do tempo, redefinindo-se por meio de processos espaciais
de continuidade/mudança, concentração/dispersão e de centralização/ descentralização 88 .
Logo, como contraponto à abordagem estática da ecologia humana, percebe-se que...
o centro não está necessariamente no centro geográfico, e nem sempre ocupa o sítio
histórico onde esta cidade se originou, ele é antes de tudo ponto de
convergência/divergência, é o nó do sistema de circulação, é o lugar para onde todos
se dirigem para algumas atividades e, em contrapartida, é o ponto de onde todos se
deslocam para a interação destas atividades aí localizadas, assim, o centro pode ser
qualificado como integrador e dispersor ao mesmo tempo (SPÓSITO, 1991 89 apud
SOUZA, op.cit.).
O lugar central deixa de ter sentido no contexto urbano contemporâneo devido ao
surgimento de outras áreas que absorveram atributos do centro ocasionado pelo crescimento
da cidade e, conseqüente, processo de “esvaziamento” da área central. No entanto, permanece
ainda na maioria dos casos, pelo menos na realidade brasileira, a idéia de referência a um
centro histórico/tradicional.
Desta forma, simbolicamente, a centralidade representaria ponto de origem, poder de
irradiação e descentralização de fluxos, pois, traz o sentido de “elo urbano”, “um lugar
coletivo exterior” 90 que promove condições para formação da cidade. O Centro pode ser
representado por um ponto ou conjunto de pontos “de consumo, de comando, de reunião, de
trabalho, de lazer, de intercâmbio, de cultura etc.”, que geram centralidade e produzem fluxos
que partem ou chegam nesses pontos para o território da metrópole.
Os centros urbanos são a expressão da coordenação das atividades sociais
espacializadas além de concentrador de atividades, de recursos econômicos e de
87 TOURINHO, op.cit., p.281.
88 SANTOS, 2001.
89 SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. O Centro e as formas de expressão da centralidade urbana. Revista de
Geografia, Presidente Prudente, v.10, p. 1-18, 1991.
90 TOURINHO, op.cit., p.291

52
poder de decisão; é também área de grande acessibilidade e expressão do nível mais
alto da hierarquia simbólica da cidade 91 .
O centro urbano pode ser compreendido como conteúdo social e local geográfico na
medida em que exprime as forças sociais em ação e a estrutura da dinâmica interna da
cidade 92 . Logo, é um “território capaz de identificar a sociedade como um todo – ainda que de
maneira altamente ideológica”. A percepção do que a sociedade aceita como central é um
processo simbólico, mas também físico, e tal atributo se relaciona a uma “área diferenciada e
permanente que identifica e hierarquiza a cidade” 93 .
Embora a centralidade não seja uma característica física, sua manifestação se dá no
território de forma física, a partir da inter-relação que cada uma das partes do
território tem, por um lado, com o padrão referencial, ou seja, o Centro, e, por outro,
a relação que esse Centro e os outros centros possuem com o território. Essas
relações não apenas fazem parte da centralidade, são a própria centralidade
(TOURINHO, op.cit., p.290).
Segundo Tourinho, a centralidade do Centro não é apenas centralidade operativa ou
funcional, ou seja, não está relacionada apenas às atividades que nele se desenvolvem. Ela é
também representativa no que se refere “à qualidade dos fenômenos que ocorrem no Centro
e, por extensão, nos centros” 94 .
Centro caracteriza-se como um espaço qualificado, não só do ponto de vista
funcional, mas principalmente por seus aspectos simbólicos e formais que têm, na
força de sua continuidade temporal e na permanência de seus espaços coletivos, a
capacidade de evocar uma imagem que o identifica, por antonomásia, com a ‘a
Cidade’ (Ibid., p.280).
O Centro é fruto da acumulação de tempos, logo, se apresenta como o lugar de
resistência em relação aos objetos materiais socialmente construídos. Este “Grau de Dureza”,
correspondente ao tempo de permanência dos objetos urbanos, interfere na sua propriedade,
uso e ocupação e apropriação simbólica 95 .
91 CASTELLS, 1975 apud SANTOS, 2001, p.39. CASTELLS, Manuel. Advanced capitails, colective
consuption and urban contradictions. In: L. Lindenberg et al. Stress ans constradictions in modern capitalism.
Lexington : D.C. Heath, 1975.
92 CASTELLS, loc.cit.
93 TOURINHO, op.cit.,p.287.
94 Ibid., p.290.
95 Ibid.

53
Santos (1959), em sua obra clássica sobre o centro da cidade de Salvador, expressa a
sua organização espacial como uma paisagem-síntese, cujos componentes “refletem,
sobretudo, as necessidades e condições próprias a cada etapa da evolução urbana”. Ele
“constitui uma verdadeira síntese, pois reflete, ao mesmo tempo, as formas atuais da vida da
região e da cidade e o passado, seja pela evolução histórica da cidade e da região, seja pelo
sítio escolhido inicialmente para instalar o organismo urbano” 96 .
Sua síntese se manifesta, portanto, pela paisagem reveladora da “luta de tendências” já
mencionadas – a luta entre as forças de transformação e as forças de inércia. Para Santos essa
relação dialética ou “mecanismo de forças interdependentes” caracteriza as formas
particulares de organização dos centros das cidades, refletindo-os como organismos sujeitos a
um processo permanente de mudança.
Assim, “as forças de transformação e as forças de resistência entram em luta e dão,
como resultado, seja a criação de uma paisagem inteiramente nova, seja a transformação ou
adaptação da paisagem antiga que, então, se degrada” 97 . As primeiras representam o
dinamismo atual, as funções urbanas e regionais, os processos de urbanismos; já as segundas
são representadas pelos fatores passivos e de resistência oferecidas pelas estruturas provindas
do passado como o sítio e objetos urbanos históricos.
A intenção deste item da pesquisa foi apresentar um quadro teórico concernente aos
processos de estruturação urbana e às noções de centro e centralidade que, ao fim e ao cabo,
permitem melhor compreensão dos processos sócio-espaciais que envolvem a dinâmica
recente da cidade do Rio de Janeiro.
1.3. (RE)DEFININDO A CENTRALIDADE: FORMAÇÃO, PROCESSOS ESPACIAIS
E DINÂMICA RECENTE
O contexto histórico-social dos Séculos XVIII/XIX iniciado pelo advento da
Revolução Industrial trouxe à tona significativas transformações sociais. A demanda por uma
concentração espacial cada vez mais intensa de atividades, de forças produtivas e mercados
consumidores, que acabou promovendo a cooperação urbana e o crescimento das cidades,
96 SANTOS, 1959, p.22-23.
97 Ibid., p.24.

54
emergiu como forma de otimizar a produtividade e os lucros dos atores econômicos
envolvidos 98 .
Frúgoli Júnior (2006), ao introduzir sua problemática acerca das trajetórias, conflitos e
negociações em torno da centralidade na metrópole paulistana, apóia-se em Walter
Benjamin 99 para iniciar um “diálogo com tópicos da configuração mais nítida da cidade
moderna” (p.19):
[...] há um consenso de que a modernização urbana está historicamente ancorada em
seus primórdios na Paris da segunda metade do século XIX, [...] cuja
industrialização foi acompanhada pelo aumento populacional, alimentado pelo
enorme afluxo de camponeses desenraizados que passaram a compor a multidão
urbana, numa cidade que sofreu uma intervenção planejadora de grande escala, com
a criação do sistema de bulevares, sob o comando do barão de Haussmann [...] que
rasgaram o tecido urbano – inserindo Paris numa escala de circulação mais propícia
à ordem capitalista industrial de então (Ibid., p.19-20).
O modo de produção capitalista depende do consumo e a mais-valia representa o seu
combustível de funcionamento. As condições materiais determinantes desta lógica se
consolidam com a revolução industrial, por meio do surgimento de um sistema técnicocientífico
industrial que tem como função viabilizar a implantação da economia industrial nos
centros urbanos. O espaço urbano se torna, portanto, o locus da indústria e do comércio –
mais precisamente da integração produção-circulação-consumo 100 .
Esta integração, denominada cooperação urbana, é um motor da acumulação
capitalista, a qual se realiza por meio dos efeitos úteis da aglomeração (entrelaçamento dos
capitais industriais, proximidade produção - consumo, concentração do mercado consumidor,
redução do tempo de circulação das mercadorias, compactação da força de trabalho e
reprodução da força de trabalho). A condição de reprodução desses efeitos úteis da
aglomeração e, conseqüentemente, da cooperação urbana para acumulação de capital é o
crescimento das cidades que se dará, em meados do Século XIX, pela implantação das
primeiras redes de estruturação das cidades ou de infra-estrutura urbana (água, esgoto, elétrica
e viária). Surge, então, a cidade moderna
98 ROLNIK, 1997.
99 BENJAMIN, W. Paris, capital do século XIX. In: KOTHE, F. R. (org.), W. Benjamin. São Paulo: Ática, 1985,
p.30-43.
100 KLEIMAN, 2004.

55
ligada a formas mais sistemáticas de intervenção urbana, aos grupos sociais
poderosos interessados ou beneficiados por ela, à articulação desses grupos com o
poder público, ao papel implementador desempenhado por este último, ao impacto
sobre o modo de vida das classes populares – em geral as mais atingidas por tais
fenômenos – e a processos sociais resultantes nas áreas de tais intervenções
(FRÚGOLI JÚNIOR, 2006, p.20).
A Área Central emerge sob condições indiretas do processo de industrialização e
estruturação da cidade moderna, representando a ampliação das relações da cidade (por meio
de fluxos de capital, mercadorias, pessoas e idéias) 101 com o mundo exterior a ela. Apesar de a
cidade ter se originado em função das necessidades de aglomeração 102 , segundo abordagens
funcionalistas, o aumento da demanda por externalidades 103 pelos agentes econômicos,
estimulados por inovações no âmbito das redes de infra-estrutura, passa a exigir um espaço
específico para a realização das suas atividades lucrativas.
Quanto à infra-estrutura urbana destaca-se a rede viária moderna, já mencionada em
sua importância como elemento estruturador das cidades capitalistas, no momento
caracterizado como Segunda Revolução Industrial, na passagem do Século XIX para o XX.
Seu papel foi crucial para a ampliação das relações interurbanas e inter-regionais e para a
diminuição das deseconomias de transbordo devido à localização dos terminais viários
próximos uns dos outros geograficamente 104 .
A acessibilidade promovida pela expansão da rede viária e a aglomeração de
atividades econômicas passam a centralizar e atrair determinados tipos de fluxos que se
reproduzem numa espacialidade de configuração diferenciada, dada a sua forma e função em
relação ao restante da estrutura urbana. Esta é composta basicamente de dois setores
intercomunicantes: o centro de gestão - o núcleo central (core, Centro Intra-urbano ou CIU;
Central Business District ou CBD; Área Central de Negócios ou ACN); e uma franja de usos
diversificados que separa o centro dos demais bairros – a zona periférica ao centro (frame,
zone in transition, zona de obsolescência ou deteriorada) 105 .
101 CORRÊA, 1999.
102 Segundo Liberato (1976), Santos (2001), Corrêa (2001), Kleiman (2004).
103 Externalidade é definida como os “efeitos econômicos sobre as empresas e atividades decorrentes da ação de
elementos externos a elas” (ibid., p.83). Ex. infra-estrutura, acesso a recursos naturais, proximidade a outras
empresas, etc.
104 CORRÊA, 2001.
105 Caracterização apresentada n

56
Assim, uma nova configuração da estrutura urbana surge nesse momento como
“produto da economia de mercado levado ao extremo pelo capitalismo industrial” 106 , e nesse
contexto, a Área Central passa a constituir um foco principal não apenas da cidade, mas
também da sua hinterlândia. Nela se concentram os terminais de transportes inter-regionais e
intra-urbanos, próximos ao enorme mercado de trabalho que se forma a partir das principais
atividades voltadas para o mundo exterior - comércio atacadista e depósitos, indústrias
nascentes e em expansão, serviços auxiliares, gestão pública e privada 107 .
A emergente Área Central passou a desfrutar assim, da máxima acessibilidade
dentro do espaço urbano. (...) A concentração de atividades nesta área representa,
pois, a maximização de externalidades, seja de acessibilidade, seja de aglomeração.
Do ponto de vista do capital a Área Central constituía, na segunda metade do século
XIX e ainda hoje, para muitas atividades, uma localização ótima, racional, que
permitiria uma maximização dos lucros (CORRÊA, 2001, p.124).
Segundo Frúgoli Júnior, “a cidade moderna passa a ser o espaço por excelência de
uma constante interação entre grupos sociais, onde a diversidade e os conflitos sociais
decorrentes se intensificam e ganham maior visibilidade e dramaticidade” 108 . Os espaços
públicos centrais da cidade serão, portanto, os locais de ampliação e condensação dessa
diversidade social e dos diferentes significados produzidos no “imaginário público gerado
pela modernidade” 109 .
Desta forma, no caso das centralidades urbanas, o imaginário vivenciado nestes
espaços representa a definição do que é central 110 para a sociedade (em termos econômicos,
político-adminstrativos, sócio-culturais, históricos, etc.), segundo os grupos sociais
dominantes 111 . Imbuídos deste imaginário, os processos sociais que envolvem as localizações
centrais se realizam por meio da sua materialidade estrategicamente posicionada na cidade.
Materialidade social esta composta de intensa dinâmica, pois se transforma de acordo com as
mudanças que este mesmo imaginário irá sofrer ao longo do tempo, levando o seu papel
enquanto centralidade e sua posição dentro da metrópole a serem definidos e redefinidos em
novos termos nos diferentes contextos urbanos.
os trabalhos de Liberato (1976), Vaz & Silveira (1994) e Campos (1999).
106 CORRÊA, op.cit., p.123.
107 CORRÊA, 1999 ; 2001.
108 FRÚGOLI JÚNIOR, 2006, p.20.
109 Frúgoli faz referência neste debate à Lefébvre, H. O direito à cidade. São Paulo: Documentos, 1969.
110 Questão também abordada por Tourinho (op.cit.).
111 FRÚGOLI JÚNIOR, loc. cit.

57
Historicamente as áreas centrais das diferentes metrópoles do mundo passaram por
transformações ligadas a fatores de circulação e especialização devido ao processo de
expansão urbana, resultando: na dispersão e descentralização de funções urbanas importantes;
no surgimento dos subcentros e equipamentos urbanos especializados como os shoppings
centers; e, em alguns contextos, como a configuração de “novas centralidades”.
É desnecessário recuperar às inúmeras dimensões representativas que se condensam
nas áreas centrais da metrópole. Cabe aqui frisar que são regiões onde se concentram
empresas – sobretudo do setor terciário - e, portanto, empregos para consideráveis
parcelas da população. Isso sem falar também sobre a grande densidade de serviços
oferecidos, as atividades comerciais, a concentração de instituições políticoadministrativas
e religiosas, além do patrimônio representado pelo conjunto de suas
edificações e, mesmo em alguns casos, o fato de também constituírem áreas de
moradia para setores de classes médias e populares. Outra dimensão a ser assinalada
é que nas regiões centrais de uma metrópole realiza-se, em maior ou menor grau, a
densidade dos contatos face a face que marcam a vida pública moderna, constituída
por múltiplas dimensões como o encontro e a sociabilidade, a mediação de distintos
conflitos, a tolerância à diversidade sociocultural, as manifestações políticas etc.,
que ganham nesses espaços a expressão mais acabada (FRÚGOLI JÚNIOR, op.cit.,
p.42)
Corrêa (1999 e 2001) traz contribuições teóricas importantes para o entendimento da
dinâmica das áreas centrais e sua organização espacial. Segundo o autor, o elemento
intermediário entre os processos sociais e a produção espacial são os processos espaciais 112
que dão forma, movimento e conteúdo ao espaço urbano. Esses processos espaciais definem a
produção da materialidade, as formas urbanas e as suas funções dentro da estrutura urbana.
Este elemento viabilizador constitui-se em um conjunto de forças que atuam ao
longo do tempo e que permitem localizações, relocalizações e permanência das
atividades e população sobre o espaço urbano. São os processos espaciais,
responsáveis imediatos pela organização espacial complexa que caracteriza a
metrópole moderna (CORRÊA, 2001, p.122).
São eles e suas respectivas formas originárias:
(1) centralização e a área central (núcleo central e a zona periférica do centro)
(2) descentralização e núcleos secundários (sub-centros comerciais e de serviços, e
áreas industriais não-centrais)
(3) coesão e as áreas especializadas
112 Segundo CORRÊA, tais processos espaciais “foram colocados em evidência desde a segunda metade do
século XIX e, sobretudo na primeira metade deste, por economistas como Hurd e Haig, sociólogos da Escola de
Ecologia Humana como Park e Mckenzie, e os geógrafos urbanos como Colby” (2001, pp.122-123).

58
(4) segregação e as áreas residenciais
(5) invasão-sucessão e áreas residenciais deterioradas e novas áreas em setores de
expansão/especulação residencial
(6) inércia e as áreas cristalizadas
O processo de centralização, apresentado anteriormente, dá origem à cidade
monocêntrica, realidade concreta até as primeiras décadas do Século XX, na qual as
articulações entre os bairros passavam necessariamente pelo núcleo central. Segundo as
concepções teóricas da ecologia humana 113 , a organização espacial da cidade monocêntrica
apontava o centro como foco de articulação, realizando as funções centrais de lugar de troca
de bens e serviços, e de gestão pública e privada de atividades descentralizadas, ou seja, o
“lugar do mercado” 114 . Assim, numa abordagem funcionalista a produção do espaço da área
central e suas formas de articulação com os demais elementos da estrutura urbana estariam
vinculadas à dinâmica das funções urbanas, principalmente, no âmbito econômico (comercial
e financeiro).
O Núcleo – ponto central que aglutina o mercado e as vantagens de aglomeração, se
diferencia por apresentar-se como uma limitada e privilegiada área de intensa verticalização e
concentração de terminais de transportes inter-regionais e intra-urbanos, ou seja, o lugar ideal
para a realização e reprodução de inúmeras atividades 115 .
Sua formação como Núcleo ou Área Central de Negócios (C.B.D.- Central Business
District) é advinda do processo de verticalização, sendo que o “frame” ou zona periférica do
centro fazia os limites da área central com os bairros. As externalidades deste ponto
representam vantagens locacionais distintivas para os atores econômicos e para o mercado
consumidor em relação ao conjunto da cidade por possibilitar um valor do uso do solo
diferenciado e uma otimização dos tempos de deslocamento 116 . Até as primeiras décadas do
Século XX se concentravam no núcleo central o comércio varejista para a elite, as lojas de
calçados, móveis, roupas, etc.
113 No trabalho de Rabha (2006), a autora apresenta alguns autores desta corrente e seus estudos “valendo citar
Proudfoot (1933), Kelly (1955), Vance Jr. (1958), Hoyt (1958) e Berry (1959) para a atividade varejista; Murphy
e Vance (1954) para a delimitação da área central de negócios, segundo levantamentos dos usos do solo; e
Griffin e Preston (1966), para o reconhecimento do potencial de reassimilação das áreas deterioradas, a chamada
zona de transição, na periferia do centro de negócios das cidades” (p.31).
114 SANTOS, 2001.
115 Caracterização apresentada nas obras de Corrêa (2001); Santos (2001); Mello (2002).
116 SANTOS, passim.

59
O núcleo central da metrópole constituiu-se em um local de concentração maciça de
atividades terciárias, especialmente o comércio varejista e serviços diversos, ambos
dotados de grande centralidade, relacionada tanto ao espaço urbano como à
hinterlândia da cidade. Ali se concentravam também as atividades administrativas
das esferas municipal, estadual e federal. Foco exclusivo de convergência de
transportes intra-urbanos, o núcleo central caracterizava-se por um tráfego denso. O
movimento de pedestres, intenso durante o dia, era, e ainda é, salvo na área de
diversões, extremamente reduzido à noite (Ibid., p.173).
Tourinho (2006), em sua obra que contextualiza o debate conceitual sobre centro e
centralidade no Século XX, relata que de acordo com a sistemática tradicional da ecologia
humana, o Centro representa uma centralidade territorial socialmente produzida - um lugar
central. A produção de centralidade se dava associada a uma única e determinada forma física
da cidade depositária dessa centralidade - o Centro.
Em grande parte, o raciocínio sobre a forma do urbano aliava-se à matriz econômica,
orientada por princípios neoclássicos, que reafirmavam a hegemonia da área central
por gradiente máximo de valor da terra, em geral. A caracterização da
potencialidade de valor do solo urbano e captura do mesmo, na forma de renda por
parte dos proprietários, aceita como norma da cidade capitalista, induzia uma natural
competição por localizações desejadas, consideradas livres, para os de maior renda
ou sujeita ao intrincado jogo de sacrifícios versus acesso aos benefícios urbanos para
os mais pobres. A aceitação indiscutível dos princípios da livre concorrência
conduzia forçosamente a realização de análises que esmiuçavam padrões em que se
processava a ocupação, legitimando desse modo formas e processos espaciais que
seriam ditados por comportamentos naturais, produto da dominação dos mais
‘fortes’ sobre os mais ‘fracos’ (RABHA, 2006, p.32).
Esta forma de abordagem, que deixa de ter sentido na análise da metrópole
policêntrica contemporânea, se baseia na idéia de “apropriação dos ‘lugares vantajosos’
preexistentes (de qualquer ponto de vista: social, econômico, estratégico, etc.) formados,
normalmente, pelo esforço coletivo da sociedade” 117 . A realização de investimentos no lugar
central representava a obtenção de vantagens sobre o “máximo lucro de localização”.
Assim, a centralidade era entendida como atributo primordial do Centro ou Área
Central de Negócios, pois dele saía o comando para os demais centros intra-urbanos, quando
se concretizou a expansão da cidade. Tal conceito foi amplamente utilizado desde a
“definição da geografia, nos estudos de localização que proliferaram nos trabalhos de
planejamento a partir da década de 1950” 118 . Em Liberato (1976), percebe-se a concepção de
centro como área detentora do máximo grau de centralidade já obtido na cidade desde sua
117 TOURINHO, op. cit., p.288.
118 HALL, 1995 apud TOURINHO, 2006, p.278. HALL, Peter. Cidades do Amanhã: uma história intelectual do
planejamento e dos projetos urbanos no século XX. São Paulo: Editora Perspectiva, 1995.

60
fundação, advindo do seu crescimento em conjunto com a mesma. O Centro é, portanto,
reconhecido como o “único espaço central”. Segundo a autora:
a cidade, como sistema regional, apresenta uma organização interna hierarquizada e
centralizada por um ponto focal, o ‘Central Business District’ (CBD), que aqui será
chamado simplesmente de Centro Intra-Urbano (CIU). Isto se justifica pois o CBD
tem sido ultimamente vinculado aos sistemas mais desenvolvidos, as metrópoles. O
CIU, expressão genérica, abrange não somente o CBD Metropolitano, mas também
as formas menos complexas, encontráveis em cidades menores. [...] o CIU não é
uma área homogênea. Há uma variação de tipos de utilização do solo e densidade de
concentração de formas de utilização, que tem sido chamada ‘intensidade
comercial’, que é particularmente notável no CBD Metropolitano, onde se observa
verdadeiro zoneamento interno. A porção mais altamente concentrada do CBD
Metropolitano, com maior ‘intensidade comercial’, é chamada por alguns de hard
core e por outros de ‘área primária’, para distingui-las do restante – ‘área
secundária’. Os atributos característicos do CBD Metropolitano declinam em
intensidade do hard core em direção ás margens que ao limites zonais e não apenas
linhas divisórias estreitas. Note-se que essas zonas limites não são permanentes
(LIBERATO, op.cit., p.89/90).
Segundo Tourinho, o Centro se fez com a cidade, “ele foi feito pela cidade e com a
cidade como um todo, como resumo da concentração, quando isso era possível” 119 . No Rio de
Janeiro, este processo se iniciou na primeira década do Século XIX, com a expansão urbana
causada pela chegada da família real e toda a Corte portuguesa, em 1808.
Alterações urbanas de grandes proporções se realizaram devido à imposição de uma
nova condição política do país – o Rio de Janeiro como capital do império, e também
econômica com a abertura dos portos. Segundo Silveira (2004), “promoveu-se assim forte
desenvolvimento comercial e urbano no Rio, reforçando a sua função portuária e sua condição
de cidade-capital” 120 .
Para adequar a cidade à nova situação realizaram-se muitos melhoramentos,
construíram-se prédios adequados ao seu status de capital do império português e
urbanizaram-se novas áreas aterradas na planície alagadiça. Com efeito, as
transformações do espaço urbano carioca, desencadeadas com a vinda da família
real, contribuíram sobremaneira para a radical mudança na configuração espacial da
cidade, que começou a apresentar indícios de estratificação social. O expressivo
acréscimo demográfico – constituído, em grande parte, de nobres e pessoas
abastadas – foi responsável pela primeira crise habitacional da história da cidade.
[...] No breve período de 1808 a 1822 – ano em que a Independência ratificou a
superação do antigo status colonial –, acentuou-se a importância da cidade e de seu
centro, o largo do Paço, onde se encontrava a sede da administração do governo dos
territórios pertencentes a Portugal e que teve então reafirmado o seu papel de core.
[...] [assim] até o início da terceira década do século XIX, a história da formação da
área urbana da cidade coincidiu praticamente com a história da formação de sua área
central e sua periferia imediata (SILVEIRA, op.cit., p.62-64).
119 TOURINHO, op. cit., p..286.
120 SILVEIRA, op.cit., p.62.

61
Apresentando de maneira breve um histórico da configuração do Centro da cidade do
Rio de Janeiro, já que este tema será apontado novamente no próximo capítulo, destaca-se
num primeiro momento a continuidade do processo de expansão da malha urbana durante o
Século XIX, com características tanto de periferização quanto de adensamento da ocupação
da área central. Nota-se, também, uma segregação das classes sociais e dos usos no espaço
central.
Há, portanto, o surgimento de bairros residenciais para as classes mais abastadas tanto
na periferia do centro (vetor sul) quanto no entorno do núcleo original, assim como o
deslocamento para o vetor norte e leste da periferia do centro para as classes mais pobres,
devido à falta de moradia. Outro fato interessante de se mencionar é o processo de perda da
função residencial em certos trechos do centro e a valorização dos espaços para lazer e
comércio.
Já no contexto da cidade moderna, a partir de um novo momento de expansão da
malha urbana, no início do Século XX, a centralidade passa por uma redefinição de usos e
significados e diversas re-configurações do seu espaço, tendo o seu desenvolvimento
caracterizado pela concentração de negócios e expulsão do uso residencial para outras regiões
da cidade 121 .
Na virada do Século XIX para o Século XX, a cidade do Rio de Janeiro contava com
uma população superior a 700.000 habitantes, distribuída num espaço urbano que
necessitava se adequar às exigências da nova divisão territorial e internacional do
trabalho. A economia brasileira vivia então uma fase de rápida expansão. O aumento
acelerado da atividade de exportação integrava-a progressivamente ao capitalismo
internacional. Desse modo, o espaço brasileiro, sobretudo o da sua capital, precisava
ser reestruturado para responder convenientemente à sua crescente inserção no modo
de produção capitalista. Com a nova ordem institucional desde 1889, a cidade do
Rio de Janeiro tornou-se Distrito Federal, sede do governo e capital da República. O
processo de expansão da cidade, mediante a crescente incorporação de novas áreas à
malha urbana, manifestou-se na formação de bairros residenciais e industriais
dissociados da área central. Assim, no início do século XX, o Rio de Janeiro
apresentava-se na forma dicotômica núcleo-periferia, com uma área central
praticamente delineada nos limites da ‘cidade velha’, hoje conhecida simplesmente
como ‘cidade’ (ou ‘centro’). No entanto, ali permaneceram usos e atividades
considerados indesejáveis para uma cidade moderna, principalmente os inúmeros e
frágeis cortiços (Ibid., p.66).
As contradições do movimento mundial de expansão do capital na sociedade carioca
se expressavam em diversos níveis: econômicos, ao nível das relações de trabalho;
urbanísticos relacionados à infra-estrutura; e ideológicos, posto que as “elites” reconheciam
121 ABRAMO & MARTINS, 2001.

62
na área central da cidade o oposto da imagem de “progresso” e “desenvolvimento”. “Faltava
ao centro uma ‘ordem’ a ser edificada e ‘controlada’ de modo eficaz pelo capital e seu aliado
– o Estado” 122 .
Sendo capital e o principal porto do país até pelo menos a década de 1890 [...], o Rio
de Janeiro vai apresentar todas as contradições possíveis quando as novas práticas
capitalistas vão gradativamente se infiltrando numa estrutura urbana de feições ainda
coloniais e numa sociedade escravista até 1888 (SILVEIRA, loc. cit.).
A reestruturação da cidade se concretizou na administração do presidente Rodrigues
Alves, que nomeou o engenheiro Francisco Pereira Passos como prefeito do Distrito Federal.
Assim, no início do Século XX, é implementado pelos governos federal e municipal um
amplo conjunto de reformas visando retomar a área central, então ocupada por imigrantes e
famílias pobres, e ali estabelecer novos valores econômicos. Cortiços são demolidos, avenidas
são abertas objetivando facilitar as ligações da área central com as regiões adjacentes, ruas são
alargadas e impostas normas de comportamento social 123 .
Outras intervenções urbanas características da Primeira República são as reformas e
ampliações dos portos marítimos e fluviais, assim como das áreas centrais, destacando-se aí a
Reforma Passos (1902-1906) e o Plano Agache, que serão mencionados logo adiante.
A Reforma Passos representou um marco na configuração territorial da Área Central
da cidade, isto é, na construção de uma área constituída de duas porções: o distrito
central de negócios, eixo preferencial de negócios basicamente localizado na
Avenida Central; e a sua zona periférica, expressa, sobretudo, no restante da ‘cidade
velha’ (SILVEIRA, op.cit., p.68).
No período de 1906 a 1920, se consolidam, portanto, as tendências da urbanização do
Rio de Janeiro. Há um incremento da malha urbana e, ao mesmo tempo, uma densificação na
ocupação do espaço. Quanto à sua área central, as freguesias que compunham o centro
histórico da cidade continuam a perder população devido ao processo de especialização em
zona comercial, processo apontado desde o final do Século XIX.
Segundo Ribeiro (1997), nas décadas de 1920 a 1933 a cidade se verticalizou,
revelando a espetacular atuação do mercado imobiliário. Na zona central da cidade, de acordo
com uma análise mais detalhada acerca das taxas de crescimento predial no Centro, o autor
conclui a formação de dois eixos de crescimento especializados: a Zona Comercial Central
122 RODRIGUES, op.cit., p.39.
123 MAGALHÃES, 2001.

63
(que abarcava as freguesias da Candelária, Sacramento, Santo Antônio, São José, Santa Rita)
e a Zona Industrial Central (com as freguesias de Sant’anna, Gamboa e São Cristóvão).
A partir de meados da década de 1920 iniciou-se o processo de verticalização da
área central, aprofundado na década seguinte. Os primeiros arranha-céus
localizaram-se na avenida Rio Branco, ocupando seus últimos terrenos livres ou
então substituindo as imponentes construções ecléticas do início do século, que
foram demolidas aos 25 anos de existência desta avenida. Simultaneamente, uma
porção da vasta área vazia, criada pela eliminação do morro do Castelo, encontravase
disponível ao mercado imobiliário, viabilizando novas ocupações (Ibid., p.68).
Durante a administração do prefeito Henrique Dodsworth (1937-1945), a chamada
Reforma Dodsworth marcou a remodelação da cidade pela retomada em novas bases da
urbanização da Esplanada do Castelo baseada na abertura de grandes e largas avenidas e em
construções que ocupavam quarteirões inteiros 124 .
Neste período, o centro da cidade foi o que mais sentiu as mudanças na paisagem
urbana, provocada pela abertura da Avenida Presidente Vargas. Além disso, o interesse do
capital imobiliário concentrou as atividades comerciais na área central promovendo a
construção da segunda geração de prédios da Avenida Rio Branco. É consolidado assim o
eixo "Avenida Presidente Vargas e Avenida Rio Branco", marcando para sempre o centro da
cidade. No entanto, “a expectativa de expansão da Área Central de Negócios sobre este novo
eixo, exatamente como havia acontecido com a Avenida Rio Branco, não se confirmou” 125 .
Houve um redirecionamento dos investimentos imobiliários para outros bairros, mantendo
extensos vazios ao longo da avenida durante décadas, muitos permanecendo até os dias de
hoje.
Em que pese o fato de se constituir definitivamente uma metrópole, a crença numa
quase ilimitada expansão da Área Central de Negócios – que embasou planos,
projetos, decretos e ações do Poder Público durante praticamente um século – não se
confirmou. Enquanto o uso residencial foi afastado do núcleo, a centralidade não
cresceu conforme o previsto (ou desejado), mas sim de outros modos; atividades
centrais foram localizadas em centros de bairro ou subcentros, ou então insistiram na
localização central, verticalizando intensamente apenas o núcleo. Podemos afirmar
que, no decorrer da história da cidade espaços novos com status diferenciados foram
sendo sucessivamente anexados ao tecido urbano existente, em detrimento das
ocupações mais antigas. A ocupação de áreas através da expansão urbana nos eixos
norte e sul contribuiu para a relativa estagnação da área central. Esta permaneceu
como núcleo principal até os anos 1930 e 1940, quando surgiram novas
centralidades, destacando-se Copacabana. Este bairro captou os investimentos
imobiliários que passaram a dirigir-se progressivamente para a zona Sul, seguidos
124 BARROS, 2003.
125 SILVEIRA, op.cit., p.69.

64
pelas atividades de comércio e serviços. Em meados do século XX desenvolveramse,
ainda, os subcentros do Méier, Madureira e Campo Grande, o que contribuiu para
esvaziar ainda mais a área central (SILVEIRA, op.cit., p.71-72).
Verifica-se, portanto, a partir da década de 1920 até 1970, o direcionamento da
estrutura da cidade para a policentralidade baseada em fatores de circulação e especialização
de áreas característicos do processo de metropolização. Houve o progressivo abandono de
atividades do núcleo central e o aparecimento descentralizado de novas atividades em outros
bairros da metrópole, como por exemplo, os shoppings centers.
Cabe, no entanto, uma observação acerca da passagem da monocentralidade para a
policentralidade: tal processo é complexo, variável e não acontece de maneira igual em todos
os lugares. Nas metrópoles brasileiras o monocentrismo foi progressivamente desfeito em
lógicas espaço-temporais desiguais.
O processo de descentralização transforma a centralidade do Núcleo, e o redefine
quanto à sua funcionalidade na metrópole, dividindo a localização das atividades terciárias, de
gestão pública e privada e lazer com as unidades de concentração secundária. Desta forma, o
sistema Centro/subcentros expressa a cidade descentralizada e em processo de expansão,
originando novas formas espaciais. Há uma hierarquia a partir do Centro, por exemplo: ao
Núcleo Central de Negócios seguem os eixos especializados, o centro regional intra-urbano, o
centro de bairro, as lojas de esquina.
A descentralização incorpora a dimensão social na medida em que expressa uma
complexa rede de interesses, tanto por parte de frações do capital quanto dos agentes
imobiliários, fundiários e empreiteiras, como, ainda, da parte do setor público que dispensará
gastos com a expansão e a estruturação da cidade. Na verdade, há uma aliança entre Estado e
mercado nos processos que envolvem a reorganização intra-urbana. O Estado atuará na
construção de novos centros cívicos, fóruns e novas prefeituras, assim como na estruturação
de bairros afastados do centro principal, abrigando as classes de maior renda e com alto grau
de autonomia, favorecidas em seu deslocamento pela construção de novas vias de circulação.
[...] o controle (através do Estado e do mercado) que as classes de mais alta renda
exercem sobre o espaço urbano e sobre o sistema de locomoção constitui-se na força
preponderante da estruturação do espaço intra-urbano, inclusive no desenvolvimento
de subcentros, nos deslocamentos espaciais dos centros principais e na sua chamada
deterioração ou declínio (VILLAÇA, op.cit., p.278).

65
As políticas públicas voltadas ao cenário urbano carioca, nas décadas de 1950 a 1970,
se pautaram nas renovações urbanas (com uma série de demolições na área central) e na
“febre viária” com a expansão dos meios de transportes, abertura de túneis, construções de
pontes e do metrô, ligando o centro a outras partes da cidade e viabilizando o modo de vida
nessas áreas cada vez mais distantes do núcleo central.
A conseqüência da transformação urbana para o crescente uso do automóvel se fez
sentir na área central num primeiro momento por acentuação da sua distância aos
mais modernos padrões de circulação urbana. Ruas estreitas que determinavam
redução de velocidades, ausência de estacionamento e garagens nos prédios antigos,
além da inexistência de um sistema de transportes coletivo ou de massa eficiente
tornaram a área central incompatível aos padrões de uso e atividade mais
sofisticados, acelerando a decadência e a desvalorização de determinadas áreas
(RABHA, op.cit.).
O novo padrão de mobilidade espacial decorrente da difusão do automóvel trouxe
conseqüências à área central. A produção e afirmação de outras centralidades tanto pelo poder
público quanto pelo capital imobiliário gerou várias implicações quanto ao papel do centro
para a estrutura metropolitana. Por conseguinte, o espaço urbano-metropolitano se apresenta
como fragmentado pela “dispersão e declínio das áreas centrais” 126 .
Orientadas por diferentes discursos políticos conforme o período, as intervenções
promovidas pelo Estado incluíram, por mais de 80 anos, uma ação pública
recorrente: a de afastar o uso residencial e as populações de menor renda do centro.
Viabilizadas mediante um discurso embasado no saneamento, embelezamento e
modernização da cidade, estas e outras ações do poder público constituíram, na
prática, um meio de ‘depuração sócio-espacial’ (SILVEIRA, op.cit., p.70).
A centralidade se redefine mais uma vez no contexto de consolidação da cidade
policêntrica após a década de 1980. Segundo Tourinho (2006), a partir deste momento, o
espaço é repensado, e surgem “novas centralidades” representadas como “receptáculos de
rentabilidade em que se concentram processos de intercâmbio entre a produção e o
consumo” 127 . A relação de dependência entre a cidade central e subcentros teria se modificado
dando lugar a uma relação de competição.
Estas áreas especialmente equipadas apresentam características diferenciadas que as
potencializam como pontos de concentração de atividades e permitem que
funcionem como intercambiadores de fluxos, os mais diversos – comerciais,
direcionais, informacionais, culturais, etc. Assim, a eficácia com que cada um desses
espaços se apresenta como concentrador do poder decisório é equivalente à
126 FRÚGOLI JÚNIOR,op.cit., p.29.
127 TOURINHO, op.cit., p. 288.

66
capacidade com que cada uma dessas áreas atrai para si investimentos e
consumidores (TOURINHO, op.cit., p.290).
Segundo a autora, as áreas de “novas centralidades’ não possuem o Centro como
referência imperativa, e a ele não estão ligadas hierarquicamente. Estas áreas “teriam, agora,
um ‘valor’, (...) uma ‘escala de valor’, capaz de identificar, de maneira precisa, uma
potencialidade específica do tecido especializado da cidade, produto da transformação do
espaço em mercadoria” 128 .
Destarte, esse valor viria representado pela habilidade que essas zonas têm de
concentrar atividades, diversificadas ou especializadas, capazes de gerar fluxos de
intercâmbios suficientemente rentáveis, que induzem a novos e constantes
investimentos, com um potencial simbólico independente e específico que lhes
garante algum tipo de identidade própria fora do sistema do Centro (TOURINHO,
loc.cit.)
Um exemplo de nova centralidade na cidade do Rio de Janeiro foi a produção por
parte do capital imobiliário e de setores de planejamento urbano do Estado da Guanabara, do
eixo Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes (posteriormente), área ocupada a partir da
década de 1970 como “extensão da Zona Sul e que adquiriu a dinâmica antes atribuída a
Copacabana” 129 . A urbanização da Baixada de Jacarepaguá foi marcada por extrema
velocidade, como revela Rabha (2006):
[...] em seu explosivo e rápido processo de crescimento urbano, permite estabelecer
fases que vão do ‘Eldorado Urbano’, como denominavam a região alguns
empresários de setor imobiliário, época do pioneirismo da colonização da nova
fronteira, à estruturação da cidade planejada para o século XXI, ou como preferem
alguns, a Miami Brasileira (RABHA, op.cit., p.190).
Ao longo dos anos a Barra da Tijuca foi sendo ocupada por milhares de pessoas
atraídas por lançamentos imobiliários sofisticados, ampliando seu boom imobiliário na década
de 1990, com empreendimentos comerciais e de serviços do qual são exemplos o “Downtown
e o Cittá América, além da anexação de centros de serviços e escritórios ao complexo
Barrashopping, o maior da América Latina. Nos últimos anos, começou a implantação dos
hotéis residência e dos hotéis, a mais recente conquista da Barra” 130 .
Para completar, vantagens locacionais garantidas pela qualidade ambiental, pela
melhoria da infraestrutura, maior acessibilidade, disponibilidade das
128 TOURINHO, loc.cit.
129 SILVEIRA, op. cit., p. 72.
130 RABHA, op.cit., p. 201.

67
telecomunicações entre outros fatores, acabaram por orientar um significativo
movimento das grandes empresas na direção da Barra, deixando para trás instalações
na área central ou em outros bairros da cidade. Um amplo diferencial de inovações
contido e valorizado na localização passou a ser utilizado tanto nos condomínios
fechados, juntando trabalho e moradia na forma dos home offices, quanto nos
complexos de escritórios, os park offices, a mais atual indicação de uso da área. [...]
A inauguração da Linha Amarela, em 24 de novembro de 1997, tornou possível
conectar Barra com a avenida Brasil e aeroporto em teóricos 20 minutos, uma vez
que nos dias de sol não é fácil afirmar quanto tempo leva a parte norte da cidade
para chegar à praia ou dela voltar. De qualquer modo, a acessibilidade da Barra foi
tremendamente ampliada, acelerando progressivamente o processo de urbanização.
Como lema ou jargão da época alia-se o padrão de alta qualidade dos serviços
oferecidos nas edificações ao clima ameno e agradável da paisagem local (Ibid.,
p.201-2).
Seguindo a lógica das grandes incorporadoras em considerar a Barra um futuro
“Centro da Inteligência na metrópole do Rio de Janeiro” 131 , houve na última década a saída
dos “seus antigos endereços no centro migrando em direção à Barra da Tijuca” 132 por parte de
empresas, escritórios e consultórios dos ramos ligados à saúde (planos de saúde, clínicas,
hospitais e consultórios médicos e dentários) e ao setor imobiliário (incorporadoras e
escritórios de arquitetura).
Concomitante à formação de centralidades outras, a área central passou por um
período de intensa decadência econômica e obsolescência de vários de seus espaços, como já
pode ser observado no quadro histórico apresentado. No entanto, desde os anos de 1980,
seguindo uma tendência mundial de renovação das áreas centrais, há o surgimento de políticas
urbanas envolvidas na “revitalização” do centro da cidade do Rio de Janeiro, estando
associadas à promoção econômica da cidade e à valorização dos espaços de oferta cultural
para atrair investimentos empresarias.
No último quartel do século passado, seguindo uma tendência contemporânea de
cidades européias e norte-americanas, desencadearam-se (...) na cidade do Rio de
Janeiro (...), além de algumas ações de “preservação” urbana, ações localizadas em
determinados trechos, denominadas intervenções “pontuais” ou de infill, de
“reciclagem”, de “requalificação” e de “reabilitação” dos espaços intersticiais das
cidades contemporâneas. De acordo com essa modalidade de intervenção, atividades
comerciais, residenciais, de serviços, de entretenimento e de cultura passaram a
ocupar espaços anteriormente ‘degradados’ pelo afastamento de alguns usos
hegemônicos, substituídos gradativamente por atividades comerciais e residenciais
populares ou marginalizadas (SILVEIRA, op.cit., p. 77).
131 Nomeclatura atribuída à Barra da Tijuca pela empresa Carvalho Hosken S.A. e apresentada por Rabha
(2006, p.202). CARVALHO HOSKEN S A. Engenharia e Construções. Barra da Tijuca, ano 2000: Trajetória
para o Terceiro Milênio. Rio de Janeiro: A entidade, 1996, p.45; id., 2005, p.52
132 Rabha (2006) sobre nota divulgada pela mídia ( p.202).

68
Ao concluir este quadro de interpretações sobre a configuração da centralidade na
cidade do Rio de Janeiro e sua dinâmica recente, manifesta-se a necessidade de explicação
acerca das lógicas de significação e redefinição que participam do processo de retomada do
centro nas últimas décadas. Como aponta Rabha (2006) a respeito deste debate sobre os
centros urbanos:
Para o lugar que foi o ‘centro da cidade’, é preciso conhecer as configurações do que
hoje se apresenta como uma ‘centralidade em xeque’. Vale dizer, buscar conhecer
numa cidade-mosaico, formada por fragmentos sem identidade ou em permanente
construção de identidades, que impactos ocorrem na antiga área central decorrentes
do crescimento, da expansão, das mudanças tecnológicas, das forças do mercado
imobiliário que promovem uma incessante busca por inovação, por novas formas e
novos lugares. Ou compreender como a antiga centralidade possa ser transformada,
na contramão de toda sua intencional produção, em lugar de moradia ou como a
localização que negou a mistura de usos e a própria urbanidade modifique sua
singela proposta de agreste espetáculo da natureza em centro de serviços. O
reconhecimento efetivo das situações que se processam na área central coloca-se
como instrumental necessário à compreensão do processo de mudanças que altera os
sinais emitidos ao longo da história de construção da cidade, para daí compreender
sentidos e resultados (ibid. p.206-7).
Concluindo, vale registrar que este capítulo examinou o processo de estruturação da
Área Central, desde a sua formação a partir do século XIX até o contexto metropolitano.
Verificou-se a produção do espaço da área central e suas formas de articulação com os demais
elementos da estrutura intra-urbana. Desta maneira, acredita-se que este exercício teóricometodológico
tenha deixado claro os diferentes atores e as práticas de interesses distintos,
envolvidos nas lógicas de organização da sua espacialidade ao longo do tempo.

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CAPÍTULO 2 - A DINÂMICA DA CENTRALIDADE: MUDANÇAS E
PERMANÊNCIAS NA CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA CIDADE DO RIO DE
JANEIRO
Paisagens aéreas atuais da Zona Portuária, Estação das Barcas e Praça XV de Novembro, e Avenida Rio Branco
(da esquerda para direita; de cima para baixo).
Fonte: Internet
A reconstituição de alguns elementos da história da cidade do Rio de Janeiro revela
aspectos que conduziram à formação, à expansão, ao declínio e à retomada da sua
área central, tendo em vista a recente implementação de políticas públicas de
revitalização ou requalificação urbanas. Num ambiente urbano hoje constituído por
diversas centralidades, a relevância dessa área é explicitada no processo de
urbanização da cidade. Podemos reconhecer a existência de uma estrutura urbana
policêntrica ou polinucleada na configuração espacial da cidade, onde o centro
permanece como a principal centralidade, sendo objeto de diversas ações e
intervenções do poder público (SILVEIRA, op.cit., p.21).

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De forma a compreender a importância do papel da centralidade na memória urbana da
cidade do Rio de Janeiro, este capítulo resgata os processos históricos que engendram a
formação da área central e a sua re-configuração ao longo do tempo. Tal proposta teóricometodológica
se encontra na justificativa que, concordando com Silveira, “a reconstituição
histórica e a configuração atual da cidade ratificam a expressão da área central no âmbito da
sua estruturação urbana” 133 .
Sob diferentes contextos produzidos por atores hegemônicos ligados ao Poder Público
e ao capital, a área central passou períodos áureos que expressavam a sua importância como
núcleo da capital da colônia, sede da corte portuguesa, capital do império, da república, do
Estado, cidade-estado, assim como por períodos de decadência e obsolescência dos seus
espaços e atividades. Concomitante à sua re-configuração sócio-espacial tem-se também
redefinições quanto aos seus significados para a metrópole carioca, bem como para o contexto
nacional e internacional. Nessa direção, atualmente, essa área afirma-se “como centralidade
no que respeita a indicadores econômicos, sociais, culturais e a aspectos simbólicos, entre
outros” 134 , no cenário metropolitano carioca.
Compreende-se a atual organização espacial da área em estudo como loci de
interseção de processos sociais e acumulações de tempos 135 . Logo, apontam-se os aspectos do
quadro evolutivo da cidade do Rio de Janeiro, responsáveis por mudanças na sua paisagem
social e material 136 num período que vai desde meados do século XIX até o começo do século
XXI, dirigindo a atenção para as principais intervenções urbanísticas que marcaram a
evolução urbana do centro da cidade. Tal resgate tem como propósito diferenciar as
intervenções sobre o espaço urbano por “períodos que se caracterizam pela natureza de seus
objetivos e, conseqüentemente, pelos resultados obtidos. São objetivos que partem de
ideologias e paradigmas de desenvolvimento urbano (...) que passam a moldar a própria
realidade” 137 .
O estudo sobre as intervenções urbanísticas no centro do Rio de Janeiro deve levar em
consideração alguns aspectos. Primeiramente, “o papel de capital (da colônia, do Reino, do
Império e da República) exercido pela cidade ao longo de quase duzentos anos (1763 a 1960),
tornando-a palco de transformações políticas, econômicas, sociais e culturais” 138 . Em segundo
133 SILVEIRA, op.cit., p.316.
134 SILVEIRA, loc..cit.
135 ABREU, 2003.
136 RODRIGUES, op.cit.
137 DEL RIO, 1993, p.55.
138 Ibid., p.37.

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lugar, a posição da cidade do Rio de Janeiro no movimento mundial de expansão do capital
que promoveu a importação das relações tipicamente capitalistas de produção pela elite
carioca 139 , engendrando “processos e acontecimentos responsáveis por mudanças na paisagem
social e material da cidade” 140 . Nestes termos, como agente de mudanças do urbano,
destacamos o Estado, representado pelos seus “aparelhos” e parceiro das parcelas dominantes
da sociedade, que legitima, através de suas políticas, o modelo mundial de desenvolvimento
aliado à ‘modernização’ capitalista.
Para melhor interpretação deste quadro serão considerados os atores envolvidos, como
o Estado e o setor privado, seus discursos e estratégias locacionais, assim como o imaginário
simbólico representado na espacialidade do Centro e, em seguida, como as transformações
nesta última afetam os significados da centralidade para a população.
Desta forma, mais amiúde, dado o resgate histórico perseguido, buscar-se-á sublinhar
as mudanças e permanências sócio-espaciais que caracterizam a antiga centralidade (com
seus atributos físicos, funcionais e simbólicos), vigente até a década de 1950. Logo após,
abordam-se as transformações da mesma, a partir da década de 1960, ligadas aos processos de
descentralização e a perda da importância relativa do centro na escala intra-urbana, regional e
nacional.
A afirmação de novos centros dentro deste quadro de mudanças na escala
metropolitana, tanto para os primeiros subcentros (Copacabana, Botafogo, etc.) quanto para
centralidades com novas dimensões como a Barra da Tijuca, traz impactos para o tradicional
Centro. No entanto, nas últimas décadas do Século XX, configura-se um movimento de recentralização
iniciado por meio de ações de preservações do patrimônio edificado e resgate
das funções culturais, comerciais e de serviços.
Apesar desta dinâmica ser denominada de “volta ao Centro”, tanto na literatura da área
de urbanismo quanto pela mídia e Poder Público, “o processo de redefinição e recomposição
da centralidade no contexto urbano contemporâneo” envolve definições “do que seja central,
segundo determinados atores” 141 que, por decorrência, impõem novas visões e representações
sobre o “Centro”. Cabe a este estudo avaliar como esta noção orienta novas formas de
apropriação do espaço central – no caso pelas Instituições privadas de Ensino Superior,
buscando o sentido da refuncionalização da área central do Rio de Janeiro vista por meio da
instalação das mesmas em seu espaço, nas últimas décadas.
139 BARBOSA, 1992.
140 RODRIGUES, op.cit.
141 FRÚGOLI JÚNIOR, op.cit.

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No entanto, para entender a dinâmica da centralidade, serão discutidas inicialmente
algumas questões referentes à natureza do processo de descentralização e re-centralização.
Neste sentido, caberá uma reflexão acerca da natureza do processo de esvaziamento do
Centro, articulando-o com o discurso do seu “declínio”. Com base em leituras recentes sobre
o campo analítico em pauta, serão apontados alguns fatores que justificam a transformação da
antiga centralidade da área central, como a “perda” de funções centrais, com destaque para a
função de comando dos fluxos sobre a cidade.
Outro fator diz respeito à consolidação de novas centralidades, como a Barra da
Tijuca, pois estariam se tornando áreas mais aptas a promover os fluxos dentro da cidade. O
Centro estaria, realmente, perdendo lugar na hierarquia intra-urbana? Nessa perspectiva
verifica-se a existência de remanescentes de centralidade que teriam permanecido e que de
certa forma ancorariam uma possível “retomada” do espaço central.
No entanto, cabe ao estudo refletir sobre o discurso da “volta ao Centro”, a sua
natureza, os atores sociais que de fato estariam atuando sobre tal espaço. Tal processo
apresenta movimentos de “gentrificação” ou os setores populares participam desta
(re)apropriação?
Finalmente, abordamos o debate sobre as (novas) formas de apropriação do Centro. De
fato, as áreas centrais ainda se constituem em “terreno estratégico” para algumas atividades
no contexto metropolitano contemporâneo, sendo assim questionam-se as dimensões
representativas (política, econômica, sócio-cultural) que afirmam a referência da centralidade.
Eis algumas questões a examinar: como a centralidade vem sendo redefinida, articulada e
negociada pelos grupos sociais dominantes, e como estes se articulam com o poder
público? 142
No intuito de explicitar algumas questões que têm dificultado o esclarecimento dos
problemas assinalados, registra-se a concepção de “cidade mercadoria” examinada em
Lefebvre 143 . De acordo com o autor, a visão da cidade como obra, valorizada em seu valor de
uso, teria sido alterada pelo capitalismo industrial que se apropriou de espaços da cidade,
transformando-os em mercadoria. Esta apropriação se deu no contexto do surgimento da
cidade industrial e do aumento populacional causado pelo êxodo rural, acirrando o processo
de urbanização nos países centrais na passagem do século XVIII/XIX. A partir deste
momento a cidade se configurou cada vez mais como espaço fragmentado e segregado, como
142 Questões importantes levantadas por Frúgoli Júnior em seu trabalho sobre a centralidade de São Paulo.
143 LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.

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a Paris do Século XIX trazida por Frúgoli Júnior - cortada por boulevares e resignificada por
meio de valores atribuídos por “alianças estratégicas entre o poder público e setores do capital
– incluindo o favorecimento da especulação imobiliária e do capital financeiro” 144
A “mercadorização” da cidade em sua totalidade se consolidou sob a égide do
capitalismo concorrencial, e se expressa na prevalência do valor de troca atribuído as
atividades que se realizam por meio da materialidade dos espaços físicos. Atualmente, a
dimensão financeira se impõe na negociação dos lugares como mercadoria, refletindo em
alguns casos uma “nova articulação entre as frações de capital - o financeiro, o industrial e o
comercial através do setor imobiliário” 145 .
Tais reflexões trazem contribuições importantes para a compreensão da dinâmica
metropolitana carioca e da sua área central no momento atual, pois se observam novas formas
de reprodução de capital por meio da reprodução do espaço. Segundo Colombiano (2005), a
“valorização das áreas centrais surge, então, como um ícone da atualidade, permitindo
novamente a apropriação dessas áreas pelo capital” 146 .
São atores deste processo, em primeiro lugar, o mercado imobiliário, com as grandes
incorporadoras, firmas de engenharia e arquitetura predial, que lucram com a construção ou
“retrofit” 147 e comercialização de salas ou mesmo edifícios inteiros – os chamados
“inteligentes” ou pós-modernos. Há também o investimento em empreendimentos
imobiliários residenciais, “iluminados” no que se refere ao discurso da reversão da decadência
do centro.
Além destes, há os investimentos efetuados pelo poder público em parceria com o
setor privado na implantação de projetos de preservação, “revitalitação” e/ou “requalificação”
urbano-culturais. Os ambientes preservados ou reconvertidos em espaços de lazer e
entretenimento ligados à cultura, e que se convertem em espaços de consumo turísticocultural,
passam a se constituir em lugares a serem negociados, seja através do turismo, seja
através da criação de inúmeros centros culturais (SILVEIRA, 2004).
Portanto, além dos novos usos ligados ao turismo cultural (visitas às bibliotecas,
espaços e centros culturais e religiosos, exposições, etc.), são apontados os novos
144 FRÚGOLI JÚNIOR, op.cit., p.19.
145 CARLOS, 2005, p.32.
146 COLOMBIANO, op.cit., p.76.
147 Termo que designa uma modernização predial completa dos equipamentos e instalações (automação, linhas
de fibra ótica, etc.) mantendo a estrutura externa, como características históricas contidas na fachada, sacadas,
piso, etc.

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empreendimentos no setor de serviços avançados 148 no núcleo central, como os serviços
corporativos materializados nos “edifícios inteligentes”; as universidades particulares; cafés e
livrarias; e a consolidação do que denominamos Pólo Comercial de Luxo 149 , formado por
lojas de griffe do ramo do vestuário, bolsas e calçados.
As políticas de revitalização da área central postas em marcha pelo governo e suas
parcerias do setor empresarial favorecem a organização comercial, na medida em
que restituem as dinâmicas econômica e cultural que estabelecem nexos
convergentes para esta área. O centro dos dias atuais, na sua heterogeneidade
interna, oferece cultura, comércio, serviços e lazer, buscando resgatar a imagem dos
anos 50, ou do tempo da Corte, quando tudo acontecia no centro. Dentro do
quadrilátero histórico, (...) o comércio se beneficia desta vida nova que se tenta
imprimir, recuperando as fachadas e a imagem urbana através de algumas
referências como uma confeitaria, uma chapelaria, um empório de vinhos e
importados, enfim, um comércio especializado e que tem a marca de símbolos
cariocas vinculados ao centro histórico (PACHECO, 1999, p.2).
Cabe então considerar a visão crítica acerca deste tema apresentada em tantos autores
que debatem a revitalização de áreas centrais. Segundo Fernandes (2003) 150 , a dinâmica
urbana tanto de cidades médias ou grandes tem sido regulada pela “força do lucro”. Logo, o
termo “revitalização de áreas centrais” deve ser problematizado: “o que se entende por
revitalizar, o que revitalizar, por que revitalizar, para quê e para quem?” 151 . Santos (1995)
também questiona as ações do Estado nas áreas centrais, avaliado-as como lugares
privilegiados para os investimentos do Poder Público relativos aos projetos de revitalização.
Para Silveira (2004), com relação aos chamados “projetos de ‘revitalização’ ou
‘requalificação’, podemos afirmar que a própria concentração de recursos financeiros em
determinados lugares tende a promover a sua ‘gentrificação’” 152 .
Segundo a autora, revitalizar (incluindo práticas de preservação) “em direção à
valorização [dos espaços] como mercadoria seria esvaziar os espaços simbólicos da cidade de
148 Segundo Pacheco (1999), são serviços ligados à terceirização da economia tais como: contabilidade,
publicidade, serviços de lazer, educação, comércio, transportes, comunicações, consultoria, etc. Assim, no
campo do terciário superior, citamos os serviços de assessoria a empresas, e sob princípios da acumulação
corporativa, incluímos os seguros, serviços financeiros, jurídicos, de gestão e consultoria técnica e de recursos
humanos (formação profissional, gestão de recursos humanos, estudos de viabilidade econômica e financeira),
além da infra-estrutura informacional e científico tecnológica.
149 Quadrilátero formado pelas ruas do Ouvidor, do Carmo, da Assembléia e Uruguaiana (incluindo em seu
interior as Ruas Gonçalves Dias, Avenida Rio Branco, Sete de Setembro e da Quitanda).
150 FERNANDES, 2003 apud SILVEIRA, 2004, p.51. FERNANDES, Ana Cristina. “Revitalização de Áreas
Centrais”, 2003, 16 p. (mimeo).
151 SILVEIRA, loc.cit.
152 Ibid., p.311.

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sentido” 153 . Logo, é preciso questionar se “os novos projetos de ‘revitalização’ como as
formas atuais dos planos e projetos de renovação urbana, (...) muitas vezes, resultam em
processos de elitização dos espaços” 154 , como os planos de revitalização da Praça Tiradentes e
a criação do Distrito Cultural da Lapa 155 .
Visando compreender esses projetos será desenvolvido um breve histórico acerca da
dinâmica sócio-espacial da Área Central do Rio de Janeiro reconstituindo fatos importantes
desta complexa centralidade que se apresenta, hoje, como uma “Área Central de Negócios,
cercada de áreas preservadas de valor histórico, de uso misto”, com significativa presença de
residências, além de outras edificações “antigas, deterioradas, arrasadas e, ainda, grandes
vazios que compõem um território singular na estrutura urbana” 156 . Segundo as autoras, a
observação atenta desta realidade aponta uma série de transformações em curso, que se
caracterizam por “duas direções opostas: uma, de modernização e renovação, e a outra de
degradação e empobrecimento”.
2.1. DE CENTRO DA CIDADE COLONIAL AO CENTRO DA METRÓPOLE
CAPITALISTA
O sítio urbano e sua posição como “centro da cidade” estão relacionados à história de
São Sebastião do Rio de Janeiro, que já foi capital da colônia, sede da corte portuguesa,
capital do império, capital da república, cidade-estado e capital do Estado. Desta forma, a
cidade do Rio de Janeiro passou pela condição de município neutro, distrito federal, estado
federado e, atualmente, é um município do ponto de vista jurídico. Essas especificidades
urbanas dão ao centro uma dinâmica diversificada. É nessa parte do espaço carioca que
ocorreram as maiores transformações nas formas e funções espaciais.
O sítio original 157 designado, desde o século XVI, como a região da Guanabara, era
formado por planícies entre o mar e os maciços de topo arredondado. Na época do primeiro
povoamento, no Século XVI, os pântanos e lagoas cobriam as planícies e os vales. O seu
153 Ibid. p.314.
154 Ibid., p.51.
155 São objetos de estudo da autora em sua tese de doutorado as políticas culturais que envolvem a revitalização
da Praça Tiradentes e a criação do Distrito Cultural da Lapa.
156 VAZ; SILVEIRA, 1994, p.95-6.
157 LAMARÃO, 1991.

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relevo era constituído dos morros 158 e o desenho do litoral era recortado por enseadas e
ilhas 159 .
Tais características morfológicas do sítio aliadas à sua posição estratégica,
principalmente, da Baía de Guanabara, ofereciam “abrigo seguro para os navios contratempestades
e corsários, e possibilitava a circulação de mercadorias com o fundo da Baía” 160 .
Estes dois elementos contribuíram decisivamente para a fundação da cidade de São Sebastião
do Rio de Janeiro, em 1565, mesmo com a presença militar francesa, que ocupou a Ilha de
Villegainon, em 1555. Assim, a cidade se beneficiava de sua posição como ponto de ligação
com o sul da colônia e do continente, atuando como escala obrigatória durante essas
viagens 161 .
O início da ocupação do sítio se deu de forma precária na entrada da Baía de
Guanabara. Dois anos após a fundação da cidade, com a derrota francesa, parte da população
deslocou-se para o Morro do Castelo e adjacências, corroborando com o “exercício do poder
político-administrativo e militar. Instaurava, também, a noção de centralidade através das
edificações governamentais ali concentradas” 162 .
Outro elemento importante a respeito da ocupação do morro é a sua marcante divisão
social, pois a nobreza vitoriosa da guerra foi presenteada com as áreas planas da cidade.
Inicia-se então, já no início do Século XVII, “a descida para a várzea, no entorno do antigo
Terreiro do Carmo” 163 . Assim, “a cidade expandia-se (...) na direção do morro de São Bento,
pressionada pelo crescimento populacional e pela nova função adquirida pela cidade - a
portuária” 164 .
Segundo Magalhães (2001), o processo de estruturação urbana do centro da cidade é
marcado por intensa mobilidade espacial e reformas urbanísticas. A formação da malha
urbana se deu em meio a aterros nas áreas alagadas contíguas aos dois morros, sendo
158 Morros do Castelo, Santo Antônio, São Bento, Conceição, Saúde, São Diogo, Livramento, Providencia,
Pedro Dias, Santa Tereza (ou Pinto, ou Nheco).
159 Na parte mais funda do litoral estavam os sacos do Valongo, da Gamboa, do Alferes e de São Diogo, este
último, dominado por manguezais até o atual Campo do Santana. Suas praias compreendiam: Formosa, Prainha,
Don Manuel e a do Mercado. As lagoas compreendiam: a Sentinela (próxima ao morro de Pedro Dias, depois
Morro do Senado), a lagoa do Polé ou Pavuna (norte do morro de Santo Antônio), lagoa de Santo Antônio (entre
o morro do Castelo e o morro de Santo Antônio), do Desterro e do Boqueirão. As ilhas existentes eram a das
Cobras, das Moças, dos Cães, e a dos Melões ou João Damasceno.
160 BERNARDES, 1987, apud COLOMBIANO, 2005, p.10.
161 Ibid.
162 SILVEIRA, op.cit., p.59.
163 MAGALHÃES, op.cit., p.741.
164 SILVEIRA, passim.

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delimitada “grosso modo pelos morros do Castelo e de Santo Antônio, ao sul, e de São Bento
e Conceição, ao norte”, permanecendo tal limite por longo período.
Na primeira metade do século XVIII, o Rio de Janeiro experimentou importante
surto econômico e comercial, provocado pela descoberta de ouro na região das
Gerais na última década do século XVII. A cidade foi extremamente favorecida por
sua localização geográfica, estratégica para a ligação com as Minas Gerais. Esta
característica de centralidade regional foi reforçada com o desenvolvimento de
acessos inter e intra-urbanos. O porto do Rio, que até então escoava a discreta
produção açucareira do recôncavo da baía da Guanabara, tornou-se o exportador
natural do ouro e diamantes extraídos nos distritos mineradores e a porta de entrada
de gêneros alimentícios, tecidos e escravos demandados pelas Gerais (SILVEIRA,
op.cit., p.60).
Entre o início e meados do Século XVIII a cidade expandiu seu contingente
populacional e sua malha urbana, promovendo um adensamento da população. No contexto
de decadência da mineração, o Rio de Janeiro torna-se, em 1763, capital da colônia e sede do
vice-reinado, ampliando novamente as suas “funções urbanas (...) em virtude, exatamente, das
[suas] novas atribuições político–administrativas” 165 .
Até o fim do Século XVIII, a cidade permanece em seu processo de expansão para
além do quadrilátero original, destacando novas áreas residenciais e de circulação, como o
Passeio Público, assim como usos especializados no centro da cidade (rua Direita), o que
exigiu o deslocamento de “usos sujos” (hospital, mercado de compra e venda de escravos,
depósitos, cemitério e presídio) para a periferia, nas proximidades da Prainha. Com a
expansão, a periferia imediata da cidade passa a ser constituída ao sul pelos bairros da Lapa e
da Glória até o largo das Pitangueiras (hoje largo do Machado), e ao norte pelos atuais bairros
da Saúde e Gamboa 166 . Neste contexto de transformações tem-se a afirmação de uma
importante centralidade na cidade.
As últimas décadas do século XVIII foram cruciais para o fortalecimento do largo
do Paço, constituído após um longo processo encetado quando a cidade começara a
se espraiar pela várzea contígua ao morro do Castelo. Assim, esse largo afirmava o
seu papel de core da cidade, uma vez que abrigava edificações governamentais,
como o Palácio dos Vice-Reis, marcos de poder e elementos instauradores de
centralidade. (...) Ao encerrar o século XVIII, o Rio de Janeiro já era a cidade mais
populosa e principal centro urbano, comercial e militar da colônia (Ibid., p. 60-61).
165 Ibid., p.60.
166 SILVEIRA, loc.cit.

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Como já mencionado no capítulo anterior, a expansão urbana proveniente da chegada
da família real e da transferência de toda a Corte portuguesa, no início do Século XIX, mudou
as feições históricas da cidade e refletiu a sua nova condição política de capital do Império
português. Neste contexto, o centro da cidade tem o seu papel reafirmado com a função
administrativa.
O impacto sócio-espacial causado pelo aumento demográfico e necessidade de áreas
para moradia da nobreza se expressou em novos aterros na área central e na expulsão dos
antigos habitantes que foram forçados a sublocarem suas casas ou se deslocarem para áreas
mais afastadas 167 .
Desta forma, devido à crise habitacional surgida, as classes mais pobres foram se
deslocando em direção à periferia do centro, num vetor norte e oeste onde antes já havia
chácaras. No vetor sul, “sobre a estreita faixa de terra entre os morros e o mar”, tem-se a
“formação de bairros residenciais” 168 . Na área do aterro do mangal de São Diogo, formou-se o
antigo arraial de São Cristóvão, “que em pouco tempo tornou-se local de moradia de famílias
ricas. Na área aterrada a partir do Campo de Santana, denominada mais tarde de ‘Cidade
Nova’, foram abertas algumas ruas, ainda nas primeiras décadas do século XIX” 169 .
Concomitante ao processo de expansão urbana há também um movimento de adensamento na
área do antigo casario do centro colonial e nas demais áreas desocupadas junto ao núcleo
inicial da cidade, com a formação de bairros residenciais de população mais abastada. Outro
fato digno de menção é o processo de perda da função residencial em certos trechos do
centro, “notadamente no largo do Paço e arredores, onde antigas moradias passam a abrigar
‘cafés, bilhares e hotéis’” 170 .
Ao longo do tempo, o Rio de Janeiro deslocou sua direção de expansão, em função
de dos interesses das classes mais abastadas, deslocando também a direção de
expansão do seu centro. Se o primeiro sentido de crescimento da cidade foi o da orla
do mar, no início do século XIX houve uma mudança nessa direção, voltando-se a
cidade para o interior e sua nova centralidade passando a desenvolver-se em torno
do Campo de Santana. No final do século XIX, deu-se o terceiro deslocamento do
eixo de crescimento da área central do Rio, restaurando-se o eixo norte-sul
(MAGALHÃES, 2001, p.741).
167 Ibid., p.62.
168 Ibid., p.65.
169 Ibid., p.63.
170 Ibid., p.64.

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Segundo Abreu (1987), essas mudanças na configuração do centro refletem uma
segregação espacial em formação advinda de uma tênue diferenciação social entres ricos e
pobres que se instala nas cinco freguesias urbanas (Candelária, São José, Sacramento, Santa
Rita e Santana), equivalentes às atuais Regiões Administrativas do Centro (II RA) e Portuária
(I RA). As classes pobres,
devido às suas restrições de mobilidade, concentravam-se sobretudo nas freguesias
de Santa Rita e Santana (atuais bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa). (...) Desse
modo, os usos e classes sociais, aglomerados na cidade colonial, começavam a
segregar-se, a princípio de forma gradual e a partir de meados do século XIX,
sobretudo após 1870, de maneira cada vez mais acelerada (SILVEIRA, op.cit.,
p.64).
A década de 1830 marca a posição da cidade do Rio de Janeiro no movimento mundial
de expansão do capital 171 . Intensificam-se a importação das relações tipicamente capitalistas
de produção, graças à produção cafeeira, que se firmava como principal produto de
exportação do Brasil. Neste sentido, as atividades portuárias passam a se destacar na
economia carioca 172 .
O cenário capitalista mundial passa então a influenciar paulatinamente a configuração
sócio-espacial brasileira e, por conseguinte a promover mudanças no espaço urbano carioca,
ditando novas relações econômicas e políticas. Durante a segunda metade do Século XIX
tem-se a extinção do tráfico negreiro (1850), a abolição da escravatura (1888) e a
proclamação da República (1889). Neste contexto uma nova configuração social passa a se
formar na capital do país, apresentando um crescimento demográfico causado pelo aumento
da mão-de-obra imigrante estrangeira assalariada, substituta à escrava africana.
O processo de urbanização carioca sofreu a influência da “cidade moderna” européia e
sua lógica modeladora do espaço promotora da cooperação urbana e da acumulação de
capital. No Rio de Janeiro, principal núcleo urbano do país, o capital privado, em grande parte
171 Baseado no modelo primário-exportador, em meados do século XIX, houve um crescimento das exportações
representando a articulação das áreas produtoras de café com o mercado internacional. Contextualizada na nova
fase de desenvolvimento tecnológico sucedida nos países centrais, este momento trata da inserção do Brasil na
economia mundial com seu crescimento econômico-monetário que resultará na transição para umafase mais
especificamente capitalista – industrial. O Estado de São Paulo conduzirá o processo de gênese do capitalismo
no país devido ás “dinâmicas relações café-indústria”, inscrevendo os “demais espaços regionais (...) em maior
ou menor grau, na divisão internacional do trabalho” (NATAL, 2005, p.34).
172 “Ao decretar a abertura dos portos brasileiros às nações amigas de Portugal, o príncipe-regente D. João VI
rompeu com os estatutos do pacto colonial, que limitava as transações da colônia à sua metrópole. Desse modo,
o Brasil passava a se articular diretamente com a economia européia, sobretudo com a Inglaterra, precursora da
Revolução Industrial e grande exportadora de produtos manufaturados e alimentos” (SILVEIRA, 2004, p.61).
Além do porto do Rio de Janeiro se destacar devido à importância da cidade-capital, até meados do Século XIX,
o porto de Santos se caracteriza como o “porto do açúcar”, para mais tarde se tornar o “porto do café” junto com
São Paulo (SANTOS, 2001).

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estrangeiro, implantou as primeiras redes de estruturação de cidades ou de infra-estrutura
urbana (água, esgoto, elétrica e viária), beneficiando as freguesias centrais neste período.
Segundo Silveira (2004), a “introdução dos transportes coletivos modernos,
notadamente os bondes”, direcionou os vetores de deslocamento da moradia das classes média
baixa e média/alta para as zonas Norte e Sul, respectivamente, e consolidou a especialização
espacial da cidade levando os usos industriais para os subúrbios, longe do centro. Tal
facilidade de deslocamento para as novas áreas nobres criadas pelo capital imobiliário, aliada
ao surgimento de epidemias levou à saída das elites do núcleo histórico e sua ocupação pela
população pobre.
Podemos estabelecer esta década [1850] como um marco no processo de
transformação de uso na área central da cidade [...]. Muitos capitais antes alocados
no tráfico negreiro e na cafeicultura dirigiram-se ao urbano, onde eram investidos
capitais estrangeiros nas obras de infra-estrutura. Esboçaram-se os mercados
imobiliário e fundiário. A cidade tornou-se um bom negócio: lotear terras e construir
moradias para aluguel passaram a ser excelentes campos de investimento
(SILVEIRA, op.cit., p.66).
Nas últimas décadas do referido século “verificou-se um crescimento demográfico
acelerado” na cidade do Rio de Janeiro, acentuando duas crises sociais: a sanitária e de
moradia. “À crise sanitária adicionou-se a da moradia, expressa no grande contingente de
pobres que buscava formas de sobrevivência na área central”. Segundo Silveira, como
conseqüência, tem-se um “adensamento da pobreza” expresso no processo de favelização
iniciado no “morro de Santo Antônio e, logo depois, no morro da Providência” 173 . Assim, a
pobreza no centro se apresentava na
[...] multiplicação dos cortiços, moradias precárias de aluguel instaladas nos fundos
dos quintais, ou em construções subdivididas que haviam sido desocupadas pelos
ricos. No intuito de equacionar, ao menos parcialmente, os graves problemas
urbanos, os trechos designados de cidade velha e cidade nova – isto é, o centro
histórico e sua área em torno, consolidados na estrutura urbana – tornaram-se alvo
de drásticas intervenções na passagem do Século XX (Ibid., p.66).
As intervenções urbanas na área central da cidade do Rio de Janeiro, a partir do Século
XX, têm como principal agente o Estado, e estão dentro de um contexto de desenvolvimento
social e econômico de âmbito nacional e internacional. À nova ordem institucional, desde
173 SILVEIRA, op.cit., p.66.

81
1889 - com a cidade do Rio de Janeiro tornando-se Distrito Federal, sede do governo e capital
da República - soma-se uma “nova ordem urbana” amparada pelas elites, orientando a
modificação no perfil das cidades de acordo com o processo de industrialização periférico
(OLIVEIRA, 1982). Nesse contexto, a preocupação do Estado era resolver o “caos e a
desordem” e promover a cooperação urbana.
“A realidade espacial – o espaço – é, sem dúvida, a expressão dos processos
econômico-espaciais que atuam sobre determinado território, e as políticas públicas
integram esses processos. (...) O espaço integra, pois, a dinâmica do processo
espacial, da qual resultam a organização do território e configurações espaciais
específicas. Configurações espaciais que correspondem às diferentes formas de
organização sociais no decorrer desse processo e são, ao longo do tempo,
modificadas tanto pelos vários agentes que nela interferem quanto por seu próprio
dinamismo interno” (BERNARDES, 1986, p.84)
Segundo Bernardes, a ação do poder público contribuiu para alterar a estruturação do
território. O planejamento urbano surge no Brasil como fruto de uma articulação de ações e é
considerado instrumento estatal no processo político, econômico e social. Assim, o poder
político passa a ordenar o território mantendo o planejamento a serviço do desenvolvimento
econômico por suposto, capitalista.
2.1.1. As reformas urbanísticas que marcaram a evolução urbana do Centro
O estudo da evolução das intervenções urbanísticas nos centros urbanos permite
diferenciá-las por períodos que se caracterizam pela natureza de seus objetivos e [...]
pelos resultados obtidos [...] objetivos que partem de ideologias e paradigmas de
desenvolvimento urbano [...] que passam a moldar a própria realidade (DEL RIO,
op.cit., p.55).
Segundo Leme (1999), o período de 1895-1930, que antecede o período Vargas (1930-
1950), tem na prática das intervenções urbanas a característica dos melhoramentos pontuais
na cidade. Para Ribeiro & Cardoso (1996), “ao longo da Primeira República, as intervenções
na cidade não configuram exatamente o modelo do plano urbanístico, já que, em geral, não
consideram a cidade na sua totalidade” 174 . A estética é vinculada à saúde. A cidade é
“melhorada” nas dimensões do saneamento, embelezamento e expansão. São destacadas a
Reforma Passos (1902-1906) e o Plano Agache (década de 1920).
174
RIBEIRO; CARDOSO, 1996, p.58.

82
O processo de expansão da cidade, mediante a crescente incorporação de novas
áreas à malha urbana, manifestou-se na formação de bairros residenciais e
industriais dissociados da área central. Assim, no início do Século XX, o Rio de
Janeiro apresentava-se na forma dicotômica núcleo-periferia, com uma área central
praticamente delineada nos limites da ‘cidade velha’, hoje conhecida simplesmente
como ‘cidade’ (ou ‘centro’). No entanto, ali permaneceram usos e atividades
considerados indesejáveis para uma cidade moderna, principalmente os inúmeros e
frágeis cortiços (ABREU, 1987, p.59).
O velho centro da cidade, herdado do período colonial, reunia as freguesias da
Candelária, de Santana, Santo Antônio, Sacramento, Santa Rita e São José e, juntas,
representavam, tanto para as elites como para o Estado, um entrave ao desenvolvimento
capitalista. Os motivos estavam interligados e se baseavam: no caráter estreito e muitas vezes
sinuoso das ruas que geravam congestionamentos; no deslocamento das classes abastadas em
direção aos bairros de Botafogo, Catete, Glória, “Cidade Nova”, São Cristóvão e Engenho
Velho; na presença de uma população miserável composta por homens livres, escravos de
ganho, imigrantes internos e estrangeiros; e no crescimento populacional da população
acompanhado por uma crise habitacional que, reunidos, direcionavam a população pobre para
as habitações coletivas (cortiços, estalagens, casas de cômodo) na área central. “Mal
conservadas, insalubres e superlotadas, estas habitações eram apontadas como verdadeiros
focos de doenças” 175 .
Portanto, sob este olhar da chamada “Medicina Social”, e outro menos explícito por
parte das elites, o de que estes lugares também eram potenciais para revoltas populares, o
discurso higienista se legitima a partir da segunda metade do Século XIX, relacionado a um
quadro político-ideológico, econômico e social disseminador do desenvolvimento e da
modernização capitalista 176 .
No discurso das elites, a posição que o país agora ocupava na divisão internacional
do trabalho exigia uma nova capital. A modernização crescente da economia urbana
não condizia com uma área central ainda tipicamente colonial, com ruas estreitas e
sombrias; onde se misturavam usos e classes sociais diversos; onde os edifícios
públicos e empresariais estavam ao lado de cortiços. Não condizia também com a
ausência de avenidas largas e dos prédios suntuosos que cada vez mais
proporcionavam status à rival platina. Era preciso acabar com a imagem de que o
Rio de Janeiro era sinônimo de epidemias, de insalubridade, e transformá-lo num
verdadeiro símbolo do ‘novo Brasil’ (ABREU, op.cit., p.125-126).
175 RODRIGUES, op.cit., p.41.
176 RODRIGUES, loc. cit.

83
No início do Século XX, o modelo de embelezamento e saneamento é posto em
prática no Brasil, primeiramente na cidade do Rio de Janeiro e depois em São Paulo. Quanto
ao papel da centralidade, é importante destacar que os “centros se revelavam como lugares
privilegiados para as intervenções, sempre no sentido de viabilizar o avanço do capital
imobiliário e industrial” 177 . Até esse momento, a área central era o espaço mais valorizado da
cidade, e tal posição refletia a sua função (urbana) de orientar a evolução da estrutura da
cidade. Segundo Rabha (2006), “ainda assim persistia uma organização espacial que gravitava
ao redor de seu centro histórico, simbólico e de negócios”. Desta forma, as transformações
pelas quais passou o centro expressavam o novo momento da organização social, no contexto
carioca, nacional e internacional.
Segundo Rodrigues, a articulação de forças (no âmbito financeiro e administrativo) se
deu também internamente ao Poder Público. O remodelamento da capital e do seu centro foi
fruto, portanto, da união entre Governo federal e municipal, cujo propósito era “tornar a
capital finalmente uma cidade cosmopolita, pronta a favorecer os investimentos estrangeiros e
os novos setores burgueses emergentes com a República” 178 .
No Rio, então Capital Federal, o presidente Rodrigues Alves incumbia ao Prefeito
Pereira Passos de promover programas e projetos de intervenção, na busca por uma
nova imagem para o país [...] o centro carioca, portanto, passaria a ser o local
privilegiado das intervenções governamentais e território de implementação do
modelo viabilizador das novas práticas econômicas e urbanísticas. As imagens
perseguidas buscavam torná-lo atrativo, belo, moderno e funcional; conduziu-se
fartas demolições de edificações insalubres assim como inúmeras outras obras de
“embelezamento”. Implantava-se desde programas de saúde pública, comandados
por Oswaldo Cruz, até inúmeras obras públicas de porte. Os bairros da área portuária
foram palco da famosa revolta da vacina e o tecido do centro foi rasgado pela
construção da larga e elegante avenida central, ladeado por prédios que nada iriam
dever a seus pares europeus. Construiu-se um novo porto, áreas e armazéns de
apoio, prontos para a importação e a exportação de um crescente mercado
internacionalizado e competitivo (DEL RIO, op.cit., p.56).
Destaca-se, portanto, o caráter elitista da modernização do centro. De outra forma: a
“nova” cidade não desejava conviver com a “velha”. A remodelação da área central expulsava
os pobres do espaço público e transformava a rua em “espetáculo”. Contribuíram para este
processo a hierarquização dos espaços públicos por meio do controle urbanístico rígido em
torno da construção civil e das “velhas usanças” 179 , e os avanços tecnológicos que construíram
177 DEL RIO, op.cit., p.55.
178 RODRIGUES, op.cit., p.41.
179 RODRIGUES, op.cit. Segundo Rabha (2006), “Não é ainda possível esquecer os atos administrativos
baixados pela Prefeitura que incluíam um rígido esquema de novas posturas urbanas. Assim, passava a ser
proibida a circulação na cidade de pessoas descalças e sem camisa, a permanência de cães ou o passeio de vacas

84
o espetáculo urbano carioca como, por exemplo, a substituição da iluminação a gás pela luz
elétrica pela empresa The Rio de Janeiro Tramway Light and Power Co. Ltd., no período de
1904-1905 180 .
A partir do ideal dos melhoramentos pontuais na cidade, as intervenções urbanas
advindas da Reforma Passos se caracterizam, sob o signo da remodelação e saneamento, na
abertura ou alargamento de inúmeras ruas e avenidas, no centro e zona sul, de modo a facilitar
a comunicação entre os bairros e o tráfego urbano dificultado pelas ruas sinuosas e estreitas de
então.
As ações no sistema viário se expressaram na abertura de grandes "artérias",
objetivando facilitar as ligações da área central com as regiões adjacentes. A primeira dessas
intervenções foi a abertura das Avenidas Mem de Sá e Salvador de Sá, realizada a partir do
arrasamento do Morro do Senado, o que facilitou a comunicação do centro com a zona oeste e
norte. Com o mesmo desmonte foi possível realizar ainda um aterro de monta na área do porto
e construir as Avenidas Rodrigues Alves e Francisco Bicalho.
O porto do Rio de Janeiro, apesar de estar entre os principais do mundo, possuía uma
estrutura irregular, que não condizia com sua importância. No discurso dominante, era
preciso, portanto, substituir os velhos trapiches por um cais moderno, a fim de dar o suporte
material às crescentes necessidades de importação/exportação de mercadorias.
No porto, o novo cais com seus guindastes e armazéns, aliados às largas avenidas
recentemente abertas, conferia à cidade uma característica de metrópole moderna,
civilizada e cosmopolita, à semelhança dos grandes centros urbanos da Europa e dos
Estados Unidos. A chegada dos navios internacionais de passageiros, os estrangeiros
vindos para negócios ou a passeio transformaram-se em espetáculo para a população
da capital, a ser admirado da Praça Mauá (RABHA, op.cit., p.110).
A principal feitura da reforma foi a abertura da Avenida Central. O logradouro era
reconhecido como um “espaço-símbolo”, ‘o’ representante da nova ordem econômica e
ideológica. Para tal, foi necessária uma verdadeira "cirurgia urbana", que resultou na
demolição de cerca de 2.500 imóveis ocupados por casas de cômodos e cortiços, que deram
lugar aos mais belos edifícios da arquitetura eclética 181 .
respondeu à necessidade do capital (e das classes dominantes) de se expressarem
simbolicamente no espaço. Com efeito, a partir da sua construção, foram aí
leiteiras. Estavam igualmente proibidas práticas como fazer fogueiras, soltar balões, cuspir nas ruas e a livre
venda dos ambulantes. E ainda os batuques, o entrudo e os quiosques” (p. 109).
180 CARLOS, 2006.
181 BECHIMOL, 1992.

85
localizadas as melhores casas comerciais, as sedes de jornais e de grandes
companhias, diversos clubes, hotéis e vários edifícios do governo (ABREU, op.cit.,
p.142).
No início da avenida, a Praça Mauá fazia a ligação com o porto, enquanto que na sua
extremidade voltada para a zona sul, configurava-se um novo centro representado pela Praça
Floriano, “onde foram edificados novos prédios destinados à cultura – Teatro Municipal,
Biblioteca Nacional, Escola Nacional de Belas Artes – e ao poder – Senado Federal (Palácio
Monroe), Câmara Municipal e Supremo Tribunal Federal” 182 .
Por fim, houve também o alargamento de diversas ruas e a arborização de praças.
Destacam-se o alargamento da Rua da Prainha, com a demolição de todos os prédios
originando a Rua do Acre. Outros logradouros públicos como a Praça XV, o Largo do
Machado, o Passeio Público, entre outros, tiveram seus jardins melhorados e/ou a instalação
de esculturas suntuosas.
Em pouco tempo, a cidade havia mudado e, com a introdução de novos hábitos,
inauguravam-se outros comportamentos. Fazer a avenida era um deles. Assim, estar
na Central representava estar inserido na vida urbana, freqüentando bancos, cafés e
lojas, ao passo que passear pela Beira Mar servia à apreciação da natureza, ao
contato dos bons ares vindos do oceano (RABHA, op.cit., p.119).
No que se refere à questão da moradia, o período de 1870/1930 configurou, portanto,
momento particular de transformação das relações sociais de produção, circulação e
distribuição da moradia, revelando o surgimento do capital imobiliário. Tal feito modificou,
assim, defitivamente, as formas de ocupação do espaço urbano.
O período de 1870−1930 é um momento de transição das relações sociais que
fundam a nossa sociedade. Com efeito, a partir de 1870 entra em crise a economia
mercantil−escravista e, pouco a pouco, afirma−se uma economia urbana organizada
com base no trabalho livre; expande−se a intervenção sobre a cidade, através da
legislação urbana e dos investimentos urbanos realizados pelo Poder Público e pelas
empresas privadas, [...] e também um extraordinário crescimento demográfico. Estes
fatores terão importantes impactos sobre a produção de moradias, criando as bases
para a mercantilização da moradia e do solo. [...] Entre os anos de 1870 e 1890, o
número de logradouros existentes na cidade é quase multiplicado por quatro, o que
expressa uma forte expansão da malha urbana (RIBEIRO, 1997, p.165-166).
Esta expansão pode ser vista como resultado do aumento da população, que cresceu
90% neste período, segundo dados do autor. A malha urbana começa a se expandir, e em
termos populacionais, o crescimento será maior nas zonas da cidade que se distanciam do seu
centro histórico. Como já apontado foi em direção à zona norte e aos subúrbios servidos pela
182 MAGALHÃES, 2001, p.741.

86
E.F. Central do Brasil e pela E.F. Leopoldina que houve a maior expansão.
No período de 1890 a 1906, a atividade de construção civil ganhou enorme
dinamismo, e concentrou−se predominantemente na produção de imóveis destinados ao
comércio, à indústria e aos serviços. Neste período, as freguesias que compunham o centro
histórico perderam parte importante da sua população residente, fruto da tendência desta parte
da cidade em se especializar como zona comercial desde o fim do Século XIX, tornando
elevados os preços fundiários e imobiliários em razão das obras de reforma realizadas por
Pereira Passos. O outro fator que diminuiu o número de logradouros foi a política higienista,
que promoveu uma campanha contra as habitações coletivas.
No período de 1906 a 1920 se consolidam, portanto, as tendências da urbanização do
Rio de Janeiro. Segundo Ribeiro (1997), há o aumento do número de logradouros, que passa
de 1.943 para 3.534, o que expressa uma expansão da malha urbana e, ao mesmo tempo,
densificação na ocupação do espaço. Destaque para o novo eixo de investimentos – a Beira-
Mar, estendendo-se até o “novo bairro na orla marítima” 183 - Copacabana.
Concomitantemente, as freguesias que compunham o centro histórico da cidade
continuam a perder população. A incidência de ações de renovação urbana e a especialização
da função comercial nesta área se expressa na tentativa de retomada da área central por meio
da “instalação ali de novas sedes bancárias, de escritórios e dos principais estabelecimentos da
nova sociedade capitalista brasileira” 184 .
O centro passava a significar a localização privilegiada para o trabalho, para
diversões, para ser e estar inserido na vida política, econômica e social da cidade.
Mas era rumo ao sul que estava sendo iniciada a formação da área de moradia
compatível aos que comandavam aquela representação. Estava aberta uma nova
frente de crescimento urbano, uma verdadeira oportunidade para construção do
espírito da época sobre um imenso espaço limpo e descomprometido com o passado
(RABHA, op.cit., p.119).
No período de 1920−1933, a população do Rio de Janeiro cresceu a taxa geométrica
anual (2,1%) bem inferior ao incremento predial (4,1%) e ao domiciliar (4,7%). Esta diferença
entre as taxas de crescimento predial e domiciliar indica que no período em tela a cidade se
verticalizou, surgindo elevado número de prédios de apartamentos. Outro fato a apontar é o
espraiamento da cidade pelo território, que estende sua malha através da incorporação de
áreas rurais ao tecido urbano 185 .
183 RABHA, op.cit., p.114.
184 MAGALHÃES, op.cit., p.741.
185 RIBEIRO, 1997.

87
Na zona central da cidade, onde se localizavam as “primeiras freguesias ou paróquias
da cidade”, ocorre a diminuição do número de prédios em conseqüência da sua especialização
como zona comercial e da realização de obras de renovação do espaço construído: desmonte
do Morro do Castelo, arrasamento do Morro do Senado, aterro do Calabouço, retificação da
Gamboa e alargamento das ruas da cidade velha.
A respeito das intervenções no espaço central, verificou-se uma nova ordem urbana se
impondo de fato, pois, “com o desmonte do berço histórico da cidade, praticamente
desapareciam todos os marcos da fundação do Rio e do seu primeiro século de existência,
além de uma tradicional área residencial (...) desde o século XVI” 186 . Segundo Rabha (2006),
“a decisão de atacar o Morro do Castelo iria auxiliar ainda mais a diminuição do uso
residencial pouco qualificado, caracterizando assim o processo de depuração de usos e classes
sociais que deveriam estar no centro da cidade” 187 .
Uma análise mais detalhada do crescimento predial no Centro mostra dois eixos de
crescimento: a Zona Comercial Central (Candelária, Sacramento, Santo Antônio, São José,
Santa Rita) e a Zona Industrial Central (Sant’anna, Gamboa e São Cristóvão). Podemos citar
outras formas de diferenciação de áreas que vieram a ser implantadas, como a criação de
Regiões Administrativas (RA’s), Áreas de Planejamento (AP’s) e Bairros, que podem ser
atribuídas a função de planejamento e de estudos mais especializados 188 .
A Esplanada do Castelo, resultado do desmonte do Morro do Castelo, é um exemplo
dos parâmetros urbanísticos contidos no zoneamento da cidade do Rio de Janeiro estabelecido
pelo Plano de Remodelação, Extensão e Embelezamento da Cidade, conhecido
posteriormente como Plano Agache 189 .
Pelo Plano Agache a área do Castelo se transformaria no Centro de Negócios da
Cidade do Rio de Janeiro. O projeto previa a construção de largas avenidas e de
186 SILVEIRA, op.cit., p.69.
187 RABHA, op.cit., p.122.
188 Segundo Silveira (2004), “O primeiro reconhecimento institucional da distribuição diferenciada das funções
na cidade ocorreu em 1925, quando foi estabelecido o primeiro zoneamento de usos. Nessa ocasião o Distrito
Federal teve o seu espaço ordenado por meio de uma divisão em quatro zonas: Primeira, ou Central; Segunda ou
Urbana; Terceira ou Suburbana; e Quarta ou Rural. A organização do espaço urbano em classes sociais e usos
distintos seria institucionalizada posteriormente, e por diversas vezes, sempre que a administração municipal
considerou imperativo elaborar legislações urbanísticas mais complexas”(p.69). Assim, também são apontados
por Rabha (2006) os decretos correspondentes à divisão administrativa em vigor “(decretos n° 6.985, de 7 de
maio de 1941 e 8.223, de 11 de setembro de 1945)”, e ao “zoneamento de usos e atividades, que estabelecia os
parâmetros da chamada Zona Comercial (decreto n° 6.000, de 01 de julho de 1937, título II, secção I, artigo 4º)”.
Segundo a autora, “o decreto n° 6.000 estabelecia o zoneamento do Distrito Federal dividindo-o nas seguintes
zonas: Comercial (ZC), Portuária (ZP), Industrial (ZI), Residencial (ZR), Rural e Agrícola (ZA). Era ainda
indicada uma subzona especial (ZE) correspondendo a Esplanada do Castelo, objeto de plano de ocupação na
área central” (p.210).
189 BARROS, passim.

88
prédios monumentais. Do Plano, saíram as avenidas Antônio Carlos, Nilo Peçanha e
Graça Aranha. As ruas adjacentes, conseqüentes do aterro, foram muito alteradas.
Vale lembrar que o Plano Agache foi interrompido com a Revolução de 1930, só
sendo retomado, parcialmente, entre 1937 e 1945 (BARROS, op.cit., p.7).
Segundo Abreu (1987), o Plano Agache se caracterizava como um plano urbanístico
para moldar o crescimento urbano; no entanto, sua função política se baseava numa
intervenção do Estado sobre o “processo de reprodução da força de trabalho urbana”,
acirrando a clivagem social. “Surge então o Plano Agache, cuja característica maior é a
oficialização da separação das classes sociais no espaço: ricos para um lado; pobres para
outro. Para as favelas também não havia opção: teriam que ser erradicadas” 190 .
No período Vargas (1930-1950), o planejamento urbano esteve inserido no contexto
de uma revolução burguesa e na afirmação de uma elite industrial que procurava criar signos
que a destacasse. Logo foi formulada uma reforma urbana criadora de “espaços da burguesia”,
espaços de reconhecimento e consumo. Num momento de vigorosa expansão urbana e
crescimento demográfico, próprios do processo de urbanização acelerada aliada à perspectivas
futuras de industrialização, surgiram propostas de transformações radicais na estrutura das
cidades, principalmente no sistema viário de forma a promover a circulação de pessoas e
mercadorias. Têm-se então o surgimento da metrópole carioca e novas referências de
centralidade – novos bairros, novos centros.
Como já apontado, a área central do Rio de Janeiro foi ao longo do tempo sendo
configurada pela lógica da aglomeração - de pessoas, de comunicação, do mercado de
trabalho, de bens, de capital, etc. No entanto, à medida que a infra-estrutura se desenvolveu
em locais mais distantes do core, dando acesso aos novos públicos consumidores das
atividades ligadas ao comércio e serviços, a cidade do Rio de Janeiro se transformou “numa
cidade polinuclear, onde, ao lado de um núcleo principal – a Área Central de Negócios –,
outros núcleos se desenvolvem” 191 .
Segundo Ribeiro & Cardoso (1996), o planejamento urbano no período Vargas se
caracteriza pelo padrão higiênico-funcional. Para os autores, “de forma geral, esse padrão
reproduz o discurso higienista e urbanístico produzido nos países centrais desde o final do
Século XIX” 192 e apóia-se nas categorias do organicismo ou do funcionalismo taylorista,
tendo como características fundamentais: a concepção organicista na formulação do
190 ABREU, op.cit., p.143.
191 DUARTE, 1974, p.59. O tema referente aos subcentros na metrópole carioca será retornado mais à diante
no texto.
192 RIBEIRO; CARDOSO, op.cit., p. 64.

89
diagnóstico e o embelezamento, a monumentalidade e o controle social sobre o uso do espaço
orientando a intervenção.
Essas características do padrão irão sofrer no Brasil uma transformação, não nas
suas categorias básicas, mas na finalidade da sua utilização. Desde o início do século
as ‘idéias-força’ da nacionalidade e da modernização impõem-se à reflexão sobre o
social. Isso significa que o discurso da higiene e da funcionalidade guarda assim
muito mais um caráter modernizador e afirmador da nacionalidade emergente que
propriamente de controle social. Ou melhor, o controle social é um dos elementos da
modernização e da constituição da nação. Trata-se, aí, de reproduzir idéias, práticas
e morfologias urbanas que sintetizam a modernidade tal como ela se expressa nos
países ‘civilizados’. A oposição passado/futuro tem, assim, importância fundamental
na articulação do padrão (RIBEIRO; CARDOSO, op.cit., p.64-65).
Segundo Leme (1999), a partir de 1930 iniciou-se a criação de uma estrutura
administrativa 193 para elaborar e gerenciar os Planos que tinham por objetivo o conjunto da
área urbana na época. Com uma visão de totalidade, são planos que propõem a articulação
entre bairros, o centro e a extensão das cidades através de sistemas de vias e de transportes.
Com a legislação urbanística e as primeiras propostas de zoneamento há maior controle do
uso e ocupação do solo na maioria das cidades brasileiras.
Este viés intervencionista sobre o espaço esteve associado à dinâmica de acumulação
de capital. O processo de especialização de áreas via zoneamento interligou-se largamente,
como diria Corrêa (1999), às necessidades mutáveis de reprodução do capital (financeiro e
imobiliário), que através da ação complexa dos agentes sociais,
levam a um constante processo de reorganização espacial que se faz via
incorporação de novas áreas ao espaço urbano, densificação do uso do solo,
deterioração de certas áreas, renovação urbana, relocação diferenciada da infraestrutura
e mudança, coercitiva ou não do conteúdo social e econômico de
determinadas áreas da cidade (CORRÊA, 1999, p.20).
Durante o governo do prefeito Henrique Dodsworth (1937- 1945), a cidade do Rio de
Janeiro passou por novas reformas. A chamada Reforma Dodsworth marcou a remodelação da
cidade pela retomada em novas bases da urbanização na Esplanada do Castelo, com grandes e
largas avenidas e construções que ocupam quarteirões inteiros. Segundo Barros (2003), “se a
Avenida Central foi o grande símbolo da República Velha, a Esplanada do Castelo foi o
principal símbolo do Estado Novo” 194 .
193 Legislação urbanística, instrumentos de licenciamento e fiscalização, consolidação do urbanismo enquanto
área de conhecimento e prática profissional, contratação de especialistas estrangeiros.
194 BARROS, op.cit., p.8.

90
Segundo o autor, neste momento o Estado passou a ser o agente responsável pelo
ordenamento da Esplanada, criando um “bairro ministerial” que abrigou vários prédios
públicos e edifícios de escritórios. No local, predomina ainda hoje a função administrativa e
diplomática, com a “construção de prédios grandiosos para ministérios, embaixadas e
autarquias. Praticamente toda a administração federal estava de casa e caras novas”.
Visualmente, “as linhas arquitetônicas dos prédios ministeriais e a imponência das novas
construções exibiam formas monumentais que visavam mostrar o poder do Estado sobre a
sociedade” 195 .
A paisagem urbana do centro muda mais uma vez com a abertura da Avenida
Presidente Vargas, na década de 1940. Como fruto do capital imobiliário foi construída a
segunda geração de prédios da Avenida Rio Branco, consolidando assim o eixo financeiro
"Av. Presidente Vargas e Av. Rio Branco". No entanto, como ressalta Silveira (2004), a
“expectativa de expansão da Área Central de Negócios sobre este novo eixo, exatamente
como havia acontecido com a Avenida Rio Branco, não se confirmou. Por esse motivo,
diversos vazios mantiveram-se durante décadas ao longo da larga avenida” 196 . O mercado
imobiliário migrou para a Zona Sul, o que, entre outros fatores, causou impactos notáveis no
centro da cidade – e que viriam a ser sentidos até a década de 1980.
Podemos afirmar que, no decorrer da história da cidade espaços novos com status
diferenciados foram sendo sucessivamente anexados ao tecido urbano existente, em
detrimento das ocupações mais antigas. A ocupação de áreas através da expansão
urbana nos eixos norte e sul contribuiu para a relativa estagnação da área central.
Esta permaneceu como núcleo principal até os anos 1930 e 1940, quando surgiram
novas centralidades, destacando-se Copacabana. Este bairro captou os investimentos
imobiliários que passaram a dirigir-se progressivamente para a zona Sul, seguidos
pelas atividades de comércio e serviços. Em meados do século XX desenvolveramse,
ainda, os subcentros do Méier, Madureira e Campo Grande, o que contribuiu para
esvaziar ainda mais a área central. Outra razão deve ser mencionada como
fundamental para justificar essa situação. Trata-se do processo de esvaziamento
econômico da cidade do Rio de Janeiro como um todo, esboçado desde o início do
século XX, que apresentou um ponto de inflexão no final dos anos 1930, com o
deslocamento de atividades industriais para São Paulo (SILVEIRA, op.cit., p.72-73).
A autora apóia-se em Santos 197 para relacionar ação do Estado à exclusão social ao
longo de todo o Século XX, ressaltando que “a história da evolução urbana recente pode ser
resumida como a do progresso das maneiras de criar áreas privilegiadas e de 'limpá-las' de
presenças indesejadas". A Área Central, como se observa, não ficou livre desta lógica
195 BARROS, loc.cit.
196 SILVEIRA, op.cit., p.70.
197 SANTOS, Carlos Nelson Ferreira. Velhas novidades nos modos de urbanização brasileiros. In: Valadares, L.
(Org.). Habitação em questão. Rio de Janeiro: Zahar, 1983. p. 21.

91
segregacionista. Segundo Villaça (1998), neste período de reformas promovidas pelo Estado
houve a constituição de duas áreas distintas no centro do Rio de Janeiro.
Num extremo, surgiu a parte popular que ocupava a antiga área nobre, agora
abandonada: a região da Praça Mauá e a Praça Tiradentes. No outro extremo,
voltado para os novos bairros nobres da florescente zona Sul, surgiu a nova parte
nobre do centro. Isso se deu articuladamente com o novo processo de segregação
que se iniciou e se acentuou nas décadas seguintes, segundo o qual na chamada zona
Sul se concentraram crescentemente as camadas de mais alta renda, e na zona norte
as de renda mais baixa (VILLAÇA, op.cit., p.120).
2.1.2. O surgimento dos Centros Funcionais
Duarte (1974), em sua pesquisa sobre a distribuição espacial dos centros funcionais no
Estado da Guanabara, já alertava para mudanças na estrutura urbana da cidade e,
consequentemente, do seu centro. De 1920 a 1950, a população da antiga Guanabara
simplesmente dobrou o seu contingente. À medida que a população crescia e com a melhoria
nas formas de mobilidade aumentava também o espaço construído composto de nova
dinâmica de atividades. Têm-se, então, a expansão dos subúrbios e das atividades terciárias de
comércio e serviços, e a formação de uma rede de subcentros 198 espalhados nos bairros.
Segundo Rabha, a política populista do governo Vargas cooperou para o crescimento
dos subúrbios no Rio de Janeiro, visando inserir a nação numa nova etapa de
desenvolvimento.
O governo iniciado em 1930 apresentava-se comprometido com a melhoria das
condições de vida das classes trabalhadoras, buscando fortalecer os direitos dos
empregados e racionalizar o tempo gasto na circulação pendular das massas. Por
outro lado, era explícito o interesse em ampliar e expandir setores industriais de base
urbana. No Rio de Janeiro tais premissas estariam correlacionadas à melhoria dos
transportes ferroviários, promoção de moradias populares, abertura das avenidas
Brasil e das Bandeiras e na industrialização crescente da zona suburbana, que já
apresentava empresas importantes como a Cisper e a General Eletric, abertas em
1917 e 1921, respectivamente no bairro de Maria da Graça, a Klabin em
Bonsucesso, a Cia Nacional de Tecidos Nova América, aberta em 1924 no bairro de
Del Castilho. Na década de 30 foram ainda implantadas a Gilete, a Silva Pedrosa
(rolhas metálicas), a Companhia Nacional de Papel no Jacarezinho e outros
estabelecimentos metalúrgicos em Benfica. Ainda surgiriam novas indústrias
químicas e metalúrgicas em Honório Gurgel,além de fábrica de cimento branco em
Irajá (RABHA, 2006, p.210).
198 São mencionados Madureira, Copacabana, Méier, Tijuca, Penha, Campo Grande, Ramos, Bom Sucesso,
Ipanema, Catete, Botafogo, Bangu, Pilares/Abolição, Cascadura e Santa Cruz.

92
Para Duarte, a redistribuição do equipamento terciário ou movimento de
descentralização estimulou a expansão urbana do Rio de Janeiro. Os centros funcionais, como
são denominados, surgiram espontaneamente devido a fatores ligados à intensa urbanização e
à industrialização, e se expandiram a partir da Área Central (A.C.N) por estarem sob seu
comando.
A autora aplica a teoria do Central-Place de Christaller à estrutura comercial da
cidade, entendendo-a como um “sistema que apresenta uma organização interna onde se
distinguem lugares centrais intra-urbanos, estruturados hierárquica e funcionalmente” 199 .
Desta forma, identifica os lugares centrais a partir da convergência de fluxos de capital,
administrativos, de bens, serviços e pessoas. Cada centro funcional possui características
próprias e diferentes graus de desenvolvimento 200 . Sua área de influência, ou seja, a sua força
de atração sobre as áreas vizinhas é orientada pela formação do núcleo central do subcentro.
Os centros funcionais do Rio de Janeiro tiveram sua centralidade definida pela
atividade terciária – comércio e serviços. Dispõem de uma estrutura de serviços já
estabelecida e provocam fluxos de diferentes partes da cidade. Ressalte-se, porém
que embora prestem serviços indispensáveis à população, não constituem os centros
funcionais o único elemento gerador de fluxos no Estado. O trabalho, o lazer, os
fluxos administrativos e outros fatores geram estes fluxos (DUARTE, op.cit., p.58).
Para a autora, o crescimento demográfico é a principal causa da descentralização das
atividades terciárias, já que este contingente “tende a localizar-se cada vez mais distante da
Área Central” e passa a necessitar de uma série de serviços antes concentrados na centralidade
principal. Neste sentido, há a desconcentração de atividades terciárias para “pontos-chave da
cidade, onde o transporte adquire importância capital” 201 . Dentre as contribuições dos
subcentros à dinâmica intra-urbana ressaltadas por Duarte estão: o desenvolvimento do setor
terciário; o alargamento do mercado de trabalho e consumidor; o aumento da população ativa;
e o desafogamento dos fluxos de pessoas e veículos do centro.
O aumento cada vez maior da quantidade de veículos a partir da década de 1930,
associado ao relevo da área central passou a causar dificuldade de acesso e congestionamento,
formando os problemas ligados à centralidade principal. Assim, as mudanças nas formas de
199 DUARTE, op.cit., p.54.
200 O que Tourinho (2006) menciona como graus de centralidade.
201 DUARTE, op.cit., p.55.

93
mobilidade promoveram a redefinição dos “locais de compra de uma parcela da população da
cidade” 202 .
“A presença diária desta população [flutuante] foi um incentivo ao desenvolvimento
dos bens de serviços centrais que até 1940, estavam praticamente limitados à Área
Central. Os bairros e os subúrbios limites da área central. Os bairros e os subúrbios
por esta época exerciam apenas a função residencial. O comércio varejista nestas
áreas não passava de estabelecimentos de gêneros de primeira necessidade para
atendimento de sua população (‘vendas’, padarias, farmácias, armarinhos, pequenas
lojas de ferragens e outros). O comércio especializado, assim como o comércio de
luxo, achavam-se localizados no centro da cidade. Não apenas o comércio varejista
como os serviços profissionais superiores estavam concentrados na área central
(médicos, dentistas, advogados) assim como nela se concentrava a vida financeira da
cidade com a presença de bancos e companhias de financiamento e
investimento”(Ibid., p.58).
As funções de um centro funcional, ou seja, o que o diferencia de um comércio de
bairro, por exemplo, são classificadas por Duarte em: comercial (varejista) 203 e serviços
(financeiros, profissionais, de transportes e comunicação, culturais e recreativos).
Resumidamente: houve, na cidade do Rio de Janeiro, a partir da década de 1940, uma
gradativa fragmentação do espaço comercial devido à modernização urbana e do sistema
varejista (por exemplo, relação matriz-filial, sistema de refrigeração), e também pela
competição com o mercado consumidor que se diversifica.
Neste sentido, a autora não destaca os edifícios comerciais nos moldes dos shoppings
centers e seus impactos no comércio de rua, inclusive na área central, devido ao fato deste
fenômeno ser mais acentuado nas duas últimas décadas. Além disso, Duarte menciona a
inexistência de butiques de luxo no centro, pois elas estariam “fugindo” para centros
funcionais e ruas especializadas em áreas mais nobres. Este fato chamou a atenção, já que na
última década, tanto os shoppings verticais quanto o comércio de luxo (formado por
importadoras, joalherias e butiques de calçados, bolsas e roupas) tem retornado ao centro, e se
configurado espacialmente no que denominamos Pólo Comercial de Luxo.
Quanto à função financeira, inicia-se neste período a descentralização intra-urbana de
agências bancárias para os centros funcionais e áreas industriais. O aumento do fluxo de
capitais distribui também as companhias de financiamento e investimento que vão se localizar
em importantes subcentros. Apesar disso, a Área Central manteve a vocação financeira devido
202 PINTAUDI (2006) analisa a produção do espaço comercial e sua dinâmica na metrópole paulistana, durante
a segunda metade do século XX.
203 Duarte (1974) conclui que a atividade comercial dividida em quatro categorias possui localização própria
dentro da metrópole. “O comércio cotidiano distribui-se por toda a aglomeração, caracterizando particularmente,
o chamado comércio de bairro. O comércio de consumo raro localiza-se, principalmente, na Área Central. Já os
outros dois [comércio de consumo freqüente e pouco freqüente] embora sejam também próprios da Área Central,
vão caracterizar os centros funcionais, definindo a função comercial dos mesmos” (p.65).

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à proximidade com o enorme mercado de trabalho nela situada. Dentro deste contexto
histórico, não deixamos de mencionar o desenvolvimento econômico de São Paulo, e a
superação do número de indústrias em relação à cidade do Rio de Janeiro já nas primeiras
décadas. A primazia 204 paulista irá paulatinamente se estabelecer ao longo do Século XX,
causando significativos impactos no Centro do Rio.
A função de serviços profissionais também se espraiou pelo território da cidade. Sua
lógica de localização se apresenta da seguinte forma, segundo Duarte: quanto mais
especializado os serviços, mais concentrados eles são em centros importantes. Apesar de
verificada a distribuição de serviços médicos e busca por espaços para escritórios, por
exemplo, em Botafogo (que não se caracterizava um subcentro comercial), até meados da
década de 1970, ainda havia a primazia da procura por estes serviços na Área Central de
Negócios.
Quanto aos serviços ligados à oferta de transportes, o Centro manteve a concentração
dos terminais. Atualmente essa área se abastece de um sistema viário composto de transportes
ferroviário, metroviário, rodoviário, hidroviário e aeroviário, além de vias terrestres
importantes como a avenida Infante Dom Henrique (via do Aterro do Flamengo), av. Primeiro
de Março, av. Presidente Antônio Carlos, av. Presidente Vargas e av. Rio Branco. A
centralidade dos transportes é um elemento estruturador da cidade e fator estratégico para a
sua dinâmica atual.
A função cultural dos subcentros é apontada por Duarte em sua importância em
relação ao seu atendimento à população e geração de emprego. A autora menciona a
distribuição geográfica dos estabelecimentos de ensino primário, secundário e superior (atual
ensino básico e de extensão como as escolas, cursos preparatórios, vestibulares e de línguas)
204 O conceito de primazia urbana é atrelado ao processo de urbanização brasileira e à emergente “sociedade
urbano-industrial na periferia pobre da economia mundial”, no contexto do após-segunda guerra (FARIA, 1991).
Segundo o autor, “entre 1945 e 1980 a sociedade brasileira conheceu taxas bastante elevadas de crescimento
econômico e sofreu profundas transformações estruturais. Ficou para trás a sociedade predominantemente rural,
cujo dinamismo fundava-se na exportação de produtos primários de base agrícola, e emergiu uma complexa e
intrigante sociedade urbano-industrial. (...) Disso vem resultando um sistema urbano dinâmico e crescentemente
integrado sob o comando funcional das áreas metropolitanas nacionais de São Paulo e Rio de Janeiro. Neste
sistema, em trinta anos, surgiram 386 novas cidades de mais de 20 mil habitantes! (...) numa contradição apenas
aparente, caracteriza-se por índices ‘rank-size’ de primazia urbana relativamente baixos e pela existência, em sua
porção superior, de cerca de trinta aglomerações de grande porte (250 mil habitantes ou mais) nas quais viviam,
em 1980, mais de 40 milhões de pessoas. Essas características de dinamismo e diferenciação, embora formais,
deixam entrever a complexidade dos processos subjacentes de transformação ocupacional e social ocorridos no
mesmo período” (p.102-3). Ver FARIA, Vilmar E. Cinqüenta anos de urbanização no Brasil. Novos Estudos,
CEBRAP, n.29, março de 1991, pp.98-119.

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por toda a aglomeração e na periferia do núcleo comercial do bairro, devido à maior oferta de
transportes, de população e de edificações disponíveis 205 .
Os serviços de “divulgação cultural, recreação e lazer”, como teatros, museus,
bibliotecas, etc não apresentaram expressiva fragmentação, pois demandam centralidade,
mantendo-se concentrados na área central até os dias de hoje. Tanto nos resultados da
pesquisa de Duarte (1974) quanto de Rabha (2006) a grande “âncora” destas funções é,
principalmente, a região da Cinelândia.
Duarte destaca no processo de formação e consolidação de um centro funcional a
relação entre o poder aquisitivo e a quantidade de consumidores dentro da área de influência.
Em alguns subcentros, a renda da população orientará o nível de especialização dos serviços e
a diversidade das mercadorias ofertadas. No entanto, o fator “renda” sendo analisado
isoladamente não explica a estruturação de um centro funcional, já que as condições para a
reprodução social são distribuídas de forma desigual na cidade. Logo, se o subcentro depende
da boa oferta de transportes, é sabido que a algumas áreas da cidade possuem mais
amenidades do que outras - fruto de ações públicas e privadas. Como aponta Harvey (1980),
ao analisar o espaço deve-se partir da conexão entre as decisões locacionais (públicas ou
privadas) no que se refere às redes de transportes, zoneamento industrial, localização das
moradias, entre outros, e seus inevitáveis efeitos distributivos sobre a renda real. Tais efeitos
tendem a discriminar “quem ganha e quem perde” num sistema urbano.
Portanto, o Centro é apontado por Duarte em sua posição privilegiada no sistema
urbano como área de atração de população e de concentração do mercado de trabalho - o que
define a Área Central de Negócios - ACN. No entanto, é sabido que tal posição dentro da
cidade do Rio de Janeiro é tributária de um passado de importância histórica e por políticas
públicas que privilegiaram algumas áreas urbanas em detrimento de outras 206 .
Neste sentido, verifica-se a partir da década de 1990, um processo de redefinição da
centralidade, conforme aponta Silveira (2004), acerca da alteração do “paradigma referido à
área central de negócios”:
Atualmente, a questão dos centros históricos das cidades velhas e da ‘revitalização’
das áreas centrais está relacionada, ao mesmo tempo, à problemática social, aos
negócios da área central e ao patrimônio cultural urbano. Desde o final dos anos
1970, começam a aparecer manifestações sociais em prol da preservação da
memória. Contudo, a defesa da preservação aparece mais nitidamente nos anos
205
Em sua pesquisa não há aprofundamento quanto à localização de faculdades e centros universitários no
Centro.
206 Sobre esta forma de abordagem ver Vaz; Silveira (1994).

96
1980, como movimento da sociedade junto ao poder público, pleiteando a
implementação do instrumento de proteção do ambiente cultural. A partir dos anos
1990 emerge, no âmago da Prefeitura, de maneira negociada, a incorporação de
reivindicações com a penetração de grupos ligados às questões sociais e culturais.
Nesse contexto, muda o programa arquitetônico do museu e a cultura veio para o
Centro de Negócios (a exemplo do Centro Cultural do Banco do Brasil - CCBB) e
para a sua periferia imediata (SILVEIRA, op.cit., p. 305).
2.2. DE CENTRO DA METRÓPOLE INDUSTRIAL AO CENTRO DA METRÓPOLE NO
CONTEXTO DA GLOBALIZAÇÃO
Com o fim da segunda guerra mundial e, sobretudo, a partir do governo Kubitschek
(1956-61), instala-se nova etapa da internacionalização da economia brasileira baseada na
aceleração ou consolidação de uma “industrialização propriamente dita”. Estabelecem-se,
então, os elementos básicos de uma sociedade capitalista (forças produtivas, relações sociais
de produção e uma dinâmica de acumulação de capital especificamente capitalista) 207 .
Parte-se do entendimento da relação entre capital, Estado e urbano, a partir de
contribuições da corrente de pensamento 208 que considera a organização da cidade como
resultado dos processos de uma urbanização capitalista, tida a partir de uma política
promovida pelo Estado, e não como uma realidade dada. Nas contribuições de Topalov
(1979), o autor aborda o Estado como um sujeito racional que persegue o interesse público,
sendo o planejamento urbano e os serviços públicos os instrumentos da sua intervenção
racional.
207 CARDOSO DE MELLO, J.M. “O Estado brasileiro e os limites da estatização”. Ensaios de Opinião, nº2-3,
1977, p.16. João Manuel parte de uma alternativa conceitual às teorias do capitalismo monopolista de Estado.
Cf. também TEIXEIRA, A. Capitalismo monopolista de Estado: um ponto de vista crítico. Revista de Economia
Política, Vol.3, nº4, out.-dez. 1983.
Como exemplo de adeptos às teorias está Oliveira (1982), que aponta que no período a instalação do capitalismo
monopolista no Brasil. Para o autor, ocorre o processo descrito por Celso Furtado de “socialização das perdas e
privatização dos lucros” no âmbito da redefinição da divisão internacional do trabalho. O Estado realizaria a
centralização de capitais, revelando a passagem da economia brasileira de uma etapa concorrencial para uma
etapa monopolista. Dias (2005) baseia sua discussão a respeito de uma maior intervenção estatal que emerge
com o capitalismo monopolista em Corrêa (2002) e Soja (1993), sendo que este último se concentra nos efeitos
que esta maior ação do Estado implica sobre a urbanização das cidades capitalistas em países centrais como os
Estados Unidos. Segundo o autor, “a substituição do capital concorrencial pelo capital monopolista e/ou
oligopolista repercute na organização das cidades a partir do momento em que estes capitais, representados por
um número bem mais restrito de ‘atores do jogo econômico’, adquirem maior facilidade em repassar ao Estado
parte dos encargos necessários para a reprodução das relações de produção” (p.12). C.f. também MOURA,
Antônio Plínio Pires de. Brasil Industrial: do capitalismo retardatário à inserção subordinada no mundo
neocolonial. Revista Bahia Análise & Dados. Bahia, v.11, n.3, p.82-89, dez. 2001. Moura entende a estrutura
industrial monopolista, como a centrada numa associação do Estado privatizado com o grande capital nacional e
estrangeiro, resultando numa nítida internacionalização da estrutura produtiva brasileira.
208 Corrente de pensamento apresentada como uma nova sociologia urbana francesa no debate intelectual da
década de 1970, inserida na Teoria do Capitalismo Monopolista de Estado, que visa um exercício de reinterpretação
das teorias sobre o capitalismo.

97
Este enfoque compartilha com a visão estruturalista de Louis Althusser 209 , cujo Estado
não é sujeito dotado de vontade, e sim um conjunto de aparatos ideológicos e aparelhos
repressivos que realizam o interesse da classe dominante. O Estado é visto, então, como
Estado de classe.
Segundo Topalov, a intervenção do Estado é necessária devido à “contradição geral da
urbanização capitalista” que se dá na busca pelo lucro privado que leva, por sua vez, o capital
a não produzir certos elementos urbanos necessários à reprodução das forças produtivas, ou
seja, a dificultar a articulação no espaço das infra-estruturas, dos lugares de produção e dos
lugares de reprodução da mão-de-obra.
Assim, a cidade é reconhecida como um sistema espacializado de elementos que
definem a forma de socialização capitalista das forças produtivas. Esse sistema espacial
constitui um valor de uso complexo para o capital na medida em que concentra as condições
gerais da produção capitalista (produção e circulação do capital e reprodução da força de
trabalho, ou seja, consumo). Esses valores-de-uso complexos são chamados de efeitos úteis de
aglomeração, já mencionados anteriormente.
No entanto, a urbanização capitalista se caracteriza por uma multidão de processos
privados de apropriação do espaço, sendo eles determinados pelas próprias regras de
valorização de cada capital particular. Logo, há uma contradição entre o movimento de
socialização capitalista das forças produtivas e as próprias relações de produção capitalista.
Para analisar o processo de urbanização, o autor considera o conjunto da produção capitalista,
ou seja, a formação e a reprodução ampliada das condições gerais da produção (produção,
circulação e consumo). Tais condições gerais visam a busca da mais-valia relativa através das
novas forças produtivas, materializando-se no espaço urbano. Logo, Topalov defende a idéia
da urbanização como forma de socialização das forças produtivas.
A análise de Topalov é importante; afinal, ela revela como o Estado passou a ser o
agente socializador das forças produtivas, e utilizou-se do seu instrumento de planejamento
para fazê-lo. No entanto, há uma dicotomia inerente à urbanização capitalista que se expressa
na contradição entre a reprodução da força de trabalho (que é vista como mercadoria) e a
reprodução social.
No processo produtivo que visa à acumulação de capital é necessário à atenção ao
trabalhador e à sua reprodução social. No entanto, os gastos dessa reprodução não se
209 A abordagem teórico-filosófica de Luis Althusser sobre o Estado se baseia numa perspectiva estruturalista
da obra de Marx como crítica ao humanismo marxista de Henri Lefebvre e Jean Sartre. O Estruturalismo
pertence à tradição filosófica francesa e sua visão não admite qualquer subjetividade, logo, as estruturas são a
base para a compreensão da sociedade. Ver Carnoy, 1986.

98
relacionam à produção de mais-valia, e sem a reprodução social do trabalhador não há
reprodução da força de trabalho. Como o salário atende apenas as necessidades básicas de
reprodução da força de trabalho, o Estado e o planejamento urbano desempenham papéis
importantes na mediação capital-trabalho, ou seja, na mediação do “nível de consumo”. A
dotação de serviços de infra-estrutura e equipamentos sociais coletivos tem atuado como
“salário indireto”, contribuindo para a segurança do processo de acumulação de capital.
Portanto, fica clara a percepção de que a intervenção estatal atua no sentido de aliviar
as tensões e favorecer determinados grupos. O Estado capitalista “socializador” passa a ser
constrangido pelo capital, e é nesse contexto que a “cidade econômica”, resultante de uma
“urbanização corporativa” que privilegia o crescimento econômico sob o comando dos
interesses das grandes firmas se desenvolve e ganha destaque na constituição do espaço
urbano brasileiro.
Segundo Ribeiro & Cardoso (1996), a partir da década de 1950, o urbano é visto como
questão do desenvolvimento. No âmbito do planejamento urbano há a dominância de um
tecno-burocratismo desenvolvimentista por atuação sistemática de órgãos federais como o
Seviço Federal de Habitação (SERFHAU) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento
Urbano (CNDU).
O objetivismo tecnocrático agora predomina na formulação da questão urbana, a
serviço do nacional-desenvolvimentismo. O projeto de constituição da nação
desloca-se para o eixo econômico. Essa ideologia consegue, todavia, articular esse
projeto com uma prática de modernização acelerada baseada na internacionalização
da economia (RIBEIRO; CARDOSO, 1996, p.65).
Esse padrão de planejamento se constrói por uma importação de idéias que configuram
“propostas de racionalização administrativa desenvolvidas principalmente pelo planning
americano, e as idéias desenvolvidas no âmbito da geografia humana, principalmente em sua
vertente francesa” 210 .
Segundo Feldman (1997), o pós-segunda guerra mundial se caracteriza como o
momento no qual se tem o “boom imobiliário” - o “boom do século”, representando uma
expressividade da construção civil, e caracterizando um intenso processo de verticalização das
cidades brasileiras. Logo, era também necessária uma nova forma de ordenar e reformar a
cidade de modo a destinar as atividades realizadas em lugares “apropriados”. Neste contexto,
houve a difusão do zoneamento norte-americano que se caracteriza como um conjunto de leis
210
RIBEIRO; CARDOSO, op.cit., p.68.

99
de caráter normativo e expressa uma visão do urbanismo (modernista) com base na
estruturação e ordenamento da cidade.
O modelo progressista-modernista de planejamento urbano se configura nos Planos
Diretores. Com vistas à não-solução dos conflitos sociais, a eliminação das “irracionalidades”
e à busca da “cidade ideal”, tal modelo pauta-se num enfoque físico, no desenho urbano e no
zoneamento como instrumento fundamental. Os planos possuem caráter coercitivo e, no
entanto, buscam expressar caráter democrático por meio da normatização e da padronização.
Para Feldman, houve neste momento substituição dos Planos pelo Zoneamento na prática do
urbanismo brasileiro.
As políticas de zoneamento estimularam o uso de automóveis, estabelecendo a relação
deste último com o território, numa função de “elástico” que permite a expansão dos usos no
território. Com a propagação da indústria automotiva como base de difusão do modelo
fordista, e especialmente do aumento do uso do automóvel, a infra-estrutura viária existente é
reestruturada, promovendo a base material necessária a essas mudanças, configurando assim
as redes viárias contemporâneas 211 .
Segundo Carlos (2006), uma “febre viária” é instalada na cidade do Rio de Janeiro a
partir da década de 1950, reflexo do período “rodoviarista” em escala nacional, acarretando
uma hipertrofia da função do transporte rodoviário. Este fato se agravou com a formulação de
um plano para a cidade pelo urbanista grego Doxiadis, a convite do governador Carlos
Lacerda 212 . Segundo o autor, “o plano privilegiou o transporte rodoviário e reforçou as
práticas de “cirurgia urbana” do início do século”. Assim, o automóvel
assumiu o papel de grande astro das ruas, em substituição ao pedestre. As larguras
cada vez mais insuficientes à quantidade, á velocidade e ao estacionamento dos
automóveis foram progressivamente aumentadas através dos Projetos de
Alinhamento (PA), elaborados por técnicos da prefeitura em suas pranchetas, bem
distantes das ruas. Os impactos [...] desses PAs foram desastrosos aos pedestres.
Observou-se a fragmentação dos passeios, face às lacunas originadas pelos recuos
obrigatórios às novas edificações, determinadas pelo novo desenho urbano imposto,
bem como a inviabilização da implantação de projetos de arborização urbana. A
escala monumental dos viadutos e elevados – soluções bastante recorrentes no
período – complementaram o quadro caótico das ruas da cidade cujos espaços
públicos tornaram-se gradativamente desestimulantes à permanência e à apropriação
por parte do carioca (CARLOS, 2006, p.6).
Como exemplo das políticas públicas ligadas à expansão dos modernos meios de
transporte, entre as décadas de 1950 e 1970, temos a construção do Terminal Rodoviário
Menezes Cortes, na década de 1950, a Avenida Alfredo Agache, em 1960, separando a Praça
211 KLEIMAN, 2004.
212 MAGALHÃES, 2001, p.741.

100
XV do mar, e da Avenida Perimetral, no mesmo período, compreendendo a “área entre a
Praça Mauá e a antiga Ponta do Calabouço” 213 , onde hoje está localizado o Museu Histórico
Nacional. Têm-se também a abertura dos túneis na direção Centro-Zona Sul e a implantação
do sistema de metrô, na década de 1970 214 .
Tais ações se aplicam ao contexto político-administrativo da década de 1960, no qual
o planejamento urbano na cidade do Rio de Janeiro apresentou novas estratégias após a
criação do Estado da Guanabara, condição política que legitimou o Rio de Janeiro a uma
cidade-estado. São propostas ações de “embelezamento, lazer, cultura, excepcionalidade
arquitetônica, estímulo à circulação, e, ainda, diretrizes de ocupação territorial (por exemplo:
valorização da Zona Oeste)” 215 .
Na década de 1970, há a criação do “novo Estado do Rio de Janeiro, incorporando o
recém-criado Estado da Guanabara, agora transformado em sua capital, e a Região
Metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ)” 216 . Tanto a metrópole do Rio de Janeiro como seu
município-núcleo sofrem as “marcas das políticas setoriais” do modelo brasileiro de
desenvolvimento, consolidando as desigualdades sócio-espaciais presentes ainda hoje, já que
permanece a manutenção da concentração de investimentos no município-núcleo (RIBEIRO,
2000).
Até a década de 1960, a delimitação física-territorial da área central se baseava em
aspectos funcionais (tipos de atividades), pela valorização dos terrenos aí localizados e na
distribuição da população residente (concentração de moradias), segundo a pesquisa realizada
pelo IBGE, em 1967 217 . Neste sentido, tal delimitação se diferenciava dos limites oficiais
estabelecidos até então para a zona central ou comercial, abrangendo “um perímetro limitado,
no sentido leste-oeste, do aterro da Glória até a Lapa, contornando a vertente norte do maciço
213 BARROS, op.cit., p.8.
214 SILVEIRA, passim. Desde este período foram sendo acrescentadas várias estações que servem à dinâmica
do centro, como as “estações Glória, Praça Onze e Estácio, nas bordas da área central, e Cinelândia, Carioca,
Uruguaiana, Presidente Vargas e Central, no interior de seus limites” (RABHA, op.cit., p.223).
215 RIBEIRO, 2000, p.14.
216 RIBEIRO, loc.cit.
217 Segundo Rabha, “as características do centro da cidade do Rio de Janeiro na década de sessenta foram
resgatadas utilizando, como fonte principal de informações, pesquisa realizada por equipe de geógrafos do IBGE
(DUARTE, 1967), denominada ‘A área central da cidade do Rio de Janeiro’”. Apesar da abordagem teóricometodológica
típica da Geografia Tradicional ou Quantitativa, é “na qualidade dos levantamentos efetuados, no
registro da fisionomia e estrutura da área central carioca para a década de sessenta [que] revela-se o inestimável
valor desta obra que resgata uma temporalidade perdida, decorridos quase quarenta anos de história urbana
carioca”. Rabha propõe no capítulo quatro de sua tese uma “radiografia do centro da cidade”, entre os anos de
1960 a 2000, utilizando-se metodologicamente de uma comparação entre os dados de Duarte (1967) e dados
recentes levantados e coletados por ela e sua equipe.

101
da Tijuca até a rua Marquês de Sapucaí. Desse ponto, no sentido norte - sul, o limite foi dado
por uma reta até o cais do porto, na altura do Armazém 12” 218 .
Internamente a essa região delimitou-se o chamado C.B.D. ou Área Central de
Negócios, denominado por Duarte (1967) de Núcleo Central. Este se apresentaria como “um
núcleo mais homogêneo, mais majestoso (...) definido como de maior intensidade funcional,
representado pelo perímetro contido pelas Praças Quinze e Tiradentes, Mauá e Cinelândia (...)
vestígio da função de capital federal que a cidade possuiu até 1960” 219 . Segundo Duarte, o
Núcleo Central se delimitaria pelo eixo da Avenida Rio Branco, e seus limites incluem grosso
modo “Praça Mauá, Rua Acre, Marechal Floriano, Av. Passos, Praça Tiradentes, Rua da
Carioca, Rua Senador Dantas, Praça Mahatma Ghandi, Av. Presidente Wilson, Av. Antônio
Carlos, Rua Primeiro de Março, Rua Dom Gerardo” 220 .
Teríamos, assim, em primeiro lugar, o núcleo central, em que a incidência de
múltiplas funções determina o trecho de máxima complexidade situado entre as
praças Quinze e Tiradentes, Mauá e Cinelândia. Envolvendo esse núcleo, uma zona
periférica, com fluidez de fronteiras resultado de distintas situações. Para além desta
zona, considerada de amortecimento, existiria uma outra, degradada ou de
obsolescência, cujo mais claro elemento de delimitação inicial estava na Praça da
República (RABHA, op.cit., p. 20).
Outros autores que possuem como objeto de estudo o centro da cidade lhe atribuem
diferentes recortes geográficos, a partir de definições e conceituações sobre o centro, como
Vaz & Silveira (1994):
Consideramos como área central da cidade do Rio de Janeiro o trecho que
corresponde à II Região Administrativa [todo o bairro Centro], englobando a Área
Central de Negócios, a qual concentra as funções de centro comercial,
administrativo, bancário financeiro, artístico-cultural e de informações, e os seus
arredores imediatos, onde se encontram áreas de pequeno comércio e residenciais.
Esse é o menor recorte da Área Central do Rio de Janeiro e contém, além do Centro,
os bairros da Lapa, Fátima e Cruz Vermelha. [...] Essa área corresponde ao centro
histórico da cidade, que se formou do século XVI até o XIX e se vem renovando ao
longo do século XX (Vaz; SILVEIRA, op.cit., p. 99).
Os atributos de centralidade apontados por Duarte, que definiam a individualidade do
espaço central no contexto metropolitano, e o apresentava como “principal centro político e
218 Duarte, 1967, apud RABHA, 2006, p. 211. Para uma melhor visualização dos limites da área central
propostos pelos decretos oficiais e por Duarte, ver o trabalho de Rabha (2006) que se propôs a fazer uma estudo
minucioso sobre o centro da cidade do Rio de Janeiro.
219 RABHA, loc. cit.
220 RABHA, loc. cit.

102
administrativo do país”, “área central, centro de atividades, centro de gravidade, distrito
central de negócios, o centro ou simplesmente ‘a cidade’ para o carioca”, eram justificados na
conformação de um “mercado principal de trabalho de elevada percentagem da população
terciária, dada a complexidade de suas funções e concentração dos serviços disponíveis” 221 .
A diferenciação da área central em relação aos outros trechos da cidade foi ainda
apoiada pela convergência do sistema de transportes urbanos, distinções da
densidade de utilização do espaço urbano central por períodos diurnos e noturnos,
bem como a sua localização na parte mais antiga da cidade, (...) existência de
elementos representativos das mais antigas sedes do poder religioso e judiciário, (...)
presença do porto e da resultante localização central da função de comércio
atacadista (RABHA, op.cit., p.211).
A partir de meados do Século XX uma série de normas urbanísticas foi imposta por
meio da nova política adotada para a metrópole, incluindo o Centro, como por exemplo, o
aumento da verticalização no núcleo, a especialização de usos 222 , e a demolição de parte
expressiva do acervo histórico e arquitetônico por meio de renovações urbanas 223 . Somandose
à perda do papel de capital federal, em 1960, a consolidação da supremacia econômica de
São Paulo em relação à metrópole carioca, a tendência geral de espraiamento urbano (em
direção à zona sul, norte e subúrbios), o congestionamento da área central, as injunções do
sítio urbano (obstáculos), a insuficiência de transportes urbanos 224 e a configuração de novos
subcentros ligados à função de comércio e serviços, se inicia um processo de perda de posição
relativa do Centro, e que perdurará até a década de 1990.
Em que pese o fato de se constituir definitivamente uma metrópole, a crença numa
quase ilimitada expansão da Área Central de Negócios – que embasou planos,
projetos, decretos e ações do Poder Público durante praticamente um século – não se
confirmou. Enquanto o uso residencial foi afastado do núcleo, a centralidade não
cresceu conforme o previsto (ou desejado), mas sim de outros modos; atividades
centrais foram localizadas em centros de bairro ou subcentros, ou então insistiram na
localização central, verticalizando intensamente apenas o núcleo (SILVEIRA, op.cit.,
p.72).
221 RABHA, op. cit., p.208.
222 “Na década de 1970, consolidou-se o zoneamento da cidade através do decreto 322, de 1976, que
determinou, dentre outros pontos, o fim do uso residencial no Centro” (CARLOS, 2006). Assim, a “adaptação,
reforma ou construção nova para uso residencial foi vedada no centro no período entre 1976 e 1994, quando a
administração municipal aprovou projeto de lei tornando viável a edificação de uso residencial nesta área”
(SILVEIRA, op.cit., p.72).
223 À parte periférica da zona comercial “correspondiam a expectativas de expansão da área central na direção
da praça da Bandeira e ao longo de avenidas como a Presidente Vargas ou a Francisco Bicalho”. Tal “expansão
urbana prevista no Plano Doxiadis (1965) propunha a renovação urbana da Cidade Nova, transformada em
distrito administrativo do novo Estado” (RABHA, op.cit., p.211).
224 Ibid.

103
O “distrito de negócios da cidade” (atual II Região Administrativa - Centro) se tornou
a parte principal da Zona Central, sendo preterida e percebida como de menor importância a
sua zona periférica de uso misto, a partir de mudanças na lei de desenvolvimento urbano e
regional do Estado da Guanabara 225 . A seguir aponta-se a avaliação de Rabha quanto a ação
do Estado sobre as mudanças de forma e conteúdo da área central do Rio de Janeiro ao longo
de três quartos do século XX.
Na área central, um longo caminho havia sedimentado fortes decisões para sua
completa transformação. Durante vários anos tinham sido aprovados projetos
destinados à abertura ou alargamento de ruas, implicando grande quantidade de
imóveis desapropriados ou condenados a perder parte significativa, caso fossem
reconstruídos. (...) Tais intenções revelavam a eficiência do instrumento
representado pelo sistema viário, servindo como uma luva para consolidar as
intervenções de interesse público que levariam ao completo processo de mudança na
forma e no conteúdo da área central. A ação do Estado estava baseada na
combinação de grandes obras de impacto, abrindo novos eixos de circulação e no
estabelecimento de normas para recuos das futuras construções particulares (Ibid.,
p.232-3).
O Mapa 1, a seguir, representa o mapa de delimitação e uso do solo da Área Central e
Zona Sul. O Mapa 2, apresenta a delimitação adotada para o núcleo central da cidade. O Mapa
3, em seguida, de autoria de Rabha (2006), representa toda a delimitação da Área Central
segundo Duarte (1967).
225 RABHA, passim. Segundo a autora, “os trabalhos referentes ao planejamento e estudo da realidade urbana
pós-fusão, promoveram alterações na delimitação das Regiões Administrativas. A II RA, Centro, foi reduzida
pela perda das áreas do Mangue ou Cidade Nova e Estácio, incorporadas à III RA, Rio Comprido. O Centro
permaneceu com a área basicamente atual, excetuando-se um pequeno trecho, mantido na I RA, Portuária,
contendo a Praça e o Píer Mauá, posteriormente reinseridos na área central” (p.217). Podemos mencionar
também, o decreto n° 1.269, de 27 de outubro de 1977, aprovando o “Plano Urbanístico Básico da Cidade do Rio
de Janeiro, PUB-RIO, o primeiro plano realizado por técnicos da própria municipalidade”. (...) na área central,
com perdas que chegavam a atingir um terço da profundidade dos lotes, os novos PAs acabaram servindo como
instrumento de preservação das antigas edificações” (Ibid., p.233-4).

104
MAPA 1
Centro e Zona Sul

MAPA 2
105

106
O Núcleo Central, segundo DUARTE (1967)
Fonte: Instituto Pereira Passos – IPP, Mapoteca, 2006.
Elaboração da autora. Colaboração de Gustavo Lopes.

107
MAPA 3
Fonte: RABHA, 2006.

108
2.2.1. A perda de centralidade e o “esvaziamento” do centro
Procurou-se delinear a seguir alguns enfoques teóricos 226 para a análise referida ao
processo de “esvaziamento” do centro ou a perda relativa de posição desta centralidade em
âmbito local e regional, a partir de meados do século XX. A transformação da centralidade
principal em termos físicos, funcionais e simbólicos ao longo do período mencionado, pautase
em mudanças ligadas ao esvaziamento e, em seu sentido “oposto” - o de “retorno” ou
“volta” - da centralidade a partir da década de 1980/90. Num primeiro momento, concluímos
que a natureza do processo de esvaziamento se refere às perdas funcionais (econômicas e
política-administrativas), sociais e simbólicas.
Silveira (op.cit.) aponta o papel do Estado na política urbana, e o seu instrumental
urbanístico legal na configuração de um “quadro de renovação arrasadora e excludente”, ao
longo do Século XX. “No entanto, as dificuldades de reverter-se o processo de retirada ou de
expulsão da população moradora na área central está evidenciada nos dados censitários das
últimas décadas que revelam contínua perda do uso residencial nessa área” 227 .
Tal processo de esvaziamento demográfico da Região Administrativa do Centro pode
ser conferido também em alguns indicadores imobiliários.
Observando-se os indicadores de densidade predial (número de prédios/Km2) e de
verticalizações (número de domicílios/prédio) na década de 70 verifica-se uma perda
de 25,3% na densidade predial e um acréscimo de 50,2% nas verticalizações,
indicando intensificação no uso do solo. Na mesma década houve um decréscimo na
população residente de aproximadamente 8%, o que denota, que o aumento na
verticalização não foi direcionado ao uso residencial (ABRAMO & MARTINS,
2001).
Os autores acrescentam que no período de 1975 a 1980 o acréscimo de novas unidades
de salas e lojas comerciais no Centro saltou de 4,8% para 38,7% do total da cidade, enquanto
o acréscimo de unidades residenciais decaiu. A composição das transações imobiliárias indica
a importância dos negócios com imóveis comerciais no Centro, de 1968 a 1984, na medida
em que aproximadamente 60% das transações imobiliárias se deram com esse tipo de estoque.
No entanto, com o desenvolvimento científico−tecnológico e o incremento dos fluxos
de informação não há mais necessidade de se manter tantos escritórios no centro da cidade.
Nas últimas décadas houve uma mudança na dinâmica espacial expressa no esvaziamento de
226 De autores como Duarte (1967), Duarte (1974), Villaça (1998), Magalhães (2001), Santos (1995), Silveira
(2004), Frúgoli Júnior (2006), Rabha (2006), entre outros.
227 RABHA, op.cit., p.72.

109
vários edifícios comerciais nesta área.
Vários centros de bairro passaram a receber funções antes restritas àquela área.
Botafogo, Copacabana, Ipanema, Tijuca, Méier, Madureira e a própria Barra
constituíram-se em alternativas de localização para escritórios e grandes empresas,
provocando um certo esvaziamento econômico do Centro 228 .
Segundo alguns autores como Magalhães (2001), o “abandono” do centro principal
apresenta diversas manifestações físicas, econômicas, sociais e, ideológicas, caracterizando
um quadro de esvaziamento formado pelos seguintes elementos: local de emprego das classes
altas; diversão, lazer e atividades culturais; local de compras e moradia; manutenção de
edificações e logradouros; saída de investimentos financeiros e a falência de empresas de
grande porte que deixam a área; ocupação das ruas pelo comércio ambulante, mendigos e
pernoite de trabalhadores mais pobres.
Villaça (1998) problematiza o discurso de “abandono” dos centros pelas classes de
maior poder aquisitivo como causa para os processos de “decadência” ou “deterioração” dos
mesmos 229 . Para o autor tais noções constroem-se como instrumentos ideológicos presentes
numa perspectiva dominante de ações sobre o Centro e, mascaram certas dinâmicas sociais
voltadas às moradias e lazer de pobres urbanos, trabalho informal, etc. Logo, se para o
discurso oficial há “decadência” e necessidade de revitalização, para outros há efervescências
sociais e vitalidade.
No decurso do Século XX, observamos grandes transformações nas formas de
comércio nas cidades, que implicaram novas centralidades, novos espaços de
reprodução da vida nas cidades, uma nova paisagem urbana, novas relações sociais,
enfim, novas condições de vida urbana. Essas mudanças foram nítidas, deixaram
suas marcas no espaço, particularmente nas cidades em que se viveu uma grande
expansão econômica e populacional (PINTAUDI, 2006, p.213-4).
A partir da década de 1940, a área central perde funções ligadas às atividades de
comércio e serviços, com a distribuição destas para os subcentros, fruto do processo de
metropolização. A saída das classes de maior renda para áreas mais afastadas do centro,
assim como a procura por moradia na periferia pelas classes médias e baixas gerou mudanças
228 MAGALHÃES, 2001, p.742.
229 De igual modo Silveira (2004) expressa sua “preocupação com as maneiras de enunciação dos
temas/problemas da cidade” na linguagem do urbanismo. “Identificamos, inicialmente, dois termos –
“degradado” e “deteriorado” – que utilizamos diversas vezes no decorrer do nosso estudo, apresentando-os
sempre entre aspas, ao nos referirmos aos trechos, áreas ou espaços das cidades que perderam a sua qualidade
ambiental, a qualidade de uso e ocupação, se comparados a outros trechos, e, que foram apropriados por
segmentos sociais não hegemônicos. (...) Este seria o aspecto mais crucial, ao nosso ver, por incorporar
nitidamente a concepção ideológica da dominação”(p.292).

110
de uso e da configuração populacional do centro.
Segundo as conclusões de Duarte (1974), apesar das profundas modificações
verificadas na sua estrutura comercial como a popularização e especialização em
determinados produtos, a área central não estaria em decadência. Na opinião da autora, “a
expansão do comércio dos subcentros não impede que o comércio da área central se
desenvolva”, o que teria acontecido seria uma “mudança da estrutura do comércio desta
área” 230 .
Paralelamente à expansão urbana do Rio de Janeiro, tem-se o desenvolvimento de São
Paulo e a consolidação da sua primazia urbano-industrial dentro do contexto brasileiro. O
projeto de desenvolvimento econômico nacional, calcado na “substituição de importações” 231 ,
em pleno contexto do entre guerras, acabou favorecendo o empresariado paulista e a sua
acumulação de capital fruto da produção cafeeira. Torna-se relevante a compreensão do
processo que levou à supremacia de São Paulo no cenário nacional, a partir do último quartel
do Século XIX, e a sua consolidação como centro dinâmico de toda a economia brasileira ao
longo do Século XX.
A gênese do capitalismo no Brasil em território paulista se caracterizou dinâmica e
complexa devido ao estabelecimento das relações café-indústria 232 . Assim, segundo Natal
(2005), desde o século XIX, “os diferenciais da estrutura produtiva e de produtividade, e os
encadeamentos dinâmicos estabelecidos na economia paulista avançam, deixando ‘na poeira
da estrada’ a até então economia mais moderna do país, a da antiga capital do país” 233 . A
supremacia da indústria paulista é apontada por Santos (2001) da seguinte forma:
A partir da década 1930, encontra-se no Sul uma indústria importante. São Paulo
tornou-se uma grande metrópole industrial, onde estavam presentes todos os tipos de
fabricação. (...) A partir de 1945 e 1950 a indústria brasileira ganha novo ímpeto e
São Paulo se afirma como a grande metrópole fabril do país. (...) O Rio fora larga o
longamente beneficiado pela sua função política. Capital do país durante quase dois
séculos, pôde tornar-se uma metrópole política e econômica. Mas o
desenvolvimento industrial de São Paulo fez nascer uma nova metrópole econômica
para o Brasil, uma metrópole de outra natureza. (...) pois é a localização em São
Paulo das indústrias mais dinâmicas que reduz a importância relativa do Rio de
Janeiro (...) A função metropolitana cabe, doravante, a São Paulo. O desequilíbrio
entre a estrutura industrial do Rio e a de São Paulo afirma-se realmente quando a
indústria paulista conhece um diversificação e a do Rio de Janeiro deixa de seguir
esse caminho. A formação de capital na região de São Paulo é um dos fatores dessa
diversificação (SANTOS, 2001, p.42-5).
230 DUARTE, 1974, p.87.
231 TAVARES, Maria da Conceição. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre
economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.
232 NATAL, 2005.
233 Ibid., p.34.

111
Em meados do século XX se aprofunda na área central a “perda de suas características
mais simbólicas como núcleo da formação sócio-espacial” 234 . Desde os fins do século
retrasado tem se caracterizado a saída das elites sociais para os novos bairros mais afastados
do centro. No Século XX este fenômeno é acentuado e, já em 1930, a cidade apresenta uma
importante estratificação social. O padrão espacial de ocupação passa a consolidar a burguesia
na Zona Sul e Norte, e o proletariado nos subúrbios e na baixada. Em 1950, nota-se, ademais,
um aumento da densidade populacional na Zona Sul 235 .
No bojo do processo de descentralização das indústrias, comércio e serviços para os
subúrbios e áreas nobres, respectivamente, há o constante incentivo por parte do poder
público e dos setores privados para a diminuição do uso residencial do centro. Em meados da
década de 1970 foi aprovado o decreto que, entre outras medidas, proibia a moradia na zona
comercial, permitindo-a apenas na sua zona periférica 236 .
Tais ações não realizaram a manutenção da complexidade social da área central do Rio
de Janeiro, gerando sua desvalorização simbólica e patrimonial.
Orientadas por diferentes discursos políticos conforme o período, as intervenções
promovidas pelo Estado incluíram, por mais de 80 anos, uma ação pública
recorrente: a de afastar o uso residencial e as populações de menor renda do centro.
Viabilizadas mediante um discurso embasado no saneamento, embelezamento e
modernização da cidade, estas e outras ações do poder público constituíram, na
prática, um meio de ‘depuração sócio-espacial’ (SILVEIRA, op.cit., p.71).
Além do declínio em termos econômicos, o Distrito Federal perde a função de
comando na área político-administrativa com a transferência da capital para Brasília, em 1960
237
. Segundo Silveira (op.cit.), “cabe lembrar o fato de o Rio de Janeiro ter sido capital por
234 RABHA, op.cit., p.52.
235 ABREU, 1987.
236 “Na década de 1970, consolidou-se o zoneamento da cidade através do decreto 322, de 1976, que
determinou, dentre outros pontos, o fim do uso residencial no Centro” (CARLOS, 2006).
237 Neste período, segundo Rabha, “a cidade vivenciava um período muito particular, enfrentando a perda da
posição de principal centro político e administrativo do país. Em 1967, apenas sete anos eram decorridos da
mudança oficial da capital, sendo ainda expressiva a presença do governo federal na área central, face ao caráter
gradativo utilizado para a transferência das repartições e do funcionalismo público do Rio para Brasília”(op.cit.,
p.209). Segundo Silveira, respaldando-se em Lessa (2000), “devemos agregar, nesta descrição, características do
panorama político que, entre outros processos, estimula a valorização do Rio como um espaço de produção
cultural – um ‘laboratório de brasilidade’ - dos anos 1950 até o golpe de 1964, que desestruturou as bases sócioculturais
desse conceito” (op.cit. p.98). Neste sentido para Rabha, “Se no país a situação indicava a necessidade
de rígido controle, para o caso do Rio de Janeiro implicava lidar com questões mais complexas. Afinal, a cidade
fora palco de fortes manifestações políticas que antecederam ao golpe de 64. Embora por direito já não mais
fosse capital, o Rio continuava sendo ‘a caixa de ressonância dos problemas nacionais’, o ‘tambor’ do país. (...)
Estas considerações reconheciam a capitalidade ainda exercida pelo Rio, ou seja, ‘sua função de representar a

112
praticamente 200 anos e assinalar, também, que apesar da sua condição de capital da
república entre 1889 e 1960, (...) verificamos o ...”:
(...) o esvaziamento de atividades políticas e administrativas com a transferência da
capital para Brasília, a criação do Estado da Guanabara, e a posterior fusão com o
estado do Rio de Janeiro. Mesmo assim, a metrópole do Rio de Janeiro manteve a
condição de núcleo aglutinador de atividades terciárias e pólo irradiador de cultura,
de modas - inclusive urbanísticas - e modos de vida. Esse esvaziamento foi se
acentuando, atingindo o seu ápice na década de 1980, com a crise econômica,
quando se materializaram as evidências da pobreza – degradação do espaço físico de
um modo geral, com o crescimento da população de rua, do comércio informal, da
violência urbana” (VAZ ; SILVEIRA, 1999, apud SILVEIRA, 2004, p.98) 238 .
As sucessivas recessões da economia brasileira trouxeram impactos regionais, como o
“esvaziamento econômico” que marcou a metrópole carioca ao longo da segunda metade do
Século XX, e pode-se dizer com mais “força” após a década de 1980 239 . Entre as “perdas”
apontam-se a intensa transferência de empresas, entre elas instituições bancárias, para a
cidade de São Paulo; a falta de investimentos na indústria naval; o aumento do desemprego e
do trabalho informal, entre outros fatores. A crise econômica e sociocultural que atingiu a
Estado do Rio de Janeiro (ERJ) e, particularmente, o seu município-sede, durante a década de
1980, refletiu-se no aumento da “violência na vida cotidiana, na perda da qualidade dos
serviços públicos face ao endividamento do governo estadual e do governo local, registrandose
o reconhecimento da falência da cidade do Rio de Janeiro durante o governo Saturnino
Braga (1984-1987)” 240 .
A perda de centralidade da cidade do Rio de Janeiro em diferentes aspectos
(econômico, social e política) culmina no momento chamado de “década perdida” por alguns
autores ou segundo a periodização de Natal (2005), quinze anos de “um conjunto superposto
de crises – uma “crise ampla”. Tal período “compreendido entre o início dos anos oitenta e o
final da primeira metade dos anos noventa do século passado” 241 , impactou, particularmente, a
unidade e a síntese da nação’” (op.cit., p.180,187). Ver LESSA, Carlos. Rio foi um laboratório de brasilidade.
Entrevista, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 dez. a 2000. Caderno Idéias, p. 3.
238 VAZ, Lilian F. e SILVEIRA, Carmen B. Áreas centrais, projetos urbanísticos e vazios urbanos. Território.
Rio de Janeiro: LAGET/UFRJ, ano 4, n. 7, jul./dez. 1999. p. 59.
239 Segundo Tavares (2000), “do final da década de 1960 ao final da década seguinte, os investimentos públicos
federais atenuaram o impacto da crise sobre a economia da metrópole. Nesse sentido, a presença das empresas
estatais no Rio de Janeiro foi crucial” (p.57).
240 RIBEIRO, 2000, p.23.
241 NATAL, 2005, p.25. Nesta obra o autor-organizador traz uma contribuição valiosa sobre o contexto sócioespacial
fluminense contemporâneo, focando um estudo detalhado sobre o processo de “inflexão econômica
positiva” por qual passou o Estado do Rio de Janeiro após quinze anos (1980-95) de degradação econômica,
social e institucional. A respeito do novo cenário de investimentos que envolve a reestruturação produtiva e
econômica fluminense, ver também Oliveira (2006).

113
sociedade fluminense trazendo reflexos para o núcleo metropolitano, ou seja, a cidade do Rio
de Janeiro. Segundo o autor, a “crise foi apreendida ao nível do imaginário coletivo como
ápice do processo iniciado com a transferência da capital (1960) e levado adiante com a
denominada fusão (1974)”, se expressando profundamente na “perda da auto-estima e da
identidade nacional da população do ERJ, notadamente da sua fração carioca” 242 .
Quanto aos fatores determinantes das superpostas crises são apontados pelo autor:
(i) a pronunciada decadência e a falta de competitividade da indústria fluminense
(no caso deste último aspecto, principalmente, quando comparada com a paulista);
(ii) a efetiva redução dos gastos do governo federal no estado, como também os
impactos derivados dos anúncios da sua redução; (iii) o dramático agravamento da
chamada questão social; (iv) os conflitos de natureza federativa, particularmente os
estabelecidos entre os governos estadual e federal; e (v) o inegável estiolamento
‘moral’ da população fluminense, em especial da carioca (NATAL, op.cit., p.27-8).
Logo, para o autor, a degradação econômica do ERJ e do seu município-sede está
relacionada à “dependência da dinâmica econômica do país à própria dinâmica econômica
paulista”, e da dependência cada maior do Rio de Janeiro das “atividades prestadoras de
serviços e do setor público”. No momento da perda do papel de capital e a diminuição dos
recursos fiscais e financeiros da União, foram reveladas “fragilidades histórico-estruturais” 243 .
Oliveira (2006) ressalta aspectos econômicos do quadro apresentado. Segundo o autor,
como conseqüência da dita “crise estrutural de natureza econômica que atingiu todo o país, e
reduziu significativamente a participação do estado na composição proporcional do Produto
Nacional Bruto” e, aliada às “mudanças nas políticas de gestão do território” que passaram a
planejar o estado em sua totalidade (núcleo e interior), houve uma “progressiva diminuição da
centralidade das atividades industriais do núcleo metropolitano”. Desta forma, não apresenta
outros fatores causadores do esvaziamento econômico do ERJ senão a “‘ascensão’ e a ‘queda’
de um modelo de industrialização centralizado na cidade do Rio de Janeiro” 244 .
[...] a cidade do Rio de Janeiro, (...) vem sofrendo um intenso esvaziamento industrial
e reafirmando, cada vez mais, sua condição de centro de serviços e turismo, tanto local
quanto internacional. Nesse mesmo processo, segue um deslocamento de importantes
segmentos e setores industriais para os demais municípios localizados na metrópole
fluminense, tornado-os a base territorial industrial mais dinâmica na metrópole
(OLIVEIRA, 2006, p.80).
242 NATAL, loc.cit.
243 Ibid., p.31-2, 35.
244 OLIVEIRA, op.cit., p.80, 82 e 88.

114
Tais reflexões fazem repensar a geografia econômica da metrópole carioca na
atualidade, assim como as suas funções produtivas que tem se direcionado cada vez mais para
a dimensão financeira e de serviços. Nesse sentido, destaca-se que a “a força do terciário no
Rio de Janeiro não pode ser considerada, portanto, uma tendência recente”, como nos aponta
Ribeiro (2000) 245 . Segundo Oliveira, a partir da verificação de dados relativos à quantidade de
trabalhadores ativos no mercado formal na cidade do Rio de Janeiro, por setor de atividades,
no período de 1985 a 2000, pode-se concluir que “ocorreram perdas (...) em quase todos os
segmentos, exceto nos de comércio e de serviços” 246 .
A ampliação do setor terciário inclui-se no contexto caracterizado pela emergência da
economia de serviços nas metrópoles, após a década de 1970, e que alguns autores
denominam de “terciarização da economia”, cuja origem baseia-se nas mudanças que as
atividades de serviços sofreram “a partir da recente reestruturação produtiva das empresas e
das economias mundiais e particularmente com o apoio das inovações tecnológicas” 247 .
As tecnologias da informação e da comunicação têm conduzido à industrialização dos
serviços, à inovação organizacional e a novas formas de comercialização dos serviços,
no que se refere aos relacionamentos entre produtor e consumidor, acarretando novas
modalidades ou formas modificadas de serviços (SILVEIRA, op.cit., p.66).
Dentro deste contexto, há um incremento da “financeirização” em São Paulo, com a
transferência das sedes de grandes empresas, entre elas a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro
no ano 2000 248 . No entanto, apesar da fuga de sedes de empresas para outros bairros da cidade
e estados como São Paulo, a área central do Rio de Janeiro tem afirmado a sua centralidade na
função de comando em relação aos segmentos ligados às telecomunicações e energia, cujas
plantas industriais estão se instalando com grande força na região Norte Fluminense.
Devido ao contexto de “crise urbana”, no período mencionado, o espaço urbano da
área central se degradou devido ao não investimento tanto por parte do poder público quanto
privado. Quanto a este último, houve deslocamento do capital imobiliário na malha urbana
245 RIBEIRO, 2000, p.12-3.
246 Ibid., p.90.
247 KON, 1999, p.65.
248 Segundo Oliveira em nota, “é importante salientar, quando analisamos esse processo, que o fato de ser uma
importante referência turística e de serviços não permite à cidade do Rio de Janeiro uma economia
exclusivamente de serviços. Historicamente a cidade centralizou a maior parte das indústrias na RMRJ e muito
de seu comércio e serviços baseava nas indústrias locais. Com o esgotamento dessa atividade, tudo se altera.
Talvez o principal exemplo dessa associação tenha sido o fechamento da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.
Sem uma base industrial forte, não se justifica a permanência da Bolsa...” (op.cit., p.90).

115
para outros bairros e o seu impacto sobre o mercado de imóveis da área central, provocando
alterações nos estoques residenciais e comerciais como apontam dados e pesquisas.
Segundo Cezar (2001), o centro da cidade vem seguindo uma tendência de retração
demográfica. A partir do Censo 2000, o autor concluiu que, com algumas exceções, a Área de
Planejamento I, que engloba o bairro do Centro, vem seguindo uma tendência histórica de
retração da população residente. Segundo o autor, entre 1996 e 2000, nada menos que 13.600
pessoas deixaram esta área. Há, portanto, transformações na centralidade principal já que à
medida que se “perde população, perde-se a conectividade e logo a centralidade” 249 .
A respeito da perda de importância do Centro no mercado de imóveis comerciais, esse
fenômeno se refere às conveniências ou oportunidades de especulação. Concordando com
Cezar, os capitais deixam de atuar em determinada área quando as possibilidades de
realização de ganhos excepcionais se esgotam.
Carneiro (2001), em seu trabalho “Domicílios e ocupação no Rio”, aponta que a II RA
(Centro) é classificada como sendo de alta proporção de domicílios não-ocupados. Para o
pesquisador, a RA do Centro vem historicamente sofrendo um processo de esvaziamento
populacional: desde o início do Século XX, com a ampliação do espaço para ruas e praças e,
nas últimas décadas, devido à especialização de serviços e mudança de uso, ou seja, a
transformação de áreas tradicionalmente residenciais em escritórios, lojas, etc.
O deslocamento do capital imobiliário está totalmente ligado ao caráter mutável e ao
mesmo tempo segregador do espaço urbano capitalista. Como as modificações no espaço
estão geralmente de acordo com as aspirações da classe dominante, o espaço se altera
impactando negativamente a classe de menos poder aquisitivo; no entanto, devido ao caráter
segregacionista do espaço (este legitimado pelo Estado), essa condição se impõe e se “adapta”
ao cotidiano das pessoas, facilitando o deslocamento livre do capital. Os principais fatores
para a reorganização do espaço e, conjuntamente, para a segregação do mesmo são a
adaptação aos novos processos de reprodução das relações de produção, à especialização das
classes sociais na cidade e à valorização capitalista do solo urbano 250 .
A respeito da dinâmica do capital imobiliário na cidade do Rio de Janeiro:
249 SILVEIRA, op.cit., p.209.
250 MARAFON, 1997.
Recentemente, desenvolveram-se outras centralidades, ressaltando-se a Barra da Tijuca, área de
ocupação recente na extensão da Zona Sul e que adquiriu a dinâmica antes atribuída a
Copacabana. Nesse contexto amplo e constituído de centralidades de diversos níveis
hierárquicos, a área central passou a enfrentar a concorrência de investimentos que se
concentram no litoral sul e na construção de shopping centers em locais estratégicos. Todavia,

116
a despeito desse quadro, estudos e dados recentes demonstram a permanência de uma dinâmica
que ainda confere vitalidade à área central (SILVEIRA, op.cit., p.72-3).
A urbanização da Baixada de Jacarepaguá por empresários do setor imobiliário se
pautou, num primeiro momento, no “marketing” dos condomínios fechados sob o “conceito
de moradia associada ao lazer e serviços (...), “criado” para acontecer na Barra e gerar, uma
outra vez, um novo bairro” 251 .
Nos anos oitenta, a vida começou a surgir fora dos condomínios, fomentada e
promovida por atividades comerciais, serviços e lazer, bem como pela expansão das
frentes de investimento imobiliário em unidades de menor porte. Logo ao início da
década, em 1981, foi inaugurado o BarraShopping, um empreendimento comercial
que nunca mais parou de crescer. Em 1984 foi aberto o Casashopping, na avenida
Airton Sena, um centro comercial temático destinado ao atendimento da constante
procura por materiais e serviços inerentes à construção e à decoração (RABHA,
op.cit., p.216).
Segundo Rabha, na década de 1990 houve a expansão dos complexos comerciais e de
serviços na Barra, como o Downtown e Cittá América, além de hotéis-residência e
convencionais.
vantagens locacionais garantidas pela qualidade ambiental, pela melhoria da
infraestrutura, maior acessibilidade, disponibilidade das telecomunicações entre
outros fatores, acabaram por orientar um significativo movimento das grandes
empresas na direção da Barra, deixando para trás instalações na área central ou em
outros bairros da cidade (RABHA, loc.cit.).
Durante as décadas de 1970 a 1990, o urbanismo modernista “isolou” o centro da
cidade das outras funções, além da comercial, e contribuiu para sua imagem de decadência.
2.2.2. A renovação urbana e a “volta ao centro”
A volta ao centro pode ser compreendida como uma nova urbanização, entendida
como readaptação da cidade tradicional, implicando movimentos de centralização de
algumas atividades, incluindo a moradia. Na base deste processo, estariam os setores
de serviços, beneficiados por oportunidades e descobertas, que vão desde o
aproveitamento dos espaços intersticiais vazios ou obsoletos nas áreas centrais,
como antigos portos, ferrovias, instalações industriais etc., ao surgimento de
atividades inovadoras, como eventos ou programas diferenciados (Ibid., p.17).
O processo de renovação urbana nos espaços centrais é pesquisada de forma mais
aprofundada pelos estudiosos do urbano a partir da escola de ecologia humana – embrionária
251 RABHA. 2006, p.210.

117
da Escola de Chicago, devido à sua influência na análise sobre os padrões de crescimento
urbano e de transformação sociais nas grandes cidades, e primeiramente dos países
desenvolvidos a partir da década de 1930.
No entanto, os processos de revitalização/requalificação/revalorização das áreas
centrais das cidades têm origem nas décadas de 1960/70 nas cidades americanas de Baltimore,
São Francisco e Boston 252 . Surge então um novo modelo de produção do urbano, a cidadeempresa
253 ou a cidade-empreendimento 254 , caracterizada pelas novas formas de intervenção
urbanísticas e de administração pública, ou seja, novos atores, novos projetos urbanos e novas
coalizões políticas 255 .
Na década de 1990, a lógica da revalorização urbana visando proporcionar acréscimos
e vantagens ao modo de vida capitalista moderno, se mantém e espalha-se mais fortemente
para as cidades dos países subdesenvolvidos. Segundo Arantes (2002), tal lógica se insere nos
“movimentos urbanos” e baseia-se numa estratégia cultural interessada no binômio
“rentabilidade e patrimônio arquitetônico-cultural”, articulando-se através de coalizões de
elite representadas pela “classe rentista de sempre” 256 como:
incorporadores, corretores, banqueiros, etc., escorados por um séquito de
coadjuvantes igualmente interessados e poderosos como a mídia, os políticos,
universidades, empresas esportivas, câmaras de comércio e, enfim, nossos dois
personagens desse enredo de estratégias: os planejadores urbanos e os promotores
culturais (ARANTES, 2002, p.66).
O tema cultura associado à transformação e gestão urbana tratado pela autora nas
suas obras (2000,2002) revela uma aceleração do processo de fragmentação do espaço urbano
legitimado por “consensos cívicos” acionados por “rentiers, planejadores urbanos e
intermediários culturais”. A fragmentação do espaço pauta-se no favorecimento de zonas
252 Segundo Rabha, “das inúmeras práticas de intervenção empreendidas por várias cidades ao redor do mundo
surgiram distintas conduções para intervenções na área central. A profusão de conceitos, rotulados por nuances e
sutilezas, apresenta-se segundo denominações como recuperação, requalificação, reabilitação ou revitalização”
(op.cit., p.18). Em trabalho anterior (monografia de especialização/IPPUR/UFRJ) intitulado “O velho e o novo:
reflexões sobre as novas formas de uso e ocupação da área central do Rio de Janeiro” expomos de maneira mais
detalhada os programas urbanísticos e as diferentes concepções de planejamento, caracterizados pela
revitalização urbana, requalificação e “renovação preservadora”, em torno do processo de reestruturação da área
central e as novas formas de organização do espaço. C.f. também Arantes (2002), Magalhães (2002), Mesentier
(s/d), Rabha (2006).
253 ARANTES, 2002.
254 HALL, 1995.
255 SÁNCHEZ, 2003.
256 ARANTES, 2002, p.66/69.

118
pontuais da cidade valorizadas pelo “capital cultural (...) cujo consumo, na forma de
refinamento artístico ostensivo, é a melhor garantia de que o clima de negócios é saudável” 257 .
Em consonância ao contexto internacional, há no fim da década de 1970 e, início de
1980, uma alteração nas narrativas sobre o “declínio” do centro do Rio de Janeiro. Um novo
discurso urbanístico é difundido, buscando legitimar-se com referência à recuperação de áreas
centrais e a “requalificação dos centros, de forma a servir à competitividade entre as cidades,
característica da globalização. Ressurgiu, assim, a opção de retomada do centro
tradicional” 258 .
Na [década de 1980] o desinvestimento passou a caracterizar as metrópoles [...] Este
novo contexto, em conjunto com a ampliação dos movimentos democráticos, fez
com que a administração pública e o capital passassem a reconhecer a importância
do patrimônio instalado, seja ele social ou físico e particularmente nas áreas centrais.
O novo paradigma de desenvolvimento busca uma melhor utilização, ou melhor,
reutilização do patrimônio existente: modelos que viabilizem o sistema econômico
mas que, ao mesmo tempo, possibilitem utilizar potenciais instalados e atinja,
melhores respostas socioculturais. Neste sentido é que se popularizou o modelo da
revitalização urbana, que promove objetivos de desenvolvimento urbano e ações
integradas com o fim de possibilitar ‘nova vida’ às áreas urbanas decadentes ou
subutilizadas (DEL RIO, 1993, p.58) .
Segundo Del Rio, o novo modelo urbanístico se distancia tanto dos processos
traumáticos de renovação, que pressupunham um caráter “destrutivo” em busca de um
“princípio da ordem”, quanto das atitudes exageradamente conservacionistas, que
“‘congelava’ as testemunhas históricas, via a arquitetura como monumento, os edifícios como
museus” 259 .
Durante anos, a solução encontrada para corrigir o abandono, a ociosidade, a
decadência esteve voltada para a promoção de amplos programas de renovação
urbana. No Rio de Janeiro, a realização de eventos internacionais, a modernização
do sistema viário ou a implantação dos transportes de massa foram justificativas
irrefutáveis para replicar sobre o antigo centro da cidade, modelos e malhas urbanas
exóticos. Em geral, estavam baseados em desenho e concepção aos conceitos ditados
no plano internacional, tendo como pressupostos, os reflexos do processo de
descentralização de cunho residencial e a perda da vitalidade das áreas centrais. Nos
anos oitenta, iniciou-se uma revisão sobre tal tratamento até então conduzido para a
área central (RABHA, op.cit., p.16).
257 Ibid., p.67.
258 MAGALHÃES, op.cit, p.743.
259 DEL RIO,op.cit., p.58-9.

119
Para Magalhães (2001), “como ação efetiva, a requalificação do centro é um processo
que nasceu com a criação do Corredor Cultural” 260 , um programa urbanístico de revitalização
com base na preservação arquitetônica (1979). O programa expressava um primeiro momento
da tendência cultural da política urbana e uma nova visão da cidade por parte de uma opinião
pública especializada em planejamento, cultura, arte, etc., que formava um grupo erudito
composto por escritores, artistas plásticos, intelectuais, entre outros (ex. Artur da Távola,
Afonso Carlos, Raquel Rolnik, Sérgio Cabral, etc.) 261 .
O segundo momento da política urbana carioca que se utiliza da cultura nos processos
de revitalização do Centro consolida-se com a aprovação do Plano Estratégico da Cidade, em
1995, “cujos termos são vinculados à última modernidade na cena internacional” 262 e ao
“marketing urbano” 263 . Assim, tal ação espelha-se
no panorama internacional [...] [onde] as cidades ocidentais estariam vivenciando
uma seqüência de situações que se iniciavam por declínio da indústria, passavam por
mudanças das funções centrais, por abandono do centro e voltavam a ele, para
implementar sua recuperação. [...] crescia em importância a indústria do turismo,
fazendo com que a originalidade da história acumulada no espaço das cidades e o
patrimônio urbano mais antigo fossem incorporados como um fator diferencial na
qualidade da oferta dos possíveis destinos para consumo em viagens de lazer” (Ibid.,
p.17).
Segundo Ribeiro (2000), a elaboração do Plano Estratégico 264 corresponde a um ensaio
do “modelo internacional-local, desenvolvido através das parcerias público-privado”.
260 “O projeto Corredor Cultural, criado em 1979, [...] preservou três grandes conjuntos de sobrados no centro
do Rio – Praça XV, Lapa e Imediações da SAARA e do Largo de São Francisco”( MAGALHÃES, ibid., p.
744/746).
261 “Obedecendo em parte aos princípios (...) [da Recomendação de Nairobi], uma equipe de escritores e
arquitetos idealizou o projeto do Corredor Cultural no centro do Rio de Janeiro, que tem constituído um processo
há mais de vinte anos”. [Desta forma, surgiu] (...) na cena internacional, desde 1975, a questão da integração dos
conjuntos históricos à vida coletiva de nossa ‘época’. Em 1976, em Nairobi, a Unesco adotou uma recomendação
relativa à proteção dos conjuntos históricos tradicionais e ao seu papel na vida contemporânea, que continua
sendo a exposição de motivos e a argumentação mais complexa em favor de um tratamento não museal das
malhas urbanas contemporâneas” (Evelyn F. W. Lima, Preservação do patrimônio: uma análise das práticas
adotadas no centro do Rio de Janeiro). C.f. também Cristina Meneguello,“O coração da cidade: observações
sobre a preservação dos centros históricos”. Ambos os artigos estão publicados na Revista Eletrônica do
IPHAN, s/d. Disponível em Acesso em abril de 2007.
262 RIBEIRO, 2000, p.24.
263 “A articulação entre urbanismo e marketing político é especialmente acentuada durante a gestão César Maia,
bastando citar, nesse sentido, a propaganda política articulada aos programas Favela-Bairro e Rio-Cidade” (em
nota, Ribeiro, 2000, p.24).
264 “A elaboração do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro foi co-promovida pela Prefeitura, pela
Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) e pela Associação Comercial do Rio de Janeiro
(ACRJ). Esta elaboração contou com o apoio financeiro de um consórcio de empresas [...], com a constituição de
um Conselho Diretor [...] e um denominado Conselho da Cidade” (em nota, Ribeiro, 2000, p.28-29). Ver
também Arantes (2002).

120
O Plano Estratégico [...] contribui para legitimar iniciativas voltadas ao resgate da
cidade, [...] propondo uma nova forma de participação [...] via parcerias em aberto,
que caracteriza a cultura político-administrativa difundida com apoio em agências
multilaterais de desenvolvimento [...]. Ainda a justificativa do Plano aciona o
conjunto de processos que sustentam crenças atuais sobre os desafios urbanos:
globalização, competição entre países e cidades, projetos atrativos de investimentos
externos, paradigma das cidades globais. 265
Assim, no contexto nacional, como aponta Magalhães (op.cit.), “a Prefeitura vem
tendo liderança do processo de transformações no centro do Rio” 266 . Com a criação e
aplicação de leis de zoneamento, o Poder Público lançou o projeto do Corredor Cultural e as
propostas de intervenções urbanísticas em áreas determinadas da Lapa e Rua Uruguaiana.
Em função da lógica de investimento público estabelecida, no período determinado
por 1989 e 1996, a área do projeto Corredor Cultural recebeu diversas obras de
reurbanização dos seus espaços públicos, incremento da iluminação pública que
incluiu a valorização de monumentos, ordenamento e repressão do comércio
ambulante e estacionamento de automóveis sobre as calçadas, dentre outras medidas
que buscaram valorizar lugares como a Praça XV de Novembro, os Largos da
Carioca e da Lapa, Avenida Rio Branco e Cinelândia e o trecho Rua Uruguaiana –
Praça Tiradentes (CARLOS, 2006, p.8).
Além disso, foram criadas áreas de preservação ambiental da Cruz Vermelha, da
Saúde, Santo Cristo, Gamboa e Teófilo Otoni. Posteriormente, já na década de 1990,
ampliam-se as proposições do projeto do Corredor Cultural e é criada a Subprefeitura do
Centro. Neste sentido, as APACs revelam-se alvo de intervenções pontuais por parte do Poder
Público Municipal, especialmente, as estabelecidas na área central. Segundo Carlos (2006), os
“critérios que balizam as ações da Prefeitura baseiam-se na premissa da preparação dos
espaços públicos, com vistas à atração e viabilização de empreendimentos privados nas áreas
imobiliária, cultural e de serviços” 267 .
Na administração Marcelo Alencar (1989-1992), César Maia (1993-1996) e Conde
(1997-2000) realizaram-se projetos de valorização do espaço público e de melhoramento de
265 Ibid., p.25-7.
266 MAGALHÃES, ibid., p.744. Segundo Mesentier (s/d), quanto às ações do Poder Público “pode-se propor
um recorte em dois períodos: I) o primeiro, marcado pela combinação de ações de proteção legal e estímulo a
ações de conservação da iniciativa privada através de mecanismos de isenção fiscal; II) o segundo, quando são
adicionadas às ações anteriores, programas e projetos que aportam recursos e realizam intervenções no ambiente
urbano, que implicam em reestruturação do uso do solo e valorização imobiliária de algumas áreas onde existem
edifícios e conjuntos de valor patrimonial”.
267 “Em 1992, o Plano Diretor Decenal da Cidade [...] definiu o instrumento urbanístico denominado Área de
Proteção do Ambiente Cultural (Apac)” (CARLOS, 2006, p.7). Baseando-se no texto original, o autor define o
instrumento como “uma área de domínio público ou privado, a que apresenta relevante interesse cultural e
características paisagísticas notáveis, cuja ocupação deve ser compatível com a valorização e a proteção da sua
paisagem e do seu ambiente urbano, bem como a preservação de seus conjuntos urbanos”.

121
seu “status” por meio de intervenções físicas e descentralização administrativa 268 . No
primeiro, são realizadas “intervenções em pontos de grande visibilidade, como o ‘Rio Orla’ e
as reformas do Largo da Lapa, da Avenida Chile e da Rua Uruguaiana” 269 . Já nas primeiras
administrações César Maia e Conde são realizados os projetos “Rio-Cidade” e “Favela-
Bairro”. O projeto Rio-Cidade, em áreas previamente selecionadas pela Prefeitura, promoveu
projetos voltados à “construção de uma cidade mais acolhedora” a partir da “racionalização
de fluxos, paisagismo e mobiliário urbano”. No entanto para Carlos (2006), “o projeto Rio
Cidade valorizou, nos bairros onde foi implantado, apenas seus principais logradouros,
caracterizados pela predominância das atividades comerciais, de lazer e serviços” 270 .
Nas duas últimas administrações César Maia (desde 2000 com respectiva reeleição), a
Zona Portuária adquiriu importância, incluindo a área da Praça Mauá (pertencente ao bairro
do Centro), a partir da proposta do Plano de Recuperação e Revitalização da Região Portuária
(2001).
Desde então, o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a melhoria do
ambiente edificado, orientado para a requalificação do espaço físico das áreas
centrais, ganhou adesões dos setores privados, animou os setores imobiliários, de
negócios e serviços, e dirigiu para estas localizações um novo perfil de demanda. O
dinamismo e a pluralidade de situações constituem-se fatores primordiais de atração,
considerados âncoras do processo de reurbanização. As antigas áreas centrais
oferecem rentabilidade quando se demonstram ricas em funções urbanas, são
seguras e bem tratadas do ponto de vista urbanístico, oferecendo alternativas
diferenciais para o investimento comercial e imobiliário em diversos ramos de
negócios (RABHA, op.cit., p.18).
Portanto, a fuga de investimentos que se fez no Centro até o final da década de 1980,
em decorrência à “crise urbana” apontada, teria levado à “decadência” do bairro. No entanto,
a partir da década de 1990, esse processo tem se revertido, em parte, devido a certas ações de
revitalização. Como fenômeno imobiliário, esse retorno dos investimentos pode ser observado
na procura por locações ou compra de salas no núcleo central visando o comércio varejista
268 Segundo Mesentier (s/d), “vale mencionar que, dentro dessa fase, o BNDES passou a destinar recursos,
através da Lei de Incentivo à Cultura, à recuperação de imóveis de valor patrimonial na área central (como no
caso do conjunto formado pelo Convento de Santo Antônio e a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco da
Penitência) e a Caixa Econômica Federal, em parceria com as Secretarias de Habitação e de Urbanismo da
Prefeitura, abriu linhas de crédito e desenvolveu projetos destinados a recuperação de imóveis de valor
patrimonial, visando fortalecer o perfil residencial do centro do Rio de Janeiro”.
269 MAGALHÃES, op.cit., p.747.
270 CARLOS, op.cit., p.8.

122
mais sofisticado, como cafés e bistrôs, livrarias, e lojas de roupas, bolsas e sapatos de griffe
271
.
Como exemplo dos projetos de requalificação verifica-se o denominado Pólo
Histórico, Cultural e Gastronômico da Praça XV, fruto do associativismo empresarial liderado
pela Associação Comercial do Rio de Janeiro – ACRJ, e com publicação no Decreto
Municipal nº. 26201, em 27 de janeiro de 2006. A criação do Pólo objetivaria “atrair
empresários e buscar patrocínio para os principais atrativos da região, como bares e
restaurantes, centros culturais, museus, teatros, cinemas e livrarias” 272 . Segundo a ACRJ:
O Pólo Histórico, Cultural e Gastronômico da Praça XV tem como parceiros o
SEBRAE/RJ, SENAC Rio, Fecomércio/RJ, SindiRio e Associação Comercial do
Rio de Janeiro. As instituições pretendem resgatar a importância da área que,
durante vários séculos, foi cenário para acontecimentos que marcaram a história do
Rio de Janeiro e do Brasil. (...) O objetivo é aumentar a competitividade das
empresas do Pólo (...) e adjacências a partir da melhoria da produtividade, da
atratividade local e da sustentabilidade, por meio da organização associativa dos
empreendimentos da região. Fazem parte do Pólo: 15 bares e restaurantes, cinco
estabelecimentos comerciais e dois museus /centros culturais 273 .
271 Exemplos de novos estabelecimentos: ex. Saraiva e Fenac, Borelli, Folic, H. Stern, Brasserie Rosário, etc.
272 PÓLO GASTRONÔMICO da Praça XV. Associação Comercial do Rio de Janeiro. Disponível em <
http://www.acrj.org.b> em abril de 2008. Segundo as publicações oficiais são projetos prioritários da ACRJ :
"Megalópole Brasileira", "Fórum do Rio" e "Revitalização do Centro do Rio". O Pólo compreende o polígono
formado pelos seguintes trechos: partindo da Praça XV de Novembro, segue pela orla (Avenida Presidente
Kubitschek) até o encontro com a Avenida Presidente Vargas, segue por esta até a Rua da Quitanda, continua
pela mesma até o encontro com a Avenida Nilo Peçanha, continua por esta até a Praça do Expedicionário,
retornando pela orla até o ponto de partida”.
273
Ibid.

Figura 2
Imagem do produto turístico
criado pelo comitê de marketing do Pólo.
Figura 3
Imagem do convite feito pela Prefeitura/ SETUR para o
lançamento do Guia do Pólo da Praça XV, em fevereiro de
2008, no CCBB.
Segundo representante do Sebrae/RJ são oferecidas ao exame do poder público
propostas “corretivas e intervenções estruturantes para a área” nos “aspectos físico e infraestrutura,
de ocupação do espaço público, de saúde pública e de segurança” 274 . Por exemplo, o
274 PÓLO HISTÓRICO da Praça XV. Associação Comercial do Rio de Janeiro. Disponível em <
http://www.acrj.org.b> em abril de 2008. São mencionadas as intervenções no “Elevado da Perimetral, que

121
projeto de gestão estratégica “Unir e Vencer: o varejo somando esforços para multiplicar
resultados”, do Sebrae/RJ, visaria organizar “os empresários da região com foco nos aspectos
culturais”, utilizando ações ligadas ao associativismo, capacitação, comunicação/marketing,
eventos/turismo, políticas públicas, requalificação urbana e segurança. São formas de ação de
marketing para a região: o Mercado Cultural, Caminho das Luzes, Circuito Turístico Passo a
Passo.
Em entrevista 275 com representante do setor imobiliário foram levantadas algumas
informações sobre valores e tendências imobiliárias para o núcleo central. Por exemplo, a
emergência de um movimento novidadeiro relacionado ao comércio de roupas de luxo, que se
iniciou de há dez anos, caracterizando um “perímetro” formado pelas ruas do Ouvidor,
Assembléia, Rio Branco, Uruguaiana e Quitanda. Este tipo de comércio que antigamente
centralizava-se na região do SAARA tem se reestruturado a partir de novos investimentos de
empresários paulistas e estrangeiros.
A maioria do comércio sofisticado localiza-se no “chão” da rua, no entanto, observa-se
a presença de dois shoppings verticais, diferenciando-se das galerias comerciais, tanto na rua
do Ouvidor (o Paço do Ouvidor) 276 e como na rua Sete de Setembro (o Vertical Shopping) 277 .
A pouca expressividade deste tipo de empreendimento, segundo representantes do varejo,
revelaria os obstáculos à passagem da ocupação do “chão de loja” para um processo de
verticalização comercial, como por exemplo, a concorrência com o comércio ambulante. O
precisa de tratamento acústico e ambiental; a Revitalização do Mergulhão, que requer iluminação, acústica,
ventilação/refrigeração, sinalização e limpeza/higiene; a execução de tratamento paisagístico e de reurbanização
da área do entorno da Igreja da Candelária; a implementação de um projeto paisagístico e melhoria da qualidade
ambiental nos Jardins da Praça XV, próximo ao Restaurante Albamar; um plano de transporte-circular coletivo
no interior do Centro, de forma a reduzir a circulação de carros e deslocar parte da frota de ônibus para os limites
da região, interligando os diversos modais; a implantação de plano de transporte marítimo com diversas linhas
interligando as várias localidades da Baía da Guanabara a partir da Estação do Centro, entre outros”.
275 Entrevista realizada em novembro de 2006 com o corretor de imóveis Elias Jorge Rocha, funcionário da
BCF Administradora de Bens, localizada na Rua da Quitanda.
276 “A modernização do setor de serviços gerou alguns empreendimentos imobiliários correspondentes aos
edifícios de escritórios de firmas, de estilo pós-moderno, cujo andar térreo apresenta um uso comercial
modernizado. Estes investimentos estão principalmente nas tradicionais ruas do Ouvidor e Rio Branco, que
assim recuperam parte da imagem perdida nos últimos vinte anos” (PACHECO, 1999, p.3). A seguir, um
histórico do shopping Paço do Ouvidor encontrado no endereço eletrônico do empreendimento: “Localizado na
Rua do Ouvidor, com lojas, também, nas Ruas Uruguaiana e Gonçalves Dias, o Paço do Ouvidor é o pioneiro
entre os shoppings a se localizarem no centro do Rio de Janeiro. Dando início às suas atividades em 1994, o
Shopping apresenta um estilo arquitetônico que se integra perfeitamente ao ambiente histórico do chamado
Corredor Cultural do Centro da Cidade, área por onde passam, aproximadamente 500 mil pessoas por dia. Sua
fachada exibe traços da modernidade e ao mesmo tempo seu revestimento de vidros reflete toda a beleza do
Corredor Cultural. Oferecendo um variado mix de serviços, lojas de moda feminina, unissex, surfwear, calçados,
telefonia e alimentação entre outras, o Paço do Ouvidor é hoje uma referência para os freqüentadores e visitantes
do centro da cidade”. Disponível em < www.pacodoouvidor.com.br> Acesso em novembro de 2006.
277 Entre os empreendimentos de comércio sofisticado estão uma galeria comercial, a Galleria Mason e o
Vertical Shopping (Ed. EMDA), que agrega mais de 50 lojas e funciona diariamente até as 20:00hs.

122
que ainda se evidencia acerca dos investimentos no setor é uma queda dos preços do metro
quadrado e a manutenção de salas, andares e, às vezes, edificações inteiras vazias.
O centro comercial do Rio de Janeiro está associado ao centro histórico. Dentro do
centro histórico o comércio se espacializa diferentemente, ou seja, há áreas de maior
heterogeneidade e outras de maior especialização ou seletividade. (...) Ao longo
deste século, as tradicionais ruas do comércio “sofisticado” (Gonçalves Dias e
Ouvidor) continuaram a sua função de atender a uma classe social mais abastada,
que busca a moda nas vitrines atualizadas, e foi assim até surgirem as filiais nos
subcentros comerciais. (...) Só na segunda metade da década de 90 é que o centro
tradicional recupera em parte este papel, com a presença de um comércio renovado e
representado por lojas de confecção e boutiques de griffe, no entorno da avenida Rio
Branco em direção ao Castelo (PACHECO, 1999, p.2).
Recentemente, o economista Carlos Lessa 278 tem defendido a revitalização da área
central em várias palestras em entidades profissionais, estabelecimentos públicos e artigos.
Em palestra proferida na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) 279 enfatiza que “a
decadência do centro é mortal para o Rio de Janeiro". Lessa aponta como fatores que
contribuiriam para a degradação: a deficiência nos transportes, a falta de estacionamentos, o
abandono ou subutilização de espaços federais, entre outros. A ênfase na recuperação do
bairro relaciona-se ao seu papel de “ponto de ligação” entre quase todos os bairros da cidade
e, âncora de revitalização para os demais bairros centrais ou regiões históricas como Caju,
Santo Cristo, Gamboa, Catumbi e Praça Mauá. Entre as propostas defendidas destacam-se:
a recuperação da Cinelândia, a recuperação do Píer do Rio, o aproveitamento
turístico da Baía de Guanabara, a transformação da linha da central do Brasil em
metrô de superfície, a criação de corredores turísticos que explorem a riqueza
cultural e o patrimônio histórico da cidade e a criação de leis que dêem aos
moradores das favelas o título de propriedade do terreno de suas casas 280 .
Robustecer o centro é vital para o Rio de Janeiro. Há muito o que aproveitar, e
também o que projetar e criar, levando em conta o espírito altruísta do cidadão
carioca. Todos os espaços que surgirem com base nesse cálculo atrairão público e
comércio e abrirão brechas para novos empregos e oportunidades. O BNDES se
dispõe a estudar formas de apoio a projetos que visem à recuperação da harmonia da
278 Carlos Lessa é economista e trabalhou na Cepal e no BNDES. Professor fundador dos cursos de economia
da Universidade de Campinas e da Universidade Federal Fluminense. Atualmente é professor titular de
economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde exerce o cargo de Decano do Centro de Ciências
Jurídicas e Econômicas.
279 Lessa diz que revitalização do centro é estratégica para o Rio de Janeiro. Associação Comercial do Rio de
Janeiro. Sala de Imprensa . Disponível em < http://www.acrj.org.b> em abril de 2008.
280 Ibid.

123
cidade com sua imortal inclinação aos bailes e à alegria. O ócio pode ser um grande
negócio. Apostemos nossas fichas! 281
Quanto às ações de revitalização, Lessa restaurou dois sobrados localizados no núcleo
do centro histórico, em 2003, e inaugurou o sebo Al-Farabi e a Brasserie Rosário, o que lhe
rendeu o título pela mídia de “mecenas da Rua do Rosário” 282 . Com a compra e restauração de
outros sobrados, reforma de logradouros, promoção de shows, cursos, e lançamentos de
livros, o economista defende a atração de novos investimentos para o Centro. Como reflexo
da sua ação a Rua do Rosário é divulgada como o “palco de um dos capítulos mais
importantes da restauração do Centro”.
A modernização do setor de serviços gerou alguns empreendimentos imobiliários
correspondentes aos edifícios de escritórios de firmas, de estilo pós-moderno, cujo
andar térreo apresenta um uso comercial modernizado. Estes investimentos estão
principalmente nas tradicionais ruas do Ouvidor e Rio Branco, que assim recuperam
parte da imagem perdida nos últimos vinte anos (PACHECO, op.cit, p.3).
Outro indicador de retorno de investimentos no Centro refere-se ao mercado de
escritórios. O capital privado, principalmente imobiliário, apropria-se da área central como a
área “preferida pelas empresas, devido à excelente infra-estrutura de serviços disponíveis” 283 ,
acessibilidade, e também pela sua imagem de “área de grande valor histórico” 284 . Tal
fenômeno espacial associa-se ao processo de recuperação da economia fluminense 285 , após a
crise socioeconômica que perdurou até meados de 1990, constatando-se a redução da
“chamada migração de empresas, ao tempo em que os grupos (sobretudo estrangeiros) que
investiram em telecomunicações e no petróleo” estariam preferindo instalar-se no Estado do
Rio de Janeiro e não em São Paulo.
O interesse pela área central do Rio de Janeiro no mercado de escritórios tem crescido
nos últimos anos, segundo seus representantes. A demanda por escritórios comerciais de alto
padrão em edifícios comerciais permanece aquecida desde 2003, com uma demanda recente
de quase 50% por escritórios corporativos, na “Região Centro”, liderada pela “Sub-região Rio
281 Lessa escreveu o artigo “O negócio do ócio” quando ainda exercia o cargo de presidência do BNDES.
Bafafá online. Rio de Janeiro. Disponível em < http://www.bafafa.com.br> em novembro de 2008.
282 O BOTEQUIM do intelectual. e DE VOLTA ao mapa do centro do Rio. O Globo, Rio de Janeiro, 2006.
283 JONES LANG LASALLE. Perfil Imobiliário. Disponível em outubro de
2006.
284 Frase contida no relato de Pinheiro (2002) sobre a propaganda de venda das unidades do Edifício
Amarelinho, na Cinelândia, que enfatiza a sua localização e é “apresentado como um jóia arquitetônica”.
285
Ou “inflexão econômica positiva”, denominação feita por Natal (2005) para designar mudanças na economia
e sociedade fluminense pós-1995.

124
Branco” 286 . O Centro se confirma como área preferida pelas empresas do setor de serviços –
destaque para a região da Candelária, Praça Mauá, Cidade Nova e Explanada do Castelo.
Inaugurado em 1996, o edifício Candelária Corporate possui arquitetura pós-moderna
que se destaca visualmente na paisagem, devido à antiguidade das ruas da Candelária e
Teófilo Otoni e, das construções no seu entorno. Além da grande automação predial e do
grande número de multinacionais, seu uso se faz por empresas do setor de energia como:
auditoria – consultoria contábil e financeira; telecomunicações; empresa de navegação e
cabotagem; re-seguradora (seguros internacionais); Energia Nuclear (setor técnico/
administração/ setor financeiro); Energia Elétrica (empresa distribuidora de energia); Empresa
de compra e venda e distribuição de energia.
Na entorno da Praça Mauá são apontados o prédio do Centro Empresarial
Internacional Rio – RB1, inaugurado em 1990, marco da arquitetura pós-moderna na cidade,
localizado na Praça Mauá; o Manhattan Tower e o Centro Empresarial RB53, na Av. Rio
Branco. Algumas construções são novas, outras são reformadas e modernizadas pela técnica
de “retrofit”.
O Centro Empresarial RB1 é um complexo de empresas multinacionais de serviços
relacionadas ao uso de tecnologias novas e ao setor financeiro. Caracteriza-se como um
edifício inteligente, devido seu alto grau de automação predial e está localizado em um
endereço muito nobre do centro da cidade, o número um da Avenida Rio Branco, em frente à
Praça Mauá. No lugar onde há hoje o Centro Empresarial, havia no início do Século XX, a
Casa Mauá, que foi o primeiro edifício comercial da área e paraíso dos turistas que chegavam
durante quase 70 anos, devido aos serviços das companhias de viagens, agências bancárias,
etc.
Sua localização estratégica merece atenção, principalmente, quando relacionada ao
Plano de Revitalização da Zona Portuária (2001) 287 , que tem como meta inicial a
refuncionalização do Píer Maúa. Sua localização estimulou propostas de intervenção urbana
na área podendo-se apontar alguns fatos como: a figura do edifício como símbolo marcante
das campanhas publicitárias do projeto; a grande ligação entre a administração do edifício e
os órgãos públicos responsáveis (as reuniões da secretaria municipal de urbanismo e outras
286 JONES LANG LASALLE. A divisão das regiões de escritórios no Rio de Janeiro se constitui pelas regiões
Centro, Orla e Barra, sendo que a região Centro, é constituída por sub-regiões (Praça Mauá, Presidente Vargas,
Cidade Nova, Rio Branco, Microcentro, Castelo e Cinelândia .
287 “Porto do Rio” – Plano de Recuperação e Revitalização da Região Portuária, elaborado pelo Instituto Pereira
Passos-IPP, em 2001. O Plano representa as ações da Prefeitura, em parcerias com o governo federal e iniciativa
privada na área portuária (Cais, Saúde, Gamboa e Santo Cristo).

125
instâncias foram promovidas no Centro de Convenções do edifício), e por último, o setor de
advocacia internacional localizado no edifício foi o promotor dos leilões e outros serviços
para as empresas responsáveis pela “naufragada” proposta de instalação da filial do Museu
Guggenheim no Píer Mauá.
A Explanada do Castelo se destaca no mercado de escritórios pelo alto valor dos
aluguéis. No final de 2004 foi inaugurado o edifício de arquitetura pós-moderna, o Torre
Almirante, localizado na Av. Almirante Barroso, e ocupado por empresas prestadoras de
serviço à Petrobrás (Engenharia, Tecnologia da Informação, etc.). Outro exemplo de
investimentos maciços feitos por incorporadoras neste tipo de mercado é o Ventura Corporate
Towers 288 , complexo de duas torres de escritório, em construção no “corredor corporativo”
formado na Avenida Chile onde se localizam as sedes da Petrobrás e do BNDES.
Do ponto de vista espacial, estes edifícios “inteligentes” representam a reconfiguração
área central vinculada à modernização do setor terciário, e seguem uma tendência básica
observada na concentração das atividades do terciário superior no Rio de Janeiro 289 .
O crescimento do setor imobiliário no Rio de Janeiro também se apresenta no mercado
da habitação com destaque para o condomínio residencial Cores da Lapa, inaugurado em
2005. Segundo a Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ):
visto como “aposta da construtora Klabin Segall, (...) com total de vendas de R$ 100 milhões,
o condomínio, localizado na Rua Riachuelo, na Lapa, num antigo terreno da cervejaria
Antarctica, será o primeiro a ser erguido em 30 anos no bairro boêmio” 290 .
Segundo a matéria da Revista Veja Guia Imobiliário, “o projeto, batizado de Cores da
Lapa, foi uma aposta arriscada (...) estão sendo construídos treze edifícios residenciais, com
688 apartamentos no total”. O condomínio foi totalmente vendido no dia do lançamento do
empreendimento. Entre os atores envolvidos na promoção do condomínio e da própria
imagem do bairro estão pequenos empresários, artistas e formadores de opinião, como a
própria prefeitura. Destaca-se o investimento dos incorporadores numa
campanha institucional para promover a Lapa. O slogan ‘Eu sou da Lapa’ se
espalhou pela cidade em anúncios de televisão, na mídia impressa e até mesmo em
288 “Fruto de uma parceria entre a Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário e a Tishman Speyer, o
empreendimento - que foi comercializado para grandes grupos de investidores estrangeiros - será um "prédio
verde" com duas torres de 36 pavimentos, cinco subsolos e 1500 vagas de garagem”. O valor do investimento é
totalizado em R$ 450 milhões e se propõe a direcionar sua ocupação ao mercado financeiro e energético.
Matéria: ALVO CERTEIRO. Disponível em < http://www.acrj.org.b> em abril de 2008.
289 PACHECO, 1999.
290 SATISFEITOS com 2005. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, dezembro de 2005.

126
jogos de futebol. Os criadores da campanha produziram bandeirões com os escudos
dos principais times cariocas acompanhados pelo slogan ‘Eu sou da Lapa’ 291 .
Sobre o fenômeno da “reabilitação” do Centro, Rabha (2006) aponta que apenas a
localização de alguns pontos da área central tem sido “resgatada em seu potencial de
qualidade arquitetônica e de caráter histórico”, e como os “pressupostos destas novas políticas
calcadas na nova urbanização” se baseiam na chamada “animação urbana”, as preocupações
com o uso e ocupação do espaço central se pautam em alterar formas de apropriação segundo
segmentos de renda ou padrão de atividade. Logo, questiona-se o sentido das intervenções de
requalificação e os seus efeitos de “gentrificação”, pois seus objetivos se estabelecem na
“generalização” do capital, na movimentação da economia urbana, e na acumulação de capital
pelo setor imobiliário.
Por detrás desta reorganização do espaço, realizada por meio de intervenções intraurbanas,
há uma visão de acumulação de capital por grupos privados que favorece o
desenvolvimento de uma base material, e que estimula novos padrões de serviços e de
consumo. Deste modo, a reorganização do espaço urbano do Centro consolidaria este
processo, por exemplo, atribuindo novas funções às formas espaciais valorizando novos
padrões de organização. Como diria Neil Smith, em seu artigo presente na obra de Bidou-
Zachariasen (2006), é de se questionar tal reapropriação estratégica do espaço urbano, e as
transformações materiais, sociais e simbólicas as quais tem passado os centros das cidades.
Segundo Arantes (2002), a cultura representa o “novo combustível (...) da máquina
ideológica acionada pelos que administram tanto a construção física quanto a ideacional dos
recursos capazes de impulsionar o desenvolvimento dentro e pelos “lugares” da cidade”. As
universidades se inserem, portanto, enquanto “intermediário cultural” nesse processo,
representando “a fração de classe fornecedora de bens e serviços simbólicos, cuja trajetória
ascendente é reveladora do atual culturalismo de mercado”. Desta forma, assim como as
atividades culturais promovidas por
curadores de museus visam demonstrar que suas instituições (ou melhor,
organizações) atraem multidões que multiplicam os negócios, dos gadgets de toda
ordem ás exposições blockbuster (...); o mesmo para as universidades, cuja
sobrevivência institucional depende cada vez mais de sua atitude cooperativa diante
do mundo dos negócios (Ibid., p.67-68).
291 A LAPA e outras surpresas. Veja Rio Guia imobiliário. Rio de Janeiro, março, 2006. Endereço eletrônico >. Acesso em outubro de 2008.

127
O próximo capítulo se propõe a discutir o papel da cultura na (re)configuração recente
das áreas centrais. O debate examinará as atividades “culturais” e, mais especificamente, as
instituições superiores de ensino – universidades, localizadas no Centro que, desde a década
da de 1990, estão se estruturando em novos moldes no arranjo espacial da cidade.

128
CAPÍTULO 3 – IDEOLOGIA E PLANEJAMENTO: DISCURSOS E PRÁTICAS EM
DISPUTA NA ÁREA CENTRAL DO RIO DE JANEIRO
A presença das universidades no Centro: UGF – Unidade Candelária; UCAM – Campus Centro; ESPM –
Campus Rosário (da esquerda para a direita).
Fonte: Internet.
O papel do discurso da “volta ao Centro” expresso na literatura da área de urbanismo,
na mídia e no poder público, representa parte das ações voltadas à redefinição e recomposição
da centralidade no contexto urbano contemporâneo, tanto nos aspectos simbólicos quanto
funcionais. Neste sentido, três “sinais” são apontados referindo-se ao movimento de reversão
da decadência, ou seja, do “renascimento” do Centro: os empreendimentos imobiliários
residenciais, como o condomínio Cores da Lapa, que reconfiguram a Área Central e trazem
uma nova dinâmica; as torres empresariais, que trazem ao debate uma forma de ação de
novos atores ligados aos setores financeiros, de energia, de escritórios de arquitetura
internacionais; e as universidades, que geram dinamismo, assegurando a retomada de
atividades ligadas ao entretenimento e à cultura no Centro.
Cabe a este estudo avaliar como as novas representações e visões sobre o “Centro”,
presentes no discurso dominante, orientam novas formas de apropriação do espaço pelo
capital privado – no caso, pelas Instituições de Ensino Superior (IES). Sabe-se que este
estudo de caso não é suficiente para traçar um panorama geral da dinâmica do espaço central
metropolitano, no entanto, parte-se da importância de se repensar o sentido da
refuncionalização da área central do Rio de Janeiro vista por meio da ação das empresas nas
últimas décadas.

129
3.1. O “NOVO” E O “VELHO” NA ESTRUTURA URBANA
A Área Central do Rio de Janeiro está inserida na Área de Planejamento I (AP−1), que
se consolida como área de negócios e baixo uso residencial 292 . Recentemente, o capital
privado, principalmente o imobiliário, tem investido maciçamente neste espaço, associando
tecnologia e qualidade do ambiente, “cultura & economia”, apropriando-se de uma imagem
que valoriza a aglomeração espacial do “velho & novo”. Este padrão de organização e
utilização do espaço, estimulado pelo capital, se apresenta na paisagem da Área Central,
especialmente no centro histórico e seu entorno modernizado.
O centro do Rio de Janeiro possui uma multifuncionalidade em seu conteúdo,
destacando-se a forte presença do comércio e da prestação de serviços, além das funções
residencial e administrativa. Apesar de o uso residencial nas últimas décadas ter se reduzido,
há um contingente expressivo de pessoas que ainda habita o Centro 293 . Como sede do poder
municipal, ele abriga repartições de órgãos públicos estaduais e federais, resquícios do fato de
ter sido a antiga capital do país.
A paisagem urbana do Centro é marcada por uma grande variedade de formas. Desde
os antigos casarões e os prédios cívicos e culturais, que são verdadeiros monumentos
históricos – o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional e o Paço Imperial são alguns exemplos
– aos grandes edifícios modernos e pós-modernos, vistos principalmente no centro financeiro
representado pela Avenida Rio Branco.
292
Compreende os seguintes bairros: Mangueira, Paquetá, Benfica, Catumbi, Caju, Centro, Cidade Nova,
Estácio, Gamboa, Rio Comprido, Santo Cristo, São Cristóvão, Saúde e Vasco da Gama (PREFEITURA DA
CIDADE DO RIO DE JANEIRO, 2003). PMRJ. Nota Técnica nº 5: Região Centro. Rio Estudos, nº 95, março
de 2003. Disponível em http://www.armazemdedados.rio.rj.gov.br. Acesso em outubro de 2006.
293 “Numa área de 572 ha., território circunscrito da II Região Administrativa, Centro, moram 39.135 pessoas
(Censo 2000). (...) no trecho antigo, fronteiro ao bairro de Santa Teresa, delimitado pela rua do Riachuelo, região
sul da área central, (...) técnicos da municipalidade estudam a possibilidade de criar dois novos bairros,
reconhecendo a evidência de seu uso residencial, ainda que entremeado por diversas outras atividades. Os dados
obtidos por agregação de setores censitários (...) apontam a presença de significativa concentração da população
residente na área polarizada pela Lapa e Praça da Cruz Vermelha, entre a rua do Riachuelo e a Frei Caneca, nelas
incluída o único setor que reteve o conceito residencial no próprio nome, o bairro de Fátima. Uma observação
mais apurada do restante da área demonstra uma distribuição bastante rarefeita, com maior concentração apenas
no setor censitário que cobre os edifícios construídos no início dos anos cinqüenta na Presidente Vargas, o
conhecido conjunto “Balança mas não cai”, onde moram 1.004 pessoas em 423 domicílios. (...) Na área mais
central e nas bordas da baía de Guanabara ainda é encontrada alguma ocupação de caráter residencial, desta vez
em prédios mistos (...) Trechos bem localizados, dotados de boa vizinhança ou próximos ao antigo Senado ou
Câmara dos Deputados correspondem a estes casos, sendo ainda encontrados na avenida Beira Mar, bem como
na região do Castelo ou na própria Rio Branco, neste caso mais residual, como nos edifícios Marquês de Herval
(Rio Branco 185), Brasília (Rio Branco 311) ou o Santos Vahlis (Senador Dantas 117)”(RABHA, 2006, p.343-
45).

130
Nota-se a co-presença de equipamentos ligados às atividades culturais, de lazer e
entretenimento – centros culturais, teatros, cinemas; ao comércio sofisticado, como joalherias,
lojas de griffe de roupas, bolsas e sapatos, restaurantes, cafés e livrarias; e aos serviços
especializados, localizados nos centros médicos e laboratórios, nas instituições privadas de
ensino 294 e nas torres de escritório – os chamados “edifícios inteligentes”.
O centro histórico do Rio, na atualidade, busca reafirmar sua posição concentrando o
setor terciário no âmbito das funções decisórias das firmas e da prestação de serviços
(...) [e como] centro de compras, negócios e lazer voltado para a cultura
(PACHECO, op.cit., p.2).
Portanto, a rede de relações socioespaciais que conformam o conteúdo social do bairro
gira em torno da sua característica como “centralidade tradicional”, incluindo os lugares
centrais de função financeira, histórica, cultural, portuária, comercial popular e residencial 295 .
Segundo notas técnicas do Plano Estratégico 2001-2004, a “Região Centro”, que
simboliza a origem da formação da cidade, agrega atualmente os bairros mais tradicionais do
município do Rio de Janeiro 296 . Ali estão localizados os principais monumentos arquitetônicos
e artísticos e os marcos históricos mais importantes da evolução urbana da cidade.
A região ainda é o segundo centro financeiro do país e abriga maior número de
prédios comerciais, museus, restaurantes tradicionais, centros de pesquisa e
universidades do que qualquer outra região do município. Sua zona portuária é um
dos principais portais de entrada e saída de mercadorias do país. Não obstante o
esvaziamento populacional dos últimos anos, o Centro continua a ser a principal
referência da Cidade do Rio de Janeiro. Exatamente por preservar essa condição de
núcleo estratégico para o qual tudo converge, a região traz, subjacente, as sementes
da própria revitalização (PREFEITURA DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO,
2003, p.15-16).
O núcleo central ou Área Central de Negócios, localizadao no bairro Centro (II-R.A.),
comporta uma variedade de funções e se caracteriza como principal espaço de consumo. Tal
área, além de possuidora de grande valor arquitetônico e urbanístico, se constitui como o
principal eixo financeiro-empresarial da cidade, encontrando-se num processo de
294
Entre outras a ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), Universidade Gama Filho, Estácio de Sá,
UniverCIDADE, Castelo Branco, Cândido Mendes, FGV (Fundação Getúlio Vargas), PUC e IBMEC.
295
MELLO, 2002.
296 Segundo o Plano, a Região Centro é formada por 14 bairros. São eles: Benfica, Caju, Catumbi, Centro,
Cidade Nova, Estácio, Gamboa, Mangueira, Paquetá, Rio Comprido, Santa Teresa, Santo Cristo, São Cristóvão e
Saúde.

131
modernização mais avançado do que as demais áreas do Centro 297 . Dentro da dinâmica atual,
pode-se dizer que o núcleo central vem se destacando em serviços especializados que
valorizam o espaço para o consumo e denotam importante funcionalidade com vistas à
acumulação e valorização do capital das empresas nele investido.
A organização espacial do centro da cidade se caracteriza pela co-presença de fixos 298
de diferentes tempos históricos. Observam-se igrejas, antigos sobrados e casarões de
arquitetura pré-moderna, alguns fechados e outros em pleno funcionamento, mantendo sua
forma original ou modernizados, abrigando atividades comerciais ou culturais certamente
diferentes da sua função de origem.
O Centro do Rio como hoje se apresenta é o resultado de (...) anos de história. Ao
longo deste período, as sucessivas transformações urbanas decorrentes da expansão
da cidade modificaram suas ruas, sua arquitetura e até o seu perfil natural (...).
Assim, as diferentes épocas deixaram seu registro presente através dos estilos
arquitetônicos que as caracterizam. Neste espaço urbano, os edifícios modernos e os
prédios antigos, as amplas avenidas de grande tráfego e as estreitas ruas de pedestres
convivem e se articulam, oferecendo uma viva documentação da história carioca
(INSTITUTO MUNICIPAL DE ARTE E CULTURA, 1989).
A distribuição destes fixos se faz de forma mais esparsa no território entre os mais
modernos, estando preservados ou não como patrimônios históricos, ou de maneira
concentrada – alguns são reconhecidos como conjunto arquitetônico e urbanístico, como é o
caso da Praça XV. Como exemplos do primeiro caso estão os sobrados na Rua da Candelária
e Teófilo Otoni. Alguns puderam ser restaurados por seus donos, outros não, permanecendo
fechados apesar de se identificarem como Áreas de Proteção ao Ambiente Cultural –
APAC 299 . Estes sobrados ainda resistem em meio a modernos edifícios e torres “inteligentes”,
como os prédios da Souza Cruz e o Candelária Corporate.
A diversidade dos logradouros públicos apresenta-se nas ruas estreitas ou largas,
avenidas, travessas e becos – permanências e mudanças – presentes no espaço, frutos da
modernização das redes técnicas de infra-estrutura urbana implementadas por diferentes
297 Segundo a Diretoria de Informações Geográficas do Instituto Pereira Passos, “a atividade econômica na
região é composta por cerca de 21.800 estabelecimentos, 87,8% dos quais são do segmento de comércio e
serviços, empregando aproximadamente 327 mil pessoas. O volume de negócios é de R$ 1,8 bilhão (US$ 1,6
bilhão)[1], a maior arrecadação do município”(ibid.). [1] Valor médio do dólar (1998) utilizado para conversão:
US$ 1,1606.
298
SANTOS, 1997.
299 APAC – Categoria de Unidades de Conservação Ambiental definida pelo artigo 124 da Lei Complementar de
16 de junho de 1992, que institui o Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro (Armazém de Dados,
2006). Os sobrados da rua Teófilo Otoni e Candelária foram preservados, segundo o Decreto Municipal 2698 de
12/12/97.

132
reformas urbanísticas que privilegiaram partes da Área Central. Numa caminhada pelas ruas
do Rosário ou do Ouvidor, no Beco das Cancelas ou dos Barbeiros, na Sete de Setembro ou
na São José, observam-se logradouros estreitíssimos se comparados às grandes avenidas que
os cercam, como a Presidente Vargas, Rio Branco, Primeiro de Março e Nilo Peçanha, entre
outras.
Desta forma, tem-se ao lado dos sobrados a localização de edifícios modernos e pósmodernos.
Dos sobrados mais antigos, alguns permanecem fechados, outros têm sofrido
reformas arquitetônicas em suas fachadas e/ou na sua estrutura predial, tais como a instalação
de fibra ótica. Um exemplo que congrega tal estrutura é a Avenida Rio Branco. Nela
observam-se mais de três gerações de edifícios construídos e reconstruídos ao longo do século
XX, desde o prédio da atual sede do Departamento de Meio Circulante do Banco Central, o
Mecir, que no ano de 2006 completou cem anos de existência, ao Centro Empresarial
Internacional Rio, o RB1, edifício com as qualidades de “pós-moderno” e “inteligente”,
localizado na Praça Mauá.
Os processos de permanências e mudanças – o “novo e o velho”, não se apresentam
somente na diversidade das formas, mas nas funções do objeto que orientam seus fluxos. A
Praça Quinze de Novembro, por exemplo, antigo Largo do Carmo, “se apresenta como um
espaço de múltiplas formas e funções, [e como] resultado de um processo de evolução
urbana” 300 . Tornou-se um espaço de fluxos sociais, financeiros e comerciais, religiosos,
institucionais e culturais, cujas funções históricas permanecem ainda hoje.
O logradouro possuiu elevada importância comercial até o início do século XX.
Atualmente, a principal causa do fluxo de população flutuante presente diuturnamente no
mesmo é a localização do terminal rodoviário Alfredo Agache (Mergulhão) e da Estação das
Barcas e dos Aerobarcos interligando as cidades do Rio de Janeiro e Niterói e às ilhas de
Paquetá e do Governador. Além disso, após passar por reforma urbanística em meados da
década de 1990, o Largo do Paço afirmou-se como local de encontro, de feiras e eventos
musicais que se iniciam geralmente no horário do happy hour.
Muito da memória do Brasil e da história da cidade do Rio de Janeiro pode ser
revivida por meio do seu conjunto arquitetônico e urbanístico. A Praça XV é constituída por
diversas edificações tombadas individualmente e faz parte da legislação municipal (Lei nº 506
de 17/01/84) que reconhece o Corredor Cultural como Zona Especial do Centro Histórico e
300 COLOMBIANO, op.cit., p.76.

133
define “condições básicas para a preservação paisagística e ambiental de grande parte da Área
Central” 301 .
Dentre algumas edificações e monumentos destacam-se o Paço Imperial, construído
em 1743, que já foi casa da moeda, armazém del Rei, casa dos governadores, dos vice-reis,
Paço Real e correios. Passadas várias reformas ao longo dos séculos, ele funciona hoje como
centro cultural, possuindo em seu edifício uma biblioteca, salas para exposição de artes
plásticas, eventos teatrais, concertos musicais, palestras e seminários. Possui também em sua
parte comercial uma papelaria, loja de discos, aluguel de vídeos, cafeteria, restaurante e
bistrô.
Entres outras edificações tombadas estão o Edifício da Assembléia Legislativa do
Estado do Rio de Janeiro (Palácio Tiradentes), inaugurado em 1926; a Estação das Barcas –
conjunto de três construções edificadas entre 1906 e 1911; o Restaurante Albamar, que
iniciou seu funcionamento no ano de 1933 e ocupa um dos cinco torreões remanescentes do
antigo mercado municipal que existiu na Praça XV na metade do século; o Arco dos Teles e as
casas n° 32 e 34 – construções do século XVIII que ligam a Praça XV à Travessa do
Comércio. Em sua parte superior situava-se a residência da família Teles de Menezes.
Atualmente o Arco do Teles é conhecido pela particularidade dos seus bares e restaurantes, já
que as estruturas da fachada e do interior foram mantidas.
Há de se mencionar o prédio da Bolsa de Valores, primeiramente construído na
década de 1930 no lugar onde antes se localizava o mercado de peixe. Com vistas a um
melhor funcionamento dos pregões, ele necessitou de expansão nas suas instalações, que
vieram a ser inauguradas com roupagens mais modernas em 1998 302 . Apesar da transferência
de boa parte das suas atividades para a BOVESPA (SP), em 2000, inaugurou um Call Center
(Central de Informações para o Exportador), marcando o início do seu processo de
revitalização. Em 2003, foi inaugurado o Centro de Convenções Bolsa do Rio e, em 2004, o
Centro de Memória da Bolsa do Rio.
Em conclusão, chamam a atenção as edificações históricas e sua passagem por
processos que as levam, atualmente, a exercerem novas funções, gerando uma nova
organização espacial na Área Central da cidade 303 . São museus, centros culturais, bibliotecas,
301 INSTITUTO MUNICIPAL DE ARTE E CULTURA, 1989.
302
COLOMBIANO, passim.
303 “Podem-se perceber movimentos de upgrading por meio dos seguintes aspectos: a reconstrução e recuperação
de prédios antigos e a presença de algumas construções novas, inclusive com arquiteturas pós-modernas; as
mudanças verificadas nos usos das edificações existentes; o desenvolvimento de atividades culturais, com o
surgimento de novos núcleos e/ou instituições de peso na área de diversão e cultura (Casa França Brasil, Centro

134
bares, restaurantes e feiras, dentre os quais se destacam: os centros culturais Paço Imperial, na
Praça XV; o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB), a Fundação Casa França Brasil e o
Espaço Cultural Correios e Telégrafos, na Rua Visconde de Itaboraí; o Museu da Imagem e
do Som (MIS) e o Museu Histórico Nacional, equipamento recentemente restaurado
(setembro de 2004), na Praça Marechal Âncora e Av. General Justo, respectivamente; e os
bares e restaurantes no Arco do Teles e nos sobrados das travessas do Comércio e do Tinoco,
nas ruas dos Mercadores e do Mercado.
As políticas de revitalização da área central postas em marcha pelo governo e suas
parcerias do setor empresarial favorecem a organização comercial, na medida em
que restituem as dinâmicas econômica e cultural que estabelecem nexos
convergentes para esta área. O centro dos dias atuais, na sua heterogeneidade
interna, oferece cultura, comércio, serviços e lazer, buscando resgatar a imagem dos
anos 50, ou do tempo da Corte, quando tudo acontecia no centro. Dentro do
quadrilátero histórico, (...) o comércio se beneficia desta vida nova que se tenta
imprimir, recuperando as fachadas e a imagem urbana através de algumas
referências como uma confeitaria, uma chapelaria, um empório de vinhos e
importados, enfim, um comércio especializado e que tem a marca de símbolos
cariocas vinculados ao centro histórico (PACHECO, op.cit., p.2).
Além dos novos usos ligados ao turismo cultural (visitas a bibliotecas, espaços e
centros culturais e religiosos, etc.), são apontados os novos empreendimentos no setor de
serviços, como os serviços avançados materializados nos edifícios “inteligentes”, as
universidades particulares e a consolidação do que denominamos Pólo Comercial de Luxo,
formado por lojas de griffe do ramo do vestuário, bolsas e sapatos.
Cultural Banco do Brasil, Fundição Progresso, entre outros), que atraem uma nova clientela, anteriormente
usuária quase exclusiva dos equipamentos da Zona Sul. O ressurgimento das atividades de cultura e lazer na
Área Central é acompanhada do movimento do comércio dirigido a essa nova clientela. [...] Essa revitalização,
no entanto, é de natureza diferente da dos movimentos anteriores de desenvolvimento, pois não implica nem a
expansão física horizontal nem a vertical; pelo contrário, seus pontos de destaque privilegiam a recuperação de
estruturas físicas antigas” (VAZ, 1994, p.96).

135
Figura 4: A imagem apropriada
A figura apresenta a imagem da arquitetura colonial
do chafariz presente na Praça XV como logotipo da
Universidade Cândido Mendes em comemoração
ao centenário da instituição.
A Praça Mauá se apresenta como outro exemplo emblemático das políticas urbanoculturais
atuais. Foi criada em conseqüência da remodelação do Porto, em 1908, e já passou
por diversas renovações urbanas, agregando ainda hoje funções do setor terciário.
A Praça Mauá foi considerada durante muito tempo a ‘porta de entrada’ do Rio de
Janeiro, do Brasil – por ali passavam pessoas, mercadorias, num fluxo constante (...),
ou seja, atravessando décadas e sofrendo modificações, a Praça Mauá manteve
sempre a vocação de ponto de encontro da cidade e do país com o resto do mundo
(IPLANRIO & J.F. ENGENHARIA, 1989).
Desde as décadas de 1970/80, há um projeto de remodelação do porto do Rio, devido à
perda da maioria de suas funções e a decadência de seus equipamentos, como por exemplo o
Píer Mauá. Atualmente, o píer não exerce mais as suas funções de origem, servindo até como
palco de grandes eventos e festas. Desta forma, em 2001, a Prefeitura relançou o projeto de
remodelação do porto baseando-se nas propostas de requalificação urbana apontadas.
Para que a proposta obtenha sucesso torna-se necessário combinar o uso das formas
edificadas às novas funções, dotando o espaço urbano de padrões de qualidade e
tratamento ambiental [...]. Nesta lógica de intervenção, o ponto focal representado

136
pela intersecção da Avenida Rio Branco, Rua Acre e Praça e Píer Mauá, é não só o
mais integrador à área central, como também o que reúne pré-condições mais
imediatas para a sua implementação, beneficiada pela proximidade do centro de
negócios [...]. As atividades de lazer, cultura, comércio, serviços e o forte apelo
turístico estariam atendidas na implementação de um projeto de renovação do trecho
entre o Píer e o Armazém 4, setor já disponibilizado para essa finalidade pela Cia.
Docas (INSTITUTO PEREIRA PASSOS, 2001).
A riqueza urbanística concentrada na região da Praça Mauá é fruto da evolução urbana
da cidade como um todo. Nela podemos encontrar prédios históricos da Metropol, Docas Rio
(Touring), Portus-Banco Santos (Palacete Príncipe D. João), A Noite, Imprensa Nacional,
Igreja e Mosteiro de São Bento, Museu Naval, etc. No que se refere à acessibilidade e
centralidade, concentra e descentraliza os fluxos para diferentes partes da cidade através do
Terminal Rodoviário Mariano Procópio e das avenidas Rio Branco e Rodrigues Alves.
A compreensão dos fatores responsáveis pelo desencadeamento dos processos de
revitalização urbana, como aponta Colombiano (op.cit), revela “a realização de práticas
espaciais em consonância com a conjuntura contemporânea de reestruturação urbana” 304 .
Parte-se do entendimento que a Área Central do Rio de Janeiro tem passado por inúmeras
transformações ao longo das duas últimas décadas, sendo que tais mudanças se inserem num
contexto onde:
as áreas centrais de grandes cidades, após período de intensa decadência econômica
e obsolescência de vários de seus espaços, vêm passando por diferentes modos de
intervenção no seu processo de modernização e, conseqüentemente, pela retomada
de sua importância no contexto urbano (MACHADO, 2003, p.41).
Tais transformações no uso social das áreas centrais envolvem a execução de projetos
de preservação e recuperação do conjunto arquitetônico e urbanístico existente; melhor
tratamento dos espaços urbanos com a recuperação/reurbanização de ruas e praças;
implantação de novos usos nestes espaços; e a construção e/ou modernização (inclusive
arquitetônica) de equipamentos culturais de grande porte e novos empreendimentos
comerciais e de serviços avançados – como as torres “inteligentes”.
Sobre a atual hegemonia do capitalismo global, Sánchez (2003) explica:
Um conjunto de orientações estratégicas e de representações que as cidades
legitimam configuram uma agenda urbana tornada dominante na virada do século,
[...]. O alcance político dessa agenda pode ser identificado em sua rápida absorção,
em maior ou menor grau, nos atuais projetos de renovação urbana em diversas partes
do mundo. [...] Essa identificação [...] dá relevância analítica à mútua dependência
entre materialização e simbolização, pois essa relação constrói as possibilidades
304 COLOMBIANO, op.cit., p.49.

137
históricas de efetivação dos interesses globais e seus agentes na nova espacialidade
urbana” (Ibid., p.547).
A construção de uma imagem requalificada 305 da Área Central, como concentradora
do velho e do novo “é tornada um espetáculo mercantil da cidade” 306 , um recurso estratégico
para a promoção das potencialidades “peculiares”, mas também “globais” da cidade na era da
competição interurbana e de inserção no espaço global.
Tal imagem “resignificada” e com vistas à promoção econômica da cidade no período
contemporâneo concretiza-se na relação entre materialização e simbolização, a partir de duas
vertentes: um viés cultural-preservacionista – “o velho”, e outro modernizante – “o novo”.
Portanto, é proposta pelo discurso dominante uma urbanização baseada numa “nova escala de
valores”, onde “antigo referencia e valoriza o novo” 307 .
Assim, a partir do primeiro viés, a cidade é apresentada como renovada, um “lugar
inovador, excitante, criativo e seguro para viver, visitar, para jogar ou consumir” 308 , e como
diz Sánchez, “a invariavelmente exagerada noção de renascimento urbano, de cidade
renascida da crise ou da agonia, tem se mostrado recorrente como fórmula exitosa de venda
da imagem urbana [...] em muitas cidades do mundo” 309 . O segundo viés apresenta a cidade
como “competitiva”, “conectada”, “globalizada”, “empreendedora”, “flexível” 310 , capaz de
prover um “bom clima de negócios e oferecer todos os tipos de atrativos para trazer capitais
para a cidade” 311 .
305 Além do significado da expressão utilizada por Sánchez, o uso do termo “requalificada” se dá por
incorporação do conceito de requalificação urbana. O conceito de requalificação é utilizado por Magalhães
(2002) para explicar as transformações do centro do Rio de Janeiro, principalmente, a partir da década de 1990,
aliadas aos processos de competitividade entre as cidades, característicos da globalização.
306
SÁNCHEZ, op.cit., p.497.
307 PINHEIRO, 2002, p.3-4. Augusto Ivan Pinheiro é arquiteto e urbanista. Em suas últimas funções, foi
subprefeito do Centro e secretário geral do Instituto Light. Atualmente é secretário de urbanismo da prefeitura do
Rio de Janeiro. Foi responsável junto com uma equipe pelo Projeto Corredor Cultural – carro-chefe para os
processos de preservação e renovação do centro da cidade do Rio de Janeiro promovidos pela prefeitura.
308
HARVEY, 1996, p.55.
309
SÁNCHEZ, op.cit., p.489.
310
Ibid., p.548.
311 HARVEY, op.cit., p.57.

138
Os governos municipais 312 possuem grande parcela de responsabilidade na afirmação e
legitimação desta imagem na nova “circunstância histórica que tem emergência a cidademercadoria,
a cidade vendida como produto no mercado mundial” 313 . Pinheiro (2002) faz
menção à ligação da ação governamental no processo de renovação urbana do Centro, em seu
artigo publicado na série de pesquisas promovidas pela Prefeitura Municipal do Rio de
Janeiro. Nele, defende a ideologia da “volta ao Centro” como reação, entre outros fatores, ao
urbanismo modernista que “isolou” o centro da cidade de outras funções, além da comercial, e
contribuiu para a imagem de decadência do mesmo até os anos 1990.
O Rio já equacionou, dentro do possível, sua dívida com a história, ao preservar
parte significativa do acervo arquitetônico e ambiental de sua área central, deixando
espaço disponível para a renovação e a verticalização. (...) Este é o novo paradigma:
preservar, conservar, reciclar, renovar e modernizar, aproveitando o máximo a
sinergia que estas ações possam produzir. (...) o Centro do Rio tem um valor
inestimável e enraizado, que é a capacidade de poder fazer conviver se não junto,
mas próximo, o passado e o presente. Esta parceria é que faz dele um espaço
diferencial da cidade (...) passado e presente, preservação e renovação, cultura e
turismo, lazer e negócios podem e devem conviver entre si e, melhor, juntos
produzirem riqueza, trabalho, desenvolvimento econômico e social, (...) ou seja, uma
nova cultura para as cidades (PINHEIRO, op.cit., p.5).
3.2. IDEOLOGIA E PLANEJAMENTO: as novas atividades culturais
A abertura deste tópico é pautada pelo seguinte questionamento: qual a importância
cultural e simbólica do Centro no fenômeno da “venda dos lugares”?
As políticas culturais 314 presentes nas tendências de intervenção urbana estariam
contribuindo para o incremento das atividades econômicas na cidade do Rio de Janeiro,
embasadas na “combinação de recursos patrimoniais e econômicos” 315 . O Turismo Cultural
possui capacidade de gerar fluxos intensos e promover interações no espaço, representando
312 Em conjunto com outras entidades formam “as coalizões locais, reunidas em torno a um projeto de cidade”
(SÁNCHEZ, 2003, p.548). Em nota, a autora faz referência “aos grandes interesses em jogo nos atuais processos
de reestruturação urbana ligados, por exemplo, aos setores do turismo, transporte, capital imobiliário,
telecomunicações, concessionárias de serviços” (p.491). Como exemplos de iniciativas da gestão urbana
municipal assinalam-se “o projeto da Praça XV, já finalizado, além de outros em curso, como a revitalização da
Área Portuária, do morro da Conceição, o projeto do Teleporto, o projeto de revitalização do corredor viário
formado pelas ruas Estácio de Sá, Salvador de Sá e Mem de Sá (Projeto SA’S), o projeto de revitalização da
Praça Tiradentes e o projeto do Distrito Cultural da Lapa. Excetuando-se esse último, proposto pelo poder
público estadual” (SILVEIRA, 2004, p.78).
313
Ibid., p.548.
314 Silveira (2004) traz um excelente debate sobre tendências da intervenção urbana, enfatizando a relação entre
as políticas culturais & planejamento urbanístico.
315
MESENTIER, s/d.

139
um papel ativo na organização do espaço geográfico da Área Central. Neste sentido, roteiros
culturais fortalecem a centralidade do entretenimento/lazer tendo como “principais atividades
os espetáculos teatrais, as exposições, os eventos, restaurantes e bares, além da visita ao
patrimônio cultural, o qual está representado por museus, monumentos e sítios históricos” 316 .
As políticas culturais associam-se ao turismo urbano por meio das chamadas “atrações
culturais, tais como áreas históricas renovadas, grandes obras urbanísticas recentes, áreas
comerciais de pedestres, obras de arte em espaços públicos, além de feiras e mercados” 317 . Na
cidade do Rio de Janeiro, a atividade foi impulsionada “pelo projeto Corredor Cultural, o qual
auxiliou a revitalização desta área e a refuncionalização de alguns fixos sociais importantes
para a memória da cidade” 318 . Na área da Praça XV, por exemplo, o projeto visou a
valorização da qualidade ambiental de certas ruas para promover a localização de
“requintados bares, restaurantes e butiques” 319 .
Com o decorrer da década de noventa, surgem outros projetos buscando elevar a
participação dos cariocas nas atividades culturais na área central como ‘Fins de
Semana no Centro’, ‘Conhecendo o Rio a Pé’, dentre outras iniciativas. No bojo dos
acontecimentos, novos centros culturais foram surgindo em razão da lógica de
preservação imbuída no ideário social criado pelas políticas públicas de valorização
da área central e pela divulgação de roteiros alternativos nas agências de turismo
(COLOMBIANO, s/d).
A presença do “velho” ou do “passado” no Centro pode ser visualizada a partir da
espacialização dos atrativos culturais e equipamentos turísticos que se faz de maneira
concentrada “em sua maioria no núcleo central da cidade em razão da concentração de bens
tombados e da manutenção de logradouros importantes para a história da cidade” 320 .
Como em tantas outras cidades, os equipamentos culturais tendem a se concentrar no
núcleo; e o Rio de Janeiro não foge à regra. No panorama carioca se observa uma
forte concentração desses equipamentos em sua área central, algumas concentrações
em bairros da classe média e uma enorme carência nos bairros populares, subúrbios
e periferias. [...] Este olhar sobre a materialização dos edifícios culturais no espaço
urbano reforça a distribuição extremamente desigual das benesses urbanísticas –
316 COLOMBIANO, s/d. Texto disponível na internet no endereço eletrônico da Revista Digital Simonsen.
Disponível em www.simonsen.com.br. Acesso em novembro de 2006.
317
SÁNCHEZ, op.cit., p.402.
318
COLOMBIANO, passim.
319
INSTITUTO MUNICIPAL DE ARTE E CULTURA, op.cit.
320
COLOMBIANO, passim.

140
equipamentos, serviços e infra-estrutura – tantas vezes assinalada (VAZ; JACQUES,
2003 321 apud COLOMBIANO, 2005, p.78).
De acordo com dados do ano de 2004 322 , disponibilizados pela Prefeitura do Rio de
Janeiro, foram levantados cerca de 350 equipamentos culturais no bairro do Centro, entre eles
37 museus, 25 espaços e centros culturais, 198 bens tombados que compõem o acervo do
Patrimônio histórico, artístico e cultural da cidade, 12 galerias de arte, 31 teatros e salas, 10
cinemas, 25 bibliotecas populares e especializadas e 12 escolas e sociedades musicais. São
apontados também os números de outros atrativos culturais e turísticos no bairro como os 10
dos principais bares e chopperias, 89 das principais casas noturnas especializadas em música
ao vivo, 6 das principais casas de dança e discotecas e 82 restaurantes (comidas brasileira e
internacional).
No quadro 1, na figuras 5 e no mapa 3, a seguir, observa-se a legislação urbanística
municipal em torno da preservação de logradouros e tombamento de imóveis no Centro,
assim como nas áreas que fazem parte do Corredor Cultural.
321 VAZ, Lílian e JACQUES, Paola. Considerações sobre lugares culturais na cidade do Rio de Janeiro. In: Anais
da Conferência Rio de Janeiro. União Geográfica Internacional (UGI). Rio de Janeiro, 2003. CDROM
322
Dados disponíveis no endereço eletrônico do Armazém de Dados. Dados tabulados pela autora em 2006.

141
Áreas de Proteção do
Ambiente Cultural
(APACs)
Corredor Cultural
Cruz Vermelha e
Adjacências
Rua Teófilo Otoni e
arredores
Quadro 1
Áreas de Proteção do Ambiente Cultural
e Legislação de Criação
Legislação de criação Bairros Ano de criação
Corredor Cultural
Lei 506/84
Centro 1984
Decreto Municipal
11883 30/12/92
Centro 1992
Decreto Municipal
2698 12/12/97
Centro 1997
Fonte: Armazém de Dados, 2006. Dados tabulados pela autora.
Figura 5: Áreas que fazem parte da legislação municipal
de proteção de ambiência – Corredor Cultural
Fonte: Instituto Pereira Passos – IPP

142
Mapa 4
Limites do Corredor Cultural

143
Os discursos defensores da “volta ao Centro” enfatizam atrativos culturais do centro
da cidade associando o ideal do “novo”. Na edição de novembro de 2006, o Jornal Avenida
Central – publicação mensal que visa a divulgação do comércio e de eventos no bairro do
Centro, traz nos títulos da capa e da matéria principal: “O palco dos grandes – Conforto e
qualidade são pontos fortes da nova casa do Centro” 323 e “Os gigantes chegaram –
Inauguração do Vivo Rio traz artistas de peso ao Centro”. A casa de espetáculos Vivo Rio,
localizada em uma área anexa ao Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ),
apesar de estar inserida no bairro da Glória, é apresentada ao leitor como mais um atrativo
cultural pertencente ao Centro e, principalmente, para freqüentadores do Centro do Rio.
O local, que possui capacidade para 2.600 pessoas sentadas ou até 5.000 pessoas em
pé, foi construído através de uma parceria envolvendo o grupo Tom Brasil, de São Paulo, e a
operadora de telefonia móvel Vivo, e concretiza um investimento de 25 milhões de reais. A
casa de espetáculos segue o mesmo padrão arquitetônico do Museu de Arte Moderna e a sua
implantação finaliza, depois de 50 anos, o projeto original do arquiteto Affonso Eduardo
Reidy, considerado uma das jóias da arquitetura modernista brasileira. A obra ganhou
algumas adaptações internas do arquiteto Luiz Antonio Rangel, embora a planta original tenha
sido preservada, já que é tombado o local de implantação (Parque do Flamengo) da obra.
Assim, nestes termos, as únicas intervenções permitidas seriam “aquelas previamente
projetadas por Reidy ou pelo paisagista Burle Max” 324 .
Outros exemplos de novos empreendimentos são o Teatro Sesc Ginástico e o Espaço
Caixa Cultural, localizados nas avenidas Graça Aranha e Almirante Barroso, respectivamente.
Desde que lançamos o Avenida Central, há cerca de dois anos, vimos nossa aposta
no desenvolvimento da cultura no Centro dar certo. Sabíamos que não ficaríamos só
falando dos mesmos (e excelentes) centros culturais por muito tempo. Em breve
pintariam outras casas de olho na efervescência da região. Sabíamos que chegariam
novas galerias para exposições, seriam reativados palcos para peças teatrais e até
surgiriam bares e restaurantes com palco para mais músicos se apresentarem por
aqui. Mas o rápido crescimento cultural do Centro foi além das nossas expectativas.
Achamos que talvez levasse mais tempo para aparecerem investimentos ainda mais
ousados na área. No entanto, eles logo vieram. 325
323 PONDÉ, Gabriel. O palco dos grandes – Conforto e qualidade são pontos fortes da nova casa do Centro.
Jornal Avenida Central, Rio de Janeiro, novembro, 2006, Ano 2, nº 22. Capa, p.8.
324
PONDÉ, loc. cit.
325 TESTEMUNHA da história. Jornal Avenida Central, Rio de Janeiro, novembro, 2006, Ano 2, nº 22. Editorial,
p.2.

144
O Teatro Sesc Ginástico foi inaugurado no ano de 2005, após três anos de reforma do
antigo teatro português, o Teatro Ginástico, de 1938. Conservada a tradicional fachada,
internamente, o espaço possui decoração bastante moderna e luxuosa.
Por iniciativa do SESC Rio, que passa a administrar a programação e o
funcionamento voltados para espetáculos teatrais, musicais e de dança, conferências
e palestras, o agora denominado SESC Ginástico está totalmente reformado. Com
540 poltronas, todos os ambientes refrigerados e aparelhado com o que há de mais
moderno em equipamentos de som e luz, possui também instalações especiais, como
um elevador que atende aos requisitos de acessibilidade universal e serviços de
bar. 326
O Espaço Caixa Cultural foi inaugurado em junho de 2006 como filial do Conjunto
Cultural da Caixa, localizado na Avenida Chile. Além dos elementos de exposição
permanente, o espaço possui duas salas de cinema, um teatro de arena, salas de exposição e
multiuso, miniauditório, etc.
Portanto, apesar da queda dos investimentos públicos e privados na Área Central 327
evidencia-se, nas últimas décadas do século XX, a ocorrência de uma ocupação urbana (ligada
a moradia, atividades comerciais, financeiras, culturais/lazer e administrativas) em dois
sentidos: da “elitização, com a implantação de novas atividades do setor terciário, e da
precarização, com o crescimento da população sem teto, do comércio ambulante e da
deterioração de trechos urbanos mais antigos” 328 .
São apontadas mudanças tanto no núcleo central quanto em sua periferia imediata, no
que tange aos aspectos físicos (a denominada “reciclagem de imóveis de valor históricocultural”),
bem como a recuperação, estímulo ou criação de atividades urbanas (comerciais,
de serviço, culturais e de entretenimento) 329 . Tais mudanças são fruto de políticas
implementadas pelo poder público quanto de “ações tomadas pela iniciativa privada, que
incluíram a construção de novas edificações e a reforma de prédios antigos destinados a
abrigar atividades financeiras, comerciais e de serviços” 330 .
326 Informações contidas no endereço eletrônico do SESC Rio: www.sescrj.com.br. Acessado em novembro de
2006.
327
Gerada pelo desenvolvimento de outras centralidades de diversos níveis hierárquicos, ressaltando-se a Barra
da Tijuca, Campo Grande e Méier, somado à crise fiscal na cidade do Rio de Janeiro e econômica em âmbito
nacional e mundial, na década de 1980, e aliando-se também à concorrência dos novos equipamentos comerciais,
como os shopping centers, concentrados no litoral sul e locais estratégicos (SILVEIRA, 2004).
328 Ibid., p.77.
329
SILVEIRA, loc.cit.
330
Ibid., p.78.

145
Principal centro financeiro do estado e o segundo centro financeiro do país, a área
abriga: uma grande concentração de centros culturais, museus, bibliotecas e salas de
espetáculo de cinema e teatro, sendo possivelmente a área da cidade mais bem
dotada de equipamentos culturais da cidade; amplo e diversificado comércio;
diversificada prestação de serviços públicos e privados; diversas instituições de
ensino, incluindo algumas universidades; sedes de empresas estatais; importantes
órgãos do setor público e da sociedade civil; aeroporto; imponentes praças e
parques; hotéis e restaurantes; botequins e bares. 331
Desta forma, a Área Central atualmente se “configura espacialmente como um
território urbano que abriga múltiplas funções urbanas”, incluindo também a residencial 332 .
Tal função tem sido “incentivada” recentemente por políticas públicas em associação ao
capital financeiro e imobiliário. Realizações gradativas, como o Programa Novas Alternativas,
destinado à recuperação de cortiços 333 ; a abertura de novos programas de financiamento,
inicialmente pela Caixa Econômica Federal em parceria com as Secretarias de Habitação e de
Urbanismo da Prefeitura, e posteriormente formatados pelo Ministério das Cidades numa
linha de desenvolvimento denominada Reabilitação de Centros Históricos; assim como o
empreendimento residencial “Cores da Lapa”, lançado pelo mercado, são exemplos da
retomada da função residencial.
Segundo Maria Helena Mclaren 334 , representante da subprefeitura do Centro Histórico,
a política proposta no Corredor Cultural, na década de 1980, objetivou provocar um resgate
da memória da cidade, o que teria resultado no “reflorescimento do valor”, ou seja, o Centro
tornou-se novamente uma oportunidade de negócios. Tais seriam os elementos de atração: a
acessibilidade, o lócus de concorrência, o seu papel histórico-tradicional, os equipamentos
culturais, as edificações de qualidade e os prédios reciclados e automatizados, como os
centros culturais, que trariam novas possibilidades de uso.
331
MESENTIER, s/d.
332
Segundo Silveira, “apesar das diversas tentativas de expulsão, o uso residencial foi sempre reafirmado por
grupos sociais variados, e ainda pela população ‘sem teto’” (p.72). Quanto a esta população, Rabha (2006)
aponta que a sua chegada acontece com intensidade ao fim do dia, hora em que “o centro se esvazia”. “Nas
calçadas da Rio Branco, começam a chegar seus moradores noturnos. Da Presidente Vargas à São José são
estendidos os panos, jornais e colchões, onde protegidos por marquises dormem muitos “sem teto”. Da mesma
forma e em menor intensidade, o fato ocorre na Presidente Vargas, ao longo da proteção de suas galerias
cobertas, ainda que a via seja mais larga, desguarnecida, aberta e, portanto, perigosa” (p.353).
333
“De início, duas unidades piloto foram inauguradas na periferia da área central (...) na Rua Sacadura Cabral
n°295 e 297, Saúde e Travessa Mosqueira, n° 20, Lapa, (...) recuperadas nas condições de habitabilidade e
reocupadas por moradia coletiva” (RABHA, p.353).
334
Entrevista concedida no seu escritório em 09/06/2008.

146
Para a Prefeitura, o Corredor Cultural teria ultrapassado a visão de “perdas” de
população, comércio e serviços relacionados ao movimento de expansão da cidade, renovando
a função residencial, o uso noturno, o comércio, ou seja, “o olhar para o Centro”. Em relação
à dinâmica do Centro, a entrevistada destacou as especializações de uso, como o ramo
comercial de vestuário, por exemplo. Além disso, outro ator que retornaria ao Centro seriam
as universidades, estas ligadas às funções educativas e culturais, e que teriam superado a
estrutura de campus horizontal e afastado e se voltado para o local de trabalho.
Os Planos Estratégicos Regionais 335 , elaborados pelo Poder Público municipal, lançam
uma série de objetivos futuros para as doze regiões levantadas na cidade do Rio de Janeiro,
entre elas a Região Centro. A meta principal para tal região seria torná-la “o centro de
referência histórico-cultural do país, consolidando as vocações de centro de negócios, centro
de desenvolvimento de tecnologia e principal centro de telecomunicações da América
Latina”. Abaixo, seguem as estratégias para se chegar a tal objetivo:
• Desenvolver ações para tornar a região o centro de referência histórico-cultural do
país.
• Desenvolver ações para fortalecer a vocação de centro de negócios.
• Desenvolver ações que consolidem a vocação para centro de desenvolvimento e
difusão tecnológica.
• Desenvolver ações para que a região se estabeleça como centro de telecomunicações
da América Latina.
• Desenvolver ações para implantação de políticas habitacionais no Centro.
• Desenvolver programas complementares visando a melhoria das condições de vida na
região.
Por conseguinte, propõe-se uma abordagem crítica às obras e efeitos das intervenções
de “requalificação” na Área Central do Rio de Janeiro 336 , de forma a iluminar o debate trazido
neste trabalho, que é a compreensão do papel do Centro, a natureza e o sentido desta
reconversão atual. Apesar das tentativas de “requalificação” e/ou “revitalização”
335
Estes estão inseridos no Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro. Disponível na internet:
http://www.rio.rj.gov.br/planoestrategico. Acesso em setembro de 2006.
336 Ilumina-se o “debate acadêmico sobre essas modificações, que se dão de forma semelhante em várias partes
do mundo, [e] volta-se agora ao que se classifica como processo de gentrificação (enobrecimento) da região
central da cidade (...) medidas criticadas por pesquisadores das áreas de arquitetura, urbanismo e geografia. Eles
afirmam que, sob o pretexto da revitalização, está em curso um nítido processo de ‘higienização social’,
mediante a expulsão da população pobre do centro, e questionam a eficácia e a intenção dessas ações”
(MATTOS, Sérgio. Centro de São Paulo: revitalização, especulação ou higienização? In PATRIMÔNIO. Revista
Eletrônica do IPHAN, 2005. C.f. também C.Bidou-Zachariasen (org.), “De volta à cidade: dos processos de
gentrificação às políticas de ‘revitalização’ dos centros urbanos”. Segundo a organizadora, “já é tempo de abrir o
debate sobre a gentrificação associada a um certo tipo de renascimento dos núcleos urbanos centrais de uma
forma pluridisciplinar, e de alargá-lo a contextos ainda pouco abordados”(p.31).

147
implementadas pelo poder público nessa área, estas têm alcançado áreas dotadas de infraestrutura
e com maior valor para o mercado imobiliário, tendo pouca influência nas condições
de acesso à moradia de baixa renda. No Centro, ao mesmo tempo em que novos condomínios
surgem, edificações públicas e privadas são alvo de invasões pelo Movimento dos Sem Teto.
Seguindo um padrão americano e europeu, as atuais intervenções em cidades
brasileiras têm se proposto a “recuperar qualidades ou funções que estariam sendo perdidas”,
articulando “projetos de transformações das funções, do uso e do valor do solo”. No entanto,
segundo alguns autores, os efeitos ligados à “gentrificação” 337 seriam inevitáveis, tanto por
parte da demanda em sua busca por vantagens de mercado representada pelo setor imobiliário,
quanto por parte da oferta representada pelo Poder Público “em acordo com o setor privado,
para tornar as cidades competitivas, dotando os centros de características que o tornariam
atrativo para as classes média/alta, seja para moradia ou para consumo e lazer” 338 .
Os investimentos particulares nos centros priorizam o retorno econômico ou a
valorização da imagem institucional, por vezes ocupando prédios outrora públicos,
transformando-os em locais de acesso restrito. Já os investimentos públicos, em
especial os voltados ao turismo, findam por criar, ainda que a despeito de seus
objetivos iniciais, representações falseadas de hábitos comunitários. São usos e
cenas “interpretados”, para os olhos dos passantes (MENEGUELLO, op.cit.).
Segundo Smith (2006), o desenvolvimento imobiliário urbano, entendendo-o como a
gentrificação atual em sentido amplo, tornou-se o motor central da expansão econômica da
cidade. Logo, a reapropriação estratégica do espaço urbano revela-se nos investimentos feitos
tanto pelo Poder Público federal e municipal nas áreas centrais, encarando-as como locais de
“oportunidades para geração de atividades e receitas, assim como para a produção
habitacional”, como pelos atores privados (inseridos no novo processo de globalização do
capital).
Para o autor, recentemente, os discursos públicos da “regeneração urbana” –
claramente gentrificadores – misturariam a requalificação (ambiental, patrimonial e de
atividades), o repovoamento, o aproveitamento de terrenos públicos junto às orlas marítimas
337 “O próprio termo ‘gentrification’ foi criado para explicar o repovoamento (nesta altura espontâneo) de bairros
desvalorizados de Londres por famílias de renda média, no início dos anos sessenta. (...) Smith nos conta que (...)
a generalização da gentrificação, posterior aos anos noventa (...) deixa de ser uma anomalia local do mercado
imobiliário de uma grande cidade para se desenvolver como um componente residencial específico de uma
ampla reformulação econômica, social e política do espaço urbano. Essa renovação representa a gentrificação da
cidade como uma conquista altamente integrada do espaço urbano, na qual o componente residencial não pode
ser dissociado das transformações das paisagens do emprego, do lazer e do consumo” (Silva, Helena. M. B.
Apresentação. In C.Bidou-Zachariasen, op.cit., pp.7-19).
338 Ibid.

148
ou fluviais e a permanência ou promoção da moradia social. No entanto, sua tese apresenta a
complexificação dos processos de gentrificação. Mantendo como corolário a saída das classes
populares dos centros urbanos, o fenômeno que décadas atrás era marginal e associava-se a
poucos atores privados, recentemente tornou-se a agenda global do urbanismo
contemporâneo, ou seja, a forma dominante da política urbana das grandes cidades ocidentais,
articulando parcerias financeiras público-privadas.
Smith apresenta os processos de gentrificação e como estes eram vistos na década de
1980/90 como resultado de políticas “mal-sucedidas”, ou seja, como anomalias locais, e que,
no entanto, recentemente seriam percebidos como processos “desejáveis”. Logo, a
gentrificação, principalmente de áreas centrais, estaria na gênese analítica dos processos de
reconversão, sendo “camuflados” em meio a discursos eufemistas de “revitalização,
recuperação, regeneração”. A gentrificação estaria, portanto, para Smith, na base da
formatação das políticas e coalizões de atores do meio empresarial.
No Brasil, mais especificamente na metrópole carioca, a política de gentrificação posta
como política urbana é apontada criticamente por pesquisadores do Instituto do Patrimônio
Histórico Nacional (IPHAN). Tais ações apresentadas pelo Poder Público visariam a
valorização dos centros, a atração e a competição urbana por meio da “reconversão
econômica”.
[...] concluo que as políticas públicas cariocas destinadas a proteger o patrimônio
devem revalorizar a função habitacional, reabilitar a estrutura funcional e a
qualidade ambiental, valorizar e preservar o patrimônio edificado, reordenar o
sistema viário e o estacionamento, implementar medidas contra incêndios e
requalificar o ambiente urbano, sem proceder à descaracterização em pastiches sem
valor histórico ou estético. Os teóricos do patrimônio e da cidade não devem retirar
o significado das edificações, ainda que seja possível valorizar um casario
reabilitado se este mesmo casario atender às necessidades antropológicas da cidade,
isto é, não sejam reutilizados para solucionar as questões de city marketing, que
levam a cidade a estabelecer um distanciamento dos antigos habitantes de um
determinado bairro que se quer reabilitar. Nesse caso todo o corpus do patrimônio
arquitetônico urbano perderia por completo qualquer valor memorial afetivo para
conservar apenas o valor intelectual, e de entretenimento que lhe confere a indústria
patrimonial (LIMA, op.cit.).
Essa nova dinâmica que envolve o patrimônio histórico-cultural edificado no centro
do Rio de Janeiro, dadas as limitações do marco regulatório das APACs e ausência
de tombamentos do Iphan sobre os conjuntos urbanos, traz o risco de desarticulação
do próprio patrimônio, enquanto repertório simbólico diversificado, porque os
processos de reciclagem em curso nessas áreas supervalorizam a projeção e
valorização do ambiente urbano no imaginário sócio-cultural, pondo de lado, muitas
vezes, a sua condição de suporte da memória social, de referência cultural e base dos
processos de construção das identidades coletivas (MESENTIER, op.cit.).

149
Na visão de Bidou-Zachariasen (2006), o termo gentrificação designa um conjunto de
processos transformadores dos centros urbanos, “ao mesmo tempo materiais, sociais e
simbólicos”, orientados por atores políticos, econômicos e sociais. Com base neste aporte
teórico, compreende-se que na cidade do Rio de Janeiro o Centro modifica-se materialmente
por meio de novas dinâmicas econômicas comerciais e financeiras, e ao mercado fundiário e
imobiliário; socialmente, no que tange a processos de recomposição social no uso residencial
relativos aos novos segmentos para a classe média; e simbolicamente relaciona-se à afirmação
de centralidades por determinados grupos sociais, na produção de paisagens culturais
“revitalizadas” e “globalizadas” e no estímulo a novos tipos de consumo e modos de vida.
Dentre as ações que têm marcado o Centro, destacamos a proposta de implantação do
modelo internacional de parceria público-privada – BID (Business Improvement Districts),
rebatizado como ARE (Área de Revitalização Econômica) e voltado ao discurso de
“revitalização dos centros comerciais degradados”, defendido pela Associação Comercial do
Rio de Janeiro (ACRJ).
Um dos projetos prioritários da Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ) é a
Revitalização do Centro do Rio. A proposta principal é implementar o modelo do
Business Improvement District (BID), inicialmente em uma ou mais áreas do Centro
do Rio. Desenvolvido nos EUA há mais de 40 anos, este modelo de governança,
hoje, é utilizado em países como Canadá, França e Alemanha. Existem, atualmente,
mais de mil BIDs, sendo 56 deles só em Nova York. O projeto envolve a integração
entre a iniciativa privada – comércio, empresas e proprietários de imóveis
comerciais da região delimitada pelo BID – e o poder público. Essa parceria
propiciará ações conjuntas para complementar os serviços públicos já prestados na
área do BID, como limpeza urbana, reparo das calçadas e pintura de fachadas,
paisagismo, segurança e programas sociais para moradores de rua e menores, além
de promover eventos e melhorar o atendimento ao turista. 339
Representantes da instituição comercial e do Poder Público apresentam o
esvaziamento econômico do Centro apontando a “fuga” de empresas e de profissionais
liberais para outras áreas da cidade, e aliam a “revitalização” a uma condição para o
reposicionamento do “Rio não só dentro do país, mas dentro do cenário mundial” 340 . Segundo
339 Matéria intitulada “MAIS FORÇA AOS PÓLOS”, publicada no Jornal do Comércio, de 09/04/2008.
Disponível em: http://www.redetec.org.br. Acesso em maio de 2008.
340 “EDUARDO PAES discute com a ACRJ projetos para o Rio”. Revista do Empresário da ACRJ.
Setembro/Novembro de 2008 nº1395 Ano 67. Em reunião entre diretores, presidentes de conselhos e líderes
empresariais da Associação Comercial do Rio de Janeiro e o prefeito eleito do Rio, Eduardo Paes, em 6 de
novembro, a ACRJ apresentou doze propostas consideradas prioritárias para o Rio de Janeiro: i) Plano Diretor da
Cidade do Rio de Janeiro, ii) Projeto ARE – Áreas de Revitalização Econômica, iii) Revitalização da Zona
Portuária; Parque Tecnológico Mauá / Rede do Audiovisual, iv) Fórum do Rio –Rede Ello Empreendedor, v)
Choque de Ordem, vi) Projeto do Legado RIO 2016, vii) Mobilidade Urbana – Sistema de Transportes, viii)
Programa RedeTuris, ix) Revitalização do Eixo Maracanã-Quinta da Boa Vista-Estádio João Havelange, x)

150
Eduardo Paes, prefeito eleito em 2008, a atividade econômica precisa ser “resgatada” na
cidade do Rio de Janeiro, e para isso defende a sua “vocação” para a indústria do lazer, do
entretenimento, do turismo, da cultura entendida como atividade econômica, do esporte, da
moda e do design. “O Rio tem que ser um grande centro de tomada de decisões, de empresas
importantes.”
Neste sentido, utilizando-se do slogan “Renascimento do Rio”, a Frente Pró-Rio 341 ,
com destaque para a atuação da ACRJ e Firjan, tem defendido entre outras medidas a
permanência da sede do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), no Rio de Janeiro,
reforçando “o ambiente de negócio para a cidade sediar o Centro Internacional de
Resseguros”. A ACRJ estaria “centralizando as negociações que envolvem, além de
benefícios fiscais, um prédio símbolo para abrigar todas as resseguradoras, como em Dublin,
Irlanda” 342 .
Em 1999, Augusto Ivan de Freitas Pinheiro, atual secretário de Urbanismo, e então
subprefeito do Centro do Rio, divulgou um artigo intitulado “Business Improvement Districts
– BIDs: Uma reação ao enfraquecimento das áreas de negócios americanos” 343 . Nele, aponta o
“fenômeno urbano nacional” dos centros, caracterizado pelas “perdas econômicas, que afetam
não apenas os poderes públicos (...) mas também uma parte do setor privado”. O BID é
apresentado como “uma experiência que vem dando resultados extremamente positivos para
enfrentar o problema de esvaziamento das áreas centrais”, e cujas estratégias são:
valorizar tais áreas através da intensificação do comércio de rua e do uso dos
equipamentos culturais e de lazer instalados, atrair novos empreendimentos
residenciais direcionados a uma faixa específica do mercado (geralmente jovens
casais e solteiros), reter as atividades existentes de serviços públicos e privados,
incentivar a localização de novas sedes de empresas de prestação de serviços e,
finalmente, aumentar a base de arrecadação das cidades (ibid.).
Centro Internacional de Seguros e Resseguros, xi) Desburocratização / Legalização de Empresas, xii)
Representação da ACRJ em conselhos municipais.
341 Movimento suprapartidário da sociedade civil empresarial, criada em 2005, é “formada por entidades como
FIRJAN, Clube de Engenharia, Associação Comercial, Fecomércio, OAB e Aeerj (Associação das Empresas de
Engenharia do Rio de Janeiro)”. Em dezembro de 2006, a Frente, em reunião na FIRJAN, decidiu convidar o
governador eleito, Sérgio Cabral, para integrar o movimento. Disponível em: http://www.frenteprorio.com.br.
Acesso em novembro de 2008.
342
Ibid. “Reinaldo Cardoso, assessor da presidência da ACRJ, expôs o projeto de transformar a cidade do Rio de
Janeiro num centro internacional de resseguros tanto para atender o mercado brasileiro como latino-americano.
Com o fim do monopólio do IRB, as resseguradoras começam a se instalar no Brasil. Embora 80% das
seguradoras estejam em São Paulo, o Rio concentra os órgãos reguladores Susep, Fenaseg e IRB”.
343 Artigo publicado no Jornal do Comércio em abril de 1999. Ver o texto no portal eletrônico da Associação de
Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (ADEMI). Disponível em: http://ademi.webtexto.com.br.
Acesso em junho de 2008.

151
Pinheiro propõe uma união de forças entre o poder público e o setor privado, e o
aprendizado com os “nossos vizinhos do Norte do continente (...) [a fim de] redescobrir o
valor econômico das regiões centrais. Os mais de mil BIDs são prova disto”. Hoje, como atual
secretário de Urbanismo, sua posição em defesa do modelo do BID é fundamental para as
parcerias público-privadas.
Voltar o olhar para as áreas centrais das grandes cidades é sem dúvida essencial.
Após quase um século de desatenção, este olhar torna-se fundamental, não apenas
pela alta carga simbólica que elas detêm, de portadoras da memória histórica,
sentimental e cultural, mas principalmente pelo que elas poderão, no caso de
repensadas, representar para a economia e o desenvolvimento das cidades. (...) Há
que se pensar nos altos investimentos em infra-estrutura efetuados ao longo do
tempo, dotando-as de grande acessibilidade e potencialidade econômica. (...) os
centros históricos (...) representam [um] locus simbólico (...). Não é possível hoje,
por exemplo, pensar na indústria do turismo e do entretenimento sem se cogitar
prioritariamente das áreas centrais, pois é ali que se encontram os teatros, as
bibliotecas e os museus e centros culturais mais importantes, os parques mais
antigos, muitos hotéis, os grandes edifícios, os portos, as sedes de firmas de
importação e exportação, as bolsas de valores, os estabelecimentos judiciais,
inúmeros restaurantes e, principalmente (o que temos comumente esquecido) os
principais locais de se fechar negócios. (...) estou escrevendo (...) para aqueles que
queiram partilhar com seus pares cariocas do Centro o esforço em torná-lo uma área
mais cuidada, e para os que, com a sabedoria de descobrir e aproveitar novas
oportunidades de investimentos que lhes é inerente, queiram aprender com seus
colegas, empresários americanos, a ver no seu próprio Downtown uma boa e salutar
forma de não apenas não perder dinheiro, mas de ganhá-lo. Por que não criar um
BID carioca? Aceitam-se adesões e contribuições para começar o novo milênio no
Centro do Rio (ibid.).
A ACRJ acredita que para melhorar “o ambiente de negócios e alavancar o
desenvolvimento da cidade” necessita-se de um “bom ambiente, seguro e com respeito à lei;
com eqüidade das condições de competição e com regras formais para o funcionamento da
economia”, e, neste sentido, “o poder público não será capaz sozinho de reverter essa
situação” 344 .
O sistema BID teve origem em Nova Iorque nos anos 70 onde atualmente atuam 59
BIDs, com orçamentos que variam de US$53.000 anuais até US$11 millhões anuais.
[Surgiu] com a concorrência dos shoppings – que ofereciam melhores condições de
limpeza, estacionamento e segurança ao cliente. (...) Cada BID é uma empresa
privada sem fins lucrativos, que reúne comerciantes de uma determinada área (um
quarteirão, por exemplo) dispostos a pagar uma contribuição específica para
promover melhorias em seu entorno, principalmente no que diz respeito a serviços
complementares, como os de limpeza e segurança, além de ações sociais no sentido
de resolver questões como a dos sem-teto 345 .
344 Fala do assessor da presidência da ACRJ, Reinaldo de Souza e Silva Cardoso, em entrevista realizada em
junho de 2008.
345 Informações apresentadas na matéria intitulada “NOVO fôlego para o Centro”, do jornal O Globo, em
23/12/2007.

152
Como no Brasil os tributos são regidos por legislação federal – Código Tributário
Nacional –, o IPTU não permite uma destinação específica. Sendo assim, a viabilização da
ARE depende de lei municipal e de emenda constitucional para a criação de uma nova tarifa
municipal temporária e obrigatória por parte de comerciantes das regiões “privilegiadas” pelo
projeto. A arrecadação seria feita pela Prefeitura de forma a custear, segundo a ACRJ,
reformas, eventos, segurança, limpeza e ações sociais na área comercial da ARE e, assim,
promover a “revitalização” do centro da cidade. A diferença do BID ou da ARE para uma
associação comercial está na obrigatoriedade por lei do pagamento da taxa. Na Sociedade de
Amigos das Adjacências da Rua da Alfândega (SAARA), as contribuições por parte dos seus
membros são voluntárias.
Para implantar o sistema, empresários e donos de imóveis de uma área geográfica a ser
delimitada manifestam seu interesse e aprovam um estatuto para o funcionamento da ARE.
No entanto, caso algum empresário não queira pagar o tributo, o projeto da ACRJ prevê a
necessidade de aprovação de 70% dos proprietários de imóveis da região. Segundo a
assessoria da ACRJ, tal percentual pode variar em níveis menores de aprovação e mesmo
assim ser aceito.
Com o discurso da promoção do desenvolvimento econômico da cidade e do país, e o
objetivo de “emplacar no centro da cidade o conceito dos BIDs”, a Associação Comercial do
Rio (ACRJ), desde 2007, tem firmado parcerias público-privadas a fim de consolidar o
projeto da ARE, mobilizando a Câmara dos Vereadores, o Governo do Estado, a
Subprefeitura do Centro, a Prefeitura e o Ministério das Cidades.
O projeto piloto do primeiro BID brasileiro, com previsão de início da execução para o
ano de 2009, deverá ser implantado na região da Avenida Chile, no Centro do Rio, em ruas ou
quarteirões que abrigam sedes de grandes empresas, “para efeito de demonstração às demais
regiões do estado e até mesmo do País, por condensarem um menor número de corporações
com maior representatividade territorial”.
[...] deve contemplar parte da Avenida Chile, no Centro do Rio, onde estão
instaladas a Petrobras, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES) e a Tishman. A ACRJ vai auxiliar os empresários na delimitação da área,
cálculo de custos e definição dos problemas a serem enfrentados, como iluminação,
sinalização, segurança e presença de moradores de rua. ‘A idéia é mostrar a
viabilidade econômica desse tipo de iniciativa para que ela seja replicada em outros
locais. Estamos cansados de iniciativas sem continuidade e o BID é um modelo
comprovadamente sustentável [...]. A criação dos BIDs é benéfica para os
empresários, mas também para os municípios e para a sociedade. Ocorrem a

153
recuperação do valor dos imóveis, o aumento das contribuições fiscais e o resgate do
espaço público’, afirma Maria Silvia [vice-presidente da ACRJ] 346 .
A ata da reunião do Conselho Municipal de Política Urbana – COMPUR, em junho de
2008, aponta na fala do convidado Luís Carlos R. Dauzacker (consultor da ACRJ) a
apresentação do Projeto “Business Improvements District (BID) – Caso Av. Chile e seu
entorno”, acrescentando que a “iniciativa tem como objetivo criar uma nova imagem para a
área, que pode ser uma rua, ou uma ou mais quadras. E não pretende a isenção fiscal. A
principal motivação é a perda do valor do patrimônio” 347 .
Portanto, verificam-se ações recentralizadoras por conta da esfera pública-privada em
pontos localizados no Centro do Rio (A.C.N, Av. Chile, Cinelândia e Lapa) que pautam o
“fortalecimento” da sua dinâmica na mescla de funções urbanas (econômicas, culturais/lazer,
residencial). É o pressuposto da “animação urbana”, como adverte Rabha, nas novas políticas
territoriais, cuja principal alteração “é de segmento de renda ou padrão de atividade”.
O dinamismo e a pluralidade de situações constituem-se fatores primordiais de
atração, considerados âncoras do processo de reurbanização. As antigas áreas
centrais oferecem rentabilidade quando se demonstram ricas em funções urbanas,
são seguras e bem tratadas do ponto de vista urbanístico, oferecendo alternativas
diferenciais para o investimento comercial e imobiliário em diversos ramos de
negócios (RABHA, op.cit., p.18).
Recentemente, ocupar os centros históricos tem sido meta de agentes econômicos
interessados na “adição de valor de uso e consumo” 348 trazida pela revalorização das áreas
centrais das cidades. No caso do Rio de Janeiro, as intervenções governamentais de
reabilitação urbana, as modificações na legislação de posturas no uso e ocupação do solo e o
incentivo ao uso residencial favoreceram o interesse do setor privado para o espaço central.
No entanto, como aponta Neil Smith (op.cit.), por trás dos discursos eufemistas da
revitalização de áreas centrais camuflam-se os possíveis efeitos da gentrificação, os quais
identificam-se com: a produção material e simbólica de um espaço “requalificado” voltado ao
“city marketing”, comprometendo o ambiente urbano de sua função de suporte da memória
346 Matéria intitulada “MAIS FORÇA AOS PÓLOS”, publicada no Jornal do Comércio de 09/04/2008.
Disponível em: http://www.redetec.org.br. Acesso em maio de 2008.
347 Ata do COMPUR. Disponível em: http://www2.rio.rj.gov.br/smu/compur/atas_12062008.asp. Acesso em
novembro de 2008.
348 MENEGUELLO, Cristina. O coração da cidade: observações sobre a preservação dos centros históricos. In
PATRIMÔNIO, Revista Eletrônica do IPHAN, s/d. Disponível em
http://www.revista.iphan.gov.br/www.iphan.gov.br. Acesso em abril de 2007.

154
social coletiva e de referência cultural e identitária; a privatização do espaço público, já que
os projetos prevêem o uso de segurança privada e remoção da população de rua por
funcionários terceirizados; e a construção de novos empreendimentos residenciais
desvinculados dos antigos habitantes do bairro. Ainda assim, pode-se destacar na base da
formatação das políticas e coalizões de atores do meio empresarial a lógica do planejamento
estratégico atual, que pontua benefícios na totalidade da cidade; entretanto, as intervenções
mostram-se pontuais e localizadas.
3.3. AS NOVAS UNIVERSIDADES E O SEU SENTIDO NA ÁREA CENTRAL
Há dez anos, parecia ser uma temeridade investir no Centro. Hoje está provado que é
um celeiro de alunos pela facilidade de acesso 349 .
O Centro não é tão inseguro quanto cinco anos atrás 350 .
[...] Centro, local estratégico para o mercado de cursos já que é o coração comercial
do Rio de Janeiro e as pessoas costumam ir para a aula depois do trabalho na
seqüência. Para a universidade, é muito importante estar presente nessa área que está
sendo revitalizada, valorizando a vanguarda da cidade. Não poderia ser diferente, já
que a PUC-RIO é pioneira na excelência do ensino tradicional do Rio de Janeiro 351 .
Por conseguinte, investiga-se também a expansão da rede privada de ensino superior
na Área Central do Rio de Janeiro, após a década de 1990, e sua configuração como resultado
de ações estratégicas ligadas ao discurso da “volta ao Centro”, ou seja, da afirmação de
centralidades por meio do desenvolvimento econômico que alia “cultura” aos serviços
educacionais.
Verifica-se a implantação de novos campi e unidades, além da ampliação das
instalações (inclusive das sedes administrativas) de universidades privadas nas regiões do
centro histórico e adjacências, tanto por parte de instituições já existentes 352 , como é o caso da
349
Fala de representante da UniverCidade, em matéria da revista Veja, de 28 de fevereiro de 2007.
350
Fala do coordenador da Universidade Castelo Branco – Unidade Centro, em entrevista realizada em abril de
2008.
351
Fala do assessor de marketing da PUC-RIO em entrevista via e-mail realizada em junho de 2008.
352
Antes de 1990, entre as principais IES privadas, já atuavam no Centro: 1) UCAM (abertura em 1902; tornase
faculdade na década de 1970 e inaugura o prédio de Direito na década de 1980); 2) IBMEC (fundado na
década de 1970 no prédio da Bolsa de Valores; funcionou em prédio anexo ao Museu de Arte Moderna até 1985,
quando se deslocou para a Avenida Rio Branco e lá permaneceu até 2006. Em 2007 foi inaugurado o novo

155
Cândido Mendes (UCAM), situada na Praça XV, do Instituto Brasileiro de Mercado de
Capitais (IBMEC), na Av. Beira Mar, da Faculdade Moraes Júnior-Mackenzie Rio 353 , na Rua
Buenos Aires, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), na Rua da Candelária, e da Escola
Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), na Rua do Rosário; como também por
universidades que mantinham seu campo de atuação em outros bairros da cidade 354 , como a
Gama Filho (UGF) e Estácio de Sá (UESA), que implantaram na Avenida Presidente Vargas
algumas unidades na segunda metade da década de 1990; a Pontifícia Universidade Católica
(PUC), Castelo Branco (UCB) e UniverCidade 355 , que implantaram cursos de pós-graduação
e graduação a partir do ano 2000.
O discurso dominante aponta a presença cada vez maior de universidades na Área
Central ao lado de outros equipamentos urbanos, representando o retorno de uma nova
dinâmica do Centro, ou seja, o resgate da sua “vitalidade” enquanto centralidade, lócus de
atração e difusão de fluxos de pessoas, de mercadorias, de capital e de idéias. “O Centro,
como a Barra, é uma área de expansão para o futuro”, relata o representante da FGV à revista
Veja. Destacam-se a diversidade/qualidade dos cursos oferecidos e a aplicação de recursos em
modernização predial, em contraste com a antiguidade das fachadas reformadas e da paisagem
histórica no seu entorno. São apontadas como localidades “estratégicas” para os investimentos
a ACN (Núcleo Central), o Corredor Cultural, as avenidas Presidente Vargas e Rio Branco, as
regiões da Lapa, Cidade Nova e Praça Mauá.
A consolidação de um “pólo universitário”, cuja movimentação de alunos giraria em
torno de 60.000 pessoas 356 , segundo dados recolhidos em campo, número maior que toda a
prédio alugado e reformado, na Avenida Beira Mar); 3) Faculdade Moraes Júnior (fundada da década de 1960
no mesmo prédio onde funciona atualmente, na Rua Buenos Aires); 4) ESPM (inaugurada no campus Rio, em
1981, na Rua Teófilo Otoni; em 1997 houve a compra do prédio na Rua do Rosário); 5) FGV (no prédio próprio
onde se localiza atualmente a instituição funcionou, na década de 1970 até 1990, o Instituto de Psicologia. A
edificação permaneceu fechada durante 16 anos, quando houve a inauguração após reforma, em 2006).
353
Em 2005 concretizou-se uma “parceria educacional” entre a Faculdade Moraes Júnior e a Universidade
Presbiteriana Mackenzie, instituição paulista, formando o logo “Mackenzie Rio”.
354
A UESA tem origem no bairro do Rio Comprido (atualmente sua sede administrativa localiza-se na Barra da
Tijuca); a FGV mantém a sua sede em Botafogo; a UCB iniciou suas atividades em Realengo; a UGF tem
origem no bairro da Piedade; a PUC-RIO mantém sua sede administrativa no bairro da Gávea, e a
UniverCidade começou suas atividades em Ipanema.
355
Nome “fantasia” para o Centro Universitário da Cidade, desde 1998, após a fusão da Faculdade da Cidade e
da Faculdade Nuno Lisboa, em 1995.
356
Quantidade aproximada de alunos das dez instituições privadas entrevistadas, excetuando-se os outros
estabelecimentos da rede e as instituições públicas. Entre as instituições públicas estão: Escola Naval;
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Uni-Rio); Universidade Estadual do Rio de Janeiro –UERJ
(Escola Superior de Desenho Industrial); Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ (Escola de Música;
Instituto de Filosofia e Ciências Socias/IFCS; Clube de Engenharia; Faculdade Nacional de Direito; Escola de

156
população de estudantes da Ilha do Fundão, confirmaria a “tradição acadêmica” do “coração
do Rio”, segundo a reportagem de capa da revista Veja 357 . Um dos símbolos marcantes deste
pólo seria o edifício Standart, que nos anos 1960 teria marcado a paisagem com o logotipo de
uma grande empresa que até recentemente mantinha sua sede administrativa no Centro – a
ESSO. Passadas as obras para restauração e modernização do edifício 358 , que teve a sua
fachada tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (Inepac), a nova ocupação
ficou a cargo do IBMEC. A instituição de ensino é apontada como “uma das melhores escolas
de negócios do país”, cujos cursos nas áreas de Administração, Economia, Finanças, Gestão
de Negócios, Marketing, Logística, Direito e Relações Internacionais concorrem com a FGV,
ESPM e PUC. No ano de 2005, foi incorporada à instituição carioca a Faculdade de Direito
Evandro Lins e Silva (FELS), como resultado do seu plano de expansão 359 .
A acessibilidade, a proximidade com o mercado de trabalho, a segurança, a
“ausência” de favelas, o comércio, a “animação urbana” trazida pelo Corredor Cultural e a
oferta de estacionamentos e de edificações vazias, e com aluguéis mais baratos, são fatores
apontados como “vantagens diferenciais” para a efetivação dos investimentos no denominado
“coração da cidade”. Segundo Fernando Freitas, coordenador do curso de economia da
Faculdade Moraes Júnior-Mackenzie Rio, “os edifícios da Presidente Vargas foram projetados
para empresas menores, com salas pequenas, e não se adaptam às novas companhias, que
estão preferindo ir para a Barra. Para as escolas, esses edifícios são um prato cheio” 360 .
A Área Central reflete a luta de tendências entre passado e presente. As articulações
entre as partes da cidade se transformam ao longo do tempo e manifestam a adequação da
materialidade socialmente produzida ao dinamismo dos fluxos da sociedade. Deste modo, o
Enfermagem Ana Nery; Escola de Engenharia; Instituto de Ginecologia); Universidade Federal Rural do Rio de
Janeiro – UFRRJ (Curso Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola) (RABHA, 2006).
357
A CIDADE dos estudantes. Revista Veja, 28 de fevereiro de 2007.
358
Além do valor da obra do edifício estimado em cerca de R$ 18 milhões, o Ibmec “adotou” a Praça 04 de
Julho, em frente ao Consulado dos Estados Unidos, e o espaço ao lado da sede do Instituto, batizado como
Espaço Evandro Lins e Silva. A revitalização das praças custou cerca de R$ 200 mil, segundo Clóvis Horta
Corrêa Filho, assessor de imprensa do IBMEC. Informações concedidas via endereço eletrônico no mês de abril
de 2008.
359
A FELS funcionava no edifício nº 59 da Rua da Quitanda, no Centro, onde hoje funciona a Universidade
Castelo Branco. Criada pelo jurista Evandro Lins e Silva, a aquisição da FELS pelo IBMEC previu um
“faturamento de R$ 3 milhões em 2006 e cerca de 400 alunos”. Segundo a instituição, “desde a criação da Pós-
Graduação em Direito Empresarial em 2001, a instituição visa ampliar os seus negócios nessa área. Algo que foi
possível com a FELS por se adequar perfeitamente ao modelo de negócios do IBMEC, concretizando a união de
duas grifes de excelência educacional” (Portal Universia Brasil, 2005). “IBMEC/RJ COMPRA A Faculdade de
Direito Evandro Lins e Silva”. Disponível na internet: www.universia.com.br. Acesso em outubro de 2008.
360
A CIDADE dos estudantes. Revista Veja, 28 de fevereiro de 2007.

157
espaço se apresenta re-fragmentado em sua forma-função por meio da refuncionalização, ou
seja, quando há utilidade ou valor de uso da forma espacial no presente (CORRÊA, 2001).
Tal processo de refuncionalização é amplo, sendo percebido, por exemplo, nas
edificações que abrigam novas funções – no caso, os serviços educacionais, como: a sede do
IBMEC (antiga sede da empresa ESSO), o campus Centro I da UESA (antiga sede da
Eletrobrás), a FGV–Centro (antigo Banco Frânces-Italiano), a unidade Candelária da UGF
(antigo Consulado de Portugal), o campus PIO X da UCAM (antiga sede bancária), o campus
Praça Onze da UESA (antiga sede da Telemar), e o campus Rosário da ESPM (antiga sede da
Interbras/Petros).
O discurso apresentado pelas universidades tanto na mídia, em materiais impressos ou
eletrônicos de divulgação, como nas entrevistas realizadas durante a pesquisa – recurso
metodológico considerado fundamental para a coleta de material empírico 361 – revela a
preferência pelo Centro no processo recente de expansão dos serviços educacionais na cidade
do Rio de Janeiro. Todas as instituições entrevistadas apontaram expansão dos investimentos
e das locações ou acenaram necessidades futuras, caso permaneça a demanda atual.
De acordo com o Ministério da Educação e Cultura/Instituto Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais (MEC/INEP), o crescimento da demanda teria origem na “rápida
expansão do ensino médio, aumentando a pressão para o acesso ao ensino superior” 362 , ou no
que Rua (2005) denomina de “universalização do ensino médio”, tal como consta no Gráfico
1, a seguir. Segundo dados do Instituto, de 1990 a 2002, a quantidade de alunos nos cursos de
graduação no Brasil aumentou 126%, passando de 1,5 milhão para 3,5 milhões de estudantes.
361
Foram entrevistadas 10 instituições universitárias, presencialmente e via e-mail (PUC e IBMEC), ao longo
dos meses de abril e junho de 2008.
362
Informações apresentadas no portal eletrônico do MEC. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu. Acesso
em outubro de 2008. C.f. RUA, 2005.

158
Gráfico 1
Fonte: Sinopse Estatística do Ensino Superior – Graduação 2002 – MEC/INEP.
Dados tabulados pela autora.
No Brasil, desde a década de 1980, e principalmente nos anos 90, o setor privado de
ensino superior vem logrando êxito no seu processo de expansão. De acordo com dados do
INEP, “segundo o Censo do Ensino Superior, em 2000, havia 1.180 instituições de ensino
superior. De cada dez instituições, oito eram privadas e duas públicas, estas últimas divididas
entre federais, estaduais e municipais” 363 . Analisando os dados sobre a evolução do número
de IES, entre as décadas de 1980-1998, verifica-se o aumento do número de instituições da
rede de ensino superior privado em relação às instituições públicas, principalmente após
1995 364 , e a sua concentração na região Sudeste do país. Além do surgimento de
estabelecimentos isolados, aponta-se o reconhecimento de faculdades e centros universitários
em Universidades, legitimando o aumento destas últimas.
De acordo com os dados do Censo de Educação do MEC (2002), verifica-se o
aumento absoluto de IES no Brasil, totalizando 664 estabelecimentos criados. Em 1998,
somavam-se 973; já em 2002, são totalizadas 1.637 IES. Destacam-se os dados referentes ao
363
Idem.
364
Em meados da década de 1990, tem-se a promulgação da nova legislação para a educação superior, com a
facilitação da abertura e do reconhecimento de novas instituições universitárias e a extinção da obrigatoriedade
da instituição privada sem fins lucrativos. Tal reforma da educação superior, com destaque para o Decreto n.º 06,
de 19 de agosto de 1997, enquadra-se no cenário ideológico neoliberal, já que as universidades transferiram a
vocação empresarial para o contexto educacional.

159
setor privado, que em 1998 representava 764 instituições no país, e em 2002, 1.442
estabelecimentos, um crescimento absoluto de quase 90%.
Tabela 1
Fonte: Sinopse Estatística do Ensino Superior – Graduação
2000 – MEC/INEP.
Gráfico 2
Fonte: Sinopse Estatística do Ensino Superior – Graduação 2000 – MEC/INEP.

160
Tabela 2
Distribuição do Número de Instituições por
Dependência Administrativa, segundo as regiões - 2002
Região
Total
Privadas
Número %
Norte 83 69 83,13
Nordeste 256 205 80,08
Sudeste 840 763 90,83
Sul 260 225 86,54
Centro-Oeste 198 180 90,91
IES 1.637 1.442 88,09
Fonte: Sinopse Estatística do Ensino Superior – Graduação
2002 – MEC/INEP. Dados tabulados pela autora.
As causas para a expansão do número de IES privadas se difundem nas dimensões
política, socioeconômica e ideológica-cultural, envolvendo diferentes atores e interesses.
Pode-se dizer que a ampliação de alunos ingressos no ensino médio promove o crescimento
da demanda para o ensino superior, no entanto, os impactos do sucateamento das
universidades públicas 365 não favorece a abertura de vagas suficientes em relação à demanda
solicitada. Tal pressão gerada pela demanda é canalizada pela disponibilidade de vagas e
facilidades de acesso que caracterizam a massificação do ensino superior pelo setor
privado 366 . O enorme crescimento quantitativo das IES privadas sem, contudo, expressar
365
Tal sucateamento ou desmantelamento das IES públicas manifestam-se “no corte de verbas, na não abertura
de concursos públicos para professores e funcionários técnico-administrativos, pela continuidade da expansão do
ensino superior privado e das matrículas delas decorrentes, pela destinação de verba pública para as faculdades
particulares, pela multiplicação das fundações privadas nas IES públicas e por ausência de uma política efetiva
de assistência estudantil” (FIGUEIREDO, 2000).
366
O processo de massificação do ensino superior tem origem nas políticas populistas do segundo governo de
Getúlio Vargas (1950-54). Neste sentido, a “estrutura do ensino médio dividida entre o ensino propedêutico
(para as elites) e o ensino profissional (para a classe trabalhadora)” é transformada devido à “equivalência dos
cursos profissionais a secundário, para que fosse possível a progressão no sistema educacional, sendo tais
medidas ampliadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de 1961”. Como conseqüência,
“ocorreu a expansão do ensino médio e o aumento da demanda pelo ensino superior que foi respondida pelo
governo federal”, já que o MEC, até então, “defendia o controle da educação pela União” (FIGUEIREDO,
2000).

161
melhoria qualitativa, revela a vinculação destes estabelecimentos “exclusivamente ao
atendimento da demanda por ensino” 367 .
[...] a privação pretérita no acesso ao ensino superior, herança de um modelo
educacional excludente e voltado preferencialmente às camadas mais abastadas da
população, cedeu lugar a uma pretensa abundância na oferta de vagas a todos que se
dispuserem a pagar as mensalidades (RUA, 2005, p.24).
Verificam-se, desde a década de 1990, algumas transformações na realidade brasileira,
marcada pela desigualdade no acesso aos direitos básicos da vida, como a educação. As
recentes políticas públicas educacionais refletem acordos entre Governo e mercado, e
defendem a democratização do ensino superior pautando-se na ampliação do reconhecimento
de instituições de ensino de cunho empresarial e em reformas que garantem acesso às verbas
governamentais por parte do setor privado. Deixa-se claro a afirmação de um “modelo de
educação que trabalha exclusivamente para a preparação para o mundo do trabalho” 368 ,
orientando o indivíduo a dispor de parte de seu provento para financiar a “tão sonhada”
faculdade, já que é sabido que a grande massa populacional que compõe a classe baixa e
média-baixa não usufrui das mesmas condições sociais que as classes média e alta durante a
sua formação educacional básica ou para pagar cursos preparatórios para o vestibular.
Com base nas reflexões de Rua (2005), que buscou investigar os elementos motivantes
dessa “demanda adicional disposta a financiar o ensino superior”, pode-se apontar a
“ideologia da empregabilidade” 369 que “apregoa o papel da formação e qualificação para a
colocação do indivíduo no mercado de trabalho” – discurso “reiterado pelos meios de
comunicação, empresas, escolas e universidades”. Esta ideologia refletiria um “receituário de
propostas no campo educacional” formuladas pelo empresariado industrial preocupado em
“tornar a economia mais competitiva com a indústria estrangeira”, e pelo capital financeiro
disposto a investir em “novos nichos de consumo de serviços educacionais”.
367 BITTAR, Mariluce. O Ensino Superior Privado no Brasil e a formação do segmento das universidades
comunitárias. (s/d). Disponível na internet. Sobre a expansão da rede de ensino superior privado, o INEP aponta
que “o problema é que ela se deu em detrimento da qualidade, com a criação de inúmeras escolas sem corpo
docente qualificado e sem a infra-estrutura mínima necessária ao seu funcionamento. Por outro lado, a maioria
das instituições privadas se dedica apenas ao ensino, sem apoiá-lo na produção do conhecimento e nas atividades
de extensão. Assim, as universidades públicas brasileiras são as principais responsáveis pela qualificação
docente, em nível de mestrado e doutorado, assim como por mais de 90% da pesquisa básica e aplicada
desenvolvida no país”.
368
RUA, 2005, p.30.
369 Ibid., p.26-7.

162
Vale dizer que se trata da expressão máxima da coisificação do indivíduo,
confundindo-o com a própria força de trabalho. Ademais, a qualificação é vista
como incorporação de novos atributos à mercadoria força de trabalho ofertada pelo
trabalhador. Cria-se, dessa maneira, a ilusão de que quanto maior o número de
títulos apresentados pelo trabalhador, mais ele estará aumentando as chances de se
colocar no mercado de trabalho de forma ‘competitiva’ (RUA, op.cit., p.26).
Pode-se enfocar também a ideologia pós-moderna da valorização do indivíduoconsumidor
orientada por novas formas de acumulação de capital da sociedade mundializada
e manifestadas no processo de “mercantilização da cultura”. Neste sentido, sendo o
conhecimento “entendido como mercadoria, a educação é entendida como um bem de
consumo, [logo], a educação pode ser encarada como consumo privado, quando os próprios
indivíduos procuram se valorizar, aplicando parte de suas rendas na própria educação” 370 .
De acordo com Sánchez (2003), a relação entre “materialização e simbolização”
apresenta-se nas formas de apropriação e uso da Área Central e de sua imagem pelo capital,
que utiliza o espaço como cenário e a imagem como estímulo, para atrair e valorizar os
investimentos e o consumo. Neste sentido, os centros urbanos reabilitados colocam-se como
centralidades notórias para a formação de nichos de consumo cultural. Harvey (1996)
declarou:
Uma região urbana pode também aumentar sua situação de competitividade a partir
da divisão espacial do consumo. (...) Os investimentos, no intuito de atrair o
consumo (...) cada vez mais se concentram na qualidade de vida, na valorização do
espaço, na inovação cultural e na elevação da qualidade do meio ambiente urbano
(inclusive na adoção de estilos pós-modernistas de arquitetura e de desenho urbano),
nos atrativos de consumo (estádios esportivos, centros de convenções, shopping
centers, marinas, praças de alimentação exótica), entretenimento (a organização de
espetáculos urbanos temporários ou permanentes), [tornando-se] facetas
proeminentes das estratégias de renovação urbana. Acima de tudo, a cidade tem que
parecer como lugar inovador, excitante, criativo e seguro para viver, visitar, para
jogar ou consumir (Ibid., p.54-5).
O Mapa 4 e o Quadro 2, a seguir, apresentam a localização das IES privadas no centro
da cidade do Rio de Janeiro. Além das principais universidades mencionadas, encontram-se
estabelecimentos de ensino isolados (pós-graduações, centros de especialização, etc.) e
faculdades, como: Instituto de Pós-Graduação Médica Carlos Chagas; Sociedade Unificada de
Ensino Superior e Cultura (SUESC); Associação de Ensino Superior do Rio Janeiro (ASERJ);
Conservatório Brasileiro de Música; Associação Universitária Santa Úrsula; Faculdade
370 BARBOSA, 2000, p. 7-8. Disponível na internet.

163
Bittencourt da Silva (FABES); Faculdade SENAC (Centro de Informática e
Telecomunicações); Instituto de Ensino Superior do Rio de Janeiro Ltda.; Sociedade
Brasileira de Instrução; Bolsa de Valores do Rio de Janeiro; SENAC (Centro de
Administração e Desenvolvimento Empresarial); Fundação Educacional Severino Sombra
(RABHA, 2006).

Mapa 4 – A localização das IES privadas na Área Central do Rio de Janeiro
164

165
Principais IES
Privadas
Unidade/Campi(us)/sede/salas
Localização (logradouros)
ESPM Campus Rosário Rua do Rosário; Av. Rio Branco
FGV Unidade Centro Rua da Candelária
FMJ-
Sede Administrativa; Anexos de
Rua Buenos Aires; Rua Regente Feijó;
MACKENZIE Informática e Biblioteca; Núcleo de
Av. Rio Branco (Cinelândia)
RIO
pós-graduação e extensão
IBMEC Sede Administrativa Av. Beira Mar (próximo à Praça 4 de julho)
PUC-RIO Unidade Centro Av. Marechal Câmara
UCAM
Campi: Pio X, Centro; Centro de
Humanidades; salas para graduação
e pós-graduação
Rua Teófilo Otoni (salas); Rua Sete de
Setembro (salas); Rua da Assembléia (salas);
Rua da Candelária; Rua do Carmo
UCB Unidade Centro Rua da Quitanda; Rua Senador Dantas
UESA
Campi: Centro I, Praça XI, Menezes
Cortes, Arcos da Lapa, Academia de
Polícia Civil (Acadepol)
Av. Presidente Vargas (sentido Uruguaiana e
Cidade Nova e Praça XI); Rua do Riachuelo;
Rua São José
UGF Unidade Candelária Av. Presidente Vargas
UniverCidade
Sede Administrativa
Campi: Metrô Carioca, Gonçalves
Dias, Aeroporto, Metrô Praça XI
Rua Sete de Setembro; Rua Gonçalves Dias;
Rua Bittencourt da Silva, s/nº; Av. General
Justo; Av. Pres. Vargas (Praça XI)
Quadro 2 - Localização das principais IES privadas na Área Central
Fonte: Dados tabulados pela autora com informações obtidas em campo e em RABHA, 2006.
Expansão e diversificação são estratégias apontadas pelas IES para lidar com a
competição. A concorrência no espaço central é mais acirrada do que em outras importantes
centralidades, como a Barra da Tijuca, por exemplo, onde o mercado é dividido entre a UESA
(hegemonia), FGV e UniverCidade. Para lidar com a concorrência e validar os investimentos,
são propostos, a saber: a implantação de cursos baratos e de alta demanda denominados
“carros-chefe”, com conteúdo auxiliar em concursos e educação continuada (politécnico e
pós-graduação) nas áreas de Direito, Administração; a manutenção do valor das mensalidades
ao longo do curso; a abertura e diversificação de novos cursos a fim de receber públicos
diferenciados; e a oferta de horários alternativos para os cursos nos três turnos, inclusive aos
sábados.
São ofertados cursos politécnicos, de extensão, EAD (Educação à Distância),
graduação e pós-graduação (lato sensu e stricto sensu) nas áreas de: Contabilidade e Finanças,
Economia, Administração, Direito, Relações Internacionais, Engenharia, Tecnologia, Gestão

166
e Recursos Humanos, Comunicação, História, Cinema, Marketing, Saúde (Nutrição,
Fisioterapia, Medicina, Enfermagem, etc.), entre outros.
O Quadro 3, a seguir, apresenta algumas estratégias de localização relacionadas ao
processo crescente de implantação de universidades privadas no centro da cidade do Rio de
Janeiro.
ESTRATÉGIAS
Ocupar prédios antigos com localização
privilegiada e com aluguéis mais baixos que outras
áreas nobres da cidade.
Investir em áreas reabilitadas portadoras de
“animação urbana”, cujo potencial de qualidade
arquitetônica e de caráter histórico altera formas de
apropriação segundo segmentos de renda ou
padrão de atividade.
Buscar proximidade com o mercado de trabalho.
ESPACIALIDADES (micro-localização)
Antigas sedes de grandes empresas, bancos
estrangeiros, consulados, prédios públicos.
Localidades concentradoras de livrarias, cafés,
centros culturais, restaurantes. Ex.: “Corredor
Cultural”, Praça Mauá.
Sistema financeiro, sedes de grandes empresas e
escritórios de advocacia, defensoria pública, Fórum
e comércio varejista. Ex. A.C.N. (núcleo central) e
Cidade Nova.
Investir em centralidades, áreas de grande
convergência de fluxos.
Concentração de terminais viários (ônibus, metrô,
trem, barcas), estacionamentos, praças, comércio,
equipamentos culturais. Ex.: avenidas Rio Branco,
Presidente Vargas, Beira Mar; Rua Uruguaiana,
Praça XV, Praça Mauá.
Aluguel do espaço.
São disponibilizadas salas e/ou auditório para
reuniões de trabalho, cursos/seminários de
empresas ou órgãos públicos que buscam as
dependências do Centro para a realização de
concursos.
Tipos de investimento.
Reformas prediais internas e externas de imóveis
próprios ou alugados; aluguel ou construção de
imóveis anexos à unidade principal; reformas no
entorno (praças, calçadas); disponibilidade de
transporte em função da segurança.
Público-alvo / Perfil dos estudantes.
Apropriação simbólica do valor cultural.
Pessoas que trabalham (no Centro ou perto) e com
faixa etária maior. Moradores de outros bairros e
municípios (Zona Sul, Norte, Niterói, etc.) que se
apropriam da acessibilidade. Pelo menos metade
dos estudantes possuem renda média e alta (ex.:
ESPM, Moraes-Júnior, IBMEC, FGV, UCAM).
O Corredor Cultural agrega valor e “anima” o
sábado, de menor movimento; as áreas históricas
são importantes para os cursos de turismo e

167
restauração; a “tradição e a história” são
apropriadas em logotipos de instituições privadas e
na ocupação de edificações tombadas; a Avenida
Rio Branco mantém-se como símbolo da
concentração do “velho e do novo”.
Expansão e diversificação de cursos para lidar com
a concorrência e o aumento da demanda dos
serviços em educação superior.
Além do aumento da demanda por aluguel ou
compra de salas e prédios na Área Central de
Negócios (ACN), Lapa, Praça Onze e Cidade
Nova, são cogitadas propostas de expansão para a
região da Cruz Vermelha e Píer Mauá.
Quadro 3 – Estratégias de localização das universidades
Fonte: Dados tabulados pela autora com informações obtidas em campo.
Verifica-se a oferta maciça de cursos de graduação e, principalmente, pós-graduação
na área de finanças, marketing e negócios. A possibilidade de realização de cursos de
graduação ou MBA, pagos por empresas e instituições de porte, localizadas na própria Área
Central, é amplamente divulgada como recurso propagandístico das IES (RABHA, 2006).
Observa-se, portanto, a naturalização do processo de “mercantilização da educação”,
no qual as grandes corporações econômicas assumem o papel de mantenedoras das
Instituições de Ensino Superior. Neste sentido, cria-se a possibilidade de o próprio mercado
assumir a formação de seus trabalhadores, subordinando, de forma objetiva, a educação ao
trabalho produtivo e o conhecimento ao capital.
Em especial, destacam-se algumas instituições e a sua configuração espacial,
revelando o processo de expansão da rede de ensino superior privada na Área Central do Rio
de Janeiro, após a década de 1990.
A Faculdade Moraes Júnior possui um histórico de ocupação, desde a década de
1960, na Rua Buenos Aires, oferecendo cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de
Administração, Direito, Contabilidade e Economia. Atualmente, a faculdade está em fase de
expansão, principalmente após a fusão com a Universidade Presbiteriana Mackenzie, e aponta
a possibilidade de abertura de cursos de Relações Internacionais e Análise de Sistemas no
“centro financeiro, perto da Avenida Rio Branco”, onde já possui uma sala própria para
ministração de cursos de pós-graduação, consolidando a proposta de uma “Escola de
Negócios” 371 .
371
Informações apresentadas em entrevista com o coordenador de curso, Fernando Freitas, na sede da
instituição, em maio de 2008.

168
A UniverCidade 372 é fruto da fusão ocorrida, em 1995, entre a Faculdade da Cidade e
a Faculdade Nuno Lisboa, dando origem adiante ao Centro Universitário da Cidade, em 1998.
A instituição possui sede administrativa no Centro, onde estão localizados outros quatro
campi que atendem cerca de 6.000 alunos – resultado do movimento de expansão da
instituição filantrópica, que chegou ao total de 36 unidades no município do Rio de Janeiro;
atualmente, possui 19 unidades, com estimativa de redução para16. Nos últimos dois anos, a
Zona Oeste da cidade foi apontada como a área onde ocorreu o maior número de redução de
estabelecimentos, no entanto, o Centro foi apontado como um lugar “próspero”: a partir de
2001 foram abertos os campi Aeroporto e Praça Onze, e em 2006 e 2007 inauguraram-se os
campi Carioca e Gonçalves Dias, respectivamente.
Foram abertos cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Tecnologia,
Administração, Contabilidade, Relações Internacionais, Direito, Engenharia e Saúde (Ed.
Física, Fisioterapia, Enfermagem). Sobre a configuração espacial do campus Carioca, tal
localidade é percebida como uma ação estratégica extremamente positiva, tanto pela
instituição como pelas concorrentes.
Recentemente criou mais um endereço e inovou, com instalações no interior da
estação do Metrô Carioca. Passa, assim, a usufruir o que é considerado o grande
diferencial da área, qual seja a facilidade proporcionada pelo sistema de transportes.
Esta característica e o fato de ainda ser o principal mercado de trabalho para
significativa parcela da população carioca geraram condições favoráveis para a
acirrada corrida na direção centro e uma saudável concorrência entre as instituições
particulares de ensino superior (RABHA, op.cit., p.287).
Devido ao seu caráter filantrópico, nenhum dos edifícios ocupados para ensino no
Centro é próprio, apenas a sede administrativa, que pertence à instituição mantenedora. Outra
característica a ser mencionada diz respeito ao valor das mensalidades dos cursos. Cada
unidade possui um valor diferenciado em relação ao turno e à localidade. Verifica-se a
importância do Centro no mercado da educação superior, de acordo com a instituição,
enquanto a unidade Barra alcançou o ingresso de 400 alunos em um ano de funcionamento.
No mesmo período, na unidade Gonçalves Dias, ingressaram 1.400 alunos.
A Universidade Estácio de Sá possui mais de 25 mil alunos em seus cinco campi na
Área Central 373 . Apenas o campus Centro I, localizado na Avenida Presidente Vargas/Rua
372
Informações apresentadas por Flávia Moritz, gerente acadêmica da instituição, em junho de 2008.
373
Informações prestadas por Ana Cristina Curi, gerente do Campus I, em maio de 2008. São informações dos
campi da UESA: Campus I, Presidente Vargas, com dez cursos de graduação, 20 politécnicos e 18 de pósgraduação
(dois stricto sensu); “Campus II, funcionando na Academia de Policia Civil; Campus III, no último

169
Uruguaiana, onde a instituição iniciou suas atividades em 1998, movimenta cerca de 11 mil
estudantes em seus 22 andares e 171 salas de aula nos três turnos (M/T/N), inclusive aos
sábados. Segundo Rabha (2006), “no rol das universidades privadas, a UESA desponta como
a de maior incremento de vagas no ensino superior, tornando-se atualmente a universidade
com maior número de matrículas no curso de graduação no Estado do Rio de Janeiro” 374 .
Algumas localidades como o Rio Comprido, a Barra da Tijuca e o centro do Rio de Janeiro
apresentam, respectivamente, dois, três e cinco campi (RUA, 2005).
A seguir, apontam-se fatores condicionantes, externos e internos, à Área Central do
Rio de Janeiro, como razão à crescente implantação de IES privadas, a partir da década de
1990:
Fatores externos:
A perda da importância relativa do Centro no movimento de expansão urbana, e do
município do Rio de Janeiro na escala nacional em termos econômicos e políticos, ao longo
do século XX.
Tal processo é caracterizado pela descentralização dos setores secundário e terciário
para outros centros funcionais da cidade do Rio de Janeiro, a partir da década de 1930/40; da
sua Região Metropolitana (RMRJ), cuja concreta configuração já se apresenta em 1960
(ABREU, 1987); e para outros estados como São Paulo, cuja supremacia econômica na escala
nacional se instaurou desde as primeiras décadas do século XX. Por conseguinte, a afirmação
de importantes centralidades como a Barra da Tijuca atraiu empresas e população, ao longo
das décadas de 1980/90. No entanto, apesar do trânsito que aflige o Centro, as lentidões nas
políticas públicas de transporte mantiveram afastados os locais de moradia e trabalho, e o
Centro como a localidade concentradora do principal mercado de trabalho dentro da cidade.
A expansão da rede privada de ensino superior no Brasil, a partir da década de 1990,
com base no “movimento de passagem do regime de acumulação fordista para o denominado
andar do Terminal Menezes Cortes com cursos de graduação e pós-graduação em Direito; Campus IV, na Praça
Onze, com 12 cursos de graduação, dez politécnicos e dois de pós-graduação, e o Campus V, Arcos da Lapa,
com graduação e pós-graduação em Medicina” (RABHA, op.cit., p.288).
374
RABHA, op.cit., p.24.

170
de acumulação flexível” e no “movimento da propalada diminuição do Estado” 375 orientado
por políticas neoliberais.
O aumento da demanda estudantil pelo ensino superior privado advém, entre outros
fatores, devido à disponibilidade de vagas e facilidade no acesso às mesmas, características
das IES de cunho empresarial que parecem se “multiplicar” nos últimos tempos. Tal
fenômeno é sintomático ao processo de “mercantilização da educação” aliado às novas formas
de acumulação de capital na globalização da economia, assim como à reconfiguração do
Estado (SILVA JR.; SGUISSARDI, 2001).
Segundo estudiosos 376 , o “novo ensino privado de corte empresarial ou comercial”
visa a acumulação de capital, e não, necessariamente, a qualidade dos serviços prestados
(apesar de a melhoria na qualidade também se realizar em torno da concorrência). O alerta
acerca deste tema aponta a intensa especulação financeira que haveria por trás da expansão do
setor educacional brasileiro, e que viria atraindo empresários e investidores
descomprometidos com a demanda da sociedade, de acordo com as suas necessidades. A
excelente rentabilidade e altas taxas de crescimento estariam atraindo empresários de diversos
segmentos, assim como empresas financeiras que administram fundos de investimentos
estrangeiros e nacionais 377 .
Como o Ensino Superior não é a prioridade do Estado, existe pouca disponibilidade
de vagas nas Instituições Públicas, o que promoveu o interesse do empresariado na
área, pois o volume reduzido de vagas garantiu o aumento do valor de troca e o
retorno do investimento. Este interesse impulsionou a expansão do Ensino Superior
Privado no Brasil, sendo que a Universidade passou a ser entendida como um
investimento, e a educação como prestação de serviço. No entanto, apenas na década
de noventa, as universidades privadas brasileiras foram transformadas em empresas
(...). As Universidades constituídas como empresa escola transferiram a vocação
empresarial para o contexto educacional, transformando: o aluno em cliente; a
educação em serviço prestado; a capacidade profissional do aluno formado em
produto; e o conhecimento em mercadoria (BARBOSA, 2000, p.8).
375
SILVA JR; SGUISSARDI, 2001.
376
DURHAN; SAMPAIO (1995), autoras citadas por Mariluce Bittar [s/d]. Disponível na internet. DURHAN,
Eunice Ribeiro; SAMPAIO, Helena. O Ensino Privado no Brasil. São Paulo: USP – NUPES, Documento de
Trabalho 3, 1995.
377
“São empresas como a JP Morgan, Advent, Pátria, Dynamo, entre outras, que se utilizam basicamente do
mesmo princípio: adquirem parte da instituição, injetam recursos, participam da gestão, esperam o negócio se
valorizar e, finalmente, vendem sua parte esperando obter uma alta lucratividade nessa transação” (REDE
BAHIA, 2004). In: “ENSINO SUPERIOR: conhecendo as regras do mercado”. Estudo de marketing
apresentado pela emissora Rede Bahia de Televisão, datado de setembro de 2004. Disponível na internet.

171
Segundo Figueiredo (2000), a partir da década de 1990, iniciou-se “um processo de
privatização sem precedentes do ensino no país”. A educação torna-se um “grande negócio”
legitimado pelo Estado que se desresponsabiliza das reais necessidades da sociedade.
No Brasil, na década de noventa, a reforma educacional através da Lei de Diretrizes
e Bases (LDB) para a educação nacional e do Plano Nacional de Educação (PNE),
apresentou-se numa perspectiva de dar forma às políticas neoliberais, caracterizadas
principalmente pela privatização, entendendo esta como a entrada desenfreada de
recursos não-públicos para manter as atividades próprias da universidade. (...) Nunca
na história do país foram abertas tantas universidades particulares como nos anos 80
e 90, bem como, praticada a isenção fiscal para empresário da educação
(FIGUEIREDO, loc.cit.).
Silva Jr. & Sguissardi (2001) trazem importantes esclarecimentos acerca do “processo
de reforma e reconfiguração do sistema de educação superior no Brasil, tanto público como
privado” 378 . As mudanças nesta esfera social segundo a lógica do mercado estariam inseridas
num movimento mais amplo de transformações “na economia (base produtiva) e na
reconfiguração do Estado”, ou seja, no movimento de passagem do regime de acumulação
fordista para flexível “(mundialização do capital, financeirização, desemprego,
desregulamentação da economia, etc.)” e da reestruturação ou diminuição do Estado, “que se
apresenta contraditoriamente como privatização do Estado e como um processo de
desconcentração e maior controle sobre todos os setores da economia e dos serviços do
Estado (Saúde, Educação, etc.)”.
Tais mudanças político-econômicas levaram à intensificação da tendência que se
verificava desde os governos militares acerca da privatização do ensino superior, apontada no
aumento gradativo das matrículas nesta rede de ensino: verifica-se, portanto, desde a década
de 1990, uma “mudança de concepção do saber como bem coletivo para bem
particular/privado que conduz ao conceito de mercantilização do saber e da educação” 379 .
Fatores internos referentes à micro-localização:
O processo de “esvaziamento” do Centro proporcionado pela “fuga” das empresas –
sedes administrativas, escritórios, hospitais e consultórios – para outras centralidades
municipais e nacionais, devido aos altos valores dos aluguéis e condomínio, à defasagem de
378
SILVA JR.; SGUISSARDI, op.cit., p.19.
379
Ibid., p.19-20.

172
espaços e degradação das instalações prediais e logradouros, ao trânsito, e à supremacia
econômica de São Paulo.
Tal processo, apontado pelo discurso dominante de “decadência” do Centro que
perdurou entre as décadas de 1970 a 1990, resultou em edificações comerciais vazias ou
subutilizadas, trazendo a queda do valor metro quadrado para aluguel/compra. Apesar das
transformações na dinâmica do Centro, a centralidade dos fluxos, a existência de redes de
infra-estrutura urbana, assim como a realização de políticas de revitalização por parte do
poder público em parceria com o setor privado, permitiram novas formas de circulação e
acumulação de capital através da re-fragmentação/articulação do centro da cidade do Rio de
Janeiro no contexto metropolitano atual.
Desta forma, as IES privadas utilizaram-se de estratégias de localização já
mencionadas apropriando-se de uma “nova dinâmica” do mercado no setor terciário, refletido
nas novas torres “inteligentes” de escritórios, que abrigam uma série de sedes de empresas
estatais, na concentração de órgãos públicos como Fórum e Defensoria Pública e de empresas
do sistema financeiro – fontes de emprego tanto de estudantes como de professores das
universidades.
Em seguida à exposição do processo de expansão das IES privadas, em escala nacional
e local – no caso, na Área Central do Rio de Janeiro, após a década de 1990 –, cabe a reflexão
acerca do que este processo representa na dinâmica da configuração socioespacial do Centro,
ou seja, nos movimentos de descentralização e de recentralização da função cultural. Lançamse
os seguintes questionamentos: Qual a importância de a função cultural situar-se no Centro?
Que tipos de atividades culturais não estão mais no Centro? As universidades tinham papel na
dinâmica do Centro ao longo do século XX?
Na intenção de contribuir com tais abordagens, são expostas as obras de Sampaio
(2000), Figueiredo (2000) e Rabha (2006), autoras que procuraram sistematizar algumas
informações acerca da geografia universitária desenvolvida no Brasil e na cidade do Rio de
Janeiro.
No Brasil, a instituição universidade é uma criação recente, datada do início do século
XX, segundo Sampaio. “O surgimento das primeiras universidades ocorrerá somente após a
proclamação da República (1889), mais precisamente entre 1909 e 1928”. Fundadas a partir
de escolas isoladas como uma mera agregação, pode-se mencionar, por exemplo, a
Universidade do Rio de Janeiro, criada em 1920 pela reunião da Escola Politécnica
(inaugurada em 1874), da Faculdade de Medicina (1832) e da Faculdade de Direito.

173
Para a autora, “efetivamente, as primeiras universidades brasileiras que conseguiram
fixar as bases da atual estrutura universitária nacional surgem no âmbito da políticainstitucional
erigida no primeiro governo Getúlio Vargas (1930-1945)”. Em 1935, foi
implantada na Área Central do Rio de Janeiro, então capital da República, a Universidade do
Distrito Federal, incorporada, em 1939, pela Universidade do Brasil. Esta última também
congregou, “além das faculdades isoladas e escolas já existentes, a Universidade do Rio de
Janeiro” 380 e, em 1961, com a transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília,
em 1960, foi transformada na atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 1963,
a UFRJ transferiu a maioria dos seus cursos para a Cidade Universitária da Ilha do Fundão
(TAVARES, 2000).
O contexto político e intelectual da década de 1930 é caracterizado pelo populismo e
pelo modernismo, respectivamente, cuja polarização de idéias influenciou o debate acerca da
“criação da nação” pela elite cultural brasileira e a modernização institucional do primeiro
governo Vargas (SAMPAIO, 2000).
Essas idéias dos anos 1920 [região VS nação/ tradição VS futuro] foram integradas
sob novas condições e unificadas em um novo momento histórico, os anos 1930,
permeando a modernização institucional e a construção do projeto universitário
brasileiro. A década de 1930 pode ser pensada, nesse sentido, como um eixo em
torno do qual girava o debate sobre a questão nacional, o que incluía pensar os
rumos da política e da cultura brasileiras. (...) As universidades se constituíram
como pólos privilegiados, entretanto diversificados, de construção e difusão do
pensamento nacional. (...) O Rio de Janeiro, assim, sediava uma universidade que
tinha como objetivo constituir-se como fonte de formação da identidade e do caráter
nacional do povo brasileiro. Sua instalação é aclamada por segmentos da
intelectualidade brasileira que consideravam ter surgido na capital a instituição
universitária mais vigorosa (...), capaz aos poucos de construir um pensamento
dominante e influenciar a grande população brasileira (SAMPAIO, 2000).
O debate trazido pela autora nos esclarece os marcos de construção da estrutura
universitária no Brasil e o papel da cidade do Rio de Janeiro, “por ter sediado historicamente
um ideal de construção nacional respaldado no modernismo de vertente carioca”. Tal histórico
institucional configura-se no espaço da Área Central do Rio de Janeiro, com a permanência de
unidades de IES públicas, apesar de o centro da cidade não abrigar seus principais
campi.Verifica-se, pois, a presença da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
380
A Universidade do Distrito Federal é resultado da fusão de quatro faculdades fundadoras formadas entre a
década de 1930-40: a Faculdade de Ciências Jurídicas, a Faculdade de Ciências Médicas, a Faculdade de
Ciências Econômicas e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. A Universidade Estadual do Rio de Janeiro
teria sido originada na UDF, e entre os anos de 1958 e 1961, instituía-se como Universidade do Rio de Janeiro
(URJ). Informações disponíveis na internet: http://www.ivox.com.br; www.wikipedia.com.br. Acesso em
janeiro de 2009.

174
(UniRio), da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), da Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ), e da UFRJ, com a Faculdade Nacional de Direito, o
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) e a Escola de Enfermagem Ana Nery, entre
outros.
Rabha (2006), em sua análise comparativa acerca da localização das atividades
culturais no Centro, em 1967 e em 2005, aponta que “a situação do Rio indicava a Área
Central como concentradora das atividades culturais em distintas formas, garantidas não só
por peso do passado histórico, mas ainda por seu papel de “core área” 381 . Segundo a autora, o
poder de atração e irradiação cultural do centro da cidade resultou na “concentração [em
1967] da maior parte das bibliotecas da cidade (100 ocorrências), dos museus (18), das sedes
de editoras (200) e de jornais (33), mas apenas 12 das diversas faculdades superiores
existentes na cidade”.
A concentração de certas atividades neste período vem ao encontro da necessidade de
centralidade pelas atividades de lazer e divulgação cultural, como jornais, revistas, editoras e
estações de rádio (embora tenha se modificado devido ao avanço dos padrões tecnológicos da
indústria gráfica), segundo Duarte (1974). Já as instituições de ensino, na busca por
aglomerações, infra-estrutura de transportes e edificações disponíveis, podem se localizar em
outros centros funcionais distantes do centro da cidade. Este foi o padrão espacial seguido
pelos estabelecimentos de ensino, como escolas e cursos (preparatórios/línguas) ao longo do
processo de expansão da cidade. Até o final da década de 1960, eram visíveis os reflexos das
políticas educacionais varguistas do segundo governo (1950-54), em relação às atividades de
ensino: como forma de qualificar a mão-de-obra trabalhadora no processo de industrialização
vigente, instaura-se a federalização do ensino superior, a expansão dos cursos
profissionalizantes e a equivalência destes ao ensino secundário, pressionando a entrada de
estudantes no ensino superior.
No setor de ensino eram os cursos avulsos que se destacavam, considerando a
convergência dos transportes e a proximidade do local de trabalho para a
significativa parcela da população que demandavam estes serviços. Eram citados,
aproximadamente, 43 cursos vestibulares, de música ou línguas, levantados pelo
Ministério da Educação e Cultura em 1953. E vale dizer que se isoladamente eram
atividades de pequena escala, no conjunto ganhavam significado. As inúmeras
escolas de datilografia chegavam a ter mais de 2.000 alunos, os cursos de
aprendizagem técnica do SENAC mais de 1.500 alunos e as escolas para motoristas,
com média de 100 alunos, proliferavam nas ruas de maior movimento (RABHA,
op.cit., p. 283-4).
381
DUARTE, 1967 apud RABHA, 2006, p.282).

175
As IES possuem histórico de localização nas áreas centrais da cidade, como ocorreu
com as primeiras faculdades e universidades públicas, nas décadas de 1920 a 1940. As
primeiras IES particulares a surgir foram as Faculdades Católicas no Rio de Janeiro, em 1940,
configurando-se “como as primeiras universidades privadas do país, só reconhecidas pelo
Estado em 1946” (FIGUEIREDO, 2000). Até a metade da década de 1960, o ensino superior
brasileiro era constituído fundamentalmente pelas instituições públicas e confessionais, no
entanto, tal situação se reverteu ao longo dos governos militares que implantaram medidas de
descentralização espacial e de incentivo ao controle privado do ensino público. Tais medidas
promoveram a expansão das IES públicas (com mais intensidade) e privadas para outras
partes da cidade, durante as décadas de 1960-80.
As mudanças no ensino superior brasileiro foram muitas e rápidas nos anos 60, até a
localização geográfica das instituições foram alteradas, as faculdades públicas
situadas nos pontos centrais das cidades foram transferidas para os campi no
subúrbio, pois [os governantes] consideravam adequado para atenuar e apaziguar a
militância política dos estudantes. Enquanto que as faculdades particulares faziam
exatamente o inverso (FIGUEIREDO, loc.cit.).
Verifica-se, portanto, o papel da rede de IES nas tentativas de afirmação de
centralidades outras além do Centro, pois, no final da década de 1960, “ainda que fossem
registradas 12 faculdades, com 7.267 alunos, a maior concentração destas instituições estava
em outras regiões, nas zonas Sul (Praia Vermelha e Gávea) e Norte (Tijuca, Ilha do
Fundão)” 382 , e mais tarde na Zona Oeste (Barra da Tijuca e Realengo), e outros bairros da
Zona Sul (Ipanema e Botafogo), Norte (Piedade e Cascadura) e também na Baixada
Fluminense (RMRJ).
A concentração da função cultural na Área Central da cidade apontava, nos anos 1960,
o poder de atração e de irradiação cultural da centralidade (DUARTE, 1967), no entanto, tais
forças são dinâmicas, mudando ao longo do tempo na própria estruturação da cidade.
Algumas atividades culturais de lazer e entretenimento ainda se mantêm concentradas na Área
Central, como os centros culturais, museus e bibliotecas, devido à importância das localidades
e edificações como patrimônio histórico-cultural. Outras como os cinemas, além das
atividades de divulgação, se espraiaram para outros bairros da cidade ou se instalaram nos
recentes e modernos estabelecimentos comerciais, os shopping centers.
A função de capital da cidade do Rio de Janeiro, até 1960, trouxe ao Centro a
importância política e simbólica, como lócus construtor da nação e formador do povo (mão-
382
RABHA, op.cit., p. 283.

176
de-obra) brasileiro. Neste sentido, as IES públicas e privadas se configuraram como
importantes atores em parceria com o Estado, alianças que permanecem atualmente, embora a
tendência do controle do ensino privado pelas universidades particulares tenha crescido
amplamente ao longo das últimas décadas.
Vale registrar a importância das atividades de ensino nos programas de revitalização
de áreas centrais desenvolvidos em várias cidades, sendo objeto de uma agressiva
política de atração. No Rio, a localização foi buscada pelo mercado, sem que
houvesse instrumento ou incentivo indutor. Ainda assim, apesar de freqüentemente
citada como um dos sinais da vitalidade do centro do Rio, a percepção do filão é
ainda uma aquisição única do mercado privado, não tendo sido capturada pelo setor
público para mensurar seus impactos ou para modelagem de projetos urbanos
voltados à potencialização de um novo conjunto de usuários, que já apresentam
significativa representatividade numérica (RABHA, 2006, p.288).
Recentemente, tem se destacado um discurso por meio da mídia e de órgãos ligados ao
urbanismo a respeito da “volta” das funções econômica, social e cultural para a Área Central
do Rio de Janeiro. Verifica-se uma valorização dos processos espaciais de revitalização e
refuncionalização dos centros urbanos, associando desenvolvimento urbano e crescimento
econômico, por atores públicos e privados. Apresentam-se como sinais de “vitalidade” os
novos empreendimentos habitacionais (condomínios fechados), corporativos (edifícios
inteligentes) e educacionais (universidades), símbolos de uma nova forma de gestão e atuação
empresarial sobre a cidade – o planejamento estratégico.
Coube ao estudo investigar as IES privadas com seus projetos de expansão em voga no
centro da cidade do Rio de Janeiro, a partir da década de 1990, e que estariam participando da
reconfiguração do Centro em novos moldes, revelando um processo de mercantilização da
educação, utilitário das propostas de intervenção espaciais de cunho gentrificador para
acelerar a acumulação de capital.

177
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente dissertação partiu da premissa que a Área Central da cidade do Rio de
Janeiro vem seguindo uma tendência mundial: a de revalorização do seu espaço. Vale anotar
que essas áreas são referidas como “o lugar privilegiado de tradição e memória histórica e
cultural”, tanto pela “mídia”, quanto pelo poder público e sociedade civil organizada. Ainda:
tal ideal de revalorização orienta uma série de políticas ligadas ao turismo cultural, bem como
a implantação de novas atividades econômicas (comércio e serviços) e usos do solo
(residencial).
No intuito de apreender esses aspectos, a dissertação em tela prima por investigar o
sentido da crescente concentração de universidades particulares na área central do Rio de
Janeiro nas últimas décadas e, o seu papel no processo de refuncionalização do Centro, de
modo a embasar a reflexão aqui apontada que é, por conseguinte, compreender qual a
importância desta centralidade no contexto metropolitano contemporâneo.
Notadamente, considerou-se o processo histórico que levou à configuração atual do
Centro, responsável por diferentes percepções acerca da sua importância social enquanto
centralidade exercida durante séculos. Logo, na análise da problemática apresentada coube a
reflexão acerca do movimento dialético das mudanças e permanências da organização
espacial intra-urbana, fruto das mudanças ocorridas na organização social ao longo do tempo.
Sendo assim, tornou-se imprescindível reconstituir a trajetória histórica e conceitual de
centro e centralidade de modo a auxiliar a percepção da centralidade no tecido urbano e sua
dinâmica espaço-temporal, seja no contexto mundial quanto no específico da cidade do Rio de
Janeiro. E mais: que nesse processo de reconstituição foi possível desvendar certas dimensões
da centralidade, uma vez que reveladoras de valores societários hegemônicos, assim como das
diferentes forças sociais que as conformam com fins estratégicos no presente e para o futuro.
Tal escolha teórico-metodológica contribuiu para a compreensão das transformações
ocorridas no Centro Principal no que trata da sua realidade física, funcional e simbólica - a
partir da década de 1960. Verificou-se que a centralidade urbana “foge” ao padrão de centro
polifuncional e monopólico em função do processo de descentralização revelador da expansão
da cidade transformada em metrópole, em meados do Século XX, logo ela passa a não ser
apenas um atributo do lugar central – como já diziam os estudiosos da ecologia humana –
transpondo a noção do que é central para outras áreas da cidade. A partir deste momento
evidenciou-se a manifestação de mudanças significativas na organização espacial da área
central do Rio de Janeiro ocasionadas por novas lógicas políticas e econômicas, resultando em

178
especializações de determinadas áreas e na perda de importância relativa do espaço central em
relação ao conjunto da estrutura urbana.
Os processos históricos analisados revelaram a obsolescência da Área Central e a
promoção de novos centros e frentes imobiliárias por parte de estratégias privadas associadas
às políticas públicas, ao longo das décadas de 1970/80. Desta forma, verificou-se que o
Centro deixou de ser o principal referencial simbólico de “vida urbana”, ou seja, sua
participação nos processos da estrutura social, incluindo a vida econômica, a vida política e a
cultural perde importância no contexto contemporâneo.
Entretanto, ao avaliar a dinâmica que se instalou no Centro no período mencionado é
excepcional perceber a dialeticidade dos seus contornos históricos. Notadamente, novos
debates sobre os conceitos e conotações de centro e centralidade surgem, tanto por parte do
poder público quanto por atores privados e pela “academia”. Logo, após o intenso debate
sobre a crise urbana (econômico-fiscal) que se abateu sobre as cidades nas décadas de
1970/80, há o surgimento de outras temáticas que envolvem ações, políticas e representações
em torno do movimento de reversão da “decadência”, ou seja, do “renascimento” do centro.
Deste modo, ao indagar-se inicialmente quanto a uma possível perda da capacidade de
atração de fluxos e de hierarquização do território por parte do Centro Principal em relação às
outras centralidades, constatou-se um processo de re-significação fruto da articulação entre
cultura, relações de poder e atores sociais que participam do processo de retomada do centro
inserido na dinâmica metropolitana como fator de competitividade internacional nos últimos
vinte anos.
Assinala-se, portanto, o discurso da “volta ao Centro” que atribui um novo papel e
sentido para a centralidade urbana. As políticas de reabilitação implementadas pelo Poder
Público e setor privado pressupõem uma “nova urbanização”, entendida como readaptação da
cidade tradicional ao que determinados atores aceitam como central, nisto, implicam-se
movimentos de (re)centralização de algumas atividades, incluindo a moradia, lazer, ensino,
comércio de luxo, serviços corporativos avançados, etc.
Coube à dissertação questionar a real natureza desta recentralização levando-se em
consideração os atores (financeiro, empresariado imobiliário e de comércio e serviços) que
rearticulam a mesma; os novos investimentos em cultura, financeiro e gestão de negócios; e o
papel da cultura na reconfiguração recente de áreas centrais. Interessou salientar a relação
entre a “nova urbanização” e as estratégias “gentrificadoras” de apropriação do espaço e,
logo, indagar acerca do sentido do processo de refuncionalização que caracteriza a “volta ao
centro”, presente na reutilização de edificações restauradas e com novos usos voltados para o

179
consumo das classes médias e altas, no estímulo às funções antes renegadas, assim como na
expulsão da população local pobre.
A pesquisa apontou como atores deste processo, em primeiro lugar, o mercado
imobiliário de escritórios, com as grandes incorporadoras, firmas de engenharia e arquitetura
predial, que lucram com a construção ou “retrofit” e comercialização de salas ou mesmo
edifícios inteiros – os chamados “inteligentes” ou pós-modernos. Há também o investimento
em empreendimentos imobiliários residenciais, “iluminados” no que se refere ao discurso da
reversão da decadência do centro. Além destes, há os investimentos efetuados pelo poder
público em parceria com o setor privado na implantação de projetos de preservação,
“revitalitação” e/ou “requalificação” urbano-culturais. São ambientes preservados ou
reconvertidos em espaços de lazer e entretenimento ligados à cultura, e que se convertem em
espaços de consumo turístico-cultural – exemplo: os inúmeros centros culturais. Além dos
novos usos ligados ao turismo cultural (visitas às bibliotecas, espaços e centros culturais e
religiosos, exposições, etc.), são apontados os novos empreendimentos no setor de serviços
avançados no núcleo central, como os serviços corporativos materializados nos “edifícios
inteligentes”; as universidades particulares; cafés e livrarias; e a consolidação do que
denominamos Pólo Comercial de Luxo, formado por lojas de griffe do ramo do vestuário,
bolsas e calçados.
Neste sentido, a dissertação ressaltou as transformações recentes porque tem passado o
centro da metrópole carioca, iniciadas pelo dito processo de “decadência” do Centro
tradicional ou principal, resultantes do processo de descentralização (político-administrativa,
funcional, econômica), ao longo das décadas de 1970/80; e, sendo desenvolvidas na
articulação de uma nova dinâmica pautada na “reabilitação”, a partir de 1990. Sendo assim, a
partir da pesquisa desenvolvida, acredita-se que foi possível salientar as mudanças na
paisagem social e material da área central como resultado dos processos sociais que projetam
centralidades urbanas, vistas enquanto imposição espacial do poder econômico e político.
Acerca das recentes transformações nas formas de apropriação social da área central
do Rio de Janeiro, formulou-se inicialmente a hipótese que as IES privadas localizadas no
centro da cidade têm se estruturado em novos moldes no arranjo espacial da cidade desde a
década de 1990. Verifica-se a crescente implantação de novos campi e unidades, além da
ampliação das instalações (inclusive das sedes administrativas) de universidades privadas nas
regiões do centro histórico e adjacências, tanto por parte de instituições já existentes, como
também por universidades que mantinham seu campo de atuação em outros bairros da cidade.

180
Coube ressaltar a existência de um discurso dominante que avalia a presença das IES
no Centro como bons sinais da chamada “revitalização”, argüindo-se aí a geração de um
dinamismo econômico e a retomada de atividades ligadas ao entretenimento e à cultura no
Centro. Neste sentido, a pesquisa investigou a hipótese da relação entre a expansão da rede
privada de ensino superior na área central do Rio de Janeiro, após a década de 1990, e sua
configuração como resultado de ações estratégicas ligadas ao discurso da “volta ao Centro”,
ou seja, da afirmação de centralidades por meio do desenvolvimento econômico que alia
“cultura” aos serviços educacionais.
O estudo apresentou um estudo empírico a partir do exame das estratégias de atuação
das universidades particulares na área central do Rio de Janeiro, relacionando-as à
reconfiguração do Estado e à valorização da esfera econômica no âmbito das políticas
públicas, causando mudanças na sociedade brasileira. Essas considerações indicaram, por
conseguinte, que as causas para a expansão do número de IES privadas se difundem nas
dimensões política, sócio-econômica e ideológico-cultural, envolvendo diferentes atores e
interesses. Ressalta-se a articulação entre o processo de acumulação de capital e a
implantação de políticas recentes voltadas à valorização de centros urbanos.
Neste sentido, cabe salientar a respeito do discurso apresentado pelas universidades,
que revela a preferência pelo Centro no processo de expansão dos serviços educacionais na
cidade do Rio de Janeiro. A acessibilidade, a proximidade com o mercado de trabalho, a
segurança, a “ausência” de favelas, o comércio, a “animação urbana” trazida pelo Corredor
Cultural e, a oferta de estacionamentos e de edificações vazias e com aluguéis mais baratos
são fatores apontados como “vantagens diferenciais” para a efetivação dos investimentos no
denominado “coração da cidade”. Sinalizam-se como localidades “estratégicas” para os
investimentos a ACN (Núcleo Central), o Corredor Cultural, as avenidas Presidente Vargas e
Rio Branco, as regiões da Lapa, Cidade Nova e Praça Mauá.
Os resultados da pesquisa apontam fatores condicionantes externos e internos à Área
Central do Rio de Janeiro, presentes no curso de sua história, e contribuintes na promoção da
problemática apresentada, a saber: i) a perda da importância relativa do Centro no movimento
de expansão urbana, e do Município do Rio de Janeiro na escala nacional em termos
econômicos e político, ao longo do século XX; ii) a expansão da rede privada de ensino
superior no Brasil, a partir da década de 1990, com base no “movimento de passagem do
regime de acumulação fordista para o denominado de acumulação flexível” e no “movimento
da propalada diminuição do Estado” orientado por políticas neoliberais; e iii) o processo de
“esvaziamento” do Centro proporcionado pela “fuga” das empresas – sedes administrativas,

181
escritórios, hospitais e consultórios – para outras centralidades municipais e nacionais, devido
aos altos valores dos aluguéis e condomínio, à defasagem de espaços e degradação das
instalações prediais e logradouros, ao trânsito, e à supremacia econômica de São Paulo.
Sendo assim, a contribuição deste estudo consiste em trazer à reflexão o processo de
expansão das IES privadas, em escala nacional, e local – no caso na Área Central do Rio de
Janeiro, após a década de 1990, e o seu sentido para a dinâmica da configuração sócioespacial
do centro. Notadamente, verifica-se o papel da cultura como o “novo combustível”
capaz de impulsionar o desenvolvimento “dentro e pelos lugares da cidade”. As universidades
representam, portanto, um ator importante no fornecimento de “bens e serviços simbólicos”
(ARANTES, 2002) no contexto recente da “reabilitação” do Centro, este revelador da
“reapropriação estratégica do espaço urbano” (SMITH, 2006) que associa o desenvolvimento
urbano ao crescimento econômico. Logo, tais considerações fortalecem o questionamento
frente aos sentidos das intervenções de requalificação e os seus efeitos de “gentrificação”,
pois seus objetivos se estabelecem na “generalização” do capital, na movimentação da
economia urbana, e na acumulação de capital pelo setor imobiliário.
Portanto, a dissertação procurou evidenciar as novas práticas dos atores privados
relacionadas ao novo ativismo econômico que agrega “cultura e economia”, à utilização de
estratégias locacionais que se apropriam de áreas centrais reabilitadas visando o lucro, à
“mercantilização” do ensino superior que visa a criação de novos nichos de consumo e de
investimentos financeiros pelo setor privado (no caso os serviços educacionais), e às novas
representações ideológicas que fundamentam a sociedade de consumo capitalista e a
valorização do indivíduo no cenário urbano contemporâneo.

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