Especial Dez anos de Abracom - Jornalistas & Cia
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Edição 841<br />
Página 7<br />
Inédito<br />
A última entrevista do criador do Prêmio Esso, Ney Peixoto do Vale<br />
Feita em 13/1/2009 por Jorge Duarte, para um texto sobre a história da assessoria <strong>de</strong> imprensa no Brasil,<br />
ela permaneceu inédita até hoje. Trata-se <strong>de</strong> um <strong>de</strong>poimento essencial para o resgate do início <strong>de</strong>ssa<br />
ativida<strong>de</strong> profissional que este J&<strong>Cia</strong> traz para seus leitores<br />
Nas últimas três décadas o mundo da comunicação<br />
corporativa pouco falou sobre Ney Peixoto do<br />
Vale, criador do Prêmio Esso <strong>de</strong> Jornalismo, fundador<br />
da Associação Brasileira <strong>de</strong> Relações Públicas<br />
(que <strong>de</strong>u origem aos Conselhos Regionais da categoria,<br />
os Conrerps) e um dos primeiros empresários<br />
da área, com a ACI – Assessoria <strong>de</strong> Comunicação<br />
Integrada, que criou em meados da década <strong>de</strong> 1960<br />
em socieda<strong>de</strong> com Ari<strong>de</strong>s Visconti (ver J&<strong>Cia</strong> 840). E a explicação é<br />
simples: quando ven<strong>de</strong>u a ACI para a Hill & Knowlton, nos <strong>anos</strong> 1980,<br />
ele simplesmente abandonou a ativida<strong>de</strong> e partiu para outros ramos <strong>de</strong><br />
negócio, primeiro uma fábrica <strong>de</strong> alimentos, em Nova Friburgo (RJ), e<br />
<strong>de</strong>pois uma empresa <strong>de</strong> equipamentos <strong>de</strong> energia solar, em Salvador.<br />
Pouco a pouco seu nome per<strong>de</strong>u <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> no meio do jornalismo e<br />
das relações públicas e seu pioneirismo na área acabou esmaecido pelo<br />
tempo. Sua morte no último dia 1° <strong>de</strong> abril fez com que se reabrisse<br />
o baú <strong>de</strong> realizações <strong>de</strong> Ney e que se pusesse seu nome novamente<br />
A história <strong>de</strong> um pioneiro<br />
Por Jorge Duarte, especial para <strong>Jornalistas</strong>&<strong>Cia</strong><br />
Em janeiro <strong>de</strong> 2009, produzindo<br />
texto sobre a história da assessoria<br />
<strong>de</strong> imprensa no Brasil e seu<br />
vínculo original com a ativida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> relações públicas, busquei<br />
contato com testemunhas <strong>de</strong><br />
diferentes épocas e encontrei<br />
em Ney Peixoto do Vale um dos<br />
<strong>de</strong>poimentos mais ricos e aquele<br />
com a memória mais antiga do<br />
setor. Conversamos por telefone,<br />
ele na Bahia, eu em Brasília. Foi<br />
muito gentil e simpático e ficou<br />
bastante interessado em ajudar.<br />
Contou que a primeira assessoria<br />
<strong>de</strong> imprensa do setor privado<br />
brasileiro foi criada pela Esso, no<br />
Rio <strong>de</strong> Janeiro, por volta <strong>de</strong> 1950,<br />
como parte do pioneiro <strong>de</strong>partamento<br />
<strong>de</strong> RP. A Esso era lí<strong>de</strong>r<br />
do mercado <strong>de</strong> petróleo no Brasil<br />
e por isso se tornara a empresa<br />
mais hostilizada na campanha<br />
O petróleo é nosso. Na nomenclatura<br />
do <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> RP, a<br />
assessoria <strong>de</strong> imprensa aparecia<br />
Jorge Duarte – Por que a Esso<br />
instalou uma área <strong>de</strong> Relações<br />
Públicas no Brasil?<br />
Ney Peixoto do Vale – O Departamento<br />
<strong>de</strong> RP da Esso foi criado<br />
para cuidar do Marketing Institucional<br />
da empresa, que era lí<strong>de</strong>r<br />
do mercado <strong>de</strong> petróleo no Brasil.<br />
A empresa foi muito hostilizada<br />
durante a campanha O petróleo<br />
é nosso, que culminou com a<br />
criação da Petrobras. Além das<br />
atribuições normais <strong>de</strong> um setor<br />
<strong>de</strong> RP, ele agia politicamente para<br />
<strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r as posições da empresa,<br />
favoráveis a um sistema <strong>de</strong> livre<br />
iniciativa na exploração e distribuição<br />
do petróleo. Era uma ação <strong>de</strong><br />
legítima <strong>de</strong>fesa do próprio negócio<br />
da empresa e <strong>de</strong> uma i<strong>de</strong>ologia<br />
empresarial.<br />
Jorge – Por que o convite a você<br />
especificamente?<br />
Ney – Trabalhava no Diário Carioca<br />
como repórter <strong>de</strong> política, quando<br />
recebi surpreso o convite da Esso.<br />
Não sei porque me escolheram.<br />
Talvez porque não <strong>de</strong>monstrava<br />
xenofobia ao abordar temas políticos<br />
ou econômicos. Desconfiava<br />
<strong>de</strong> minha inaptidão para o cargo,<br />
tanto que acumulei funções no<br />
jornal e na Esso durante três meses,<br />
até me certificar que ia dar<br />
certo. I<strong>de</strong>ntifiquei-me tanto com<br />
a área que acabei presi<strong>de</strong>nte da<br />
Associação Brasileira <strong>de</strong> Relações<br />
Públicas e da Fe<strong>de</strong>ração Interame-<br />
on<strong>de</strong> merece, como um dos personagens mais relevantes da indústria<br />
da comunicação corporativa <strong>de</strong> todos os tempos. Abriu caminho como<br />
executivo <strong>de</strong> uma gran<strong>de</strong> organização, como empresário da área e<br />
como militante da ativida<strong>de</strong> profissional. Sempre com brilhantismo e<br />
ações certeiras, que vieram para ficar. Estão aí as <strong>de</strong>zenas <strong>de</strong> prêmios<br />
<strong>de</strong> jornalismo (o Esso entre eles, ainda como o mais importante), o<br />
Conferp e os Conrerps e esse hoje consolidado parque <strong>de</strong> agências<br />
<strong>de</strong> comunicação.<br />
Foi esse Ney Peixoto do Vale que Jorge Duarte procurou em<br />
13/1/2009, interessado em informações para um texto que estava<br />
produzindo sobre a história da assessoria <strong>de</strong> imprensa no Brasil e seu<br />
vínculo original com a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> relações públicas. Foi encontrá-lo<br />
em Salvador e <strong>de</strong>le extraiu um rico <strong>de</strong>poimento, até hoje inédito. Autor<br />
e organizador <strong>de</strong> obras sobre esse campo da comunicação, Jorge, que<br />
integra há vários <strong>anos</strong> a equipe da Secom da Presidência da República,<br />
autorizou este J&<strong>Cia</strong> a publicar a íntegra da entrevista, para que finalmente<br />
ela se transformasse num documento vivo da história do setor.<br />
como setor <strong>de</strong> "Press, Analysis &<br />
Conferences". Entre as atribuições<br />
estavam monitorar as relações da<br />
empresa com a imprensa, divulgar<br />
assuntos institucionais, fazer<br />
análises da conjuntura política<br />
baseada no noticiário da imprensa<br />
e elaborar textos para palestras e<br />
pronunciamentos.<br />
O primeiro a trabalhar neste<br />
setor foi Carlos Eugênio Soares.<br />
Advogado, achou mais pru<strong>de</strong>nte<br />
ter naquela vaga um profissional<br />
do setor e foi buscar um substituto<br />
nas redações dos jornais da época,<br />
prática que seria comum por<br />
muito tempo. Foi então que Ney<br />
Peixoto do Vale, que trabalhava<br />
como repórter político no Diário<br />
Carioca, surgiu, assumindo a chefia<br />
do setor em 1953. Ney contou<br />
ter estruturado a área <strong>de</strong> modo a<br />
“estabelecer relações <strong>de</strong> mútuo<br />
respeito e compreensão entre a<br />
empresa e os fazedores <strong>de</strong> notícia.<br />
O setor não se envolvia com a aloricana,<br />
quando organizei e presidi<br />
um Congresso Mundial e uma<br />
Conferência Interamericana <strong>de</strong> RP,<br />
ambos no Rio <strong>de</strong> Janeiro.<br />
Jorge – Como o Departamento<br />
<strong>de</strong> RP era estruturado e qual o<br />
objetivo <strong>de</strong> cada setor?<br />
Ney – O <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> RP da<br />
Esso, o primeiro a ser estruturado<br />
profissionalmente no Brasil, tinha<br />
a seção Imprensa (ou Press,<br />
Analysis & Conference), dirigida<br />
por mim e que cuidava das relações<br />
com a mídia, da divulgação<br />
jornalística e da edição <strong>de</strong> duas<br />
publicações enviadas a redatores<br />
econômicos: Petróleo no Mundo<br />
(mensal) e Atualida<strong>de</strong>s Petrolíferas<br />
(semanal). Fazia também análise<br />
<strong>de</strong> fatos políticos para conhecimento<br />
da diretoria da Esso e<br />
redigia comunicados públicos da<br />
empresa. O setor <strong>de</strong> Imprensa foi<br />
responsável pela criação do maior<br />
programa <strong>de</strong> incentivo ao trabalho<br />
jornalístico <strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>, o Premio<br />
Esso <strong>de</strong> Jornalismo, que inicialmente<br />
se chamava Premio Esso<br />
<strong>de</strong> Reportagem. Também instituiu<br />
um Programa <strong>de</strong> Estágio para <strong>Jornalistas</strong><br />
do Interior em jornais do<br />
Rio e <strong>de</strong> São Paulo. A Esso pagava<br />
as <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> passagem e estadia<br />
dos candidatos e fazia a ponte<br />
com os jornais hospe<strong>de</strong>iros. Os<br />
<strong>de</strong>mais núcleos do <strong>de</strong>partamento<br />
<strong>de</strong> RP eram: Publicações, responsável<br />
por todas as publicações da<br />
cação <strong>de</strong> verba publicitária, tendo<br />
assim condições <strong>de</strong> dialogar <strong>de</strong><br />
igual para igual com repórteres e<br />
redatores <strong>de</strong>svinculados do interesse<br />
comercial da mídia”.<br />
Sob a coor<strong>de</strong>nação <strong>de</strong> Ney, a<br />
assessoria <strong>de</strong> imprensa criou dois<br />
importantes canais <strong>de</strong> aproximação<br />
com a imprensa: o Prêmio<br />
Esso <strong>de</strong> Jornalismo, que inicialmente<br />
chamava-se Prêmio<br />
Esso <strong>de</strong> Reportagem; e o Programa<br />
<strong>de</strong> Estágio para <strong>Jornalistas</strong>.<br />
“O Prêmio Esso foi respeitado<br />
e prestigiado pelos jornalistas<br />
<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o seu início, porque nunca<br />
admitiu qualquer interferência<br />
que pu<strong>de</strong>sse <strong>de</strong>svirtuar seu objetivo<br />
central: estimular o jornalismo<br />
<strong>de</strong> qualida<strong>de</strong>. E o nome Esso<br />
está solidamente associado a<br />
esse objetivo, o que <strong>de</strong>monstra a<br />
importância <strong>de</strong> iniciativas bem planejadas<br />
para fortalecer a imagem<br />
institucional”. O prêmio continua<br />
até hoje, enquanto o programa <strong>de</strong><br />
empresa; Eventos, que organizava<br />
os eventos sociais da empresa; e<br />
Relações Institucionais, para contatos<br />
com órgãos governamentais<br />
e entida<strong>de</strong>s empresariais.<br />
Jorge – Como você encontrou o<br />
setor <strong>de</strong> comunicação na Esso e o<br />
que ali implantou? Qual o suporte<br />
ou orientação da matriz?<br />
Ney – Encontrei um setor muito<br />
bem estruturado administrativamente,<br />
que me ensinou disciplina<br />
sistêmica. Faltava, porém, criativida<strong>de</strong>.<br />
Foi a minha contribuição<br />
com a ousadia dos 23 <strong>anos</strong> <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>:<br />
criar iniciativas que realmente<br />
mostrassem que a empresa era<br />
parceira dos profissionais da imprensa.<br />
A priorida<strong>de</strong> era o fazedor<br />
<strong>de</strong> notícia, o formador <strong>de</strong> opinião,<br />
e não o dono do jornal. A criação<br />
do Premio Esso <strong>de</strong> Reportagem<br />
foi importante para a aproximação<br />
empresa-jornalista. O trabalho era<br />
intuitivo, contando apenas com o<br />
suporte logístico da empresa no<br />
Brasil e da matriz nos Estados Unidos.<br />
Exemplo: o escritório <strong>de</strong> Nova<br />
York me forneceu rapidamente<br />
as diretrizes do Pulllitzer, quando<br />
eu precisei fazer o regulamento<br />
do Esso.<br />
Jorge – Como se caracterizava relações<br />
públicas naquele período?<br />
Ney – A profissão <strong>de</strong> RP estava<br />
engatinhando na década <strong>de</strong> 1950,<br />
mas havia gente <strong>de</strong> bom nível<br />
ingressando nela. Essas pessoas<br />
estágio durou até 1960, contando<br />
com a cooperação dos principais<br />
jornais do Rio e <strong>de</strong> São Paulo, que<br />
franquearam suas redações para o<br />
estágio <strong>de</strong> jornalistas oriundos <strong>de</strong><br />
outras cida<strong>de</strong>s. Ney contou que<br />
alguns dos participantes vieram a<br />
se tornar editores em jornais <strong>de</strong><br />
outras capitais.<br />
Para estruturar minha pesquisa<br />
e utilizar a entrevista em um projeto<br />
futuro com personagens da<br />
área <strong>de</strong> comunicação organizacional,<br />
enviei a ele um questionário,<br />
cujas respostas estão abaixo. Em<br />
outubro daquele ano, convi<strong>de</strong>i-o<br />
a dar palestra para a minha turma<br />
<strong>de</strong> pós-graduação na Universida<strong>de</strong><br />
Fe<strong>de</strong>ral da Bahia. Generoso, aceitou<br />
o convite e falou durante duas<br />
horas para os alunos, abordando a<br />
importância da estratégia em comunicação<br />
e contou sobre como<br />
escreveu o projeto <strong>de</strong> lei que daria<br />
origem à profissão <strong>de</strong> Relações<br />
Públicas.<br />
<strong>de</strong>ram status às relações públicas,<br />
talvez mais do que a profissão<br />
<strong>de</strong>sfruta hoje no Brasil. Tanto que<br />
nunca mais se realizou no País um<br />
evento como o Congresso Mundial,<br />
que reuniu no Copacabana<br />
Palace mais <strong>de</strong> 400 profissionais<br />
<strong>de</strong> 20 nações, sem qualquer apoio<br />
financeiro governamental. Esses<br />
primeiros profissionais eram advogados,<br />
engenheiros, publicitários,<br />
jornalistas, que foram recrutados<br />
por empresas como Esso, Shell,<br />
Metal Leve, Light, <strong>Cia</strong>. Telefônica,<br />
<strong>Cia</strong>. Si<strong>de</strong>rúrgica Nacional, O Globo.<br />
Jorge – Qual o perfil dos profissionais<br />
que <strong>de</strong>sempenhavam essa<br />
ativida<strong>de</strong>?<br />
Ney, entre Selma Schmidt e Paulo<br />
Marqueiro, <strong>de</strong> O Globo, ganhadores<br />
do Prêmio Esso <strong>Especial</strong> 50 Anos,<br />
quando ele foi homenageado