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Vacina para Dengue<br />

ENTREVISTA<br />

Entrevista concedida a<br />

Evanildo da Silveira<br />

As perspectivas de uma vacina contra o virus da Dengue com a tecnologia do DNA recombinante<br />

odos os anos, algo entre 50 e 100 milhões de<br />

pessoas no mundo contraem algum dos quatro<br />

tipos de dengue. Calcula-se que cerca de dois<br />

bilhões de pessoas vivem em áreas de risco da<br />

doença. Apenas em 1995, foram notificados,<br />

somente nas três Américas, 250 mil casos de dengue, sete mil<br />

da forma grave da doença (hemorrágica).<br />

Segundo a Organização Mundial da Saúde, hoje as áreas de<br />

maior risco são as Américas Central e do Sul (exceto Argentina<br />

Chile e Paraguai), México, África, Austrália, Caribe (com<br />

exceção de Cuba e Ilhas Caymam), China, Índia e Sudeste<br />

Asiático. Embora nos Estados Unidos a dengue seja rara,<br />

houve registros de alguns casos no Texas, em 1995.<br />

No Brasil, a doença foi considerada erradicada já na<br />

década de 30 do século passado. Na época, o combate à febre<br />

amarela levou praticamente à extinção do mosquito transmissor<br />

da dengue, o Aedes aegypti, vetor das duas moléstias. No<br />

entanto, em 1981, a doença voltou a fazer vítimas, principalmente<br />

na Região Norte. A partir de então, a dengue começou<br />

a se alastrar para outras regiões do país, notadamente as mais<br />

quentes.<br />

As primeiras epidemias, depois do seu ressurgimento,<br />

foram registradas no Rio de Janeiro, uma em 1986-87, com<br />

cerca de 90 mil casos, e outra em 1990-91, com 100 mil. Daí<br />

em diante, o número de vítimas só fez crescer. Em 1998, foram<br />

registrados, segundo o Ministério da Saúde, mais de 570 mil.<br />

Campanhas de conscientização da população e o trabalho do<br />

governo no combate ao mosquito transmissor reduziram o<br />

número de vítimas para 210 mil, em 1999. No entanto, a queda<br />

do número de casos foi passageira, pois, desde então, o<br />

número de vítimas voltou a crescer: 240 mil em 2000 e 390.765<br />

casos em 2001. Neste ano, só em janeiro e fevereiro, foram<br />

registrados 190.389 casos em todo o país, segundo dados da<br />

Funasa. Além disso, o problema se agravou recentemente por<br />

causa da introdução de mais um sorotipo de dengue no Brasil.<br />

Antes, só havia a dengue tipo 1 e 2, agora o 3 também chegou.<br />

A dengue é uma doença infecciosa causada por um<br />

arbovírus, da classe dos flavivírus (existem quatro tipos diferentes<br />

de vírus do dengue- 1, 2, 3 e 4), que ocorre principalmente<br />

em áreas tropicais e subtropicais do mundo, como o<br />

Brasil. É transmitida principalmente por duas espécies de<br />

mosquitos, Aedes aegypti e Aedes albopictus. As epidemias, que<br />

são mais comuns no verão, estão, atualmente, se expandindo<br />

rapidamente. A previsão para os próximos anos é que<br />

aumentem em todo o planeta, principalmente nos trópicos.<br />

Apesar do esforço de cientistas de todo o mundo, ainda<br />

não existem vacinas contra a doença. A forma mais eficaz de<br />

evitá-la, por enquanto, é combater os mosquitos transmissores.<br />

A infecção causada por<br />

qualquer um dos quatro tipos<br />

do vírus da dengue produz<br />

manifestações semelhantes. Em<br />

mais de 95% dos casos, os<br />

sintomas são desconforto, febre<br />

alta, dor de cabeça e no<br />

corpo e, às vezes, vômitos.<br />

Também podem aparecer,<br />

três ou quatro dias após o<br />

início dos primeiros sintomas,<br />

coceira (prurido) e manchas<br />

vermelhas na pele, parecidas<br />

com as do sarampo ou rubéola.<br />

Além disso, é comum aparecer<br />

pequenos sangramentos<br />

no nariz e nas gengivas. A dengue, entretanto, raramente coloca<br />

em risco a vida da pessoa. A maioria das vítimas começa e<br />

melhorar após quatro ou cinco dias e recupera-se totalmente<br />

em cerca de dez dias.<br />

O médico pernambucano Ernesto Marques, doutor em<br />

Farmacologia e Ciências Moleculares pela prestigiada universidade<br />

norte-americana The Johns Hopkins University School of<br />

Medicine (JHU/SOM), de Baltimore, onde trabalha, tem um<br />

interesse pessoal em descobrir uma vacina contra a dengue. Em<br />

1998, no Recife, viu sua mãe, na época com 60 anos, contrair<br />

dengue. Marques imaginou, então, que o seu interesse por<br />

vacinas de DNA, que já vinha desde 1995, pudesse ajudar a<br />

combater uma doença que atinge milhões de pessoas em todo<br />

o mundo.<br />

Ele resolveu aproveitar sua experiência com a chamada<br />

tecnologia LAMP (Lysosome Associated Membrane Protein),<br />

em vacinas de DNA, que havia sido descoberta na JHU/SOM.<br />

“Meu primeiro projeto com essa tecnologia foi com HIV”,<br />

lembra. “Mas não estavámos progredindo muito rápido. Tínhamos<br />

alguns problemas que não estávamos conseguindo resolver<br />

com as nossas vacinas. Pensando sobre o assunto, achei<br />

que a dengue era um bom modelo para aplicar a tecnologia<br />

LAMP. Também imaginei que teria mais chance de encontrar<br />

uma vacina contra dengue do que contra HIV/AIDS.”<br />

Com sua equipe, ele começou, então, a trabalhar com<br />

dengue em colaboração com a Marinha Americana. “Foi<br />

evidente, desde o início, que estávamos tendo sucesso e<br />

progredíamos rápido”, conta. “Em dezembro 2000, fizemos<br />

uma descoberta que nos permitiu avançar muito em nosso<br />

programa de HIV e resolvemos, então, diminuir um pouco os<br />

nossos esforços com as pesquisas contra a dengue. Agora<br />

estamos trabalhando de novo, no entanto, com o máximo da<br />

4 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


nossa capacidade nos dois projetos.”<br />

Graduado em medicina em 1993, na<br />

Universidade Federal de Pernambuco<br />

(UFPE), Marques iniciou a carreira científica<br />

no Brasil, trabalhando com Biossensores<br />

para Vitamina C e Glicose. Em<br />

1994, ele ingressou no programa de pósgraduação<br />

da JHU/SOM e em 1999,<br />

concluiu o doutorado. “Fui imediatamente<br />

contratado para o corpo docente<br />

da JHU/SOM pelo Dr. Thomas August,<br />

na época chefe do departamento de<br />

Farmacologia”, orgulha-se. “Hoje, tenho<br />

cursos avançados em Biologia Molecular,<br />

Bioquímica, Biofísica, Genética, Biologia<br />

Celular, Imunologia, Virologia, Bioinformática<br />

entre outros.”<br />

Sua tese de doutorado envolveu a<br />

caracterização bioquímica e molecular<br />

da enzima Fucosiltransferase do Schistosoma<br />

mansoni e o desenvolvimento de<br />

inibidores para essa enzima, com o<br />

objetivo de criar uma nova droga para<br />

tratamento da esquistossomose. Publicou<br />

vários trabalhos nesse campo.<br />

Para que ele falasse sobre suas pesquisas<br />

com a vacina contra a dengue, a<br />

tecnologia LAMP e suas perspectivas, a<br />

revista <strong>Biotecnologia</strong>, Ciência & Desenvolvimento<br />

entrevistou o médico<br />

Ernesto Marques Jr., M.D./Ph.D, pesquisador<br />

associado do Departamento de<br />

Farmacologia e Ciências Moleculares, da<br />

Johns Hopkins University School of<br />

Medicine.<br />

BC&D - Desde quando o senhor está<br />

pesquisando uma vacina para a dengue?<br />

Ernesto Marques - Desde o final de<br />

1998, começo de 1999<br />

BC&D - Como surgiu o seu interesse<br />

por uma vacina para essa doença?<br />

Ernesto Marques - Bem, a idéia surgiu<br />

principalmente por conseqüência da<br />

epidemia que está ocorrendo no Brasil,<br />

inclusive até alguns familiares meus a<br />

tiveram também.<br />

BC&D - O senhor poderia explicar o<br />

que é a tecnologia “Naked DNA”?<br />

Ernesto Marques - É uma resposta longa,<br />

mas, de forma bastante simplificada,<br />

eu diria que o termo “Naked DNA” surgiu<br />

no início dos anos 90. Ele refere-se ao<br />

uso de DNA puro na forma de plasmídeos<br />

(vetores de expressão de proteínas)<br />

em células de animais, sem o uso de<br />

nenhum agente para revestir o DNA - por<br />

isso chamado de Naked (nu, despido). A<br />

grande surpresa foi a capacidade destes<br />

plasmídeos entrarem dentro das células<br />

dos animais vivos e produzirem a proteína<br />

codificada por eles (plasmídeos) sem<br />

a ajuda de um vetor. Como vacinas, de<br />

um modo geral, funcionam induzindo<br />

uma resposta imunológica contra antígenos<br />

- que são proteínas na maioria das<br />

vezes - se pensou, imediatamente, em<br />

aplicar esta tecnologia para desenvolvêlas.<br />

Hoje, com as tecnologias de engenharia<br />

genética é fácil construir plasmídeos<br />

capazes de sintetizar a proteína<br />

(antígeno) que se deseja. Um dos grandes<br />

contribuidores para o avanço das<br />

tecnologias de engenharia genética foi o<br />

Dr. Daniel Natans, nosso professor aqui<br />

na JHU e laureado com o prêmio Nobel<br />

de Medicina, em 1978, devido às suas<br />

descobertas de enzimas de restrição,<br />

que foram a base da engenharia genética.<br />

"O que se espera de uma vacina<br />

contra dengue é que ela seja<br />

capaz de prevenir a infecção dos<br />

quatro sorotipos dos vírus, não<br />

produza efeitos colaterais, seja<br />

muito segura, não aumente o<br />

risco da dengue hemorrágica e<br />

tenha um baixo custo."<br />

BC&D - O senhor poderia explicar a<br />

estratégia “LAMP”? O que ela significa?<br />

Como funciona?<br />

Ernesto Marques - LAMP é a abreviação<br />

de “Lysosome Associated Membrane<br />

Protein”. LAMP é uma proteína das nossas<br />

células que se localiza especificamente<br />

nos lisossomos, que são organelas<br />

celulares especializadas na digestão<br />

celular. A “estratégia LAMP”, se refere ao<br />

uso de uma pequena porção da proteína<br />

LAMP, que é responsável pela localização<br />

da mesma nos lisossomos, é um<br />

“sinal de tráfego celular”. Nós utilizamos<br />

este “sinal de tráfego celular” da proteína<br />

LAMP e o colocamos em outras proteínas<br />

para fazer com que elas também se<br />

dirijam aos lisossomos. No caso da vacina<br />

para dengue, colocamos o sinal LAMP<br />

na proteína do envelope do vírus da<br />

dengue e a fizemos se dirigir para o<br />

lisossomo. A vantagem de se colocar<br />

proteínas antigênicas direto no lisossomo<br />

é que, em certas células especializadas<br />

do sistema imune (células apresentadoras<br />

de antígenos, como as células<br />

dendríticas), os lisossomos são o centro<br />

de processamento dos antígenos. Ou<br />

seja, o direcionamento ao lisossomo<br />

torna os antígenos muito mais visíveis<br />

ao sistema imune e, portanto, às vacinas<br />

mais eficientes.<br />

BC&D - O senhor poderia explicar o<br />

que é exatamente o “sinal de tráfego<br />

celular” da proteína LAMP? O que é o<br />

tráfego celular”?<br />

Ernesto Marques - As células possuem<br />

vários compartimentos bem organizados<br />

que têm funções bem específicas e<br />

são chamados de organelas. As células<br />

transportam materiais entre estes compartimentos<br />

para serem processados. É<br />

como nós fazemos na indústria, por<br />

exemplo. Alguém coleta o minério de<br />

ferro e põe no caminhão para ser<br />

levado à usina siderúrgica. Na usina,<br />

eles fabricam o aço e o mandam para a<br />

indústria automobilística. E assim por<br />

diante. Quando o material é transportado<br />

de um local para o outro, você deve<br />

pôr o endereço do destinatário. As<br />

células têm sistemas similares. Os sinais<br />

de tráfego celulares são indicadores<br />

que determinam este endereçamento<br />

dentro da célula. O sinal celular da<br />

LAMP, portanto, é o sinal que determina<br />

que LAMP vai ser transportada ao compartimento<br />

endossomo/lisossomo (endossomo<br />

é organela, mais ou menos<br />

como o lisossomo).<br />

BC&D - Por que o senhor achou que<br />

dengue era um bom modelo para aplicar<br />

a tecnologia LAMP?<br />

Ernesto Marques - Por várias razões.<br />

Uma é que, quando uma pessoa se<br />

infecta com dengue, geralmente se cura<br />

e não pega mais a dengue do mesmo<br />

sorotipo, só de outro. O que significa<br />

que a pessoa se torna imune. Isto não<br />

acontece com outras doenças, como é<br />

o caso de HIV. Outra razão, é que se<br />

sabe quais são os mecanismos imunológicos<br />

que tornam a pessoa resistente<br />

ao vírus e se tem maneiras de testar a<br />

vacina em animais e saber se ela dá<br />

proteção ou não. No caso especifico do<br />

uso de LAMP, a vantagem é que o<br />

antígeno principal da dengue é uma<br />

proteína de membrana como LAMP e o<br />

tráfego celular funciona sem complicações.<br />

BC&D - Como o sinal de tráfego celu-<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 5


lar é colocado em outras proteínas?<br />

Ernesto Marques - O sinal de tráfego<br />

celular de LAMP se constitui em uma<br />

seqüência específica de aminoácidos,<br />

que determina o endereçamento celular.<br />

Por técnicas de biologia molecular e<br />

engenharia genética nós podemos construir<br />

proteínas quiméricas, compostas<br />

por partes de várias proteínas diferentes,<br />

colocando nestas quimeras o sinal que<br />

as endereça ao endossomo/lisossomo.<br />

No caso da vacina contra a dengue<br />

fizemos uma quimera com uma parte da<br />

proteína do envelope do vírus da dengue<br />

e uma outra parte com o sinal de tráfego<br />

celular de LAMP, para direcionar ao<br />

endosomo/lisossomo.<br />

BC&D - O que significa “alterar o tráfego<br />

do envelope da dengue”?<br />

Ernesto Marques - A proteína “envelope”<br />

normalmente não é levada ao lisossomo,<br />

mas quando nós colocamos o<br />

sinal LAMP ela passa a ser. E isto é que<br />

leva a vacina envelope/LAMP quimera a<br />

ser mais imunogênica.<br />

BC&D - O que vem a ser o “envelope da<br />

dengue”?<br />

Ernesto Marques - Alguns vírus são<br />

revestidos por uma membrana, como é o<br />

vírus da dengue, e esta membrana, junto<br />

com as proteínas que estão nela, é chamada<br />

de envelope. Estes vírus, para<br />

serem capazes de penetrar e infectar<br />

outras células, geralmente precisam se<br />

reconhecer e fundir-se a células especificas.<br />

Isto é mediado através das proteínas<br />

virais específicas que se localizam<br />

no envelope. O vírus da dengue só tem<br />

uma proteína (viral) no envelope (que é<br />

conhecida como envelope, que contém<br />

um fragmento chamado pré-membrana)<br />

mas outros vírus possuem mais. A existência<br />

destas glico-proteínas virais de<br />

membrana foi inicialmente identificada<br />

por Dr. Thomas August and Dra. Mette<br />

Strand, que foram orientadores da minha<br />

tese no doutorado.<br />

BC&D - Sua vacina é o que se pode<br />

chamar de “vacina gênica”?<br />

Ernesto Marques - Sim, eu diria que o<br />

uso de DNA ou RNA como vacina é o<br />

que caracteriza uma vacina gênica. O<br />

uso do DNA recombinante abre um<br />

leque infinito de possibilidades. Neste<br />

caso, nós usamos uma porção do LAMP<br />

para alterar o tráfego do envelope da<br />

dengue. Mas existem outras coisas que<br />

podemos fazer.<br />

BC&D - Por exemplo?<br />

Ernesto Marques - Associar moléculas<br />

que são estimuladoras do sistema imunológico<br />

como, GM-CSF ou IL-2, epitopos<br />

específicos, sinais do sistema imune<br />

nativo etc.<br />

BC&D - Há o risco desse DNA, usado<br />

nas vacinas, incorporar-se ao genoma<br />

das pessoas vacinadas e alterá-lo?<br />

Ernesto Marques - Isto tem sido investigado<br />

exaustivamente e até agora não se<br />

conseguiu nenhuma evidência de que<br />

isto esteja ocorrendo.<br />

BC&D - Por que essa certeza?<br />

Ernesto Marques - Vários testes de Vacinas<br />

de DNA já foram feitos, em diversas<br />

espécies de animais e também em<br />

humanos, e após algumas semanas de<br />

vacinação, o DNA da vacina não foi mais<br />

encontrado nos tecidos do vacinados<br />

por nenhuma das técnicas mais sensíveis<br />

que conhecemos.<br />

BC&D - A vacina que o senhor desenvolve<br />

usa vírus atenuado ou vivo?<br />

Ernesto Marques - Ela não usa vírus<br />

atenuado ou vivo. Os vírus, são agentes<br />

vivos, que infectam as células, se replicam<br />

e infectam mais células. Os vírus<br />

também tem o seu material genético<br />

(RNA ou DNA) e suas próprias proteínas.<br />

O plasmídeo, “Naked DNA”, não carrega<br />

consigo nenhuma proteína e só tem uma<br />

pequena fração do material genético do<br />

vírus. Não é capaz de se reproduzir nas<br />

células humanas ou transfectar novas<br />

células.<br />

BC&D - Quais são as etapas do desenvolvimento<br />

dessa vacina?<br />

Ernesto Marques - Desta e de quaisquer<br />

outras vacinas, o processo se inicia com<br />

um descoberta científica no laboratório.<br />

Em seguida, faz-se uma série de testes<br />

em animais, que se chamam estudos<br />

pré-clínicos. Se tudo correr bem, começam<br />

a ser feitos os estudos em pessoas.<br />

Há basicamente quatro fases:<br />

I – inicialmente, com poucas pessoas, se<br />

quer saber, principalmente, a toxicidade<br />

e qual a maior dose tolerada.<br />

II - já com um grupo maior, tenta-se<br />

saber os efeitos que a vacina causa,<br />

quais os tipos de respostas imunes, etc.<br />

Às vezes, fazem-se vários testes nesta<br />

fase.<br />

III – usa-se um grande grupo de pessoas.<br />

A principal questão é se a vacina realmente<br />

está funcionando ou não, e, também,<br />

se é segura. Caso sejam bem sucedidas<br />

todas as etapas, os órgãos reguladores<br />

dão a autorização do uso da<br />

vacina.<br />

IV – é quando se fazem estudos clínicos,<br />

para aperfeiçoar o uso da vacina.<br />

Na minha opinião, a questão mais difícil<br />

com relação à vacina de dengue é se a<br />

vacina pode ou não aumentar o risco da<br />

dengue hemorrágica e, caso isto realmente<br />

ocorra, em que situações este<br />

risco aumentado aparece.<br />

BC&D - Quais os resultados obtidos até<br />

agora?<br />

Ernesto Marques - Nós ainda estamos<br />

na fase pré-clínica. O que sabemos com<br />

certeza, até agora, é que a nossa vacina<br />

de DNA dengue/LAMP dá uma resposta<br />

de anticorpos que neutraliza o vírus,<br />

evitando que ele infecte as células, muito<br />

maior do que qualquer outras vacinas de<br />

DNA feitas contra dengue já existentes.<br />

Além disso, essa produção de anticorpos<br />

se mantém elevada por um longo<br />

tempo.<br />

BC&D - Quais as perspectivas da vacina?<br />

Ernesto Marques - O que se espera de<br />

uma vacina contra dengue é que ela seja<br />

capaz de prevenir a infecção dos quatro<br />

sorotipos dos vírus, não produza efeitos<br />

colaterais, seja muito segura, não aumente<br />

o risco da dengue hemorrágica e<br />

tenha um baixo custo. Existem boas<br />

candidatas para preencher esses requisitos.<br />

A nossa é uma delas. Existem as de<br />

vírus atenuados, entre as quais a mais<br />

avançada é uma que foi desenvolvida na<br />

Tailândia e hoje a empresa Aventis Pasteur<br />

está desenvolvendo. A estratégia<br />

dessa vacina apresenta algumas dificuldades,<br />

no entanto. Uma delas é o nível<br />

de reações adversas que esta vacina<br />

apresenta. Algumas pessoas podem se<br />

sentir mal por causa dela. Outra dificuldade<br />

é fazer uma formulação que seja<br />

eficaz para os quatro sorotipos, em todas<br />

as pessoas de uma área endêmica. Existem<br />

ainda, as quimeras virais, que combinam<br />

o vírus atenuado da vacina de<br />

febre amarela com o envelope da dengue.<br />

Esta estratégia talvez não tenha o<br />

primeiro problema da anterior, mas, pro-<br />

6 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


vavelmente, terá o segundo. Existem<br />

outros tipos de quimeras virais. E entre as<br />

vacinas de DNA, a maior dificuldade<br />

delas é que elas não são fortes o suficiente<br />

como as virais e também pelo fato<br />

de ser uma tecnologia muito nova, com<br />

a qual não se tem tanta experiência<br />

quanto com os outros tipos de vacinas.<br />

Nós achamos que melhoramos muito a<br />

questão da potência com o uso do<br />

LAMP. As vacinas de DNA são mais<br />

estáveis e, potencialmente, mais seguras<br />

do que as virais. Além de poderem ser<br />

mais baratas e não precisarem de refrigeração.<br />

BC&D - Quais são, enfim, as vacinas<br />

para a dengue mais promissoras?<br />

Ernesto Marques - Existem, como já<br />

disse, várias vacinas candidatas que têm<br />

boa chance de ser bem sucedidas. Nenhuma<br />

delas comprovou ainda que são<br />

seguras e eficazes em populações endêmicas.<br />

As mais avançadas são as de vírus<br />

atenuado, existem duas que eu conheço;<br />

as quimeras virais, que são o vírus<br />

vivo atenuado da febre amarela contendo<br />

partes do vírus da dengue e também<br />

a quimera do dengue-4 atenuado por<br />

biologia molecular com partes dos outros<br />

sorotipos de dengue, que já fez o<br />

seu primeiro estudo em humanos no<br />

ano passado aqui na Hopkins; e entre as<br />

de DNA a nossa é a mais promissora.<br />

Existem também as de proteína recombinante,<br />

mas aparentemente os resultados<br />

não estão sendo muito encorajadores<br />

com estas candidatas.<br />

BC&D - Em quanto tempo sua vacina<br />

poderá estar disponível para ser usada<br />

pela população?<br />

Ernesto Marques - Eu não sei precisamente,<br />

depende de muitos fatores como<br />

a quantidade de recursos disponíveis,<br />

dos problemas encontrados, etc. Eu posso<br />

dar uma estimativa me baseando no<br />

tempo que outros têm levado para passar<br />

pelas etapas que ainda tenho que<br />

passar, que seria em torno de 6 a 8 anos.<br />

Porém, o que é mais importante é que a<br />

vacina seja segura para as pessoas. Eu<br />

sei que a dengue é um problema grave e<br />

precisa de uma vacina o mais breve<br />

possível, porém não valeria a pena colocar<br />

a população em risco com uma<br />

vacina sem ter certeza absoluta se ela é<br />

segura. Por enquanto, o melhor método<br />

para combater a dengue ainda é o controle<br />

do mosquito, que precisa de muito<br />

apoio da população e da direção do<br />

governo. Também precisamos ser pacientes<br />

e determinados pois mesmo com todo<br />

apoio ainda vão ser levados alguns anos<br />

para controlar o mosquito.<br />

BC&D - Quem mais está envolvido nessa<br />

pesquisa e quem a financia?<br />

Ernesto Marques - A Marinha Americana<br />

com o grupo do Dr. Curtis Hayes, diretor<br />

da divisão de pesquisa de doenças infeciosas<br />

do Naval Medical Research Center<br />

(NMRC), e nós na JHU/SOM (Eu, Tom<br />

August, Ihid C. Leão, Priya Chichlikar,<br />

Luciana Arruda-Hinds e BJ Hart). O financiamento<br />

no nosso lado vem do NIH e de<br />

uma firma chamada Aarmedis. No lado da<br />

Marinha, vem do departamento de defesa.<br />

" As vacinas de DNA<br />

são mais estáveis e,<br />

potencialmente,<br />

mais seguras do<br />

que as virais."<br />

BC&D - Por que a Marinha Americana<br />

está financiando a pesquisa? Qual o<br />

interesse dela numa vacina contra a<br />

dengue?<br />

Ernesto Marques - O departamento de<br />

defesa tem vários papéis, e a segurança<br />

nacional também depende da saúde da<br />

população. A Marinha americana tem<br />

uma grande tradição de desenvolvimento<br />

de vacinas, entre outros, alguns exemplos<br />

são a da hepatite A, a da malária e a da<br />

dengue também; inclusive, os primeiros<br />

isolados do vírus da dengue foram feitos<br />

pela marinha americana. Recentemente,<br />

houve alguns surtos de dengue na região<br />

sudoeste dos Estados Unidos, no Texas, e<br />

o mosquito vetor se distribui por toda a<br />

região leste do país até o Maine, o que<br />

possibilita que a doença se espalhe.Por<br />

isto existe o interesse. Inclusive o vírus<br />

West Nile, que apareceu em Nova York, é<br />

um parente próximo da Dengue e também<br />

é transmitido pelo mesmo mosquito.<br />

BC&D - Porque o vírus West Nile pode<br />

ser considerado um parente próximo<br />

do vírus da dengue?<br />

Ernesto Marques - O West Nile também<br />

é um arbovírus e flavivírus. Possui as<br />

mesmas características, como envelope,<br />

+RNA, e codifica os mesmos tipos de<br />

proteínas, ou muito parecidas.<br />

BC&D - Quanto já foi e quanto será<br />

investido nas pesquisas dessa vacina?<br />

Ernesto Marques - No nosso grupo, algo<br />

em torno de U$1.5 milhão, e eu acredito<br />

que, após todas as etapas de estudos<br />

clínicos, o total investido deve ser próximo<br />

a U$ 15.0 milhões.<br />

BC&D - Para deixar bem claro, e resumindo,<br />

como funciona sua vacina?<br />

Ernesto Marques - Para ser mais didático,<br />

vou enumerar os passos:<br />

a – Constrói-se, por engenharia genética,<br />

um plasmídeo “DNA”, que carrega consigo<br />

uma pequena fração do material genético<br />

do vírus da dengue.<br />

b – O DNA é quem codifica a proteína, ou<br />

seja, é quem determina como a proteína<br />

vai ser feita. Então, por engenharia genética,<br />

nós criamos um código genético<br />

com pedaços dos genes do envelope e do<br />

sinal da LAMP, colados um no outro no<br />

DNA. Este novo código de DNA produzirá<br />

a proteína quimérica do envelope com<br />

o sinal LAMP.<br />

c – Esse plasmídeo “DNA” é capaz de<br />

produzir, dentro das células humanas,<br />

proteínas antigênicas do vírus da dengue<br />

capazes, por sua vez, de provocar uma<br />

reação imunológica do organismo humano<br />

(quer dizer, provoca a produção de<br />

anticorpos contra o vírus da dengue).<br />

d – Para otimizar esse processo, usa-se a<br />

“estratégia LAMP”.<br />

e – Essa pequena porção do LAMP,<br />

colada no envelope da dengue (Explicando:<br />

o plasmídeo não se dirige ao lisossomo,<br />

só a proteína codificada por ele) o<br />

dirige para o compartimento especializado<br />

para processamento de antígenos chamado<br />

MIIC, que é uma espécie de lisossomo.<br />

f – Dentro do compartimento MIIC, há a<br />

produção de antígenos de classe II.<br />

g – Essa maior produção de antígenos de<br />

classe II gera, por sua vez, uma quantidade<br />

muito maior de produção de anticorpos.<br />

h – Com isso, aumenta-se a eficiência da<br />

vacina. A pessoa torna-se imune à doença,<br />

pois a dengue é semelhante ao sarampo:<br />

só dá uma vez. Isto é verdade para um<br />

mesmo sorotipo, por isto se faz a vacina<br />

com os envelopes dos quatro sorotipos<br />

da dengue para proteger contra todos os<br />

quatro.<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 7


IRIS<br />

(Repete fotolito que saiu na pág. 08 , edição 24)


ANÚNCIO<br />

PORTAL<br />

BIOTECNOLOGIA.COM.BR<br />

(Repete fotolito que saiu na pág. 09 , edição 24)


Carta ao Leitor<br />

BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento<br />

KL3 Publicações<br />

Fundador<br />

Henrique da Silva Castro<br />

Direção Geral e Edição<br />

Ana Lúcia de Almeida<br />

Diretor de Arte<br />

Henrique S. Castro Fº<br />

Projeto Gráfico<br />

Agência de Comunicação IRIS<br />

www.agenciairis.com.br<br />

iris@agenciairis.com.br<br />

Gerente Administrativo<br />

Luiz Dourado Bezerra<br />

Secretária<br />

Vilma da Silva Duarte<br />

E-mail<br />

biotecnologia@biotecnologia.com.br<br />

Home-Page<br />

www.biotecnologia.com.br<br />

A cidade do Rio de Janeiro já tem em torno de 90.000 notificações<br />

de casos de dengue, conforme os dados da Secretaria Municipal de<br />

Saúde, e, no Estado de São Paulo, 46.124 já foram notificados desde<br />

1º de janeiro.<br />

De evolução benigna na forma clássica, e grave quando se<br />

apresenta na forma hemorrágica, não há tratamento específico<br />

para a dengue. Na verdade os pacientes tomam medicação para<br />

atenuar os sintomas e, no caso da dengue hemorrágica, o paciente<br />

precisa ser internado.<br />

Portanto, hoje a dengue pode ser considerada um grande problema<br />

de saúde pública, e uma vacina utilizando a tecnologia do DNA<br />

Recombinante é também uma de nossas esperanças. Por isso<br />

convidamos o Dr. Ernesto Marques Jr, pesquisador associado do<br />

departamento de Farmacologia e Ciências Moleculares, da Johns<br />

Hopkings University School of Medicine para falar do assunto.<br />

Dr. Henrique da Silva Castro<br />

Nota: Todas as edições da Revista <strong>Biotecnologia</strong> Ciência &<br />

Desenvolvimento estão sendo indexadas para o AGRIS<br />

(International Information System for the Agricultural Sciences<br />

and Technology) da FAO e para a AGROBASE (Base de Dados da<br />

Agricultura Brasileira).<br />

Departamento Comercial,<br />

Redação e Edição:<br />

SRTV/Sul - Quadra 701<br />

Ed. Palácio do Rádio II<br />

Sala 215 - CEP 70340-902<br />

Brasília - DF<br />

Tel.: (061) 225-1512 (061) 225-0976<br />

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Impressão: Gráfica São Francisco<br />

Fotolito: Ribelito<br />

Assinaturas<br />

O pedido de assinatura é realizado através<br />

da carta resposta-comercial encartada em<br />

cada revista, por telefonema ou fax<br />

diretamente à KL3 ou pela Internet<br />

através dos nossos endereços eletrônicos.<br />

A revista não tem vendedores autorizados.<br />

Os artigos assinados são de inteira<br />

responsabilidade de seus autores.<br />

10 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002<br />

ISSN 1414-4522


Conselho Científico<br />

Dr. Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal<br />

Dr. Henrique da Silva Castro - Saúde;<br />

Dr. Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia;<br />

Dr. João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal;<br />

Dr. Maçao Tadano - Agricultura;<br />

Dr. Naftale Katz - Saúde;<br />

Dr. Pedro Jurberg - Ciências;<br />

Dr. Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas;<br />

Dr. Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos;<br />

Dr. William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental.<br />

Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi<br />

Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia<br />

Fundação Dalmo Catauli Giacometti<br />

Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética;<br />

Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle Biológico;<br />

Dra. Marisa de Goes - Recursos Genéticos<br />

Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN<br />

Dr. José Roberto Rogero<br />

Sociedade Brasileira de <strong>Biotecnologia</strong> - SBBiotec<br />

Dr. Luiz Antonio Barreto de Castro - EMBRAPA<br />

Dr. Diógenes Santiago Santos - UFRGS<br />

Dr. José Luiz Lima Filho - UFPE<br />

Dra. Elba P. S. Bon - UFRJ<br />

Colaboraram nesta edição:<br />

Aline Maria da Silva;<br />

Ana Carla Oltramari;<br />

Andréa Queiroz Maranhão;<br />

Andréa R. Ramos Cruz;<br />

Carla Ianssen;<br />

Cáter Alexandre Neckel;<br />

Daniel John Rigden;<br />

Dionísio Bernardino Bach;<br />

Diva Maria de Alencar Dusi;<br />

Erasmo Tiepo;<br />

Ernesto Marques;<br />

Evanildo da Silveira;<br />

Gláucia Mendes Souza;<br />

Jairo Morais Teixeira;<br />

José Oswaldo Siqueira;<br />

Josiane M.Oliveira Duarte da Silva;<br />

L. Pedro Barrueto Cid;<br />

Lázaro E. P. Peres;<br />

Liliana Moura Massis;<br />

Luciane Vieira de Mello;<br />

Luís Carlos de Souza Ferreira;<br />

Marcelo de Macedo Brígido;<br />

Marcelo Maraschim;<br />

Marcio O. Lásaro;<br />

Márcio R. Lambais;<br />

Maria Elisabete Sbrogio de Almeida;<br />

Patrícia Sibila Araújo;<br />

Paulo Fernando Dias;<br />

Renata dos Passos Maraschim;<br />

Rosa Maria Ribeiro-do-Valle;<br />

Sidney L. Stürmer;<br />

Vera Tavares de Campos Carneiro.<br />

Entrevista<br />

Ernesto Marques Jr. pág. 04<br />

Pesquisa<br />

Fungos micorrízicos arbusculares pág. 12<br />

Salmonella vacinais pág. 22<br />

Novos moduladores da formação de vasos sanguíneos pág. 28<br />

Apomixia pág. 36<br />

Bases fisiológicas e genéticas da regeneração de plantas in vitro pág. 44<br />

Biorreatores de imersão permanente pág. 50<br />

Micropropagação de babosa (Aloe vera - Liliaceae) pág. 54<br />

SUCAST pág. 58<br />

Anotação funcional computacional de proteínas pág. 64<br />

Bio Notícias pág. 49<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 11


PESQUISA<br />

FUNGOS MICORRÍZICOS<br />

ARBUSCULARES<br />

Fotos e ilustrações cedidas pelos autores<br />

Características, associação simbiótica e aplicação na agricultura<br />

Figura 1. Segmento de raiz de gramínea, mostrando o aspecto<br />

microscópico da penetração e colonização do córtex por fungo<br />

micorrízico arbuscular<br />

José Oswaldo Siqueira<br />

Eng o Agr o Ph.D. Prof. Titular de<br />

Microbiologia do Solo<br />

Universidade Federal de Lavras, Lavras, MG<br />

bolsista do CNPq<br />

siqueira@ufla.br<br />

Márcio R. Lambais<br />

Eng o Agr o Ph.D. Prof. Associado de<br />

Microbiologia do Solo<br />

Escola Superior de Agricultura “Luiz de<br />

Queiroz”, USP, Piracicaba, SP<br />

bolsista do CNPq<br />

mlambais@esalq.usp.br<br />

Sidney L. Stürmer<br />

Biólogo Ph.D. Prof. de Botânica na<br />

Universidade Regional de Blumenau – FURB<br />

Blumenau-SC<br />

sturmer@furb.br<br />

12 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002<br />

Origem e características dos fungos Glomaleanos<br />

s plantas terrestres estabelecem simbioses mutualísticas ou parasíticas<br />

com diversos microrganismos, os quais encontram ambientes favoráveis<br />

nas partes aéreas ou subterrâneas dos vegetais. As micorrizas são as<br />

relações mutualísticas mais comuns na natureza, sendo formadas por<br />

certos fungos do solo e as raízes da grande maioria das plantas (Smith & Read, 1997).<br />

Entre os sete tipos de micorrizas conhecidos, as micorrizas arbusculares (MAs),<br />

formadas por fungos da Ordem Glomales, são as mais comuns nos ecossistemas<br />

terrestres. Embora tradicionalmente classificados na Divisão Zygomycota, os fungos<br />

micorrízicos arbusculares (FMAs) apresentam divergências suficientes, com base na<br />

análise do RNA ribossômico 18S, para formarem uma<br />

nova Divisão. Schußler et al. (2001) propuseram a Divisão<br />

Glomeromycota para abrigar os organismos formadores<br />

de MAs, colocando esse grupo de fungos no mesmo nível<br />

da hierarquia taxonômica que os tradicionais grupos<br />

basidiomicetos e ascomicetos. Existem fortes evidências<br />

de que os FMAs desempenharam um papel crucial na<br />

conquista do ambiente terrestre pelas plantas (Redecker et<br />

al., 2000). Essa premissa é corroborada por evidências de<br />

estudos de biologia molecular que confirmam que a<br />

origem dos FMAs coincide com a origem das plantas<br />

terrestres, há cerca de 353-462 milhões de anos (Simon et<br />

al., 1993). A origem dos FMAs foi também confirmada por<br />

análises em materiais fósseis do Devoniano, os quais<br />

revelaram a presença de estruturas fúngicas similares<br />

àquelas formadas pelos fungos Glomaleanos atuais (Pirozynski,<br />

1981).<br />

Os FMAs são simbiotróficos obrigatórios, pois completam<br />

seu ciclo de vida apenas se estiverem associados a<br />

uma planta hospedeira, a qual lhes fornece carboidratos<br />

e outros fatores necessários ao seu desenvolvimento e<br />

esporulação (Siqueira et al., 1985). Essa aparente desvantagem<br />

da relação com a planta, no entanto, é compensada<br />

pela ausência de especificidade existente entre os FMAs e os hospedeiros. Normalmente,<br />

uma determinada espécie fúngica pode colonizar as raízes de vários<br />

hospedeiros entre as Angiospermas, Gimnospermas e Pteridófitas. Apesar de apenas<br />

3% das espécies vegetais terem sido examinadas para a presença de MAs, pode-se<br />

afirmar que cerca de 95% das espécies vegetais atuais pertencem a famílias que são<br />

caracteristicamente micorrízicas (Trappe, 1987). Assim, as MAs são a regra e não a<br />

exceção na natureza. Famílias de plantas tipicamente não-micorrízicas incluem<br />

Caryophylaceae, Brassicaceae, Chenopodiaceae, Juncaceae, Polygonaceae, Cyperaceae,<br />

que parecem ter perdido a capacidade de formar essa associação em tempos<br />

mais recentes, evolutivamente. Os FMAs podem ser encontrados em plantas<br />

herbáceas, arbustivas ou arbóreas que ocupam os mais diversos ecossistemas, como<br />

florestas, desertos, dunas, savanas, campos e agrossistemas. O longo tempo de coevolução<br />

entre os FMAs e as plantas pode explicar a presença ubíqua desses fungos<br />

nos ecossistemas. Eles invariavelmente associam-se à maioria das plantas nativas dos<br />

trópicos e a espécies de interesse econômico como café, soja, milho, sorgo, maçã,<br />

citrus, feijão, entre outras. No Brasil, os estudos realizados pelos autores sobre a


ocorrência dos FMAs em<br />

ecossistemas naturais e em<br />

agrossistemas indicam que o<br />

número de espécies pode<br />

variar de 35 em dunas costeiras<br />

até mais de 40 em cultivos<br />

de café e no cerrado nativo.<br />

Essa diversidade representa<br />

aproximadamente 1/3 de todas<br />

as espécies de Glomales<br />

descritas até o momento. A<br />

estrutura das comunidades<br />

de FMAs nos diferentes sistemas<br />

é bastante variável. Por<br />

exemplo, três espécies de<br />

Acaulospora (A. scrobiculata,<br />

A. morrowiae e A. mellea)<br />

são as mais freqüentemente<br />

encontradas em solos com<br />

cafeeiros, enquanto que no<br />

cerrado, Scutellospora pellucida,<br />

Gigaspora margarita e Paraglomus<br />

diaphanum são geralmente as espécies<br />

predominantes (Siqueira et al., 1989).<br />

Estudos sobre a ecologia desses simbiontes<br />

devem ser incentivados para obter-se<br />

um inventário mais completo de<br />

sua diversidade taxonômica, fisiológica<br />

e genética. Essas informações poderiam<br />

ser utilizadas para a seleção de isolados<br />

eficientes para a aplicação em processos<br />

biotecnológicos de interesse agrícola ou<br />

ambiental.<br />

Os FMAs não produzem alterações<br />

morfológicas visíveis nas raízes das plantas,<br />

e, desta forma, um processo de<br />

coloração e observação ao microscópio<br />

é necessário para a visualização das<br />

estruturas fúngicas nas raízes colonizadas<br />

(figura 1). As MAs possuem três<br />

componentes, quais sejam: a raiz da<br />

planta hospedeira, as estruturas formadas<br />

no córtex radicular (arbúsculos e<br />

vesículas) e o micélio e esporos extraradiculares<br />

(figura 2). As vesículas, estruturas<br />

globosas ou alongadas contendo<br />

grânulos de glicogênio e lipídios, são<br />

consideradas estruturas de estocagem<br />

dos fungos e podem ser formadas dentro<br />

ou fora das células do córtex. Os<br />

arbúsculos são as estruturas características<br />

das MAs. São formados pela intensa<br />

Figura 2. Ilustração esquemática da anatomia de uma raiz com<br />

micorriza arbuscular<br />

ramificação de hifas intracelulares e são<br />

responsáveis pela troca de nutrientes<br />

entre os simbiontes. O desenvolvimento<br />

de arbúsculos é acompanhado da invaginação<br />

da membrana plasmática vegetal,<br />

não comprometendo a integridade<br />

das células radiculares. As hifas intra e<br />

extra-radiculares são importantes como<br />

propágulos para iniciar nova colonização,<br />

para gerar novos esporos, para<br />

aquisição de nutrientes e ainda podem<br />

favorecer a agregação do solo. O micélio<br />

extra-radicular pode atingir de 14 a 50 m<br />

g -1 de solo, diferenciando-se em hifas<br />

absortivas, as quais formam uma rede<br />

dicotomicamente ramificada que se estende<br />

solo adentro para absorção de<br />

nutrientes e água.<br />

Os esporos formados pelos FMAs<br />

são assexuados e servem para sua disseminação<br />

e sobrevivência (figura 3). Possuem<br />

diâmetro que varia de 45 a 700 µm<br />

(os maiores encontrados no Reino Fungi),<br />

coloração hialina, amarelada, esverdeada,<br />

amarronzada ou mesmo preta, e<br />

forma globosa, alongada ou muitas vezes<br />

irregular (Morton, 1988), podendo ter<br />

parede lisa ou ornamentada. Os tipos de<br />

esporos são distinguíveis em função de<br />

sua ontogenia, que, juntamente com<br />

características estruturais, formam a base<br />

da taxonomia e sistemática<br />

dos FMAs. Alguns<br />

tipos de esporo e<br />

aspectos da sua germinação<br />

são ilustrados na<br />

figura 3. A diversidade<br />

estrutural nos esporos<br />

permite reconhecer atualmente<br />

cerca de 168<br />

espécies de fungos Glomaleanos,<br />

pertencentes<br />

a sete gêneros distribuídos<br />

em cinco famílias<br />

(figura 4). Apesar<br />

de germinarem facilmente<br />

em meios de<br />

cultura, o crescimento<br />

continuado e a esporulação<br />

dos FMAs não<br />

ocorrem na ausência<br />

de células vivas do hospedeiro.<br />

As dificuldades de se cultivar os<br />

FMAs in vitro representa um obstáculo<br />

ainda não superado, o qual tem limitado<br />

os estudos de sua biologia e desenvolvimento<br />

biotecnológico.<br />

Desenvolvimento da<br />

associação simbiótica<br />

Os mecanismos que regulam o desenvolvimento<br />

e funcionamento das MAs<br />

ainda não foram elucidados. Além do<br />

crescimento intercelular, o processo de<br />

colonização das raízes pelos FMAs é<br />

caracterizado pelo crescimento intracelular<br />

das hifas no tecido cortical e por<br />

diferenciação de hifas intracelulares terminais<br />

em arbúsculos (figura 2). Apesar<br />

do crescimento intrarradicular extensivo,<br />

normalmente observado nessa associação,<br />

as reações de defesa da planta<br />

são brandas e localizadas, sugerindo a<br />

existência de um mecanismo de reconhecimento<br />

mútuo entre os simbiontes,<br />

o qual é controlado por genes do fungo<br />

e da planta.<br />

A sinalização molecular entre os simbiontes<br />

deve ter início muito antes de seu<br />

contato físico. Os esporos germinam<br />

quando as condições de umidade, temperatura<br />

e pressão parcial de CO 2<br />

são<br />

Figura 3. Esporos de fungos Glomaleanos. (a) detalhe de célula suspensora bulbosa em Gigaspora sp.; (b) Scutellospora spp<br />

mostrando o escudo de germinação; (c) fotomicrografia de Gigaspora margarita mostrando tubo germinativo próximo à hifa<br />

de sustentação, (d) detalhe da base do tubo na parede do esporo, (e) detalhe de uma célula auxiliar produzida in vitro e<br />

(f) fotomicrografia de Glomus sp na rizosfera<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 13


Tabela 1 – As ações das micorrizas arbusculares no crescimento das plantas<br />

Ação<br />

Biofertilizadora<br />

Biocontroladora<br />

Biorreguladora<br />

Mecanismos principais<br />

Maior absorção e utilização de nutrientes do solo.<br />

Favorecimento da nodulação e fixação de N 2<br />

em leguminosas.<br />

Amenização de estresses nutricionais e nutrição balanceada.<br />

Acessos a nutrientes pouco disponíveis.<br />

Ação de biocontrole sobre certos patógenos e pragas.<br />

Redução de danos causados por pragas e doenças.<br />

Amenização de estresses causados por fatores diversos como metais pesados e poluentes orgânicos.<br />

Efeitos benéficos na agregação do solo, melhora a conservação da água e do solo.<br />

Atua na produção/acúmulo de substâncias reguladoras do crescimento (desenvolvimento e floração).<br />

Interfere favoravelmente na relação água-planta (aumenta tolerância a déficit hídrico);<br />

Alterações bioquímicas e fisiológicas (acúmulo de certos metabólitos secundários).<br />

favoráveis, e não há evidências de sinalização<br />

nesse estádio de desenvolvimento.<br />

No entanto, quando nas proximidades<br />

das raízes de plantas hospedeiras, o<br />

crescimento e a ramificação de hifas de<br />

esporos germinados são altamente estimulados<br />

(figura 5), sugerindo existência<br />

de uma sinalização específica. De fato,<br />

fatores presentes nos exsudatos de plantas<br />

hospedeiras estimulam o crescimento<br />

(figura 6) e a ramificação de hifas<br />

(figura 5), e sua divisão nuclear (Buee et<br />

al., 2000; Douds & Nagahashi, 2000). Ao<br />

contrário do que ocorre com células de<br />

hospedeiros, aquelas de não hospedeiros<br />

não estimulam o crescimento do<br />

fungo. A natureza dessas moléculas sinais<br />

ainda não foi determinada. Embora<br />

certos compostos fenólicos sintetizados<br />

por plantas, como os flavonóides, flavononas<br />

e isoflavonóides estimulem o crescimento<br />

de hifas in vitro (Nair et al., 1991;<br />

Bécard et al., 1992; Bécard et al., 1995) e<br />

a colonização micorrízica (Siqueira et<br />

al., 1991), a essencialidade desses compostos<br />

para o desenvolvimento da simbiose,<br />

como ocorre em interações leguminosas-rizóbios,<br />

não foi demonstrada.<br />

Estudos com mutantes de milho deficientes<br />

em chalcona sintase, enzima chave<br />

na síntese dos flavonóides, indicam<br />

que esses compostos fenólicos não são<br />

necessários para o desenvolvimento de<br />

MAs (Bécard et al., 1995). Essenciais ou<br />

não, flavonóides estimulam a colonização<br />

micorrízica e apresentam grande<br />

potencial de aplicação prática, como<br />

abordado neste artigo.<br />

A primeira e mais importante indicação<br />

de reconhecimento de um hospedeiro<br />

compatível é a diferenciação de<br />

hifas fúngicas em apressórios (Staples &<br />

Macko, 1980). A formação de um apressório<br />

funcional, após um período de<br />

proliferação e ramificação abundante<br />

Figura 4. Classificação atual dos FMAs<br />

mostrando as características que definem<br />

as famílias e gêneros de Glomales.<br />

Elaborada e atualizada conforme informações<br />

do INVAM<br />

(http://invam.caf.wvu.edu)<br />

14 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Tabela 2 – Exemplos de culturas, fungos eficientes e efeitos da inoculação no Brasil (Siqueira & Klauberg Filho, 2000)<br />

Cultura<br />

Abacaxi<br />

Cafeeiro<br />

Citros<br />

Leguminosas<br />

Milho<br />

Mamão<br />

Tomate<br />

Plantas arbóreas:<br />

reflorestamento e<br />

frutíferas<br />

Fungos eficientes<br />

Glomus clarum, Gigaspora margarita e<br />

Glomus intraradices<br />

Glomus clarum, Gigaspora margarita,<br />

Glomus etunicatum<br />

Acaulospora morrowiae, Glomus clarum,<br />

Gl. etunicatum, Glomus intraradices,<br />

Glomus fasciculatum<br />

Glomus etunicatum, Glomus clarum<br />

Glomus clarum, Glomus etunicatum<br />

Glomus etunicatum, Entrophospora<br />

colombiana<br />

Glomus clarum, Glomus etunicatum,<br />

Gigaspora margarita<br />

Glomus clarum, Glomus etunicatum,<br />

Glomus fasciculatum<br />

Efeitos da inoculação<br />

Melhor desenvolvimento de mudas<br />

micropropagadas.<br />

Melhor desenvolvimento de mudas, melhor<br />

sobrevivência no campo e maior produção.<br />

Crescimento mais rápido de porta enxertos e de<br />

mudas no campo.<br />

Favorecimento da nodulação, do acúmulo de N,<br />

da produção de grãos e da tolerância ao déficit<br />

hídrico.<br />

Nutrição favorecida, melhor ia do crescimento e<br />

da produção.<br />

Melhor desenvolvimento inicial e de nutrição de<br />

mudas.<br />

Crescimento estimulado e maior eficiência de uso<br />

de fósforo.<br />

Essencial para o desenvolvimento de mudas de<br />

espécies de semente pequena e crescimento<br />

rápido.<br />

das hifas de FMAs na rizosfera do hospedeiro<br />

e adesão à superfície da célula<br />

vegetal, resulta em penetração e posterior<br />

colonização do tecido cortical. A<br />

formação de apressórios depende do<br />

genoma da planta hospedeira, de modo<br />

que o fungo não é capaz de formar<br />

apressórios funcionais em raízes de plantas<br />

não-hospedeiras, muito embora dilatações<br />

de hifas semelhantes a apressórios<br />

possam ser observadas quando o<br />

fungo é colocado próximo às raízes<br />

(figura 5). Esses resultados sugerem a<br />

existência de fatores essenciais para a<br />

completa diferenciação das hifas em<br />

apressórios funcionais (Giovannetti et<br />

al., 1993). Nagahashi & Douds (1997)<br />

observaram que a diferenciação de hifas<br />

em apressórios é dependente do reconhecimento<br />

específico da parede de<br />

células epidérmicas em plantas hospedeiras.<br />

O processo de colonização, propriamente<br />

dito, tem início na superfície da<br />

raiz, com a penetração resultante da<br />

combinação de pressão mecânica e degradação<br />

enzimática parcial da parede<br />

celular vegetal. A produção de enzimas<br />

hidrolíticas como pectinases, celulases e<br />

hemicelulases por FMAs tem sido documentada<br />

e pode ser essencial para o<br />

desenvolvimento da simbiose. A colonização<br />

intrarradicular é limitada aos tecidos<br />

externos à endoderme, e se dá pelo<br />

crescimento inter- e intracelular das hifas.<br />

O crescimento intracelular inicial é<br />

caracterizado pela formação de enovelamentos<br />

de hifas transcelulares e pela<br />

Figura 5. Esporo germinado e crescendo na rizosfera de uma planta<br />

hospedeira (a) e resposta induzida pela presença de componentes de<br />

exsudatos da planta (b)<br />

invaginação da membrana plasmática<br />

vegetal, de modo que não existe comprometimento<br />

da integridade das células<br />

hospedeiras. Esse processo é acompanhado<br />

também pela deposição de material<br />

semelhante à parede celular vegetal<br />

ao redor da hifa, criando uma região<br />

apoplástica (interface) com características<br />

bioquímicas específicas (figura 7).<br />

Em algumas células corticais, hifas intracelulares<br />

se diferenciam em arbúsculos.<br />

Durante esse processo, a parede celular<br />

fúngica se torna amorfa, desaparecendo<br />

as cadeias de quitina cristalina. Adicionalmente,<br />

intensa síntese de membrana<br />

plasmática, fragmentação do vacúolo,<br />

aumento do volume de citoplasma, decréscimo<br />

no número de amiloplastos,<br />

movimentação do núcleo, rearranjo do<br />

citoesqueleto e aumento da atividade de<br />

transcrição gênica são também alterações<br />

observáveis durante o desenvolvimento<br />

dos arbúsculos (Bonfante & Perotto,<br />

1995).<br />

Alterações bioquímicas no fungo e<br />

no hospedeiro ocorrem não somente<br />

durante o desenvolvimento de arbúsculos,<br />

mas também durante o processo de<br />

colonização intrarradicular. Evidências<br />

de alterações do metabolismo do fungo<br />

são dadas pelas observações da atividade<br />

e localização de ATPases e da atividade<br />

de fosfatase alcalina vacuolar (Saito,<br />

1995). Durante o crescimento de hifas de<br />

esporos germinados, ATPases ativas são<br />

localizadas próximo à extremidade das<br />

hifas, enquanto em hifas intercelulares e<br />

nos arbúsculos elas se localizam ao<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 15


Figura 6. Efeito da presença de suspensão de células de plantas hospedeiras e<br />

não hospedeiras (repolho) no crescimento micelial assimbiótico da Gigaspora<br />

gigantea em meio de cultura (Dados de Paula & Siqueira, 1990)<br />

longo de toda a membrana plasmática<br />

fúngica. Já a atividade de fosfatase alcalina<br />

vacuolar é maior durante o processo<br />

de colonização das raízes, comparada à<br />

atividade em hifas proveniente de esporos<br />

germinados. No hospedeiro, a expressão<br />

diferencial de vários genes envolvidos<br />

na defesa vegetal contra o ataque<br />

de patógenos, avaliada com base<br />

em atividades enzimáticas, acúmulo de<br />

proteínas e/ou de mRNAs, tem sido<br />

observada durante o desenvolvimento<br />

das MAs, podendo ter papel fundamental<br />

no controle da colonização intrarradicular<br />

(Lambais, 2000).<br />

O crescimento de FMAs no interior<br />

das raízes parece ser um processo “controlado”,<br />

já que a colonização de tecidos<br />

meristemáticos e/ou de vasos condutores<br />

não é observada. Adicionalmente,<br />

nem todas as células corticais são infectadas<br />

e a diferenciação de hifas terminais<br />

em arbúsculos ocorre somente em algumas<br />

das células colonizadas. No entanto,<br />

os fatores atuantes nesse controle são<br />

desconhecidos. A regulação do desenvolvimento<br />

e da funcionalidade das MAs<br />

envolve uma complexa troca de sinais<br />

entre os simbiontes, a qual pode ser<br />

afetada também pelas condições ambientais.<br />

O resultado dessa sinalização é a<br />

síntese dos simbiossomos, representados<br />

pelos arbúsculos, membrana periarbuscular<br />

e interfaces características (figura<br />

7).<br />

Apesar da colonização extensiva das<br />

raízes pelos FMAs, não há desenvolvimento<br />

de sintomas evidentes de resposta<br />

de hipersensibilidade (acúmulo de fitoalexinas<br />

e morte das células microbianas<br />

ou do hospedeiro) em MAs (Gianinazzi,<br />

1991). O acúmulo de fitoalexinas ocorre<br />

predominantemente nas fases mais tardias<br />

do desenvolvimento da simbiose, e<br />

atinge concentrações muito inferiores<br />

àquelas observadas em interações com<br />

fungos fitopatogênicos. A ausência de<br />

reações de hipersensibilidade é, da mesma<br />

forma, observada na simbiose entre<br />

leguminosas e rizóbios. Aparentemente,<br />

esses microssimbiontes são reconhecidos<br />

pelos hospedeiros de modo a formarem<br />

interações compatíveis de longa<br />

duração (Lambais & Mehdy, 1995).<br />

A utilização de modelos de sinalização<br />

e regulação gênica que ocorrem nas<br />

simbioses leguminosas-rizóbios tem contribuído<br />

para melhor entendimento dos<br />

processos atuantes em MAs. A existência<br />

de fatores comuns entre os dois tipos de<br />

simbiose tem sido sugerida pelo fato de<br />

que mutantes de plantas de ervilha que<br />

não são capazes de desenvolver micorriza<br />

típica, e têm a colonização bloqueada<br />

em um estádio imediatamente posterior<br />

à formação do apressório (myc -<br />

precoces), são também não-nodulantes,<br />

i.e., nod - (Gianinazzi-Pearson et al., 1995).<br />

Mutantes que formam nódulos não-fixadores,<br />

i.e., nod + fix - , também não desenvolvem<br />

micorriza típica. Nesse caso,<br />

ocorre penetração e colonização intercelular,<br />

mas não há formação de arbúsculos,<br />

definindo os mutantes myc - tardios<br />

(Lambais, 1996). Diferente dos mutantes<br />

myc - precoces de ervilha, mutantes<br />

de Lotus japonicus não-nodulantes têm o<br />

desenvolvimento da micorriza bloqueado<br />

na colonização do córtex, e foram<br />

denominados Coi - (“cortex invasion”)<br />

(Wegel et al., 1998). Raízes micorrizadas<br />

sintetizam também proteínas imunologicamente<br />

relacionadas com nodulinas,<br />

proteínas específicas de nódulos de leguminosas<br />

(Wyss et al., 1990; Perotto et<br />

al., 1994), e fatores Nod sintetizados por<br />

rizóbios são capazes de estimular a colonização<br />

intrarradicular de fungos micorrízicos<br />

(Xie et al., 1995).<br />

Tem sido sugerido que a colonização<br />

intrarradicular por FMAs depende da<br />

capacidade do fungo em evitar a ativação<br />

ou mesmo em suprimir o sistema de<br />

defesa vegetal. A não ativação do sistema<br />

de defesa vegetal pode estar associada à<br />

maior atividade de enzimas anti-oxidantes<br />

(catalase, por exemplo) em raízes<br />

micorrizadas (Lambais, 2000). As atividades<br />

de quitinases são induzidas nos<br />

estádios iniciais do desenvolvimento da<br />

simbiose, e suprimidas posteriormente a<br />

níveis inferiores aos observados em plantas<br />

sem micorrizas. Essa supressão é<br />

atenuada em condições de alto P, onde<br />

a colonização é inibida. Em condições<br />

de alto P, o acúmulo de mRNAs codificando<br />

uma isoforma ácida de quitinase<br />

é induzido em células contendo arbúsculos<br />

ou sua vizinhança (Lambais &<br />

Mehdy, 1993). As atividades de β-1,3-<br />

glucanases são também suprimidas em<br />

certos estádios do desenvolvimento da<br />

simbiose, e dependem da concentração<br />

de P. Em condições de baixo P, tem sido<br />

observado acúmulo de mRNAs codificando<br />

uma isoforma de β-1,3-glucanase,<br />

homóloga a uma isoforma básica de<br />

soja, em células contendo arbúsculos e<br />

suas imediações. Além da indução localizada,<br />

uma supressão sistêmica, em condições<br />

de alto P ou em raízes micorrizadas,<br />

também tem sido observada (Lambais<br />

& Mehdy, 1998). Os mecanismos<br />

que controlam o sistema de defesa vegetal<br />

podem envolver a regulação diferencial<br />

de isoformas de quitinases e β-1,3-<br />

glucanases, em conseqüência de alterações<br />

hormonais e/ou síntese de moléculas<br />

elicitoras/supressoras específicas (Lambais,<br />

2000).<br />

O desenvolvimento de novas técnicas<br />

de análise de expressão gênica, como<br />

hibridização em microarrays (arranjos<br />

ordenados de milhares de genes em<br />

lâminas de vidro especiais), análise sistemática<br />

de ESTs (Expressed Sequence<br />

Tags) e SAGE (Serial Analyses of Gene<br />

Expression), bem como a análise de<br />

proteomas de raízes micorrizadas por<br />

eletroforese bi-dimensional e espectrometria<br />

de massa, permitirá um melhor<br />

entendimento dos mecanismos que con-<br />

16 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Figura 7. Enzimas e sinais moleculares de origem fúngica ou vegetal secretados<br />

na interface apoplástica de micorrizas arbusculares<br />

trolam a formação de MAs e poderá<br />

contribuir para a efetiva aplicação em<br />

larga escala dos FMAs na agricultura.<br />

Efeitos no crescimento<br />

das plantas<br />

Embora as MAs sejam conhecidas<br />

desde o início do século XIX, seus<br />

efeitos benéficos para as plantas só<br />

foram documentados no século passado,<br />

quando verificou-se que certas espécies<br />

vegetais apresentavam desenvolvimento<br />

retardado e sintomas de distúrbios<br />

(deficiências) nutricionais quando<br />

cultivadas em solos esterilizados para<br />

controle de patógenos. No<br />

período de 1950-60, experimentos<br />

confirmativos desenvolvidos<br />

na Inglaterra e nos<br />

Estados Unidos evidenciaram<br />

que plantas inoculadas<br />

com propágulos de fungos<br />

extraídos do solo desenvolviam-se<br />

melhor (figura 8),<br />

por conterem teores mais<br />

elevados de nutrientes minerais,<br />

especialmente daqueles<br />

pouco móveis no<br />

solo, como fósforo, zinco e<br />

cobre, cuja absorção é facilitada<br />

pelas hifas externas<br />

(figura 2). Sabe-se, no entanto,<br />

que, devido a efeitos<br />

secundários da micorrização,<br />

outros nutrientes são<br />

também absorvidos em maior<br />

quantidade em plantas<br />

micorrizadas. Embora os<br />

efeitos das MAs sejam mais<br />

consistentes para os nutrientes de baixa<br />

mobilidade, os FMAs interferem direta<br />

ou indiretamente na absorção de outros<br />

elementos como Br, I, Cl, Al e Si e metais<br />

pesados. Os efeitos nutricionais dependem<br />

da disponibilidade relativa dos elementos<br />

no meio de crescimento e da<br />

exigência da planta a eles, sendo mais<br />

acentuados em condições de deficiência,<br />

especialmente de P. A absorção de<br />

P tem relação direta com o crescimento<br />

da planta, sendo que quando este atinge<br />

concentrações próximas da adequada, a<br />

colonização das raízes é inibida por<br />

mecanismos auto-regulatórios da simbiose,<br />

tornando as MAs desnecessárias e<br />

Figura 8. Resposta do ipê: c - sem inoculação e m - inoculada (a)<br />

e do citros (b) à inoculação com FMAs. Foto de citros cedida por<br />

A. Colozzi-Filho-IAPAR- Londrina, correspondendo a plantas sem<br />

e com inoculação em solo fumigado e não fumigado<br />

incompatíveis com as condições de excesso<br />

de nutrientes no solo.<br />

A maior absorção de nutrientes resulta<br />

de inúmeros mecanismos, como<br />

aumento na superfície e capacidade de<br />

absorção das raízes, maior acessibilidade<br />

aos nutrientes, utilização de formas<br />

não disponíveis a raízes não-colonizadas,<br />

por solubilização e mineralização<br />

de nutrientes na rizosfera, e amenização<br />

de fatores adversos à absorção, como<br />

metais, compostos orgânicos tóxicos e<br />

patógenos que atacam o sistema radicular<br />

(Siqueira, 1994). A contribuição das<br />

micorrizas para a absorção de alguns<br />

nutrientes tem sido estimada em 80%<br />

para o P, 60% para o Cu e entre 10% a<br />

25% para os demais nutrientes (Marschner<br />

& Dell, 1994). Se a difusão química<br />

no solo é limitante, as hifas podem<br />

aumentar a área de absorção em até<br />

1800% (Okeefe & Sylvia, 1991). Além da<br />

alta capacidade e eficiência de absorção<br />

de P, as hifas crescem a partir das raízes<br />

solo adentro (figura 2), absorvendo este<br />

e outros nutrientes fora da zona de<br />

esgotamento que se desenvolve próximo<br />

à superfície das raízes absorventes,<br />

transferindo-os para o hospedeiro nos<br />

arbúsculos.<br />

Devido ao fato da disponibilidade de<br />

N e P ser o principal fator limitante para<br />

o crescimento e a produtividade das<br />

plantas, os FMAS apresentam grande<br />

potencial como insumo biológico para a<br />

agricultura. A inoculação de milho e soja<br />

com isolados fúngicos eficientes pode<br />

reduzir em 34% e 56% o requerimento<br />

externo de fertilizante fosfatado, respectivamente<br />

(Siqueira, 1994). Essa redução<br />

representa um efeito “biofertilizante<br />

equivalente” estimado<br />

de 30 e 60kg de P 2<br />

O 5<br />

aplicado<br />

ao solo, respectivamente, para<br />

essas culturas. Considerandose<br />

a área plantada com soja e<br />

milho no país, cerca de 28<br />

milhões de ha, e o efeito das<br />

MAs em condições de campo,<br />

aproximadamente um terço do<br />

que é observado em condições<br />

controladas, pode-se estimar<br />

que a contribuição dessa<br />

simbiose para a economia com<br />

fertilizantes fosfatados nestas<br />

culturas seria da ordem de US$<br />

250 milhões no Brasil. O efeito<br />

biofertilizante varia para as diferentes<br />

culturas em função<br />

da exigência nutricional, eficiência<br />

de absorção e de uso do<br />

nutriente, assim como da capacidade<br />

de formar uma simbiose<br />

eficiente com o fungo e<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 17


Figura 9. Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento visando à aplicação de<br />

fungos micorrízicos arbusculares na agricultura<br />

do nível de fertilidade ou manejo da<br />

adubação. Em condições nutricionais<br />

ótimas, a colonização intrarradicular é<br />

reduzida, assim como os benefícios do<br />

fungo. No caso do N, as plantas com<br />

micorrizas absorvem mais o N disponível<br />

no solo e evidências recentes indicam<br />

que os FMAs são capazes de mineralizar<br />

N orgânico no solo, facilitando<br />

assim a nutrição nitrogenada das plantas.<br />

É interessante também o sinergismo<br />

que existe entre os FMAs e bactérias<br />

diazotróficas. No caso do rizóbio, a<br />

nodulação e a quantidade de N fixada<br />

pelas leguminosas é favorecida em plantas<br />

inoculadas com FMAs. Um dos mecanismos<br />

envolvidos nessa relação é a<br />

maior absorção de P do solo, nutriente<br />

exigido em grande quantidade para a<br />

fixação biológica de N 2<br />

. Em solo de<br />

cerrado adubado com metade da quantidade<br />

de fosfato ótima, a inoculação<br />

com FMAs dobrou a quantidade acumulada<br />

de N na soja. Em sistema de sorgo<br />

consorciado com soja, a inoculação<br />

com FMAs favoreceu a transferência de<br />

N da soja para o sorgo, de modo que a<br />

produção de grãos deste aumentou em<br />

67% e 157% na ausência ou presença de<br />

fungo micorrízico, respectivamente (Bressan,<br />

1996).<br />

Além dos efeitos nutricionais, as micorrizas<br />

exercem outros papéis sobre a<br />

planta hospedeira, os quais são resumidos<br />

na tabela 1. Plantas micorrizadas<br />

são menos danificadas por danos causados<br />

por diversos tipos de estresse do<br />

solo ou ambientais, facilitando seu estabelecimento<br />

e sobrevivência em locais<br />

adversos. As MAs são componentes essenciais<br />

em programas de recuperação<br />

de áreas degradadas e solos poluídos<br />

com metais pesados ou compostos orgânicos<br />

poluentes.<br />

Aplicação dos FMAs<br />

na agricultura<br />

Devido à sua natureza ubíqua, à<br />

ausência de especificidade hospedeira e<br />

à susceptibilidade generalizada das plantas<br />

à micorrização, os FMAs apresentam<br />

enorme potencial biotecnológico. Alguns<br />

exemplos da aplicação desses fungos<br />

na agricultura e no reflorestamento<br />

são apresentados na tabela 2. Sua exploração<br />

é viabilizada pelo aumento da taxa<br />

de micorrização das plantas, que pode<br />

ser conseguido: a) pela inoculação com<br />

isolados fúngicos selecionados; b) por<br />

práticas de manejo seletivo da população<br />

fúngica indígena dos solos agrícolas<br />

e; c) mais recentemente, pela aplicação<br />

de compostos estimulantes da micorrização.<br />

A inoculação garante efeitos benéficos,<br />

podendo ser efetuada no solo durante<br />

a semeadura de plantas anuais e de<br />

pastagens, na repicagem de mudas de<br />

plantas olerícolas, na formação de mudas<br />

de espécies arbustivas ou arbóreas<br />

(figura 9) com finalidades agronômica,<br />

florestal, de recuperação ambiental e de<br />

ornamentação. As respostas da inoculação<br />

variam de 10% a 800% em aumento<br />

da biomassa vegetal (Siqueira & Franco,<br />

1988), e são maiores, mais consistentes e<br />

promissoras em plantas que passam por<br />

fase de formação de mudas. No entanto,<br />

a aplicação desses fungos em larga escala<br />

é ainda muito limitada, principalmente<br />

pela falta de inoculante aceito comercialmente.<br />

A principal razão para essa falta<br />

de inoculante é o caráter biotrófico obrigatório<br />

do fungo, que exige que sua<br />

propagação seja feita em plantas multiplicadoras.<br />

São conhecidos vários sistemas<br />

para a multiplicação de propágulos,<br />

em solo desinfestado, substratos inertes,<br />

sistemas hidropônicos e aeropônicos, e<br />

produção de inoculantes. Em condições<br />

favoráveis apropriadas, pode-se obter<br />

até 200.000 esporos de FMAs por litro de<br />

substrato em 4 meses, o que seria suficiente<br />

para inocular de 2.000 a 3.000<br />

mudas. O estabelecimento de padrões<br />

de qualidade de inoculantes, considerando-se<br />

aspectos de pureza e sanidade,<br />

é essencial para o desenvolvimento comercial<br />

desses fungos. Pacotes tecnológicos<br />

para aplicações diversas já foram<br />

desenvolvidos, como é o caso da inoculação<br />

do cafeeiro (Saggin Júnior & Siqueira,<br />

1996), cuja viabilidade técnica já<br />

foi demonstrada no Brasil e sua aplicação<br />

é concretizada na Colômbia, onde<br />

existem várias empresas produtoras de<br />

inoculantes. Mudas inoculadas com esporos<br />

de fungos selecionados (figura<br />

10) desenvolvem-se mais rapidamente<br />

no viveiro, sobrevivem melhor quando<br />

transplantadas para o campo e produzem<br />

mais. Aumentos de produção no<br />

primeiro ano variam de 30% a 800%,<br />

enquanto que, nos anos seguintes, esses<br />

efeitos são muito inconsistentes. Valores<br />

médios para aumento de produção nos<br />

cinco primeiros anos, em diversos experimentos<br />

realizados em Lavras e Patrocínio<br />

(MG), são da ordem de 50% em<br />

relação às mudas sem inoculação na<br />

formação. Isso representa um aumento<br />

de produtividade acumulada de 35 sacas<br />

de café beneficiado por ha no período.<br />

Esses estudos revelaram efeitos complementares<br />

entre a aplicação de P com a<br />

18 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Figura 10. Suspensão de esporos obtida de vasos de multiplicação pronta para<br />

uso em inoculações (a) e mudas de cafeeiro micorrizadas preparadas para o<br />

plantio no campo (b)<br />

resposta do cafeeiro à micorrização.<br />

Sem P não há resposta à inoculação e a<br />

dose de P necessária para atingir a<br />

produção máxima foi de 207 e 100 g de<br />

P 2<br />

O 5<br />

por planta, sem e com inoculação<br />

na formação, respectivamente. Portanto,<br />

em solos de cerrado, a micorriza pode<br />

reduzir a necessidade de P do cafeeiro à<br />

metade (Siqueira et al 1998).<br />

Nos cultivos anuais extensivos, a<br />

inoculação com FMAs não é viável,<br />

devido ao grande volume de inoculante<br />

que seria necessário. Nesse caso, uma<br />

alternativa seria o manejo da população<br />

de fungos indígenas que, embora presentes<br />

em todos os solos, não se encontram<br />

em quantidades suficientes para<br />

atingir, em tempo, taxas de colonização<br />

necessárias para garantir benefícios às<br />

culturas de ciclo curto como milho, soja,<br />

feijão. Conhecendo os fatores edáficos e<br />

culturais que influenciam os FMAs, suas<br />

populações podem ser manejadas. É<br />

relativamente fácil aumentar a densidade<br />

de propágulos no solo, porém difícil<br />

promover alterações qualitativas específicas.<br />

Em geral, o cultivo mínimo do solo,<br />

o uso reduzido de agroquímicos e o<br />

Figura 11. Representação esquemática das etapas da descoberta de substâncias<br />

vegetais bioativas e desenvolvimento de produtos estimulantes da<br />

micorrização<br />

cultivo com leguminosas favorecem os<br />

FMAs. Já, o cultivo com espécies não<br />

micotróficas, como crucíferas e membros<br />

da Chenopodiaceae, e monoculturas<br />

de gramíneas de uso prolongado<br />

reduzem a densidade de propágulos no<br />

solo.<br />

A identificação de compostos orgânicos<br />

ativos sobre os FMAs em exsudatos<br />

de plantas sob estresse nutricional<br />

(Nair et al., 1990, Paula e Siqueira, 1990)<br />

possibilitou o desenvolvimento de uma<br />

nova estratégia para estimular os propágulos<br />

desses fungos em solos agrícolas<br />

(figura 11). Compostos naturais de alta<br />

atividade sobre os FMAs in vitro e na<br />

micorrização foram encontrados e serviram<br />

de base para o desenvolvimento de<br />

produtos estimulantes da micorrização<br />

(US patent no. 5.002.603, de 03/1991).<br />

Durante a década de 90, estudos de P &<br />

D conduzidos por pesquisadores da<br />

Michigan State University (MSU), nos<br />

EUA, e da Universidade Federal de Lavras<br />

(MG) permitiram o desenvolvimento<br />

de formulações comerciais à base de<br />

formononetina sintética (figura 12) como<br />

o Myconate TM , atualmente produzido<br />

pela VAMTech (L.C.C.,EUA), sob licença<br />

da MSU. Em experimentos realizados em<br />

Lavras (MG), a aplicação de 60 a 100 g de<br />

Myconate no solo ou na semente aumentou<br />

a produtividade do milho de 8,0<br />

t ha -1 no controle para 10,4 t ha -1 no<br />

melhor tratamento, correspondendo a<br />

37 sacas ha -1 (figura 13). Respostas semelhantes<br />

foram encontradas para a<br />

soja no Brasil (figura 12) e para esta e<br />

outras culturas em outros países (Nair et<br />

al 1999). Devido à predominância de<br />

solos pobres e à alta exigência de P das<br />

culturas, o Brasil apresenta enorme potencial<br />

para essa tecnologia, a qual já foi<br />

licenciada para uma empresa nacional<br />

do ramo de insumos biológicos. Testes<br />

finais de campo estão sendo realizados<br />

visando ao registro e à comercialização<br />

do Myconate. Para obter-se sucesso com<br />

o emprego de produtos à base de isoflavonóides<br />

é importante considerar: a) a<br />

cultura deve ser micotrófica e apresentar<br />

alta compatibilidade com os fungos indígenas;<br />

b) deve haver propágulos viáveis<br />

no solo, porém em densidade abaixo da<br />

necessária para atingir máxima colonização;<br />

c) as condições nutricionais ou<br />

ambientais devem impor algum grau de<br />

estresse para garantir os benefícios da<br />

melhor micorrização; d) a viabilidade<br />

tecnológica depende de benefícios consistentes<br />

na produtividade e/ou redução<br />

no uso de insumos, como os fertilizantes<br />

fosfatados.<br />

A aplicação dos FMAs em larga esca-<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 19


Figura 12. Formononetina pura e incorporada em veículo para aplicação (a), lavoura experimental de milho tratada<br />

com Myconate (b), produção de soja em Lavras-MG (c), estrutura da Formononetina (7-hidroxi, 4´-metoxi-isoflavona) (d)<br />

la poderá contribuir para redução no<br />

uso de agroquímicos, diminuir as perdas<br />

das culturas causadas por estresses diversos<br />

e aumentar a produção, e, ao<br />

mesmo tempo, favorecer a conservação<br />

ambiental. Portanto, os FMAs são importantes<br />

componentes da produção agrícola<br />

e, se manejados adequadamente,<br />

podem contribuir substancialmente para<br />

a sustentabilidade dos agrossistemas. Nos<br />

trópicos também são componentes importantes<br />

na recuperação de áreas degradadas,<br />

especialmente quando se emprega<br />

a fitorremediação. Sua aplicação<br />

como insumo biológico dependerá de<br />

vários aspectos:<br />

a) exploração comercial em larga<br />

escala: está condicionada a avanços<br />

reais para produção de inoculantes, manipulação<br />

da população indígena através<br />

de manejo específico ou do emprego<br />

de produtos estimulantes da micorrização;<br />

b) é necessário ampliar a experimentação,<br />

em campo para obter-se resultados<br />

experimentais conclusivos e realizar<br />

análise da consistência, longevidade e<br />

custo/benefício da inoculação;<br />

c) o mercado de fertilizantes, no que<br />

diz respeito ao preço relativo do produto,<br />

disponibilidade dos adubos para os<br />

produtores e esgotamento de matériasprimas<br />

industriais, é de grande importância.<br />

Preços altos ou relações de troca<br />

com produtos desfavoráveis facilitarão a<br />

aplicação dos FMAs na agricultura;<br />

d) o enfoque ecológico da produção<br />

agrícola visando sustentabilidade, implicará<br />

na redução da mecanização e do<br />

uso de agroquímicos, facilitando o emprego<br />

dos FMAs. A maior conscientização<br />

dos agricultores e da sociedade<br />

sobre a necessidade de preservação ambiental<br />

e conservação de recursos naturais<br />

amplia as oportunidades para tecnologias<br />

biológicas seguras, como os FMAs,<br />

que são aliados ancestrais das plantas no<br />

ambiente terrestre.<br />

Figura 13. Efeitos de formulações de formononetina aplicadas na semente<br />

(sem) ou no solo na produção do milho (Romero, 2000, dissertação de<br />

mestrado-UFLA). Tukey a 5%<br />

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<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 21


Pesquisa<br />

Salmonella<br />

vacinais<br />

Foto cedida pelos autores<br />

Uma estratégia promissora para o desenvolvimento de vacinas orais multivalentes<br />

Maria Elisabete Sbrogio de Almeida<br />

Pesquisadora do Instituto Butantan,<br />

Centro de <strong>Biotecnologia</strong>,<br />

bsbrogio@usp.br<br />

Liliana Moura Massis<br />

Estagiária de Iniciação Científica,<br />

Departamento de Microbiologia da USP<br />

Luís Carlos de Souza Ferreira<br />

Prof. Titular, Departamento de Microbiologia da<br />

Universidade de São Paulo,<br />

lcsf@usp.br<br />

Figura 1: Micrografia eletrônica de<br />

flagelo híbrido de linhagem atenuada<br />

de S. Dublin fusionado a peptídeo<br />

heterólogo. Um peptídeo com 15<br />

aminoácidos, derivado do antígeno<br />

CFA/I de E. coli enterotoxigênica<br />

(ETEC) foi fusionado geneticamente<br />

com a flagelina de S. Muenchen<br />

expressa em linhagem vacinal de<br />

Salmonella. A presença do epitopo<br />

heterólogo fusionado com a flagelina<br />

é revelada pela marcação com<br />

anticorpos específicos para o CFA/I<br />

de ETEC, que são revelados pela<br />

presença de um segundo anticorpo<br />

marcado com ouro coloidal visto<br />

como pequenas partículas negras<br />

aderidas ao flagelo. A barra à esquerda<br />

mede o equivalente a 20 nm<br />

actérias do gênero Salmonella,<br />

em particular linhagens da<br />

espécie S. enterica, podem<br />

causar doenças como diarréia<br />

e gastroenterite, ou ainda infecções<br />

sistêmicas, muitas vezes letais, em diversas<br />

espécies de mamíferos. No homem,<br />

os principais sorovares, isto é,<br />

grupos de linhagens que compartilham<br />

antígenos de superfície reconhecidos<br />

por anticorpos específicos, responsáveis<br />

por infecções sistêmicas são<br />

representados pela S. enterica sorovar<br />

Typhi (ou S. Typhi), agente causador<br />

da febre tifóide – doença comum em<br />

muitos países em desenvolvimento e<br />

com elevados índices de mortalidade –<br />

e a S. enterica sorovar Paratyphi (ou S.<br />

Paratyphi), causadora da febre entérica<br />

ou paratifóide. Outros sorovares<br />

como S. Typhimurium, S. Dublin e S.<br />

Enteritidis causam distúrbios gastrointestinais<br />

em diversas espécies de mamíferos,<br />

aves e répteis. Em camundongos,<br />

linhagens de S. Typhimurium e<br />

S. Dublin, ao contrário do<br />

que se observa no homem<br />

ou em bovinos, provocam<br />

infecções sistêmicas semelhantes<br />

à febre tifóide no<br />

homem.<br />

O tratamento de infecções<br />

por Salmonella emprega,<br />

em geral, antibióticos,<br />

mas o problema da<br />

multirresistência bacteriana<br />

aos quimioterápicos e<br />

o elevado custo reduziram<br />

drasticamente a eficácia<br />

dessa estratégia terapêutica.<br />

Vacinas contra as<br />

salmoneloses são uma alternativa<br />

profilática com<br />

excelente relação custobenefício<br />

para regiões<br />

onde a bactéria é endêmica<br />

e prevalecem condições<br />

precárias de saneamento e higiene.<br />

A pesquisa de vacinas contra as<br />

salmoneloses humanas iniciou-se com<br />

a busca de uma formulação que conferisse<br />

proteção à febre tifóide, uma<br />

doença que preocupava os militares,<br />

em função do grande número de soldados<br />

infectados durante operações<br />

de guerra. A primeira vacina contra a<br />

febre tifóide foi desenvolvida no final<br />

do século 19 e consistia em bactérias<br />

mortas pelo calor, e preservadas em<br />

22 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


fenol, administradas por via parenteral.<br />

Essa vacina foi utilizada durante<br />

décadas e embora razoavelmente eficaz<br />

(60% a 70% de proteção por<br />

períodos de até 7 anos) causava fortes<br />

reações adversas como febre e convulsões<br />

em uma parcela dos indivíduos<br />

vacinados. Por causa desse problema,<br />

a partir da década de 70, a vacina<br />

contra a febre tifóide foi substituída<br />

por uma nova formulação baseada em<br />

bactérias vivas atenuadas, isto é, cepas<br />

que perderam a capacidade de<br />

causar doença, mas mantiveram o<br />

potencial de conferir proteção (Levine<br />

& Sztein, 1996).<br />

Nos últimos anos, o emprego de<br />

linhagens atenuadas de Salmonella<br />

como abordagem vacinal expandiuse<br />

rapidamente e extrapolou o problema<br />

das salmoneloses. A relativa<br />

facilidade na obtenção de linhagens<br />

atenuadas e a possibilidade de transformá-las<br />

em veículos para a expressão<br />

de antígenos heterólogos (antígenos<br />

codificados por genes oriundos de<br />

outros patógenos) transformou o uso<br />

dessas bactérias em uma promissora<br />

estratégia para o desenvolvimento de<br />

novas vacinas (Chatfield & Dougan,<br />

1997). Neste artigo discutimos aspectos<br />

relacionados com os processos de<br />

obtenção de linhagens atenuadas de<br />

Salmonella e a utilização dessas bactérias<br />

como formulações vacinais bivalentes.<br />

Vantagens das vacinas<br />

baseadas em Salmonella<br />

As vacinas baseadas em linhagens<br />

atenuadas de Salmonella podem e<br />

devem ser administradas por via oral,<br />

para diminuir os custos operacionais<br />

de sua produção e administração. Essas<br />

linhagens também são capazes de<br />

estimular uma ampla gama de respostas<br />

imunológicas, como a produção de<br />

anticorpos no sangue e na luz intestinal<br />

(IgA secretado ou sIgA) e ativação<br />

de macrófagos, linfócitos T e células<br />

citotóxicas. A produção de sIgA em<br />

superfície de mucosa, como o epitélio<br />

intestinal, mostra-se de particular importância,<br />

já que, em geral, essa produção<br />

não pode ser induzida por vacinas<br />

administradas por via parenteral.<br />

Por sua vez, a produção de sIgA em<br />

superfície de mucosa confere uma<br />

barreira à entrada de microrganismos<br />

pelo trato intestinal, respiratório ou<br />

genito-urinário (Lásaro & Ferreira,<br />

2000).<br />

Estratégias empregadas<br />

na atenuação de linhagens<br />

de Salmonella<br />

As salmonelas são caracteristicamente<br />

patogênicas aos seus hospedeiros<br />

e seus derivados naturalmente atenuados<br />

não são encontrados na natureza.<br />

A administração de 100 a 500<br />

bactérias vivas é suficiente para causar<br />

doenças como a febre tifóide e as<br />

gastroenterites, tanto em humanos<br />

como em animais. Acredita-se que cerca<br />

de 200 a 500 genes sejam necessários<br />

para que salmonelas causem doença a<br />

seus respectivos hospedeiros. Mutações<br />

nas Salmonella que levam à sua<br />

atenuação reduzem, de forma drástica,<br />

a patogenicidade da linhagem e, em<br />

geral, doses superiores a 10 9 bactérias<br />

vivas, administradas por via oral, não<br />

resultam em qualquer sintoma ou reação<br />

adversa nos indivíduos vacinados.<br />

Os genes responsáveis pela atenuação<br />

de bactérias patogênicas, em particular<br />

Salmonella, são divididos em três<br />

grandes grupos: genes envolvidos com<br />

a síntese de fatores relacionados com a<br />

virulência, genes envolvidos com o<br />

metabolismo biossintético e genes que<br />

participam de processos de regulação<br />

gênica (Tabela 1).<br />

A primeira linhagem vacinal de<br />

Salmonella, utilizada como vacina oral<br />

contra a febre tifóide, foi a cepa Ty21a<br />

de S. Typhi (Germanier & Furer, 1975).<br />

Essa linhagem foi selecionada no começo<br />

da década de 70, após ser submetida<br />

a um processo de mutagênese<br />

química. A natureza genética da atenuação<br />

dessa linhagem é desconhecida,<br />

mas foi inicialmente atribuída a uma<br />

mutação no gene galE, que codifica<br />

para uma enzima envolvida com síntese<br />

de lipopolissacarídeos, necessários<br />

à virulência da bactéria. Essa linhagem<br />

também se mostra incapaz de produzir<br />

o antígeno capsular Vi, material de<br />

natureza polissacarídica, também envolvido<br />

com a virulência. Três ou quatro<br />

doses da vacina, constituída de<br />

bactérias vivas liofilizadas, ingeridas na<br />

forma de cápsulas ou suspensas em<br />

líquido, resultaram em proteção de<br />

60% a 80% dos indivíduos vacinados<br />

por períodos de até 7 anos e sem<br />

ocorrência de qualquer efeito adverso.<br />

O loci genético SPI2 define uma das<br />

duas ilhas de patogenicidade encontradas<br />

em S.Typhimurium. Mutações<br />

em vários genes presentes nessa região<br />

reduzem a capacidade de infecção<br />

sistêmica e sobrevivência da bactéria<br />

no interior de fagócitos (Medina<br />

et al., 1999).<br />

Mutações em genes envolvidos na<br />

biossíntese de compostos aromáticos<br />

(aro) são freqüentemente empregadas<br />

na obtenção de linhagens atenuadas,<br />

tanto para Salmonella como para<br />

outras espécies de bactérias gram-negativas.<br />

A via de biossíntese de compostos<br />

aromáticos em bactérias é responsável<br />

pela produção dos aminoácidos<br />

aromáticos (tirosina, fenilalanina e<br />

triptofano), enteroquelina (um composto<br />

quelante de ferro), folato, ubiquinona<br />

e vitamina K. A maior parte<br />

desses compostos está disponível em<br />

meios ricos ou nos tecidos do hospedeiro,<br />

entretanto, o folato e a enteroquelina<br />

precisam ser sintetizados de<br />

novo a partir do ácido 2.3 dihidroxibenzóico,<br />

precursor não encontrado<br />

em tecidos de mamíferos. O folato, por<br />

sua vez, é necessário para a síntese de<br />

bases nitrogenadas e da formil-metionina,<br />

aminoácido usado exclusivamente<br />

pelas bactérias para iniciar a síntese<br />

protéica. Curiosamente, o folato está<br />

disponível em quantidades razoáveis<br />

em células de mamífero, mas as salmonelas,<br />

assim como outras bactérias, não<br />

dispõem de um sistema de transporte<br />

específico que permita a sua utilização.<br />

Após serem ingeridas, linhagens<br />

de Salmonella deficientes em genes<br />

aro permanecem nos tecidos do hospedeiro<br />

por alguns dias, mas, sem<br />

causarem qualquer sintoma ao hospedeiro,<br />

terminam por serem eliminadas<br />

pelos mecanismos de defesa imunológica.<br />

As principais mutações utilizadas<br />

para obtenção de linhagens atenuadas<br />

de Salmonella deficientes na via de<br />

síntese de compostos aromáticos incidem<br />

sobre os genes aroA, aroC e o<br />

aroD. Entre as Salmonella vacinais<br />

aro - destacam-se as linhagens SL3261<br />

de S. Typhimurium, SL5928 de S.<br />

Dublin e CVD908 de S. Typhi. Outros<br />

genes capazes de causar a atenuação<br />

de Salmonella por bloqueio de vias<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 23


Tabela 1: Genes empregados na atenuação de linhagens vacinais de Salmonella<br />

Genes ligados à virulência<br />

Genes ligados à biossíntese<br />

Genes relacionados com<br />

funções reguladoras<br />

GENES NOS QUAIS MUTAÇÕES LEVAM À ATENUACÃO<br />

galE<br />

SPI2<br />

aroA, C, D<br />

purA, B, E, H<br />

guaBA (operon)<br />

asd<br />

cya<br />

crp<br />

dam<br />

phoP/phoQ<br />

ompR<br />

hns<br />

htrA<br />

UDP 4-galactose epimerase (síntese de lipopolissacarídeos)<br />

Loci genético composto por diversos genes necessários à<br />

infecção sistêmica e sobrevivência no interior de fagócitos<br />

Enzimas envolvidas na via de síntese do ácido corísmico<br />

(biossíntese de compostos aromáticos)<br />

Enzimas envolvidas na síntese de purinas (síntese de DNA)<br />

Interfere na biossíntese de guanina<br />

Aspartato semi-aldeído desidrogenase (síntese da parede<br />

celular)<br />

Adenilato ciclase<br />

Proteína receptora de cAMP (regulação gênica)<br />

DNA metilase (reparo do DNA)<br />

Fosfatase (regulação da expressão gênica)<br />

Proteína ligadora ao DNA (regulação da expressão gênica0<br />

Proteína ligadora ao DNA (regulação da expressão gênica)<br />

Proteína ligada a estresse (serina protease)<br />

metabólicas estão envolvidos com a<br />

biossíntese de purinas (pur), guaninas<br />

(gua) e parede celular (asd) (Tabela<br />

1).<br />

A inativação de genes envolvidos<br />

com a regulação da expressão gênica<br />

pode levar à atenuação de Salmonella<br />

e de outras bactérias gram-negativas.<br />

Esses genes, na sua maioria, são responsáveis<br />

pela síntese de proteínas<br />

com características de repressores e/<br />

ou ativadores transcricionais ou podem<br />

participar na síntese de moléculas<br />

sinalizadoras, como o gene (cya), que<br />

codifica para a adenilato ciclase, responsável<br />

pela produção de AMP cíclido<br />

(cAMP) e o gene (crp), que codifica<br />

para proteína ligadora de cAMP. Outros<br />

reguladores como OmpR, PhoP,<br />

HNS e a DAM também levam à atenuação<br />

de bactérias quando inativos (Tabela<br />

1).<br />

Estratégias para a expressão<br />

de antígenos heterólogos<br />

em linhagens vacinais<br />

de Salmonella<br />

Linhagens vacinais bivalentes de<br />

Salmonella podem expressar antígenos<br />

heterólogos após receberem genes,<br />

sob controle de promotores bacterianos,<br />

clonados em plasmídeos ou<br />

inseridos no cromossoma. A grande<br />

proximidade filogenética permite que<br />

as técnicas de manipulação genética<br />

desenvolvidas para a E. coli K12 possam<br />

ser facilmente adaptadas a Salmonella.<br />

Diversos plasmídeos de expressão,<br />

originalmente desenvolvidos em<br />

E. coli, são utilizados para promover a<br />

expressão de antígenos heterólogos<br />

em linhagens atenuadas de Salmonella.<br />

No entanto, a expressão de antígenos<br />

a partir de plasmídeos pode levar<br />

à instabilidade da expressão gênica na<br />

linhagem vacinal, com a conseqüente<br />

perda da imunogenicidade. Uma alternativa<br />

para minimizar esse problema<br />

baseia-se na utilização de antibióticos<br />

que exerça pressão seletiva para a<br />

manutenção do plasmídeo recombinante<br />

durante a propagação da bactéria<br />

in vitro. Outra alternativa para controlar<br />

a estabilidade da expressão de<br />

antígenos por linhagens vacinais de<br />

Salmonella emprega um sistema letal<br />

balanceado (Curtiss III et al., 1989).<br />

Linhagens atenuadas de Salmonella<br />

são modificadas pela inativação do<br />

gene asd, necessário à síntese de ácido<br />

diaminopimélico, um componente<br />

essencial para a formação da parede<br />

celular bacteriana. Na ausência desse<br />

precursor, não disponível nos tecidos<br />

de mamíferos, a Salmonella não é<br />

capaz de manter a integridade de seu<br />

envoltório celular. Dessa forma, linhagens<br />

asd- de Salmonella são transformadas<br />

com plasmídeos que transportam<br />

uma cópia intacta do gene asd<br />

além do gene responsável pela síntese<br />

do antígeno vacinal. Quando esse sistema<br />

é combinado a linhagens atenuadas<br />

por mutação em genes crp/cya<br />

ou aro, a expressão do antígeno heterólogo<br />

é estabilizada e sua imunogenicidade<br />

no mamífero aumenta.<br />

Uma segunda alternativa para a<br />

estabilização da expressão gênica em<br />

linhagens vacinais de Salmonella consiste<br />

na inserção do gene heterólogo<br />

no DNA cromossômico. Diferentes sistemas<br />

genéticos permitem a inserção<br />

de genes em sítios específicos do cromossoma<br />

de Salmonella. Para isso,<br />

empregam-se os chamados plasmídeos<br />

suicidas, isto é, plasmídeos incapazes<br />

de se replicarem na linhagem vacinal.<br />

Quando introduzidos na Salmonella,<br />

esses plasmídeos segregam-se e<br />

são perdidos ou integram-se ao DNA<br />

cromossômico da bactéria através de<br />

um processo de recombinação por<br />

homologia. Esses recombinantes expressam,<br />

de forma mais estável, o<br />

antígeno heterólogo, mas a redução na<br />

quantidade do antígeno produzido<br />

pode reduzir sua imunogenicidade em<br />

relação ao sistema epissomal, isto é,<br />

aqueles que empregam plasmídeos,<br />

pela diminuição do número de cópias<br />

do gene presente em cada bactéria.<br />

Entretanto, o emprego de promotores<br />

bacterianos ativados em condições<br />

encontradas durante o trajeto da bactéria<br />

pelo organismo do hospedeiro pode<br />

aumentar muito a expressão e, conseqüentemente,<br />

a imunogenicidade do<br />

antígeno. O promotor do gene nirB,<br />

ativado em condições de anaerobiose,<br />

representa um exemplo de sistema de<br />

expressão capaz de aumentar a estabilidade<br />

sem o comprometimento da<br />

24 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Tabela 2: Alguns exemplos de vacinas bivalentes baseadas em linhagens atenuadas de Salmonella e suas propriedades<br />

imunológicas<br />

Antígeno heterólogo ó Doença Salmonella vacinal ® Imunogenicidade ¡ Proteção ö<br />

I . Antígenos de natureza bacteriana<br />

Toxina tetânica (Clostridium tetani) Tétano S. Typhimurium aro - + +<br />

P.69/FHA/PTX-S (Bordetella pertussis) Coqueluche S. Typhimurium aro - + +<br />

LTB/K1/K88/CFA-I (Escherichia coli) Diarréia S. Typhimurium aro - + +<br />

28 kDa OMP (Neisseria meningitidis) Meningite S. Typhimurium aro - + ND<br />

CTB (Vibrio cholerae) Cólera S. Typhimurium aro - + ND<br />

S. Dublin aro - + ND<br />

F1 (Yersinia pestis) Peste S. Typhimurium aro - + +<br />

Proteína M (Streptococcus pyogenes) Choque Tóxico S. Typhimurium aro - + +<br />

SpaA (S. mutans, S. sobrinus) Cárie S. Typhimurium cya - crp - + ND<br />

Invasina (Yersinia pseudotuberculosis) Gastroenterite S. Typhimurium aro - + +<br />

Diversos (Treponema pallidum) Sífilis S. Typhimurium aro - + ND<br />

Diversos (Mycobacterium leprae) Lepra S. Typhimurium cya - crp - + ND<br />

Pneumolisina (Streptococcus pneumonia) Pneumonia S. Typhimurium aro - + ND<br />

LTB/CFA-I/CS3 (Escherichia coli) Diarréia S. Typhi aro - + ND<br />

Antígeno O (Shigella flexneri) * Diarréia S. Typhi aro - + +<br />

Antígeno O (Vibrio cholerae)* Cólera S. Typhi aro - + ++<br />

II. Antígenos de natureza viral<br />

NP (vírus influenza) Gripe S. Typhimurium aro - + +<br />

HA (vírus influenza) Gripe S. Dublin aro - + ND<br />

S1/S2/NP (vírus da hepatite B) Hepatite S. Typhimurium aro - + ND<br />

S. Typhimurium cya - crp + ND<br />

S. Dublin aro - + ND<br />

gp120 (HIV) AIDS S. Typhimurium aro - + ND<br />

gB1 (vírus herpes simplex) Herpes S. Typhimurium aro - + ND<br />

Proteína G (vírus respiratório sincicial) Pneumonia S. Typhimurium aro - ND ND<br />

III. Antígenos de natureza parasitária<br />

SREHP (Entamoeba histolytica) Amebíase S.Typhimurium cya - crp - + +<br />

gp63 (Leishmania major) Leishmaniose S. Typhimurium aro - + +<br />

CSP /MSP-1 (Plasmodium berghei ,<br />

Plasmodium yoelii) Malária murina S.Typhimurium cya - crp - + +<br />

S. Dublin aro - + +<br />

CSP (P.falciparum)* Malária humana S. Typhi aro - + ND<br />

ó – Antígenos derivados de diferentes patógenos expressos em linhagens atenuadas de Salmonella;<br />

® – Linhagem atenuada empregada nos ensaios in vivo: aro - , linhagens deficientes na síntese de compostos<br />

aromáticos; cya - crp - , linhagens deficiente na síntese de cAMP e proteína ligadora de cAMP;<br />

¡ – Detecção de resposta imune induzida (produção de anticorpos, atividade citotóxica, produção de citocinas,<br />

etc.) contra os antígenos heterólogos nos animais imunizados com as linhagens vacinais de Salmonella. Ensaios<br />

baseados em modelo murino, exceto naqueles indicados (*) nos quais foram feitos ensaios em voluntários<br />

humanos;<br />

ö – Animais imunizados com a linhagem vacinal foram total ou parcialmente protegidos contra desafio com o<br />

patógeno que forneceu o antígeno heterólogo<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 25


imunogenicidade de antígenos.<br />

A disponibilidade de técnicas de<br />

clonagem e expressão de genes heterólogos<br />

em Salmonella atenuada permitiu<br />

a construção de diversas vacinas<br />

baseadas em linhagens bivalentes que<br />

expressam antígenos de vírus, bactérias<br />

ou parasitos (Tabela 2). Essas vacinas<br />

foram testadas em sua grande<br />

maioria em modelos animais, mas, em<br />

alguns casos, mostraram resultados<br />

promissores também em voluntários<br />

humanos. Embora ainda não se disponha<br />

de uma vacina bivalente baseada<br />

em Salmonella atenuada, tais resultados<br />

indicam que no futuro essa abordagem<br />

possa ser efetivamente utilizada<br />

como alternativa profilática para várias<br />

doenças infecciosas do homem e animais<br />

domésticos.<br />

Um desdobramento técnico relacionado<br />

com a expressão de antígenos<br />

heterólogos por linhagens atenuadas<br />

de Salmonella envolve a fusão de<br />

peptídeos heterólogos com proteínas<br />

bacterianas. A utilização de peptídeos<br />

evita que reações de auto-imunidade,<br />

como a febre reumática, desencadeadas<br />

por alguns antígenos de natureza<br />

microbiana possam ser eliminadas sem<br />

o comprometimento da capacidade<br />

de indução de resposta imunológica<br />

protetora. A fusão genética de peptídeos,<br />

com 10 a 20 aminoácidos, com<br />

proteínas bacterianas representa uma<br />

alternativa simples e econômica para<br />

as vacinas baseadas em peptídeos sintéticos.<br />

O acoplamento genético do<br />

peptídeo heterólogo com uma proteína<br />

de Salmonella também pode atuar<br />

como um adjuvante natural e permite<br />

a administração pela via oral. Entre as<br />

proteínas de Salmonella mais utilizadas<br />

para a expressão de peptídeos<br />

heterólogos destaca-se a flagelina, subunidade<br />

estrutural do flagelo bacteriano<br />

(Figura 1). Esse modelo, inicialmente<br />

desenvolvido pela pesquisadora<br />

brasileira Salete Newton, permite<br />

que milhares de cópias do peptídeo de<br />

interesse sejam expressas na superfície<br />

da Salmonella em forma de flagelos,<br />

que permanecem, em geral, funcionais<br />

(Newton & Stocker, 1989).<br />

Linhagens atenuadas de Salmonella<br />

também podem ser utilizadas como<br />

veículos para vacinas de DNA. Nesse<br />

sistema, a Salmonella atenuada não se<br />

encarrega de expressar o antígeno<br />

codificado, mas transporta a mensagem<br />

genética que irá transfectar as células de<br />

defesa do hospedeiro (Lásaro e Ferreira,<br />

2000).<br />

A pesquisa de linhagens vacinais<br />

de Salmonella no Brasil<br />

A contribuição brasileira para a pesquisa<br />

de vacinas baseadas em Salmonella<br />

é significativa. Além do modelo de<br />

expressão de peptídeos fusionados à<br />

flagelina de Salmonella, outros grupos<br />

em universidades e institutos de pesquisa<br />

testam linhagens atenuadas como<br />

estratégia vacinal bivalente. Nosso grupo<br />

desenvolve pesquisas voltadas para<br />

a construção de vacinas bivalentes baseadas<br />

em S. Typhimurium aroA, capazes<br />

de expressar uma proteína envolvida na<br />

colonização do epitélio intestinal pela<br />

Escherichia coli enterotoxigênica<br />

(ETEC), o principal agente etiológico da<br />

diarréia dos viajantes. Os resultados obtidos<br />

até o momento atestam o potencial<br />

dessa abordagem e abrem perspectivas<br />

para o desenvolvimento de novas<br />

vacinas orais para controle de patógenos<br />

entéricos (Guillobel et al., 2000;<br />

Lásaro e Ferreira, 2000; Simões e Ferreira,<br />

2001).<br />

Conclusões e perspectivas<br />

Nos últimos anos, presenciamos um<br />

significativo progresso no uso experimental<br />

de linhagens vacinais de Salmonella<br />

como estratégia vacinal bivalente.<br />

Atualmente o conhecimento sobre a<br />

patogênese bacteriana e o aprimoramento<br />

de técnicas relacionadas com a<br />

manipulação genética de microrganismos<br />

permite que se criem, em curto<br />

espaço de tempo, linhagens vacinais<br />

seguras e eficazes. Além disso, as facilidades<br />

de produção, armazenamento e<br />

administração tornam essa estratégia uma<br />

alternativa vacinal interessante, sobretudo<br />

para países em desenvolvimento.<br />

Acreditamos que a formação de competência<br />

técnica e científica para geração<br />

e uso de linhagens vacinais de Salmonella<br />

poderá contribuir para a melhoria das<br />

condições de saúde de nossa população.<br />

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26 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


UNISCIENSE<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 27


Pesquisa<br />

Novos moduladores da formação de<br />

VASOS SANGUÍNEOS<br />

Fotos e ilustrações cedidas pelos autores<br />

Na regulação de processos de angiogênese, novas abordagens em patologia e terapêutica<br />

Paulo Fernando Dias<br />

Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Farmacologia, CCB<br />

Professor do Departamento de Biologia Celular, Embriologia e Genética - CCB<br />

Universidade Federal de Santa Catarina.<br />

paulus@mbox1.ufsc.br<br />

Rosa Maria Ribeiro-do-Valle<br />

Prof. Dra. do Departamento de Farmacologia - CCB<br />

Universidade Federal de Santa Catarina.<br />

Renata dos Passos Maraschim<br />

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em <strong>Biotecnologia</strong>, CCA<br />

Universidade Federal de Santa Catarina.<br />

Marcelo Maraschim<br />

Prof, Dr. do Departamento de Fitotecnia - CCA<br />

Universidade Federal de Santa Catarina.<br />

28 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002<br />

o organismo humano, os vasos sangüíneos integram<br />

uma rede de 50 km de tubos responsáveis<br />

pelo fluxo do sangue e pela perfusão tecidual nos<br />

diversos sistemas (Fig. 1). Os vasos estão organizados<br />

em uma monocamada de células endoteliais,<br />

revestidos por moléculas de colágeno, elastina, glicoproteínas<br />

e proteoglicanas - matriz extracelular - e células com<br />

função de suporte (Koch,1998).<br />

Novos vasos sanguíneos são formados quando as células<br />

endoteliais e as células musculares lisas - que formam o<br />

revestimento interno e externo dos vasos - crescem em<br />

resposta a fatores ou sinais específicos. Esse processo fisiológico,<br />

conhecido como angiogênese, pode sofrer alterações e<br />

desencadear muitas doenças, como a<br />

psoríase, a cegueira na diabetes, a artrite<br />

e o câncer.<br />

O entendimento dos mecanismos celulares<br />

envolvidos na vascularização lança<br />

perspectivas sobre a promoção do<br />

crescimento vascular no restabelecimento<br />

do tecido isquêmico, e o bloqueio do<br />

crescimento de vasos para conter o avanço<br />

de patologias, como o câncer (Jain e<br />

Carmeliet, 2001).<br />

Em condições normais, as células endoteliais<br />

proliferam em um ritmo muito<br />

lento, apresentando longevidade acentuada.<br />

No organismo adulto somente<br />

0,01% das células endoteliais encontramse<br />

normalmente em processo de divisão,<br />

um valor bastante diferente daquele observado<br />

no epitélio intestinal, onde, aproximadamente,<br />

14% das células encontram-se em processo<br />

mitótico (Hanahan e Folkman, 1996).<br />

Nem sempre as células endoteliais mostram um percentual<br />

de divisão celular tão reduzido. No decorrer do<br />

período embrionário, entre 3,5 e 8 semanas do desenvolvimento<br />

humano, o sistema cardiovascular é um dos<br />

primeiros sistemas a se estabelecer. Nessa fase, as células<br />

são mobilizadas em intensos movimentos morfogenéticos<br />

integrados no tempo e no espaço para criar progressivamente<br />

a forma do corpo. A migração celular nesse período<br />

assemelha-se muito mais ao intenso tráfego nas autopistas<br />

de uma metrópole, que ao trânsito pacato e organizado de<br />

uma cidadezinha de interior. Durante aqueles eventos, que<br />

Figura 1 - Esquema mostrando a estrutura da parede vascular, onde a<br />

monocamada de células endoteliais limita internamente o vaso sanguíneo,<br />

separando o leito vascular da estrutura externa de suporte


Figura 2 - A remodelagem dos vasos sanguíneos possibilita a transição da<br />

rede de vasos primordiais típica do período de vasculogênese para a estrutura<br />

vascular definitiva resultante do processo de angiogênese; A- Estabilização<br />

das células endoteliais; B- Perda da adesão celular e desestabilização<br />

do vaso; C- Crescimento ou regressão vascular (Adaptado de Yancopoulos<br />

e col., 2000)<br />

envolvem diversos níveis de comunicação<br />

célula - célula, incluindo as interações<br />

entre diferentes linhagens celulares,<br />

o endotélio constitui o arcabouço<br />

em torno do qual o coração, as artérias,<br />

veias e capilares organizam-se para<br />

levar oxigênio e nutrientes a tecidos<br />

cada vez mais complexos e menos<br />

acessíveis (Carlson, 1996).<br />

O processo de desenvolvimento<br />

tissular implica concomitante o aumento<br />

na demanda de oxigênio. Em<br />

resposta à ocorrência de regiões de<br />

hipóxia, os tecidos secretam sinais que<br />

estimulam os mecanismos de proliferação,<br />

migração e diferenciação de<br />

células endoteliais, o que resulta no<br />

surgimento de vasos sanguíneos, ou<br />

no rápido crescimento dos vasos préexistentes,<br />

processos denominados de<br />

vasculogênese e angiogênese, respectivamente<br />

(Tobelem, 1990).<br />

Na vasculogênese, precursores das<br />

células endoteliais, denominados angioblastos,<br />

surgem no mesoderma da<br />

vesícula vitelínica. Os angioblastos organizam-se<br />

em agregados celulares ou<br />

ilhotas sanguíneas, diferenciando-se em<br />

uma rede vascular primordial, onde os<br />

canais endoteliais apresentam tamanho<br />

relativamente uniforme. Posteriormente,<br />

durante a angiogênese, ocorre<br />

uma remodelagem da vascularização<br />

primária e novos capilares surgem<br />

a partir dos vasos primordiais, organizando<br />

uma rede vascular estável e<br />

complexa, com vasos sanguíneos de<br />

tamanhos diferentes. A remodelagem<br />

vascular envolve tanto o crescimento<br />

como a regressão de vasos, eventos<br />

fisiológicos importantes principalmente<br />

na infância, durante o crescimento<br />

de tecidos e órgãos dos diferentes<br />

sistemas orgânicos. A remodelagem<br />

seguida do crescimento vascular também<br />

está presente no adulto, por exemplo,<br />

no crescimento dos cabelos, no<br />

reparo do tecido lesionado (cicatrização)<br />

e no ciclo reprodutivo feminino -<br />

vascularização nos ovários, vias genitais,<br />

glândulas mamárias e na organização<br />

da placenta (Jones e col., 2001).<br />

No organismo do adulto, a vascularização<br />

normalmente estável pode ser<br />

reativada por diversos fatores angiogênicos<br />

e desencadear a formação de<br />

vasos sanguíneos (neovascularização).<br />

Perturbações no delicado equilíbrio<br />

entre o crescimento e a regressão dos<br />

vasos existentes no organismo adulto<br />

podem contribuir para o desenvolvimento<br />

de diversos processos patológicos.<br />

O crescimento de tumores, por<br />

exemplo, depende da neovascularização,<br />

induzida direta ou indiretamente<br />

pelas próprias células tumorais, durante<br />

a transição entre os estágios de<br />

hiperplasia para neoplasia, a exemplo<br />

dos hemangiomas - tumores vasculares<br />

comuns e incapacitantes (Carmeliet<br />

e Jain, 2000).<br />

A angiogênese prolongada e acentuada<br />

também está relacionada com<br />

muitas outras patologias, entre as quais,<br />

desordens inflamatórias, a endometriose<br />

- crescimento do tecido endometrial<br />

na cavidade peritonial, as retinopatias<br />

- neovascularização do olho e<br />

cegueira em quadros de diabetes, a<br />

artrite reumatóide - condição inflamatória<br />

na qual capilares sanguíneos invadem<br />

e destroem a cartilagem das articulações<br />

e a psoríase - doença inflamatória<br />

da pele, onde as lesões são caracterizadas<br />

pelo aumento do calibre e do<br />

comprimento de vasos presentes na<br />

derme (Solimene e col., 1999).<br />

Modelo emergente de formação<br />

de vasos sanguíneos<br />

A ocorrência de eventuais falhas ou<br />

interferências na sinalização responsável<br />

pela estabilização das células endoteliais<br />

normalmente sujeita-as a uma<br />

terceira alternativa: a morte celular<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 29


Figura 3 - Representação da migração celular - evento dependente da<br />

atividade do citoesqueleto, do reconhecimento de sinais quimiotáticos e<br />

da adesão ao substrato - uma jornada das células no tempo e no espaço<br />

de sua própria diferenciação<br />

(apoptose) com a conseqüente regressão<br />

dos vasos sanguíneos. As moléculas<br />

sinalizadoras, de natureza pró e anti<br />

angiogênica, viabilizam um equilíbrio<br />

dinâmico necessário à manutenção do<br />

sistema biológico. Esse equilíbrio está<br />

baseado na coexistência desses sinais<br />

angiogênicos e angiostáticos em concentrações<br />

estritamente controladas,<br />

interagindo por sua vez com mediadores<br />

e receptores membranais e intracelulares,<br />

através dos quais, as células<br />

interagem em seu microcosmo (Melino,<br />

2001).<br />

Independência e morte<br />

O processo de remodelagem angiogênica<br />

é um evento decisivo na vascularização,<br />

pois a interação entre os fatores<br />

angiogênicos e angiostáticos presentes<br />

pode determinar a estabilização<br />

da rede vascular, ou acarretar a regressão<br />

de vasos sanguíneos (Jones e col.,<br />

2001).<br />

A estabilização dos vasos sanguíneos<br />

é uma condição em que células<br />

suporte periendoteliais são recrutadas<br />

para a parede do vaso e a matriz extracelular<br />

endotelial é reconstituída. Na<br />

ausência de contato com as células<br />

suporte e a matriz extracelular, os vasos<br />

sanguíneos tornam-se desprotegidos e<br />

sujeitos à regressão (Fig. 2A). Para as<br />

células endoteliais a regressão implica<br />

uma forma de apoptose ou anoikis -<br />

indução de morte celular programada,<br />

ocasionada pelo desligamento das células<br />

de seu suporte na matriz extracelular<br />

(Lockshin e Zakeri, 2001).<br />

A redução na adesão celular, durante<br />

o processo de remodelagem, também<br />

é imprescindível na fase de crescimento<br />

dos vasos - a ramificação angiogênica<br />

-, pois as células se tornam mais<br />

acessíveis aos fatores de crescimento<br />

vascular (Fig. 2B). Paradoxalmente, as<br />

células têm sua susceptibilidade à morte<br />

- a regressão dos vasos sanguíneos<br />

aumentada.<br />

Durante o crescimento dos vasos,<br />

as células endoteliais encontram-se diante<br />

de duas opções normalmente<br />

incompatíveis - a divisão celular (mitose)<br />

ou a migração e diferenciação celular.<br />

No transcorrer do processo de<br />

migração celular, as reações químicas<br />

entre as moléculas presentes na membrana<br />

citoplasmática viabilizam contatos<br />

pontuais e transitórios das células<br />

com moléculas de adesão e de reconhecimento<br />

presentes no ambiente<br />

(Yamada, 1991). Ao mover-se, a célula<br />

endotelial entra em contato com “uma<br />

nova vizinhança”, onde as moléculas<br />

de adesão celular desempenham um<br />

papel comparável a um código vital de<br />

endereçamento postal, sem o qual a<br />

célula estaria literalmente perdida<br />

(Fig.3). Essa sinalização orienta as células<br />

endoteliais de modo que se reúnam<br />

para formarem vasos.<br />

Morfogênese de vasos<br />

sanguíneos: Destruir<br />

para construir?<br />

Se eventuais falhas na sinalização<br />

responsável pela estabilização das células<br />

endoteliais podem sujeitá-las à<br />

morte (apoptose) e desencadear a<br />

regressão dos vasos sanguíneos), esse<br />

processo constitui uma alternativa à<br />

divisão (mitose) e à especialização<br />

celular (diferenciação) (Fig. 2C).<br />

Emerge a perspectiva de que a<br />

estabilidade dos vasos é mantida às<br />

expensas de sinais voltados não só<br />

para a sobrevivência, como também<br />

para a morte das células endoteliais.<br />

Tal fato implica que, para sobreviver,<br />

tanto as células, individualmente como<br />

os vasos sanguíneos, devem estar aptos<br />

a resistir constantemente a inúmeros<br />

sinais de morte.<br />

É possível considerar que a morte<br />

faça parte da vida desde cedo. Evidência<br />

disso é que se as mitoses ocorressem<br />

sem a intervenção de processos<br />

de apoptose, uma pessoa de 80 anos<br />

de idade poderia acumular até duas<br />

toneladas de medula óssea e linfonodos,<br />

ou desenvolver um intestino com<br />

mais de 15 km de comprimento (Melino,<br />

2001).<br />

O desenvolvimento de vasos sanguíneos,<br />

sob o controle de fatores pró<br />

e anti angiogênicos em equilíbrio dinâmico,<br />

depende essencialmente de<br />

adesões focais. Esses processos de<br />

adesão celular mediados por integrinas<br />

possibilitam uma comunicação bidirecional<br />

entre a matriz extracelular e o<br />

citoesqueleto, durante os eventos de<br />

proliferação, migração, diferenciação e<br />

morte celular (Geiger e col., 2001).<br />

Célula vascular endotelial -<br />

"Megalópole" de sinais e<br />

receptores<br />

Parte integrante da matriz extracelular,<br />

moléculas de proteoglicanas,<br />

como o sulfato de heparana, têm participação<br />

relevante nos processos de<br />

morfogênese e de organogênese. Essas<br />

macromoléculas podem atuar como<br />

um “reservatório” para fatores de crescimento<br />

pró-angiogênicos, como o<br />

bFGF (fator de crescimento de fibroblastos<br />

básico), os quais, quando “resgatados”<br />

da matriz, podem estimular o<br />

processo de diferenciação das células<br />

endoteliais (Katz e Yamada, 1997).<br />

O fator de crescimento de fibroblastos<br />

básico (bFGF ou FGF-2; PM =<br />

18 KDa), embora não possua especificidade<br />

para o endotélio, atua efetivamente<br />

no crescimento endotelial in<br />

vitro e é capaz de induzir, em quantidade<br />

nanograma, a angiogênese in<br />

vivo (Tobelem, 1990).<br />

Estudos sugerem que o bFGF estimula<br />

mitoses nas células vasculares<br />

endoteliais através de um mecanismo<br />

que envolve a formação intracelular de<br />

ácido araquidônico e a formação de<br />

eicosanóides (Fafeur e col.,1991; Friesel<br />

e Maciag, 1995).<br />

Até recentemente o fator de crescimento<br />

vascular endotelial (VEGF) era<br />

considerado o único fator específico<br />

para a formação de vasos sanguíneos,<br />

mas novos fatores de crescimento polipeptídicos<br />

vêm sendo identificados.<br />

Além de cinco membros da família<br />

30 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Figura 4 - Sinalização na célula endotelial - tipos de sinais e receptores; adesão célula<br />

- célula mediada por cálcio; adesão focal ao citoesqueleto e à matriz extracelular; bloqueio<br />

à proliferação e à apoptose - estímulos para a sobrevivência e a migração celular<br />

(Baseado em Jones e col., 2001)<br />

VEGF - VEGF-A, VEGF-B,<br />

VEGF-C, VEGF-D, VEGF-E<br />

e PLGF (fator de crescimento<br />

placentário), estão incluídos<br />

entre os fatores angiogênicos<br />

quatro membros da<br />

família Ang - angiopoietinas<br />

1, 2, 3 e 4 - e ao menos um<br />

membro da família Eph -<br />

efrinas A1, B1 e B2. A exemplo<br />

da família FGF, outros<br />

fatores não específicos para<br />

o sistema vascular estão envolvidos<br />

nos processos de<br />

vascularização, como membros<br />

das famílias PDGF -<br />

fator de crescimento derivado<br />

de plaquetas e de fatores<br />

de transcrição (Yancopoulos,<br />

2000).<br />

No complexo jogo de<br />

processos celulares que resultam<br />

na formação de vasos<br />

sanguíneos funcionais, o<br />

time de fatores angiogênicos<br />

atua de modo integrado,<br />

sendo controlado a partir<br />

de receptores de membrana.<br />

Os receptores dos<br />

fatores de crescimento vascular<br />

endotelial - VEGF (VE-<br />

GFR-1, VEGFR-2 e VEGFR-<br />

3) e de angiopoietinas - Ang<br />

(Tie1, Tie2, Tie3 e Tie4) compreendem<br />

uma classe de moléculas relacionadas<br />

com a enzima quinase de tirosina,<br />

cuja ativação elicita uma resposta<br />

de transdução do sinal angiogênico,<br />

através de sucessivas reações de fosforilação.<br />

Nesses dois casos, a ligação de<br />

um sinal ao seu sítio de ativação faz<br />

com que os receptores organizem-se<br />

em dímeros (Gale e Yancopoulos,<br />

1999)<br />

Embora existam 4 subtipos de receptores<br />

Tie, todas as angiopoietinas<br />

ligam-se primariamente ao receptor<br />

Tie2, permanecendo sem identificação<br />

qualquer ligante para Tie1. Ang1 e<br />

Ang4 são agonistas de Tie2, enquanto<br />

ang2 e ang3 comportam-se como seus<br />

antagonistas competitivos (Fig. 4.1).<br />

O VEGF foi inicialmente chamado<br />

de fator de permeabilidade vascular,<br />

em face da sua habilidade em promover<br />

o aumento da permeabilidade e da<br />

proliferação entre as células endoteliais<br />

(Jones e col., 2001). Atualmente, o<br />

VEGF é considerado um fator preponderante<br />

na formação de vasos, tanto no<br />

período de vasculogênese como no de<br />

angiogênese, quando também são requeridos<br />

os sinais Ang1 ou Ang4 e Eph-<br />

B2, na tarefa de remodelagem e estabilização<br />

da vascularização imatura inicial<br />

(Fig. 2A).<br />

O receptor VEGFR-2 parece mediar<br />

a maior parte das respostas angiogênicas<br />

- inicialização, alongamento e<br />

permeabilidade de vasos sanguíneos -<br />

do VEGF-A, enquanto o VEGFR-1 exerceria<br />

apenas uma função moduladora<br />

no processo, principalmente seqüestrando<br />

o sinal ligante (VEGF) sem,<br />

efetivar uma resposta positiva na vascularização.<br />

Na remodelagem vascular, as ligações<br />

entre Ang1 e o receptor Tie2<br />

maximizam as interações entre células<br />

endoteliais, matriz extracelular e células<br />

suporte sendo fundamentais para o<br />

redimensionamento do tamanho dos<br />

vasos e a manutenção de sua estabilidade.<br />

A discriminação no desenvolvimento<br />

de artérias e veias é mediada<br />

pela sinalização de efrina-B2, que está<br />

diretamente relacionada com a diferenciação<br />

de vasos arteriais primordiais,<br />

e de efrina-B4, que sinaliza para a<br />

formação de vasos venosos (Witzenbichler<br />

e col., 1998; Thurston e Yancopoulos,<br />

2001).<br />

Estudos utilizando embriões de ratos<br />

demonstram a crítica relação existente<br />

entre a sinalização mediada pelos<br />

receptores VEGFR-2 e Tie2. Mutação<br />

envolvendo um único alelo do<br />

gene VEGF é suficiente para causar<br />

mortalidade embrionária, devido a severas<br />

anormalidades vasculares (Yancopoulos,<br />

e col., 2000). Na ausência da<br />

ligação entre Ang1 e o receptor Tie2,<br />

as células endoteliais falham em associar-se<br />

com as células suporte, sendo<br />

que embriões destituídos da via de<br />

sinalização do receptor Tie2, por exemplo,<br />

morrem entre o 9 º e 13 º dias do<br />

período embrionário como conseqüência<br />

da falta, tanto de expansão como<br />

de estabilidade do plexo vascular primário.<br />

Esses embriões mutantes também<br />

apresentam graves anomalias<br />

cardíacas (Miquerol e col., 2000).<br />

No adulto, falhas na sinalização exercida<br />

por Ang1, devido à ação de antagonistas<br />

competitivos de Ang1, tal como<br />

a Ang 2, coincidem com o reinício da<br />

remodelagem vascular periódica verificada<br />

no ciclo reprodutivo feminino e<br />

também em processos de vasculariza-<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 31


Figura 5 - Aspecto geral dos vasos sanguíneos na vasculogênese (A) e na<br />

angiogênese (B), característicos das membranas vitelínica e corioalantóica<br />

(corioalantoic membrane - CAM) de embriões de galinha (em). Enquanto a<br />

membrana vitelínica organiza-se já no primeiro dia de incubação do ovo, a<br />

CAM, formada na fusão de dois outros anexos - cório e alantóide (al), sofre<br />

intensa vascularização entre o 4º e o 8º dia do desenvolvimento embrionário<br />

da espécie<br />

ção anormal (neovascularização).<br />

Durante o processo de remodelagem<br />

vascular, o destino dos vasos<br />

depende fundamentalmente da disponibilidade<br />

de VEGF. Na presença<br />

desse fator, os vasos iniciam processo<br />

de crescimento, recapitulando a atividade<br />

angiogênica em taxa similar à do<br />

desenvolvimento embrionário, enquanto<br />

na ausência de VEGF, as células,<br />

destituídas de adesão, entram em apoptose<br />

e os vasos conseqüentemente<br />

regridem - Fig. 2C (Bergers e col.,<br />

1998).<br />

Promovendo a formação de<br />

vasos: Estímulo contínuo<br />

para a sobrevivência<br />

A adesão celular envolve a participação<br />

de moléculas, tais como as caderinas,<br />

integrinas e selectinas (Wagener<br />

e Ergün, 2000).<br />

Caderinas vasculares endoteliais, localizadas<br />

em junções aderentes, constituem<br />

uma barreira entre células endoteliais<br />

vizinhas, que é mediada por<br />

interações dependentes do cálcio (Fig.<br />

4.2). As caderinas estão conectadas a<br />

um complexo de proteínas ligadas ao<br />

citoesqueleto e também comunicamse<br />

com o receptor VEGFR-2 (Fig. 4.3).<br />

A sinalização, a partir do VEGFR-2, é<br />

uma das principais responsáveis pela<br />

sobrevivência da célula endotelial, através<br />

das reações de fosforilação envolvendo<br />

a proteína quinase B - PKB ou<br />

Akt - e a quinase lipídica fosfatidilinositol-3-hidroxi<br />

quinase - PI-3-K (Fig.<br />

4.4).<br />

As integrinas são proteínas diméricas<br />

que atravessam a membrana e<br />

emergem na superfície celular, onde<br />

atuam em contatos célula-célula, através<br />

de interações com a matriz extracelular<br />

ou com a lâmina basal - malha<br />

de colágeno tipo IV, glicoproteínas e<br />

proteoglicanas. A ligação entre integrinas<br />

e matriz extracelular ou lâmina<br />

basal, leva à ativação de moléculas<br />

localizadas no meio intracelular denominadas<br />

quinases de adesão focal -<br />

FAK (Fig. 4.5). Essas proteínas quinases,<br />

situadas nas proximidades da membrana,<br />

compõem a estrutura interna da<br />

adesão ao substrato (Koch e col., 1995).<br />

Sobrevivência<br />

dependente da adesão<br />

Uma vez ativadas, as FAK reagem<br />

recrutando outras proteínas quinases<br />

citoplasmáticas, como as tirosinas quinases<br />

citoplasmáticas, referidas como<br />

“SRC” - que sinergisticamente reagem<br />

fosforilando outros sítios de FAK. Esse<br />

tipo de ativação e reação recíproca<br />

entre FAK e SRC leva ao recrutamento<br />

de outras moléculas acopladoras. Algumas<br />

das moléculas recrutadas nesse<br />

processo são a Sos, a PI-3-K, a CAS e as<br />

paxilinas. O acoplamento dessas móleculas<br />

incrementa a adesão focal à medida<br />

em que se reflete em ativação ainda mais<br />

efetiva das FAK, otimizando o estímulo<br />

de sobrevivência da célula por meio da<br />

fosforilação e ativação de Akt (Fig. 4.6).<br />

A subunidade regulatória p85 da PI-3-<br />

K associa-se com os receptores fosforilados<br />

Tie2 e VEGFR-2, provavelmente<br />

através de um resíduo da proteína tirosina<br />

quinase 1100, resultando também em<br />

ativação de Akt. Por sua vez, a ativação<br />

de Akt leva à fosforilação da NO sintase<br />

endotelial. Como um antídoto para a<br />

morte celular, o óxido nítrico (NO) inativa<br />

proteínas pró-apoptóticas como Bad<br />

e Caspase-9 e pode ativar, nas células<br />

endoteliais, proteínas que inibem a apoptose,<br />

como a survivina - Fig. 4.7 (Blume-<br />

Jensen e Hunter, 2001).<br />

A migração das células<br />

endoteliais<br />

Durante a ramificação angiogênica, o<br />

estímulo à migração desencadeado pelos<br />

fatores angiogênicos implica alterações<br />

marcantes na arquitetura da células<br />

endoteliais. O citoesqueleto é mobilizado<br />

e ocorre secreção de enzimas proteolíticas,<br />

metaloproteinases que degradam<br />

a matriz extracelular permitindo<br />

assim, mobilidade celular para efetivação<br />

do processo morfogenético de tubulogênese<br />

(Fig. 4.8) (Brentani, 1992).<br />

Na migração celular, além dos receptores<br />

Tie2 e das proteínas FAK, um<br />

número significativo de moléculas acopladoras,<br />

tais como Nck e Dok-R, são<br />

implicadas na transdução de sinais para<br />

as proteínas contráteis do citoesqueleto<br />

(Fig. 4.9). Atuando de modo integrado,<br />

essas moléculas são responsáveis por<br />

uma economia de energia. O recrutamento<br />

de proteínas Dok-R para o receptor<br />

Tie2, dessensibiliza proteínas quinases<br />

- mitógeno ativadas, bloqueando as<br />

mitoses durante o processo de migração<br />

celular (Fig. 4.10). Para as células endoteliais,<br />

reproduzir-se e, concomitantemente,<br />

viajar parecem ser atividades<br />

incompatíveis (Jones e Dumont, 1999).<br />

Bloqueando a formação<br />

de vasos: Regulação de<br />

receptores por fosfatases<br />

As enzimas fosfatases anulam o trabalho<br />

de proteínas quinases e podem assim<br />

modular a atividade de receptores angiogênicos<br />

como VEGFR-2 e Tie2. Uma<br />

32 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


classe de receptores com atividade fosfatase<br />

específica de célula endotelial,<br />

denominada fosfatase de proteína tirosina<br />

vascular endotelial (VE-PTP) associase<br />

à Tie2, e exibe igual nível de afinidade<br />

por Ang1. Desse modo, angiopoietinas<br />

poderiam ligar-se simultaneamente<br />

à Tie2 e VE-PTP, promovendo a formação<br />

de heterodímeros - compostos pelos<br />

dois receptores atípicos - na superfície<br />

da célula endotelial. Conseqüentemente,<br />

VE-PTP bloquearia a formação<br />

dos dímeros de Tie2 e a sua subseqüente<br />

fosforilação, tornando-os funcionalmente<br />

inativos (Fachinger e col., 1999).<br />

O texto bíblico provê uma interessante<br />

metáfora sobre a realidade da<br />

regulação de receptores vasculares endoteliais.<br />

Dalila ao cortar os cabelos de<br />

Sansão, destituiu-o da fonte de sua força<br />

sobre-humana. Então, traído pela ação<br />

da amante, Sansão é subjugado e preso<br />

pelos inimigos. Tal como ocorreu com<br />

Sansão, o receptor Tie1 é proteoliticamente<br />

clivado, em resposta à “ação de<br />

Dalila” por parte do VEGF sobre o seu<br />

receptor. Os “longos cabelos” em questão<br />

- um domínio protéico extracelular<br />

Tie1 - são removidos e o fragmento<br />

Tie1 remanescente - composto dos<br />

domínios transmembranais e intracelulares<br />

- permanece assim por várias horas,<br />

sendo quimicamente seqüestrado<br />

na associação com outras proteínas, a<br />

exemplo de outra fosfatase denominada<br />

Shp2 (Marron e col., 2000).<br />

Fronteiras entre a formação e a<br />

regressão de vasos sanguíneos<br />

O fator de crescimento vascular endotelial<br />

estimula o crescimento de vasos<br />

sanguíneos em diversos tecidos e órgãos,<br />

como a retina, ovários, articulações<br />

e os neurônios motores na medula<br />

espinhal. Assim, a inibição terapêutica<br />

de VEGF poderia bloquear o crescimento<br />

de tumores no ovário, mas também<br />

elevaria o risco de doenças cardíacas e<br />

de degeneração de neurônios motores<br />

no sistema nervoso central. Por outro<br />

lado, a liberação de um fator angiogênico<br />

inespecífico quanto ao tecido, como<br />

o VEGF, com o objetivo de estimular a<br />

formação de novos vasos no coração<br />

isquêmico, incrementaria o risco de ocorrência<br />

de câncer e de cegueira (Carmeliet,<br />

2001).<br />

As células dependem basicamente<br />

de oxigênio e nutrientes, entretanto,<br />

existem outras necessidades, consideradas<br />

tecido-específicas. No sistema vascular,<br />

além dos sinais inespecíficos que<br />

modulam a formação de vasos nos<br />

tecidos de um modo geral, moléculas<br />

angiogênicas tecido-específicas começam<br />

a ser identificadas e isoladas, a<br />

exemplo do fator de crescimento vascular<br />

endotelial derivado de glândula<br />

endócrina (Endocrine gland-vascular<br />

endothelial growth factor - EG-VEGF).<br />

Enquanto nas glândulas endócrinas os<br />

vasos sanguíneos possuem paredes<br />

finas e poros - fenestrações - através<br />

das quais os hormônios produzidos<br />

podem entrar na corrente sanguínea,<br />

uma condição oposta tem lugar no<br />

cérebro, onde as células endoteliais<br />

diferem por não apresentarem fenestrações,<br />

sendo revestidas por uma camada<br />

espessa de células de suporte,<br />

que impede a entrada de moléculas<br />

potencialmente tóxicas no sistema<br />

nervoso central (LeCouter e col., 2001).<br />

Tal como o FGF e o VEGF, inúmeros<br />

fatores de crescimento podem regular<br />

fisiologicamente os processos de<br />

formação de vasos sanguíneos. Numerosas<br />

substâncias antiangiogênicas endógenas<br />

e exógenas têm sido reportadas<br />

na literatura, entre as quais, corticosteróides,<br />

fatores derivados de cartilagem,<br />

fator plaquetário 4 (PF- 4),<br />

angiostatina - um fragmento de plasminogênio,<br />

inibidores de metaloproteinases,<br />

talidomida - analgésico e inibidor<br />

de fator de necrose tumoral (TNFα)<br />

e antagonistas de hormônios estrogênios,<br />

tais como tamoxifeno, clomifeno<br />

e raloxifeno (Woltering e col., 1991;<br />

Gagliardi e col., 1996; Gagliardi e Collins,<br />

1993; Jordan, 1998).<br />

Produtos naturais vêm contribuindo<br />

sobremaneira para a descoberta de<br />

novas drogas de interesse para a saúde<br />

humana (Calixto e col., 1997). Paper e<br />

col. (1997) reportaram que um complexo<br />

de peptideoglicana-polissacarídeo<br />

sulfatado, extraído de bactérias do<br />

gênero Arthrobacter, denominado tecogalan-sódio,<br />

inibiu a angiogênese.<br />

Igual efeito foi obtido a partir de oligossacarídeos,<br />

polipeptídeos e peptideoglicanas<br />

extraídos de parede celular de<br />

vegetais, como o Rhodococus sp (Nocardiaceae),<br />

de derivados de fungos<br />

(fumagilinas), como o TNP-470, metabólitos<br />

secundários de plantas, como o<br />

diterpenóide taxol e de compostos<br />

presentes em vinhos tintos (Dordunoo<br />

e col., 1995; Nicolaou e col., 1996; Jang<br />

e col., 1997; Frémont, 2000; Qiu e col.,<br />

2000).<br />

Polissacarídeos obtidos de algas marinhas,<br />

como o gênero Sargassum (Duarte<br />

et col., 2001), estão sendo avaliados<br />

quanto à estrutura química e a ação<br />

biológica sobre o sistema vascular<br />

(Noda, 1989; De Vries e Beant, 1995;<br />

König e Wright, 1995; Maraschin e col.,<br />

2000; Dias e col., 2001). Resultados<br />

preliminares indicam que embriões de<br />

galinha expostos a polissacarídeos de<br />

alto peso molecular daquela espécie<br />

sofreram inibição nos processos de<br />

vasculogênese e angiogênese no período<br />

de 2 a 8 dias do desenvolvimento<br />

(Fig. 5).<br />

O entendimento dos processos de<br />

formação de vasos sanguíneos e o<br />

reconhecimento de particularidades de<br />

sua estrutura nos diversos sistemas do<br />

organismo conferem suporte à abordagem<br />

das patologias relacionadas com o<br />

bloqueio ou com o estímulo da formação<br />

de vasos. Os resultados sobre a<br />

ação moduladora da angiogênese, obtidos<br />

a partir de princípios naturais,<br />

ampliam os horizontes dos tratamentos<br />

e as perspectivas biotectnológicas<br />

sobre a atividade e a estrutura química<br />

de novos compostos.<br />

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UNISCIENSE<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 35


APOMIXIA<br />

Pesquisa<br />

Vera Tavares de Campos Carneiro<br />

Doutora em Biologia Celular e Molecular Vegetais – Universidade de Paris XI<br />

Pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong><br />

Bolsista de Produtividade em Pesquisa - CNPq<br />

vera@cenargen.embrapa.br<br />

Diva Maria de Alencar Dusi<br />

Doutora em Biologia Celular e Molecular Vegetais – Universidade de Wageningen<br />

Pesquisadora da Embrapa Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong><br />

diva@cenargen.embrapa.br<br />

Fotos cedidas pelas autoras<br />

Em busca de tecnologias de clonagem de plantas por sementes<br />

Figura 1. Ovários de flores de Brachiaria<br />

decumbens. A, parte interna do óvulo de planta<br />

sexual observada por microscopia de varredura.<br />

Nota-se que existe apenas uma cavidade que<br />

corresponde a um único saco embrionário meiótico.<br />

B, ovário clarificado por metil salicilato, mostrando<br />

um único saco embrionário meiótico. Note a<br />

presença de antípodas (an). C, microscopia de<br />

varredura da parte interna do óvulo de planta<br />

apomítica, mostrando 4 sacos embrionários (1-4).<br />

D, ovário clarificado por metil salicilato, mostrando<br />

4 sacos embrionários apospóricos (1-4). Barra = 100<br />

µm para todas as figuras<br />

célebre trabalho de pesquisa<br />

de Gregor Mendel<br />

(1822-1884) com plantas de<br />

Pisum é considerado o fundamento<br />

da Genética. Utilizando<br />

uma metodologia experimental<br />

rigorosa na realização de cruzamentos e<br />

observando as características das plantas<br />

na progênie como altura, cor e formato<br />

das sementes, cor das flores etc., ele<br />

enunciou os princípios da hereditariedade.<br />

Mendel concluiu que as características<br />

genéticas estão contidas em unidades<br />

que existem aos pares nos indivíduos;<br />

quando duas delas, responsáveis por<br />

uma única característica, estão presentes<br />

em um indivíduo, uma é dominante<br />

sobre a outra e, na formação dos gametas,<br />

as unidades pareadas<br />

se separam e se<br />

segregam individualmente<br />

de maneira aleatória,<br />

de modo que<br />

cada gameta recebe<br />

uma delas. Na busca<br />

de mais material para<br />

dar suporte às suas deduções,<br />

Mendel executou<br />

cruzamentos no<br />

gênero Hieracium. No<br />

entanto, encontrou<br />

muita dificuldade em<br />

repetir os resultados<br />

obtidos com Pisum. Na<br />

progênie dos cruzamentos,<br />

muitas plantas<br />

pareciam oriundas de<br />

auto-fecundação, sem<br />

haver transmissão das<br />

características paternas,<br />

fato esse intrigante, pois<br />

seus métodos criteriosos<br />

envolviam emasculações.<br />

Este trabalho<br />

fez com que ele mesmo<br />

duvidasse da validade<br />

de seus resultados<br />

com Pisum. Mendel<br />

não sabia que estava<br />

diante de plantas<br />

que se reproduzem por apomixia (Asker<br />

e Jerling, 1992; Nogler, 1994).<br />

Apomixia é o modo de reprodução<br />

assexual através de sementes, que<br />

ocorre em mais de 300 espécies de 35<br />

famílias de angiospermas (Hanna and<br />

Bashaw, 1987). É um processo que acontece<br />

apenas na parte feminina da flor, o<br />

ovário, mais especificamente no óvulo,<br />

e, portanto, tem uma forte conexão com<br />

a via de reprodução sexual. Na reprodução<br />

sexual, as divisões meióticas promovem<br />

uma redução no número de cromossomos<br />

para formar um gametófito<br />

reduzido. Os embriões são formados<br />

após a fertilização com a fusão dos<br />

gametas masculino e feminino e, portanto,<br />

carregam uma cópia do conjunto de<br />

cromossomos de cada progenitor. No<br />

desenvolvimento apomítico, a meiose,<br />

característica da reprodução sexual, não<br />

ocorre ou não é funcional. Desse modo,<br />

a oosfera contém o mesmo número de<br />

cromossomos somáticos maternos, não<br />

ocorre fusão de gametas durante a fertilização<br />

e o desenvolvimento do embrião<br />

é autônomo, gerando, portanto, uma<br />

planta idêntica à planta-mãe.<br />

Importância da apomixia<br />

na agricultura<br />

Embora, em geral, as plantas apomíticas<br />

não sejam cultivadas, algumas espécies<br />

têm alto valor econômico e agronômico<br />

como é o caso das gramíneas.<br />

Essas plantas só podem ser usadas na<br />

fecundação de plantas sexuais, ou seja,<br />

como doadoras de pólen. Além disso, a<br />

diferença de ploidia existente entre plantas<br />

sexuais e apomíticas impede os cru-<br />

36 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Tabela1: Métodos utilizados para detecção de apomixia<br />

Indicadores de Apomixia<br />

Método de detecção<br />

Referências<br />

- Alto nível de polimorfismo<br />

morfológico em populações<br />

selvagens.<br />

-Progênie uniforme obtida de<br />

sementes de uma única planta.<br />

-Ausência de variabilidade genética<br />

em F1 e F2.<br />

-Alto grau de poliploidia.<br />

-Produção de múltiplos embriões.<br />

-Ausência em diplospóricos ou<br />

distúrbio em apospóricos na<br />

deposição de calose em paredes<br />

de células-mãe do megásporo,<br />

díades, tétrades.<br />

- Distúrbios na meiose<br />

- Grau variável de aborto e<br />

esterilidade do grão de pólen.<br />

-Ausência de antípodas e presença<br />

de múltiplos sacos embrionários<br />

apospóricos.<br />

- Observação em locais de ocorrência<br />

natural das espécies.<br />

- Teste de progênie com sementes de<br />

plantas de polinização aberta.<br />

- Cruzamentos entre plantas com<br />

características distintas.<br />

- Análise citogenética com contagem de<br />

cromossomos de ponta de raiz ou<br />

citometria de fluxo.<br />

- Observações citológicas com técnicas de<br />

clareamento ou secção de ovários.<br />

- Análises citológicas de ovários frescos ou<br />

fixados e corados com azul de anilina e<br />

observação com o uso de microscópio de<br />

fluorescência.<br />

-Análise citogenética da divisão meiótica.<br />

-Análise histoquímica e teste de<br />

germinação do grão de pólen.<br />

- Análises citológicas de pistilos e ovários<br />

por clareamento ou por secções<br />

histológicas.<br />

Berthaud, 2001.<br />

Miles e Valle, 1996.<br />

Miles e Valle, 1991.<br />

Carman, 1997; Penteado et al., 2000.<br />

Lakshmanan e Ambegaokar, 1984;<br />

Vielle et al,. 1995.<br />

Naumova et al., 1993; Naumova e<br />

Willemse, 1995; Peel et al. 1997; Dusi<br />

e Willemse 1999.<br />

Quarin, 1980; Valle, 1986.<br />

Asker e Jerling, 1992; Dusi e Willemse,<br />

1999.<br />

Young et al., 1979.<br />

zamentos. Apesar disso, sendo a apomixia<br />

uma característica controlada por um<br />

só fator genético (Savidan 2000), existe a<br />

possibilidade de ela ser manipulada tanto<br />

por técnicas convencionais de melhoramento<br />

quanto por técnicas de engenharia<br />

genética.<br />

Com o avanço da biotecnologia e a<br />

possibilidade de se transferirem genes<br />

entre plantas, independentemente da<br />

compatibilidade sexual, o interesse nesse<br />

modo de reprodução foi despertado.<br />

A combinação da apomixia com a reprodução<br />

sexual terá aplicação direta na<br />

produção de sementes.<br />

De fato, as vantagens do uso de<br />

sementes apomíticas em culturas onde a<br />

apomixia não ocorre são inúmeras e já<br />

foram discutidas por muitos autores (Hanna<br />

e Bashaw, 1987; Asker e Jerling, 1992).<br />

O uso controlado da apomixia na agricultura<br />

permitirá fixar genótipos de elite<br />

e híbridos de qualidade e propagá-los<br />

por sementes. Essa característica poderá<br />

trazer muitos benefícios como:<br />

- possibilidade de propagar e<br />

armazenar por sementes culturas<br />

que são propagadas por<br />

tubérculos, rizomas ou estacas.<br />

- produção de sementes por pequenos<br />

produtores por um<br />

número infinito de gerações;<br />

- simplificação da produção comercial<br />

de sementes híbridas<br />

com conseqüente queda no<br />

custo total de produção de<br />

sementes;<br />

- simplificação dos programas<br />

de melhoramento com conseqüente<br />

aumento no número<br />

de cultivares adaptados em<br />

cada local.<br />

A amplitude do potencial de aplicação<br />

da apomixia em qualquer tipo de<br />

cultura, desde herbáceas até lenhosas,<br />

de anuais a perenes, aumentou o interesse<br />

mundial em entender como ocorre<br />

esse processo. Análises celulares e<br />

moleculares da apomixia vêm sendo<br />

realizadas em diferentes espécies e com<br />

uso de diferentes técnicas, com vistas a<br />

conhecer seu mecanismo.<br />

A apomixia é resultado de um dos<br />

três mecanismos: embrionia adventícia,<br />

diplosporia ou aposporia.<br />

Na embrionia adventícia, células<br />

somáticas, portanto, não reduzidas, do<br />

nucelo ou do tegumento interno do<br />

óvulo originam um embrião diretamente<br />

(Nogler 1984). A formação do embrião<br />

adventício ocorre lado a lado<br />

com a formação do embrião pela via<br />

sexual. Esse processo é conhecido no<br />

gênero Citrus, porém pouco se conhece<br />

da sua genética que, parece, ser muito<br />

complexa.<br />

Os dois outros mecanismos de apomixia<br />

são: diplosporia e aposporia. Ambos<br />

envolvem a formação de uma estrutura<br />

de um gametófito ou saco embrionário<br />

e, portanto, são considerados como<br />

apomixia gametofítica. Essa é caracterizada<br />

pela apomeiose (Nogler, 1984), ou<br />

seja, pela formação de um saco embrionário<br />

sem completar a redução meiótica.<br />

Na diplosporia, a célula mãe do megásporo<br />

inicia, mas não completa, a meiose<br />

e entra na mitose, e os núcleos do saco<br />

embrionário não são reduzidos. Os sacos<br />

embrionários formados possuem 8<br />

núcleos e são morfologicamente semelhantes<br />

ao saco meiótico. Nesse caso, o<br />

processo sexual é completamente comprometido,<br />

e, num mesmo óvulo, apenas<br />

pode ocorrer um modo de reprodução.<br />

Na aposporia, células do nucelo,<br />

denominadas células iniciais apospóricas<br />

ou apósporos, entram em mitose<br />

diretamente e formam sacos embrionários<br />

não reduzidos. Estes possuem oito<br />

núcleos como em Hieracium ou 4 núcleos<br />

como em Panicum (Asker e Jerling,<br />

1992). Geralmente o processo sexual<br />

é interrompido, mas, nem sempre, o<br />

que possibilita a ocorrência de sexuali-<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 37


dade e apomixia em um mesmo óvulo.<br />

É comum também a ocorrência de vários<br />

sacos embrionários apospóricos em um<br />

só óvulo em decorrência do aparecimento<br />

de diversos apósporos (Fig. 1).<br />

O desenvolvimento do endosperma<br />

pode ser autônomo, sem a ocorrência de<br />

fertilização do núcleo polar pelo núcleo<br />

espermático, ou necessitar de fertilização<br />

do núcleo polar, caracterizando,<br />

então, a pseudogamia.<br />

Indicadores da apomixia<br />

Existem muitas características que<br />

podem ser observadas em plantas que<br />

indicam uma possível ocorrência de<br />

reprodução apomítica (Czapik, 1994).<br />

Entretanto, é sempre necessária a caracterização<br />

morfológica e citológica para<br />

confirmar a ocorrência da apomixia nas<br />

espécies. Os principais indicadores usados<br />

para identificação de apomixia em<br />

um determinado taxon e respectivos<br />

modos de detecção estão apresentados<br />

na tabela1. As referências indicam trabalhos<br />

onde se pode encontrar a descrição<br />

e o uso dos métodos ou de revisão.<br />

Marcadores moleculares ligados à<br />

apomixia vêm sendo procurados em<br />

diferentes espécies. Eles facilitarão a<br />

detecção precoce e em larga escala da<br />

apomixia em análises de híbridos. Alguns<br />

marcadores moleculares já foram<br />

identificados em populações de plantas<br />

de Pennisetum (Ozias-Akins et al., 1998)<br />

e Brachiaria (Pessino et al., 1999), porém<br />

ainda não foram encontrados marcadores<br />

universais para a apomixia.<br />

A possibilidade de se transferir a<br />

apomixia entre as plantas usando técnicas<br />

de Biologia Molecular requer, antes<br />

de tudo, conhecimento da natureza dos<br />

genes envolvidos. Diferentes linhas de<br />

pesquisa estão sendo desenvolvidas para<br />

o conhecimento básico da reprodução,<br />

principalmente dos eventos de desenvolvimento<br />

do gametófito feminino e da<br />

fecundação.<br />

Estratégias utilizadas para<br />

estudo da apomixia<br />

Embora a ocorrência natural da apomixia<br />

tenha sido descrita para muitas<br />

espécies, seu mecanismo ainda é pouco<br />

estudado. As abordagens utilizadas na<br />

identificação e na clonagem de genes<br />

vão desde a identificação de marcadores<br />

moleculares até a construção de bancos<br />

de cDNA e estratégias de mutagênese e<br />

técnicas de “differential display” (revisto<br />

em Pessino et al., 1999 e Savidan, 2000).<br />

Figura 2. A, Inflorescência de braquiária em antese. B, Detalhe do racemo<br />

durante a antese, mostrando as espiguetas em duas fileiras; C, Espigueta; D,<br />

Espigueta aberta, mostrando a flor hermafrodita (h) e a flor masculina (m); E, Flor<br />

hermafrodita dissecada, mostrando três anteras (an), o pistilo com o ovário (ov)<br />

e o estigma (es)<br />

Análises de populações segregantes<br />

em algumas culturas, derivadas de cruzamentos<br />

entre apomíticos e sexuais têm<br />

ajudado a desvendar a transmissão genética<br />

da apomixia e a produzir mapas<br />

do locus apomítico (Ozias-Akins et al.,<br />

1993,1998), baseado em marcadores<br />

moleculares. No entanto, a clonagem a<br />

partir desses mapeamentos ainda não foi<br />

obtida. A herança da apomixia foi estudada<br />

em poucas espécies devido às<br />

dificuldades desse tipo de estudo. Normalmente,<br />

as plantas apomíticas são<br />

poliplóides, a maioria é tetraplóide, enquanto<br />

as sexuais são diplóides (Carman,<br />

1997), o que inviabiliza os cruzamentos.<br />

Em Brachiaria por exemplo,<br />

alguns sexuais poliplóides foram obtidos<br />

artificialmente e vêm sendo usados<br />

em cruzamentos com apomíticos (Gobbe<br />

et al., 1981; Lutts et al., 1984; Pinheiro<br />

et al., 2000).<br />

Em Arabidopsis thaliana, uma planta<br />

modelo em biologia, na qual não ocorre<br />

apomixia, os genes responsáveis pelo<br />

desenvolvimento têm sido procurados<br />

através de mutações que alteram o desenvolvimento<br />

do gametófito feminino e<br />

da semente. Já foram isolados genes<br />

relacionados com a formação do embrião,<br />

incluindo aqueles capazes de produzir<br />

endosperma ou iniciar a formação<br />

do embrião, independentemente de haver<br />

fertilização. Os mutantes fis (fertilisation<br />

independent seeds) (Chaudhury et<br />

al., 1997), fie (fertilisation independent<br />

endosperm) (Ohad et al., 1996) e mea<br />

(medea) (Grossniklaus et al., 1998) apresentam<br />

diferentes estágios de desenvolvimento<br />

da semente sem fertilização.<br />

Porém, nenhuma dessas sementes<br />

mutantes maturam e desenvolvem<br />

plantas. Até hoje não existe ainda<br />

relato de mutantes que controlem todo<br />

o processo apomítico e produzam<br />

clones através de sementes.<br />

Resultados como esses revelam aspectos<br />

dos principais momentos de<br />

desenvolvimento de sementes e contribuem<br />

para o conhecimento da apomixia.<br />

Estudando-se a biologia de plantas<br />

naturalmente apomíticas, busca-se<br />

encontrar os genes responsáveis por<br />

esse modo de reprodução. Os apomíticos<br />

naturais são considerados difíceis<br />

experimentalmente, no entanto,<br />

suas características completas ainda<br />

não foram obtidas em mutantes. Em<br />

apomíticos, o gametófito feminino se<br />

desenvolve independentemente da<br />

meiose e o embrião se desenvolve sem<br />

ocorrer fecundação. As sementes resultantes<br />

do processo são viáveis.<br />

Utilização de plantas do gênero<br />

Brachiaria como sistema de<br />

estudo da apomixia<br />

O gênero Brachiaria (Trin.) Griseb.<br />

possui espécies que se reprodu-<br />

38 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Figura 3. Esquema da reprodução sexual e apomítica (apospórica), que ocorre no gênero Brachiaria. Note que na<br />

reprodução apomítica, uma célula não reduzida do nucelo se desenvolve em um saco embrionário apospórico do tipo<br />

Panicum e que a formação do embrião ocorre sem a fertilização da oosfera. CMM, célula-mãe do megásporo, CMP, célulamãe<br />

do grão de pólen<br />

zem tanto por sexualidade quanto por<br />

apomixia, permitindo o estudo comparativo<br />

dos dois modos de reprodução. A<br />

inflorescência de braquiária é uma panícula<br />

com 2 ou até 5 racemos (Fig. 2A)<br />

que sustentam as espiguetas dispostas<br />

em duas fileiras (Fig. 2B). Cada espigueta<br />

(Fig. 2C) desenvolve duas flores, uma<br />

masculina e uma hermafrodita (Fig. 2D).<br />

A flor masculina tem 3 anteras e parece<br />

desenvolver grãos de pólen normais. A<br />

flor hermafrodita possui 3 anteras e um<br />

pistilo que contém um ovário e um só<br />

óvulo (Fig. 2E).<br />

O desenvolvimento do gametófito<br />

masculino e feminino e o do embrião de<br />

plantas apomíticas e sexuais de espécies<br />

de braquiária está esquematizado na<br />

figura 3. Na reprodução sexual, como<br />

acontece na maioria das angiospermas,<br />

uma célula do nucelo se diferencia da<br />

célula-mãe do megásporo (CMM) e passa<br />

por redução na meiose, formando 4<br />

megásporos reduzidos. Apenas um deles<br />

é funcional e se desenvolve após 3<br />

mitoses sucessivas no saco embrionário<br />

do tipo Polygonum, que contém 8 núcleos<br />

reduzidos, distribuídos em 7 células:<br />

2 sinérgides, uma oosfera, 3 antípodas e<br />

uma célula central, com 2 núcleos polares<br />

reduzidos. Próximo à antese, os 2<br />

núcleos polares se fundem para formar<br />

um núcleo diplóide. Após a antese,<br />

ocorre então a dupla fertilização, que<br />

consiste na fecundação da oosfera por<br />

uma das células espermáticas do grãode-pólen,<br />

formando o zigoto diplóide<br />

que se desenvolverá em embrião, e a<br />

fecundação do núcleo diplóide da célula<br />

central pela outra célula espermática,<br />

para formação do endosperma triplóide.<br />

As sementes formadas, por serem resultado<br />

de fertilização, darão origem a<br />

plantas genética e morfologicamente diferentes.<br />

A reprodução apomítica em braquiária<br />

segue o mecanismo de aposporia.<br />

Nos óvulos das plantas apomíticas, a<br />

CMM se diferencia e pode ou não completar<br />

a meiose, dependendo da espécie.<br />

Entretanto, durante a meiose ou ao final<br />

dela, a CMM ou os megásporos se degeneram.<br />

Nesse momento, células do nucelo<br />

(2n) se diferenciam e entram diretamente<br />

em 2 mitoses, formando sacos<br />

embrionários de 4 núcleos não-reduzidos<br />

do tipo Panicum. Esses sacos embrionários<br />

apresentam 2 sinérgides, uma<br />

oosfera e um núcleo polar. Podem ocorrer<br />

variações no número de núcleos,<br />

principalmente em óvulos que contenham<br />

muitos sacos embrionários. O desenvolvimento<br />

do embrião é autônomo<br />

e ocorre antes ou após a antese. Após a<br />

antese, apenas o núcleo da célula central<br />

é fertilizado para a formação do endosperma<br />

(3n). Eventualmente, e dependendo<br />

de cada espécie, a CMM completa<br />

a meiose, originando um saco embrionário<br />

meiótico, que pode ser visualizado<br />

sozinho ou acompanhado de sacos<br />

apospóricos, num mesmo óvulo (Valle,<br />

1990; Dusi e Willemse, 1999; Araújo et al.,<br />

2000).<br />

Na formação do gametófito masculi-<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 39


Figura 4. Esquema representativo da técnica de DDRT-PCR em duas amostras de RNA de ovários de plantas sexual e<br />

apomítica. A. cDNA é sintetizado das subpopulações de RNAs poly(A + ), com um dos diferentes primers de ancoragem<br />

T 11<br />

XY, no exemplo T 11<br />

GG. B. Amplificação dos cDNAs com T 11<br />

GG e um dos primers aleatórios, em presença de dATP<br />

marcado radioativamente. C. Separação dos fragmentos provenientes de ovários de plantas sexuais (S) e apomíticas<br />

(A) em gel de seqüenciamento e detecção por autoradiografia. As setas indicam os fragmentos diferenciais<br />

no, tanto na sexualidade quanto na<br />

apomixia, ocorre redução meiótica, com<br />

formação de micrósporos reduzidos que,<br />

por sua vez, se desenvolvem em grãosde-pólen<br />

que contém três células reduzidas,<br />

uma vegetativa e duas células<br />

espermáticas. Dependendo da espécie,<br />

plantas apomíticas podem apresentar<br />

níveis maiores de esterilidade do grãode-pólen<br />

quando comparadas com as<br />

plantas sexuais (Asker e Jerling, 1992).<br />

Para compreender o mecanismo da<br />

apomixia e poder levá-lo a outras espécies,<br />

utilizando ferramentas da biotecnologia,<br />

a Embrapa desenvolve estudos e<br />

trabalhos sobre a formação do embrião<br />

apomítico (Alves, 2001), sobre o desenvolvimento<br />

morfológico dos sacos embrionários<br />

das plantas apomíticas e sexuais<br />

de Brachiaria (Dusi, 1999, Araújo,<br />

2000), a identificação de marcadores<br />

moleculares e a duplicação de cromossomos<br />

de plantas sexuais por colchicina<br />

(Pinheiro, 2000) além da transformação<br />

direta de plantas através de<br />

biobalística (Lentini, 1999). Análises<br />

em progênie de cruzamentos interespecíficos<br />

sugerem que a herança da<br />

apomixia é dominante e ligada a um<br />

único locus genético (Valle et al., 1994),<br />

o que fundamenta a procura de genes<br />

envolvidos no processo (Rodrigues,<br />

2001).<br />

40 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Utilização da técnica de<br />

Differential display reverse transcriptase<br />

PCR (DDRT-PCR)<br />

O método “differential display reverse<br />

transcriptase PCR” (DDRT-PCR),<br />

descrito por Liang e Pardee (1992), é<br />

uma técnica que vem sendo utilizada<br />

com sucesso na detecção do perfil de<br />

expressão gênica em tecidos ou células<br />

eucarióticas. Essa técnica está sendo<br />

empregada em análises do desenvolvimento<br />

vegetal, como o isolamento do<br />

gene NAP de A thaliana; genes expressos<br />

durante o ciclo celular, embriogênese,<br />

amadurecimento do fruto e desenvolvimento<br />

de sementes, entre outros<br />

(revisado por Kuhn, 2001). Também<br />

em apomíticos, algumas seqüências<br />

relacionadas com a reprodução sexual<br />

ou com a apomítica foram obtidas<br />

a partir de ovários maduros de Pennisetum<br />

ciliare (Vielle-Calzada et al., 1996).<br />

Estudo semelhante foi conduzido usando<br />

ovários maduros de híbridos interespecíficos<br />

de Brachiaria ruziziensis e B.<br />

brizantha (Leblanc et al. 1997). cDNA<br />

diferencialmente expresso foi isolado<br />

de flores de plantas apomíticas e sexuais<br />

de Paspalum notatum (Pessino et al.,<br />

2001). Em espécies apomítica e sexual<br />

de B. decumbens foram isoladas seqüências<br />

de dois estágios de desenvolvimento<br />

do óvulo com apenas quatro<br />

combinações de primers (Dusi 2001).<br />

Embora apresente limitações, como<br />

amplificação de regiões 3’ não-codantes<br />

e uma tendência de amplificar genes<br />

mais abundantes (McClelland et al. 1995),<br />

essa técnica tem sido bastante usada,<br />

pois é sensível o suficiente para identificar<br />

mudanças nos níveis de RNA (Wan<br />

et al., 1996) necessitando apenas de<br />

pequena quantidade para as análises,<br />

fator determinante em plantas cujos<br />

ovários são pequenos e de difícil acesso,<br />

como em Brachiaria (Fig. 2).<br />

DDRT-PCR baseia-se na produção<br />

de uma população de fragmentos de<br />

cDNAs de diferentes tamanhos pela<br />

amplificação de subpopulações específicas<br />

de mRNAs com a utilização de<br />

transcriptase reversa e PCR (Fig. 4). Em<br />

resumo, a partir de uma pequena quantidade<br />

de RNA total, é sintetizada a<br />

primeira fita de cDNA em uma reação<br />

de transcrição reversa da população<br />

total de mRNA em subgrupos com um<br />

dos 12 primers de ancoragem, T 11<br />

XY,<br />

que reconhecem diferentes frações da<br />

população de mRNA. O cDNA resultante<br />

é então amplificado por PCR, utilizando-se<br />

o mesmo primer de ancoragem<br />

T 11<br />

XY e um pequeno primer aleatório<br />

na presença de dATP marcado. Os<br />

produtos marcados são separados num<br />

gel desnaturante de seqüenciamento<br />

de DNA e visualizados por autoradiografia.<br />

O procedimento é igual e simultâneo<br />

para os RNAs das amostras que<br />

serão comparadas. Assim, num mesmo<br />

gel, é possível visualizar as bandas<br />

contendo fragmentos de cDNA presentes<br />

em uma amostra e ausentes na<br />

outra. Esses fragmentos podem ser isolados,<br />

reamplificados, clonados e caracterizados.<br />

Para identificar os genes envolvidos<br />

na reprodução apomítica de Brachiaria<br />

brizantha, a comparação do perfil<br />

de expressão gênica, utilizando-se a<br />

técnica de DDRT-PCR, de ovários de<br />

plantas apomíticas e sexuais em diferentes<br />

estágios de desenvolvimento do<br />

óvulo está sendo realizada.<br />

Considerações Finais<br />

O potencial da engenharia genética<br />

vegetal vai muito além da produção de<br />

plantas com tolerância a herbicidas ou<br />

com resistência a insetos, já existentes<br />

atualmente no mercado internacional.<br />

Novos genes estão sendo procurados<br />

para aumentar a qualidade de alimentos,<br />

reduzir custos e aumentar a produção<br />

agrícola. A apomixia vem ao encontro<br />

dessa perspectiva, contando com<br />

ferramentas resultantes da pesquisa em<br />

biologia molecular e celular.<br />

Os pesquisadores na área têm manifestado<br />

preocupação com as restrições<br />

ao acesso à biotecnologia para os<br />

agricultores, principalmente por questões<br />

econômicas. No caso da apomixia,<br />

os pequenos produtores serão diretamente<br />

beneficiados pela possibilidade<br />

de replantar as sementes produzidas de<br />

híbridos, ou de desenvolver variedades<br />

adaptadas a condições locais particulares<br />

e produzir sementes. Com essa<br />

preocupação, foi elaborado um documento<br />

de intenção, endossado por diversos<br />

pesquisadores em apomixia,<br />

(http:// billie. btny. purdue. edu /<br />

apomixis/) para que o acesso a ela seja<br />

amplo e igualitário. Investimento considerável<br />

vem sendo feito pelas empresas<br />

privadas, apoiando e desenvolvendo<br />

pesquisa de ponta em apomixia nos<br />

Estados Unidos e Europa. No Brasil, a<br />

Embrapa estuda apomixia em Brachiaria.<br />

Contamos com um programa de<br />

melhoramento, onde existe uma coleção<br />

de mais de 300 acessos já caracterizados,<br />

e desenvolvemos pesquisa relacionada<br />

com a sua biologia celular e<br />

molecular, enfocando aspectos da reprodução.<br />

Consideramos de crucial importância<br />

que as instituições públicas,<br />

principalmente de países em desenvolvimento<br />

como o nosso, assegurem o<br />

acesso a essa tecnologia, desenvolvendo<br />

novos enfoques de pesquisa para<br />

conhecimento dos mecanismos da apomixia.<br />

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42 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


FUNDAÇÃO GIACOMETTI<br />

(Repete fotolito que saiu na pág. 21 , edição 24)<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 43


Bases Fisiológicas e Genéticas da<br />

Pesquisa<br />

REGENERAÇÃO DE PLANTAS IN VITRO<br />

Fotos e ilustrações cedidas pelo autor<br />

Um conhecimento útil para o desenvolvimento de protocolos biotecnológicos<br />

Lázaro E. P. Peres<br />

Prof. Dr. – Fisiologia Vegetal – Esalq/USP<br />

Depto. de Ciencias Biológicas - LCB<br />

lazaropp@esalq.usp.br<br />

http://www.ciagri.usp.br/~lazaropp<br />

Introdução<br />

Apesar da extensa utilização da<br />

regeneração de plantas in vitro em<br />

Figura 1. Adaptação do modelo de Tran Thanh Van (1973) para o<br />

entendimento da determinação celular. Explantes retirados de regiões<br />

reprodutivas estão “induzidos” e “determinados” para originar botões<br />

florais, e explantes retirados de regiões vegetativas originam gemas<br />

caulinares quando cultivados in vitro<br />

processos biotecnológicos, pouco se<br />

conhece, até o momento, sobre os<br />

mecanismos envolvidos na aquisição<br />

de competência para regeneração.<br />

Pode-se dizer que, virtualmente, todos<br />

os processos tecnológicos são derivações<br />

de conhecimentos básicos adquiridos<br />

nos mais variados campos da<br />

ciência. A <strong>Biotecnologia</strong> Vegetal tem<br />

seu corpo de conhecimentos amplamente<br />

apoiado em estudos de Fisiologia<br />

e Genética Vegetal, e, mais especificamente,<br />

em uma de suas importantes<br />

subáreas – o Desenvolvimento.<br />

O termo desenvolvimento referese<br />

ao crescimento integrado das várias<br />

partes de um ser pluricelular envolvendo<br />

basicamente, os processos de<br />

divisão, expansão e diferenciação celular<br />

e a conseqüente formação de<br />

tecidos, órgãos e sistemas. Plantas e<br />

animais possuem notáveis diferenças<br />

quanto ao tipo de desenvolvimento.<br />

Enquanto praticamente todo o desenvolvimento<br />

dos animais se processa<br />

durante uma etapa denominada embriogênese,<br />

nas plantas essa etapa se<br />

limita à formação de um eixo contendo<br />

os meristemas caulinar e radicular em<br />

pólos opostos. Por meio das atividades<br />

desses meristemas, as plantas realizam<br />

um desenvolvimento pós-embrionário,<br />

ou seja, continuam formando órgãos<br />

(caules, raízes, folhas, flores e<br />

frutos) ao longo de todo o seu ciclo de<br />

vida. Esse tipo de desenvolvimento<br />

constitui uma estratégia para que os<br />

vegetais possam se adaptar às variações<br />

no ambiente, já que são organismos<br />

sésseis e, portanto, não podem<br />

utilizar a locomoção para buscar ambientes<br />

favoráveis. Assim, quando um<br />

vegetal encontra uma condição desfavorável<br />

(p. ex: falta de luz) ele pode<br />

lançar mão de seu desenvolvimento<br />

flexível para formar novos órgãos (p.<br />

ex: ramos e folhas) na direção em que<br />

sua sobrevivência e reprodução fiquem<br />

garantidas.<br />

Uma das principais características<br />

do desenvolvimento pós-embrionário<br />

dos vegetais é justamente a separação<br />

temporal entre os processos de embriogênese<br />

e organogênese. Como se<br />

44 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Figura 2. Exemplo de mutação homeótica em vegetais. A rosa da direita é o<br />

resultado de uma mutação homeótica (transformação de um órgão em outro),<br />

onde os estames se converteram em pétalas. As diferenças na coloração<br />

representam mutações em genes relacionados com a síntese de pigmentos<br />

verá adiante, a separação temporal<br />

entre embriogênese e organogênese<br />

torna-se relevante quando se procura<br />

regenerar plantas in vitro, pois o que<br />

se faz nada mais é do que tentar<br />

reproduzir essas duas etapas em condições<br />

artificiais. Sendo assim, como o<br />

meristema caulinar pode dar origem a<br />

um novo ramo e, nesse, novas raízes<br />

podem ser induzidas, é relativamente<br />

fácil obter uma multiplicação clonal<br />

em plantas. Já nos animais, a propagação<br />

clonal é muito rara e em condições<br />

artificiais só é possível através de um<br />

controle estrito da embriogênese. Como<br />

conseqüência, enquanto as plantas são<br />

clonadas, desde tempos imemoriais,<br />

por processos muitos simples como a<br />

estaquia e a enxertia, a clonagem de<br />

animais é extremamente difícil e, no<br />

caso de mamíferos, só foi obtida recentemente<br />

por ocasião do nascimento da<br />

ovelha Dolly (Wilnut et al., 1997).<br />

O controle hormonal do<br />

desenvolvimento de<br />

caules e raízes<br />

Assim como nos animais, o desenvolvimento<br />

das plantas é fundamentalmente<br />

controlado por substâncias<br />

reguladoras de crescimento ou hormônios.<br />

Desse modo, apesar de as descobertas<br />

feitas até a década de 30, principalmente<br />

no campo da nutrição mineral,<br />

terem possibilitado o crescimento<br />

de órgãos isolados in vitro (White,<br />

1934), a indução deles em condições<br />

artificiais só foi possível a partir de um<br />

conhecimento mais aprofundado acerca<br />

da natureza dos hormônios vegetais.<br />

Durante a década de 50, a equipe<br />

do Dr. Folk Skoog fez descobertas que<br />

foram fundamentais para a indução e<br />

manutenção da organogênese in vitro.<br />

Naquela época já se conhecia o<br />

ácido indolil-3-acético (AIA), uma auxina<br />

isolada em 1934. O AIA era utilizado<br />

em meios nutritivos juntamente<br />

com constituintes complexos, como<br />

extrato de levedura e água de coco, os<br />

quais pareciam conter algo também<br />

essencial à organogênese. Essa substância<br />

essencial para a divisão celular<br />

foi finalmente isolada por Carlos Miller<br />

em 1955 e denominada citocinina. A<br />

chamada citocinina, assim denominada<br />

por promover, juntamente com a<br />

auxina, a citocinese, propiciou, finalmente,<br />

as bases da organogênese in<br />

vitro. Desse modo, em 1957, Carlos<br />

Miller e Skoog demonstraram que a<br />

formação de dois órgãos in vitro, caules<br />

e raízes, era controlada pelas concentrações<br />

relativas entre auxina e<br />

citocinina. Meios de cultura contendo<br />

um balanço auxina/ citocinina favorável<br />

à auxina promoveram a formação<br />

de raízes em calo (um aglomerado de<br />

células) de tabaco (Nicotiana tabacum).<br />

De modo inverso, balanços hormonais<br />

favoráveis à citocinina fizeram<br />

com que fossem formadas gemas caulinares.<br />

Finalmente, balanços hormonais<br />

intermediários não levaram a uma<br />

diferenciação das células e sim a uma<br />

maior multiplicação delas e conseqüente<br />

crescimento do calo (Skoog & Miller,<br />

1957). Apesar desses resultados terem<br />

sido obtidos ainda na década de 50,<br />

eles são plenamente corroborados em<br />

trabalhos mais recentes, onde se altera<br />

o conteúdo endógeno de auxina e<br />

citocininas em plantas transgênicas expressando<br />

genes bacterianos para produção<br />

desses hormônios. A exemplo<br />

disso, plantas de tabaco expressando o<br />

gene ipt de Agrobacterium tumefaciens<br />

possuem elevado nível endógeno<br />

de citocininas e a conseqüente intensa<br />

formação de gemas caulinares ex vitro<br />

e in vitro. De modo inverso, a expressão<br />

dos genes bacterianos iaaH e iaaM,<br />

envolvidos na biossíntese de auxina,<br />

provoca ampla formação de raízes em<br />

plantas transgênicas. Surpreendentemente,<br />

quando se cruzam os dois tipos<br />

de transgênicos, o híbrido F1 tende a<br />

apresentar fenótipo igual ao tipo não<br />

transgênico. Esses estudos confirmam<br />

os resultados de Skoog e Miller (1957),<br />

os quais postularam que as concentrações<br />

absolutas de auxina e citocininas<br />

são menos importantes que suas concentrações<br />

relativas na indução de organogênese.<br />

Diferenças entre organogênese<br />

e embriogênese in vitro e tipos<br />

de organogênese<br />

Como dito anteriormente, o desenvolvimento<br />

das plantas é dividido entre<br />

organogênese e embriogênese,<br />

sendo que essa característica se reflete<br />

no processo de regeneração in vitro.<br />

A princípio, a formação de embriões<br />

a partir de tecidos somáticos in<br />

vitro imita a embriogênese zigótica,<br />

que ocorre nos órgãos reprodutivos<br />

das plantas. Desse modo, tanto a embriogênese<br />

somática quanto a zigótica<br />

culminam na formação de uma planta<br />

inteira a partir de uma única célula.<br />

Contudo, em certos explantes, os<br />

embriões somáticos formam-se a partir<br />

da diferenciação conjunta de grupos<br />

de células embriogênicas (Williams &<br />

Maheswaran, 1986). Como a organogênese<br />

normalmente envolve a regeneração<br />

de gemas a partir de grupos<br />

de células meristemáticas, há casos em<br />

que é difícil determinar se o processo<br />

de regeneração envolve organogênese<br />

ou embriogênese. Alguns critérios<br />

para a determinação do tipo de regeneração<br />

são apresentados a seguir:<br />

I. os embriões somáticos possuem<br />

sistema vascular fechado<br />

sem conexão com o<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 45


sistema vascular do explante<br />

inicial, como ocorre na<br />

organogênese;<br />

II.a estrutura formada na embriogênese<br />

é bipolar (eixo<br />

com os meristemas caulinares<br />

e radiculares). Na organogênese<br />

são formadas gemas<br />

caulinares que, mais<br />

tarde, darão origem a raízes<br />

adventícias.<br />

Nos dois processos de regeneração,<br />

há necessidade do estabelecimento<br />

de células competentes no explante<br />

inicial. Tanto as células meristemáticas,<br />

que darão origem às gemas caulinares,<br />

quanto as células embriogênicas<br />

podem se formar posteriormente ou<br />

podem estar preexistentes no explante.<br />

No caso do explante já possuir<br />

células meristemáticas ou embriogênicas,<br />

ocorrerá organogênese direta e<br />

embriogênese direta, respectivamente.<br />

Quando há necessidade de desdiferenciação<br />

do explante, com a conseqüente<br />

formação de calo prévia ao<br />

estabelecimento das células competentes,<br />

ocorrerá organogênese ou embriogênese<br />

indireta. Por simplificação,<br />

a seguir iremos considerar somente o<br />

processo de organogênese in vitro<br />

(Consultar a Revista <strong>Biotecnologia</strong> Ed.<br />

7 para mais informações sobre embriogênese<br />

somática).<br />

O processo de indução e manutenção<br />

da organogênese in vitro<br />

A obtenção de organogênese in<br />

vitro é atualmente um processo empírico<br />

onde são testados para cada espécie,<br />

ou mesmo para cada variedade<br />

dentro de uma espécie, as seguintes<br />

condições: I) fonte de explante; II)<br />

composição mineral do meio de cultura<br />

(e também suas vitaminas e fontes<br />

de carbono); III) balanço hormonal e<br />

IV) condições ambientais.<br />

Embora seja um processo empírico,<br />

o desenvolvimento de um protocolo<br />

para organogênese in vitro será<br />

facilitado, e, inclusive, o número de<br />

variáveis a serem testadas diminuirá,<br />

se forem seguidos alguns princípios e<br />

conhecimentos fisiológicos. Desse<br />

modo, quanto à fonte de explante,<br />

Figura 3. Diferenças genéticas quanto à capacidade de regeneração em<br />

espécies de Lycopersicon. A – raiz gemífera de L. hirsutum. A capacidade de<br />

formar gemas caulinares em raízes ex vitro se reflete na competência para<br />

regeneração in vitro a partir desse tipo de explante (Peres et al., 2001). B –<br />

Elevada capacidade de regeneração de L. pimpinellifolium WV700 a partir<br />

de explantes caulinares, a qual é controlada por dois genes principais (Faria<br />

& Illg, 1996)<br />

normalmente haverá maior sucesso se<br />

forem utilizados tecidos jovens, os quais<br />

possuem maior competência organogenética.<br />

Explantes que contém tecidos<br />

meristemáticos são preferidos e<br />

eles são encontrados em gemas caulinares<br />

apicais e axilares. Uma ampla<br />

fonte de tecidos meristemáticos, normalmente<br />

negligenciada, são as raízes,<br />

as quais possuem tecidos meristemáticos<br />

nos ápices, além de o próprio<br />

periciclo ser um tecido meristemático.<br />

O fato de as raízes estarem em contato<br />

com o solo torna impraticável sua desinfestação,<br />

sendo elas utilizadas somente<br />

a partir de plantas preestabelecidas<br />

in vitro. Outro fator limitante é<br />

que algumas espécies parece ter raízes<br />

com extrema determinação para<br />

continuarem se desenvolvendo como<br />

raízes, sendo difícil nelas a formação de<br />

gemas caulinares.<br />

Diferenças significativas na capacidade<br />

organogenética in vitro são encontradas<br />

ao se variar a composição<br />

mineral, as vitaminas e as fontes de<br />

açúcares dos meios de cultura. Contudo,<br />

os componentes mais críticos adicionados<br />

ao meio de cultura são os<br />

hormônios vegetais. Como foi visto<br />

anteriormente, os principais hormônios<br />

utilizados na organogênese são as<br />

auxinas e as citocininas. Outras classes<br />

de hormônios vegetais, como as giberelinas,<br />

o etileno e o ácido abscísico ou<br />

mesmo substâncias que não sejam propriamente<br />

hormônios, como poliaminas,<br />

ácido salicílico e jasmonatos também<br />

são, muitas vezes, utilizados em<br />

processos de regeneração por organogênese.<br />

Existe considerável número<br />

de evidências de que o efeito dessas<br />

substâncias é indireto, através da alteração<br />

do balanço auxina/citocinina<br />

endógeno. O próprio efeito das auxinas<br />

e das citocininas aplicadas ao meio<br />

de cultura parece ser, na verdade, o<br />

reflexo dessas substâncias alterando os<br />

balanços endógenos de auxina/citocininas<br />

nas células vegetais (Peres et al.,<br />

1999). Esse efeito indireto é, inclusive,<br />

muito comum quando se utilizam auxinas<br />

sintéticas, como o 2,4 D (ácido 2,4<br />

diclorofenoxiacético), o ANA (ácido<br />

naftaleno acético), ou citocininas sintéticas<br />

como a benzilaminopurina (BAP),<br />

a cinetina e, sobretudo o thidiazuron.<br />

Essa última “citocinina” não possui a<br />

estrutura comum das citocininas, sendo<br />

um difeniluréia ao invés de possuir<br />

um anel purínico característico do BAP,<br />

da cinetina, da isopentenil adenina (iP)<br />

e da zeatina (Z). Trabalhos realizados<br />

por Van Staden e também por David<br />

Letham fornecem evidências de que o<br />

thidiazuron pode atuar inibindo a enzima<br />

citocinina oxidase, a principal enzima<br />

envolvida na degradação de citocininas<br />

endógenas como Z, iP e seus<br />

derivados.<br />

Finalmente, as condições ambientais<br />

influenciam notavelmente a organogênese<br />

in vitro. Normalmente as<br />

salas de cultivo são mantidas em temperatura<br />

ambiente (25° C), sendo a luz<br />

o fator ambiental que parece mais<br />

afetar a organogênese. Muitos protocolos<br />

de regeneração são conduzidos<br />

no escuro, sobretudo para evitar a<br />

oxidação do explante na fase de estabelecimento.<br />

Esse procedimento se<br />

baseia no fato de a enzima chave da<br />

46 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


produção de compostos fenólicos, a<br />

fenilalaninamonioliase, ser dependente<br />

da luz. A luz afeta a morfogênese de<br />

modo mediado por fotoreceptores<br />

como o fitocromo. Um experimento<br />

que evidencia a relevância da fotomorfogênese<br />

na organogênese in vitro é a<br />

constatação de que o mutante aurea<br />

de tomateiro, o qual é defectivo para o<br />

gene que codifica uma enzima na<br />

formação do cromóforo do fitocromo,<br />

praticamente não forma gemas in vitro<br />

(Lercari et al., 1999).<br />

Apesar de serem seguidos princípios<br />

básicos e de se testarem empiricamente<br />

diversos parâmetros, muitas vezes<br />

não se consegue a organogênese<br />

in vitro. Os fatores associados a esse<br />

insucesso serão discutidos a seguir.<br />

Fatores associados à falha na<br />

indução de organogênese<br />

in vitro<br />

Christianson & Warnick dividiram o<br />

processo de organogênese in vitro nas<br />

seguintes etapas: 1) desdiferenciação;<br />

2) aquisição de competência; 3) indução;<br />

4) determinação; 5) diferenciação<br />

e 6) formação do órgão (Christianson &<br />

Warnick, 1988). Essa divisão do processo<br />

em etapas permitiu a esses autores<br />

postularem que, quando um explante<br />

falha em desenvolver organogênese<br />

in vitro, essa falha se dá normalmente<br />

na etapa de aquisição de<br />

competência. Contudo, pouco se conhece,<br />

até o momento, sobre os mecanismos<br />

envolvidos na aquisição de<br />

competência para organogênese (Kerbauy,<br />

1999).<br />

A aquisição de competência para<br />

organogênese<br />

No processo de organogênese, a<br />

competência seria entendida como a<br />

capacidade de responder ao estímulo<br />

hormonal necessário à indução da formação<br />

do órgão. A falha de competência<br />

de um tecido poderia refletir, portanto,<br />

a falta de receptores para a<br />

classe hormonal que irá induzir o processo<br />

organogenético (Carry et al.,<br />

2001). Os recentes estudos relacionados<br />

com o isolamento de genes correspondentes<br />

a receptores, principalmente<br />

de citocininas (Inoue et al., 2000),<br />

certamente contribuirão para um melhor<br />

entendimento do processo de<br />

aquisição de competência organogenética.<br />

Um outro fator associado<br />

à falta de competência<br />

organogenética seria o próprio<br />

metabolismo hormonal<br />

do explante, pois é ele que<br />

determinará, em última análise,<br />

o balanço hormonal endógeno<br />

para indução da organogênese<br />

(Peres & Kerbauy,<br />

1999). Desse modo,<br />

explantes com alta atividade<br />

de citocinina oxidase,<br />

enzima que degrada citocininas,<br />

podem não chegar a<br />

um balanço auxina/citocinina<br />

endógeno indutor da formação<br />

de gemas, mesmo<br />

que sejam adicionadas elevadas<br />

concentrações de citocininas<br />

ao meio de cultura.<br />

De modo semelhante,<br />

explantes com elevada atividade<br />

de degradação oxidativa<br />

ou de inativação de<br />

auxina por conjugação com<br />

açúcares e aminoácidos podem<br />

falhar na indução de<br />

raízes adventícias. O efeito<br />

diferencial dos vários tipos<br />

de auxinas e citocininas<br />

quando aplicados ao meio<br />

de cultura pode ser também<br />

correlacionado com o fato<br />

de cada um deles interferir<br />

de modo particular no metabolismo<br />

hormonal endógeno.<br />

Finalmente, explantes<br />

comprometidos para vias<br />

particulares de desenvolvimento<br />

(elevada determinação<br />

para formar um órgão<br />

específico) podem falhar na alteração<br />

dessa via para assumir uma outra. Um<br />

estudo clássico sobre determinação<br />

celular foi apresentado por Mary Tran<br />

Thanh Van ao demonstrar que explantes<br />

epidérmicos de pedúnculo floral<br />

de tabaco tendem a formar novas flores<br />

in vitro (Tran Thanh Van, 1973;<br />

Fig. 1). De modo geral, pode-se dizer<br />

que, quanto maior for a determinação<br />

de um explante para uma via de desenvolvimento<br />

(por exemplo, a formação<br />

de raízes) menor será a competência<br />

para formar outro tipo de órgão<br />

(por exemplo, gemas caulinares). Um<br />

exemplo de tecido com baixa determinação<br />

e elevada competência tanto<br />

para formação de raízes quanto de<br />

Figura 4. Reinterpretação da hipótese<br />

proposta por Christianson & Warnick (1988)<br />

para o entendimento da competência<br />

organogenética. Os possíveis estágios onde<br />

atuariam diferentes genes que influenciam a<br />

regeneração são indicados em vermelho. Os<br />

“genes de sensibilidade” seriam aqueles<br />

envolvidos na percepção (codificação de<br />

receptores) e transdução do sinal para auxinas<br />

(AIA, 2,4D) e citocininas (Cks). Os genes de<br />

metabolismo hormonal (que codificam enzimas<br />

de biossíntese e/ou degradação de hormônios)<br />

são os responsáveis pelo estabelecimento de<br />

um balanço hormonal endógeno necessário<br />

para a regeneração. Genes homeóticos<br />

controlam a formação de órgãos e, portanto,<br />

podem estar associados à regeneração de<br />

novas gemas caulinares ou raízes. A expressão<br />

desfavorável de qualquer uma dessas classes<br />

de genes seria suficiente para impedir a<br />

regeneração de um determinado explante<br />

gemas caulinares é o calo. O calo é<br />

considerado um tecido indiferenciado,<br />

ou pouco diferenciado, podendo ser<br />

induzido, tornando-se determinado e,<br />

finalmente sofrer diferenciação para<br />

formar gemas caulinares ou raízes, conforme<br />

o balanço hormonal aplicado<br />

(Skoog & Miller, 1957). Tanto a aquisição<br />

de “competência” quanto a “determinação”<br />

são reflexos da expressão<br />

diferencial de genes envolvidos nos<br />

processos de desenvolvimento. Resta<br />

saber, portanto, que tipo de genes<br />

seriam esses.<br />

Genes envolvidos na capacidade<br />

de regeneração in vitro<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 47


Como visto acima, a regeneração<br />

de um explante depende tanto da<br />

sensibilidade quanto do metabolismo<br />

para uma determinada classe hormonal.<br />

Desse modo, genes associados à<br />

capacidade de regeneração poderiam<br />

ser os próprios genes que codificam<br />

componentes da via de transdução<br />

de sinal ou as enzimas do metabolismo<br />

hormonal. Além disso, para que<br />

um tecido se diferencie em um determinado<br />

órgão, faz-se necessário que<br />

ele possua a capacidade de expressão<br />

dos chamados “genes mestres”,<br />

que coordenam a expressão dos vários<br />

genes que serão requeridos durante<br />

a organogênese. Nesse sentido,<br />

explantes que falham em formar um<br />

determinado órgão in vitro, por estarem<br />

“determinados”, podem ter perdido<br />

a capacidade de expressão de<br />

“genes mestres” durante um processo<br />

intenso de diferenciação sofrido<br />

anteriormente. Um exemplo de gene<br />

mestre que pode estar relacionado<br />

com a capacidade de regeneração é<br />

KNOTTED1 (Smith et. al., 1995), o<br />

qual se expressa em caules, mas não<br />

em explantes radiculares. O gene<br />

KNOTTED1 é considerado um gene<br />

homeótico, uma classe de genes que,<br />

ao sofrerem mutação, podem provocar<br />

a formação de órgãos em locais<br />

não convencionais. O primeiro gene<br />

homeótico descoberto foi ANTENNA-<br />

PEDIA, um gene da mosca Drosophila,<br />

cuja mutação provoca formação de<br />

pernas na cabeça no lugar das antenas.<br />

Em plantas, uma mutação equivalente<br />

é a transformação de estames<br />

em pétalas, produzindo as conhecidas<br />

rosas dobradas (Fig 2).<br />

É interessante notar que em certas<br />

espécies existem diferenças na capacidade<br />

de regeneração in vitro que<br />

são controladas por poucos genes.<br />

Um modelo promissor é o tomateiro<br />

(Lycopersicon esculentum), cuja alta<br />

capacidade de regeneração de algumas<br />

espécies selvagens (Fig. 3) parece<br />

ser controlada por um ou dois<br />

genes dominantes (Koornnef et al.,<br />

1993; Faria & Ilgg, 1996; Peres et al.,<br />

2001). Infelizmente, ainda não temos<br />

informações acerca da função de tais<br />

genes. Contudo, diante do exposto<br />

acima, é razoável especular que esses<br />

“genes de regeneração” podem ser<br />

“genes mestres” ou mesmo estar relacionados<br />

com a presença de receptores<br />

para hormônios vegetais e/ou<br />

podem codificar alguma enzima chave<br />

no metabolismo hormonal. Os<br />

possíveis locais onde os genes relacionados<br />

com a regeneração in vitro<br />

poderiam atuar são apresentados na<br />

Figura 4, adaptando-se o esquema<br />

proposto originalmente por Christianson<br />

& Warnick (1988). No futuro, o<br />

conhecimento aprofundado sobre a<br />

sensibilidade, o metabolismo hormonal<br />

e seu efeito na indução e/ou<br />

repressão de genes mestres que controlam<br />

a formação de gemas caulinares<br />

e raízes facilitará o entendimento<br />

da organogênese in vitro e suas aplicações<br />

biotecnológicas.<br />

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SKOOG, F. & MILLER, C.O. Chemical<br />

regulation of growth and organ<br />

formation in plant tissues cultured<br />

in vitro. Symp. Soc. Exp. Biol.<br />

11:118-231, 1957.<br />

SMITH, L. G.; JACKSON, D. & HAKE, S.<br />

Expression of knotted1 marks<br />

shoot meristem formation during<br />

maize embryogenesis. Developmental<br />

Genetics, 16: 344-348,<br />

1995.<br />

TRAN THANH VAN, M. Direct flower<br />

neoformation from superficial tissue<br />

of small explants of Nicotiana<br />

tabacum L. Planta, 115: 87-92,<br />

1973.<br />

WHITE, P. R. Potentially unlimited growth<br />

of excised tomato root tips in<br />

a liquid medium. Plant Physiol.<br />

9: 585-600, 1934.<br />

WILLIAMS, E. G. & MAHESWARAN, G.<br />

Somatic embryogeneis factors influencing<br />

coordinated behaviour<br />

of cell as an embryogenic group.<br />

Ann. Bot., 57: 443-462, 1986.<br />

WILMUT, I.; SCHNIEKE, A. E.; McWHIR,<br />

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S. Viable offspring derived from<br />

fetal and adult mammalian cells.<br />

Nature, 385: 810- 813, 1997.<br />

48 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Vitor<br />

A produção de animais transgênicos em série da Unifesp já começou. Além de Vitor, o<br />

primeiro camundongo transgênico brasileiro criado a partir da técnica de injeção pronuclear,<br />

quatro outros camundongos alterados geneticamente foram criados para atender pedidos<br />

de pesquisadores de outras instituições nacionais e até do exterior.<br />

Vitor é pai de sete filhotes, que nasceram no dia 27 de março. Os pequenos camundongos<br />

mantêm duplicado o gene receptor B2 da bradicinina, uma substância associada a processos<br />

inflamatórios e hipertensivos. “Todos os filhotes mantém as alterações genéticas”, afirma<br />

o diretor técnico do Laboratório de Animais Transgênicos do Centro de Desenvolvimento<br />

de Modelos Experimentais em Medicina e Biologia (Cedeme), João Bosco Pesquero.<br />

Outras duas camundongas, Helena e Satiko, nasceram no dia 25 e 27 de fevereiro com<br />

alterações genéticas diferentes das de Vitor, mas com o mesmo objetivo de servir a estudo<br />

sobre problemas cardíacos e hipertensão. “Elas têm duplicada a enzima tonina, reponsável A mãe e seus filhotes<br />

pela produção de substâncias que aumentam a pressão arterial”, explica Pesquero. A<br />

alteração foi feita a pedido de pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais.<br />

Outro animal com alterações genéticas foi encomendado por pesquisadores da Instituto Max Delbruck, de Berlim, na<br />

Alemanha. Segundo Pesquero, estão adiantados os contatos para um trabalho em conjunto com a Embrapa para produzir<br />

novo animal trasngênicos. “Temos condição para atender novos pedidos e já estamos adiantados no contato com<br />

pesquisadores do Brasil e de outros países.”<br />

Na universidade, Pesquero e a pesquisadora Beatriz Castilho, do departamento de Microbiologia, têm colaborado para<br />

produzir novas cópias de material genético exógeno a ser acrescentando à cadeia do DNA de novos camundongos. “É<br />

fundamental conquistarmos a possibilidade de criar novas alterações que possam ajudar no estudo de doenças”, afirmou<br />

Beatriz.<br />

A técnica de microinjeção pronuclear empregada pelos pesquisadores do Cedeme foi adotada por ser a mais simples e<br />

com melhores resultados, afirma Pesquero.<br />

Com essa técnica, um fragmento de DNA inserido no genoma do animal que passa a apresentar, então, um ‘ganho de<br />

função’. Esse processo permite um controle mais apurado que o da técnica de agrupamento, além de permitir uma produção<br />

em série de animais transgênicos.<br />

A constatação de que os filhotes são ou não transgênicos é feita três semanas após o nascimento. Um pequeno pedaço<br />

de tecido do animal é submetido a uma análise genética para avaliar a presença dos genes modificados.<br />

O projeto Vitor, o camundongo transgênico, vai permitir uma economia de 90% na compra de novas cobaias, cotadas no<br />

mercado por até US$ 50 mil o casal. (JGN)<br />

José Gonçalves / Imprensa Unifesp<br />

Foto: Stella Murgel / Unifesp<br />

Agradecimentos à Jussara Mangine / Unifesp<br />

II Simpósio sobre Alimentos Transgênicos<br />

17 e 18 de Outubro de 2002 - Viçosa - MG<br />

Após o sucesso do I Simpósio Nacional sobre Alimentos Transgênicos realizado na UFV em 2000 e estimulados pelo<br />

público participante deste evento, a UFV sente-se honrada em sediar este II Simpósio, com a presença de renomados<br />

pesquisadores nacionais e internacionais.<br />

Segurança alimentar, nutracêuticos, vacinas comestíveis, rotulagem e outros assuntos atuais referentes a biotecnologia<br />

e especificamente aos alimentos transgênicos serão discutidos<br />

Informações:http://www.agro.agri.umn.edu/~luborem/II%20Simposio%20Al.%20Transgenicos/<br />

www.protocol-online.net Protocol Online disponibiliza protocolos de biologia molecular, biologia celular e imunologia,<br />

fórum e lista de e-mail para discussão de métodos.<br />

www.denniskunkel.com Na página do Dennis Kunkel Microscopy a galeria de imagens exibe centenas de micrografias<br />

eletrônicas de bactérias, algas, insetos, plantas e células eucarióticas.<br />

molbio.cbs.umn.edu/asirc Actinomycete-Streptomyces Internet Resource Center dispõe de informações de congressos,<br />

posições de trabalho, micrografias, métodos, estruturas químicas de metabólitos secundários e vias biossintéticas.<br />

Não se esqueça! O uso educacional de imagens e animações é permitido, mas não se esqueça dos direitos autorais e<br />

pedidos de permissão.<br />

BioDicas é uma colaboração de Marcio O. Lásaro marciolasaro@hotmail.com<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 49


Pesquisa<br />

Biorreatores de<br />

IMERSÃO PERMANENTE<br />

Fotos e ilustrações cedidas pelos autores<br />

Um outro enfoque na problemática da micropropagação de plantas<br />

Antecedentes históricos.<br />

Os biorreatores são sistemas usados para micropropagar plantas, visando a<br />

otimizar, bem como a reduzir os custos da operação.<br />

Historicamente, os biorreatores foram mais conhecidos por fermentadores e<br />

estavam direcionado para o cultivo de células ou microrganismos, com vistas a<br />

produzir metabólicos secundários, alcalóides, antibióticos, entre outros.<br />

O nome fermentador está relacionado etimologicamente com fermentação que,<br />

na sua raiz latina, deriva de fermentare, cujo significado é ferver, isto é, produzir<br />

bolhas de ar, numa alusão ao fato de os fermentadores serem destinados a<br />

processos fermentativos como, por exemplo, a produção de álcool, onde as<br />

leveduras regeneram NAD a partir de sua forma reduzida NADH, com produção<br />

de etanol e C0 2<br />

, na qual este último, pela aparição de bolhas, dá a idéia de fazer<br />

ferver o meio líquido nutritivo (Leveau & Bouix,1985).<br />

1. Esquema de um biorreator de<br />

imersão permanente BIPER, que<br />

apresenta o recipiente e o<br />

microcompressor, conformando<br />

um todo, como descrito no texto<br />

L. Pedro Barrueto Cid<br />

Biólogo (M.Sc. - Ph.D.)<br />

Pesquisador Embrapa Recursos Genéticos e<br />

<strong>Biotecnologia</strong>. Brasília - DF<br />

lpedro@cenargen.embrapa.br<br />

Andréa R. Ramos Cruz<br />

Eng. Agrônomo, bolsista, (M.Sc.)<br />

Embrapa Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>.<br />

Brasília - DF<br />

Jairo Moráis Teixeira<br />

Graduando - Biologia, bolsista, Embrapa<br />

Recursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong> .<br />

Brasília - DF<br />

s biorreatores não apenas têm estado relacionados com processos<br />

anaeróbios, como também com os aeróbicos. Neste caso um elenco<br />

de outros microrganismos também têm sido utilizados, como, por<br />

exemplo: Bacillus thuringensis, Penicillium roquefortii, Pseudomonas<br />

syringae, Escherichia coli etc., objetivando sua exploração<br />

comercial e industrial (Primrose, 1987).<br />

Inicialmente, e pelo fato de serem destinados a usos industriais, esses<br />

fermentadores foram de grande capacidade: de 20 a 4.000 mil litros de meio<br />

líquido nutritivo. Em decorrência disso, esses fermentadores devem ter acurados<br />

sistemas de oxigenação, agitação mecânica do meio líquido, monitoramento do<br />

pH, da temperatura e da formação de espuma, tudo o que os converte em<br />

verdadeiras obras da engenharia e da automatização, que asseguram à parte<br />

biótica (microrganismos) sobreviverem nesse ambiente abiótico artificial, visando<br />

aumentar seus rendimentos( biomassa, metabólicos secundários, antibióticos,<br />

etc.), porém com altos custos de instalação.<br />

Paralelamente à biotecnologia da fermentação, a cultura de tecidos vegetais<br />

vinha desenvolvendo seu trabalho biotecnológico de manipulação de células,<br />

tecido e órgãos com vistas a propagar material clonal para uso comercial.<br />

Entretanto, muitas vezes, os custos de produção de mudas provenientes do<br />

cultivo in vitro, a partir de meios sólidos, não compensam sua produção, por<br />

causa do melhor preço obtido pelas mudas oriundas de sementes ou de partes<br />

vegetativas devido aos altos custos de mão-obra no laboratório que chegam a<br />

40%-60 % das despesas. Portanto, estratégias inovativas para reduzir custos de<br />

mão-de-obra na produção em grande escala, tem enxergado aos biorreatores<br />

como razoável aproximação (Preil & Beck, 1991; Ziv, 1992).<br />

A propagação de plantas por meio de fermentadores para trabalhos de<br />

microrganismos, com fins industriais, são impensáveis, devido ao seu alto custo<br />

50 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Tabela 1. Resultados preliminares com BIPER visando a induzir multiplicação em diferentes culturas de interesse<br />

econômico (inóculo por biorreator)<br />

Espécie<br />

Mamão<br />

Café<br />

Abacaxi<br />

Morango<br />

Álamo<br />

Orquídea<br />

Quantidade de explante inicial:<br />

brotos* ou gr**<br />

7 *<br />

8*<br />

8 *<br />

10*<br />

10*<br />

4**<br />

Quantidade de brotos<br />

finais<br />

51<br />

65<br />

256<br />

45<br />

60<br />

43<br />

Período de cultivo (dias)<br />

30<br />

45<br />

45<br />

20<br />

30<br />

30<br />

Coeficiente de<br />

multiplicação<br />

7.0<br />

8.0<br />

32.0<br />

4.5<br />

6.0<br />

10.0<br />

*Com depósito de patente no INPI<br />

de modo que, foram feitas modificações<br />

para sua extrapolação em plantas.<br />

Os primeiros biorreatores adaptados<br />

para plantas datam de, aproximadamente,<br />

20 anos atrás (Levin et al.,<br />

1988) De lá para cá, muitos tipos têm<br />

sido propostos, isso porque um biorreator<br />

é concebido em função do tipo de<br />

processo que se deseja obter. Assim,<br />

para embriogênese somática, se requer<br />

um tipo de biorreator, mas, para<br />

micropropagar através de organogenêse,<br />

gemas, o desenho mais eficiente<br />

pode ser outro (Merchuk, 1990).<br />

Em geral, os biorreatores utilizados<br />

para a micropropagação de plantas são<br />

de pequena capacidade (1 a 5 litros),<br />

e, no caso de serem desenhados para<br />

multiplicação de células ou embriões<br />

somáticos, devem possuir um sistema<br />

de oxigenação, um outro de agitação<br />

mecânica, por meio de pás giratórias<br />

ou um sistema vibratório para produzir<br />

a turbulência necessária à homogenização<br />

e homeostase no interior do<br />

biorreator, e ainda, sensores de pH,<br />

temperatura, 0 2<br />

e espuma (Preil et al.<br />

1988; Takayama & Akita, 1994)<br />

No tocante à propagação de plantas<br />

através de gemas, existem os biorreatores<br />

de imersão temporária (Alvard<br />

et al.,1993) e os de borbulhamento<br />

contínuo ou imersão permanente<br />

(BIPER) tipo air-lift (George, 1993-<br />

96)<br />

Nos de imersão temporária, as gemas<br />

a serem multiplicadas ficam expostas<br />

a ciclos de imersão, evitando a<br />

presença de dispositivos de agitação e<br />

arejamento e, portanto, simplificando<br />

o desenho do biorreator.<br />

Nos BIPER, Fig.1., o desenho não<br />

requer um sistema específico de agitação<br />

e turbulência do meio, sendo que<br />

esta é realizada através do sistema de<br />

arejamento, que, dentro do biorreator,<br />

libera bolhas de ar, tudo que permite<br />

uma renovada e contínua interação<br />

entre os componentes bióticos e abióticos<br />

no interior do biorreator.<br />

No presente trabalho, será descrito<br />

apenas o BIPER e alguns resultados<br />

experimentais serão apresentados para<br />

demonstrar seu potencial no campo da<br />

micropropagação.<br />

Descrição do aparelho*<br />

O aparelho, Fig. 1, basicamente é<br />

um sistema de engenharia simples e<br />

barata. Consta de um recipiente de<br />

vidro com capacidade de 500 a 1000<br />

ml, cuja tampa apresenta dois furos,<br />

um para a entrada do ar (A) e outro<br />

para saída (B), sendo que, em ambos<br />

os casos, esses orifícios estão providos<br />

de dutos de aço inox com filtro Millipore<br />

(0,2 µm de poro) a fim de evitar a<br />

contaminação interna.<br />

O ar é provido através de um microcompressor<br />

(aproximadamente 3<br />

litros/ minuto), e conduzido ao fundo<br />

do recipiente através de uma mangueira<br />

de silicone, de onde sai, através<br />

de um tubo poroso, formando bolhas<br />

que agitarão o meio líquido. Com exceção<br />

da borracha que liga o filtro de<br />

entrada ao compressor, todos os componentes<br />

do sistema são autoclaváveis<br />

(120 °C e 20 minutos).<br />

Inoculação dos explantes<br />

Depois de passar pela autoclavagem,<br />

o BIPER, já contendo o meio<br />

2. Brotos de abacaxi, após 45 dias no BIPER em presença de MS + 5 µM de<br />

BAP. Em MS + 0 BAP a quantidade de brotos foi significativamente inferior<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 51


3. Broto de abacaxi isolado de uma<br />

touceira oriunda de BIPER após 45<br />

dias, pronto para ser transferido para<br />

vermiculita, em casa de vegetação<br />

nutritivo, é aberto na câmara de fluxo<br />

laminar para a inoculação de brotos,<br />

por exemplo, 10 a 20, ou, touceiras de<br />

5 a 10 por frasco, ou ainda, alguns<br />

poucos gramas de orquídeas. O meio<br />

líquido normalmente é constituído do<br />

meio SP (Barrueto Cid et al., 1999)<br />

complementado com diferentes concentrações<br />

de BAP (6-benzilamino<br />

purina) segundo se trate de orquídeas<br />

(Ionopsis ochlereuca), abacaxi (Ananas<br />

comosus L. cv. Perola) café (Coffea<br />

arabica cv Catuaí vermelho 81.),<br />

mamão (Carica papaya L. cv Tainug),<br />

álamo (Populus tremula x P. alba). As<br />

touceiras contendo um número variado<br />

de brotos são previamente obtidas<br />

em meio sólido e é uma precondição<br />

ter seu protocolo de multiplicação estabelecido,<br />

antes de iniciar os trabalhos<br />

com o biorreator.<br />

Como medida preventiva, os explantes<br />

ficaram em erlenmeyer, em<br />

presença de Benlate e Cefotaxima<br />

sódica 100 mg/l por 72 h, em agitador<br />

com 100 rpm, antes de ser inoculados.<br />

Uma vez inoculado o material, os biorreatores<br />

ficaram a uma temperatura de<br />

27 ± 2 °C e fotoperíodo de 16 h luz,<br />

sendo que, depois de 30 a 40 dias, o<br />

material é avaliado.<br />

Resultados<br />

4. Brotos de café Catuaí Vermelho 81, 45 dias em BIPER. À esquerda,<br />

BIPER com SP + 0 BAP. À direita, BIPER com 24 µM de BAP<br />

Os resultados referentes às diferentes<br />

espécies testadas demonstraram<br />

altos rendimentos em relação à quantidade<br />

de explantes originais, Tabela 1.<br />

Isso não deixa de animar ,considerando<br />

que o arejamento contínuo poderia<br />

afetar a produção de biomassa, já que<br />

acarretaria problemas de ordem fisiológica,<br />

como fotorespiração, produção<br />

de ácido glicólico, isto porque a 1-<br />

5 bifosfato carboxilase também é uma<br />

oxigenase, porém a baixa solubilidade<br />

do oxigênio na água a 25 °C e 760<br />

mm Hg ( aproximadamente, 7 mg 0 2<br />

/l ) e a resistência do tecido à difusão<br />

de um gás tornariam esse problema<br />

menos significativo (Desjardins,<br />

1995). Por outro lado, não foi necessário<br />

adicionar antiespumantes (Taticek,<br />

et al. 1991) porque a formação<br />

de espuma não constituiu um problema.<br />

Entretanto, houve em reiteradas<br />

ocasiões problemas de contaminação,<br />

mas essa, em geral, foi contornada<br />

com a utilização de um pré-tratamento<br />

com fungicida e antibiótico,<br />

como já mencionado .<br />

Conforme a Tabela 1, o abacaxi<br />

(cv. Pérola) teve a mais notória resposta<br />

com respeito ao número de<br />

brotos induzidos, na verdade foi tão<br />

exuberante a proliferação do material<br />

que o frasco ficou completamente<br />

cheio aos 45 dias, Fig. 2-3. O que<br />

demonstra que a espécie pode ser<br />

micropropagada não apenas pelo biorreator<br />

de imersão temporária como<br />

era já conhecido (Escalona et al., 1999),<br />

mas também pelo sistema de imersão<br />

permanente ou de borbulhamento,<br />

como no presente caso. No que se<br />

refere ao cafeeiro, os resultados obtidos<br />

foram bastante significativos (Fig.<br />

4). Foi observada uma alta taxa de<br />

multiplicação, a qual é um estimulante,<br />

porque esse tipo de resultado<br />

ainda não havia sido reportado na<br />

literatura, embora já sejam conhecidos<br />

protocolos a partir de embriogênese<br />

somática em biorreator, (Noriega<br />

& Söndahl, 1993). Entretanto, o<br />

risco de plantas anormais (Alemanno<br />

et al. 1997) ou a alta porcentagem de<br />

embriões que não atingem o nível de<br />

planta em casa de vegetação (Boxtel<br />

& Berthouly, 1996) torna válido explorar<br />

outras formas de micropropagação.<br />

Contudo, convém ressaltar que<br />

nem todos os genótipos de cafeeiro<br />

poderão reagir satisfatoriamente às<br />

condições do BIPER.<br />

Para as outras espécies, Fig.5, não<br />

dispomos de registros de micropropagação<br />

via biorreator; por isso, esse<br />

tipo de informação encoraja novos<br />

trabalhos nessa direção, especialmente,<br />

considerando que a vitrificação<br />

52 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


5. Plântula de Ionopsis ochlereuca no centro da placa, após ter passado<br />

30 dias em BIPER. Lateralmente, a mesma espécie com a mesma<br />

idade, porém, crescendo em meio sólido e apresentando touceira<br />

(glassy shoot) não foi um problema em<br />

nosso trabalho.<br />

Em geral, o material multiplicado<br />

proveniente do BIPER, era transferido<br />

para meio sólido SP, (Fig.6), com vistas<br />

ao seu enraizamento e crescimento,<br />

porém, no caso de abacaxizeiro , o<br />

6. Ionopsis ochlereuca após ter<br />

passado pelo biorreator e cultivada<br />

por 90 dias em meio sólido SP<br />

material foi transferido diretamente para<br />

a casa de vegetação , (Fig.2), colocado<br />

em vermiculita e irrigado periodicamente.<br />

Nesse caso particular, ao final<br />

de 30 dias de cultivo nesse tipo de<br />

substrato, foi verificada uma percentagem<br />

de sobrevivência próxima a 100<br />

%. Observou-se também, aos 60 dias,<br />

um percentual de 90 % de enraizamento.<br />

Agradecimentos<br />

Os autores agradecem o suporte<br />

financeiro ao Consórcio Brasileiro de<br />

Pesquisa e Desenvolvimento do Café.<br />

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<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 53


Pesquisa<br />

MICROPROPAGAÇÃO DE BABOSA<br />

(Aloe vera - Liliaceae)<br />

Fotos cedidas pelos autores<br />

<strong>Biotecnologia</strong> de plantas medicinais<br />

Patrícia Sibila Araújo<br />

M.Sc., Bióloga - Laboratório de Morfogênese e<br />

Bioquímica Vegetal - CCA/UFSC<br />

Josiane M.Oliveira Duarte da<br />

Silva<br />

Acadêmica do curso de Agronomia - Bolsista<br />

Pibic/CNPq<br />

Laboratório de Morfogênese e Bioquímica<br />

Vegetal - CCA/UFSC<br />

Cáter Alexandre Neckel<br />

Acadêmico do curso de Agronomia - Bolsista<br />

PRAExUFSC<br />

Laboratório de Morfogênese e Bioquímica<br />

Vegetal - CCA/UFSC<br />

Carla Ianssen<br />

Acadêmica do curso de Agronomia - Bolsista<br />

Pibic/CNPq<br />

Laboratório de Morfogênese e Bioquímica<br />

Vegetal - CCA/UFSC<br />

Ana Carla Oltramari<br />

M.Sc., Engenheira Agrônoma – Laboratório de<br />

Morfogênese e Bioquímica Vegetal – CCA/<br />

UFSC<br />

Renata dos Passos<br />

B.Sc., Farmacêutica - Mestranda em<br />

<strong>Biotecnologia</strong> - CCB/UFSC<br />

Laboratório de Morfogênese e Bioquímica<br />

Vegetal - CCA/UFSC<br />

Introdução<br />

Evidências históricas indicam a origem<br />

africana da babosa, uma espécie<br />

cultivada no Egito há milhares de anos,<br />

com registros de sua utilização pelo<br />

povos do Mediterrâneo que remontam<br />

ao ano de 400 a.C. Seu nome científico,<br />

Aloe vera, foi dado por Carl Von Linne,<br />

em 1720, sendo, posteriormente, também<br />

referida como Aloe barbadensis<br />

Miller. Ao longo dos séculos, centenas<br />

de artigos de cunho científico ou não<br />

têm sido publicados descrevendo essa<br />

espécie como fonte de compostos<br />

bioativos. Nesse contexto, o primeiro<br />

Erasmo Tiepo<br />

B.Sc., Engenheiro Agrônomo - Laboratório de<br />

Morfogênese e Bioquímica Vegetal - CCA/UFSC<br />

Dionísio Bernardino Bach<br />

B.Sc., Engenheiro Agrônomo - Naturama Sucos<br />

Integrais do Brasil Ltda<br />

Marcelo Maraschin<br />

Ph.D., Prof. Adjunto III - Laboratório de<br />

Morfogênese e Bioquímica Vegetal - CCA/UFSC<br />

m2@cca.ufsc.br<br />

Figura 1. (a) Planta matriz de Aloe vera oriunda do Paraguai<br />

apresentando brotações laterais (î) com, aproximadamente, 45 dias de<br />

idade. Os meristemas apicais dos brotos laterais contendo um primórdio<br />

foliar foram utilizados como explantes. (b) Microplântulas de babosa<br />

com 30 dias de cultivo em meio MSBA. (c) Aclimatização de plântulas,<br />

21 dias após a transferência para câmara de crescimento, em<br />

recipientes plásticos contendo uma mistura de substrato comercial e<br />

solo - 1:1<br />

54 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


egistro de utilização terapêutica de<br />

A. vera no continente americano<br />

data de 1697; todavia, sua inclusão<br />

na farmacopéia dos EUA (United<br />

States Pharmacopoeia-USP) ocorreu<br />

somente em 1820, como purgativo<br />

e cicatrizante (1).<br />

Embora existam mais de 250<br />

espécies do gênero Aloe, somente<br />

três ou quatro dessas apresentam<br />

propriedades medicinais, sendo a<br />

Aloe vera a de maior interesse, possuindo<br />

também valor nutricional. As<br />

folhas dessa espécie possuem uma<br />

aparência suculenta, sendo que o<br />

mesófilo foliar contém reservas de<br />

água que podem suprir a necessidade<br />

da planta durante longos períodos<br />

de seca, favorecendo sua sobrevivência<br />

em lugares de clima árido.<br />

Estudos fitoquímicos têm demonstrado<br />

a presença de uma série de<br />

compostos de interesse farmacológico<br />

oriundos dos metabolismos primário<br />

e secundário da A. vera, utilizados<br />

em formulações (géis e sucos,<br />

e.g.) preparadas a partir desta planta.<br />

Como exemplos de compostos<br />

mencionam-se: enzimas (lipases,<br />

bradiquinases e proteases), mono e<br />

polissacarídeos (glucomananas),<br />

aminoácidos, vitaminas (A, B 12<br />

, C e<br />

D), antraquinonas (aloína e emodina),<br />

saponinas, ácido salicílico, lignina<br />

e esteróides (lupeol e campesterol).<br />

A esses compostos têm sido<br />

atribuídas diversas atividades biológicas,<br />

tais como antisséptica [saponinas<br />

e antraquinonas], antitumoral [mucopolissacarídeos],<br />

antiinflamatória<br />

[esteróides e ácido salicílico], antioxidante<br />

[vitaminas], imuno-reguladora<br />

e detoxificante [glucomananas]<br />

- (2).<br />

Devido ao amplo espectro de<br />

aplicações na área de saúde humana,<br />

os produtos à base de babosa<br />

vêm apresentando forte expansão<br />

no mercado nacional e internacional.<br />

Esse fato determina uma maior<br />

demanda por matéria-prima de alta<br />

qualidade, sendo esse aspecto uma<br />

restrição à expansão dessa atividade,<br />

devido à pequena disponibilidade<br />

de biomassa de babosa no nosso<br />

mercado interno. O aumento da oferta<br />

de biomassa pressupõe a existência<br />

de incrementos de produtividade<br />

dos cultivos e/ou a expansão da área<br />

desses. Em último caso, a implantação<br />

de cultivos com altos rendimentos tem<br />

como premissa básica a utilização de<br />

material de plantio de alta qualidade<br />

genética e sanitária, além de coloca-lo<br />

disponível no comércio.<br />

A propagação de Aloe vera é realizada<br />

por meio da remoção de brotações<br />

laterais emitidas pela planta-mãe<br />

(Fig. 1a), principalmente ao longo da<br />

estação de crescimento. O número e a<br />

freqüência de brotos laterais emitidos<br />

é bastante variável, fato que dificulta o<br />

planejamento de um sistema produtivo<br />

de mudas no que concerne ao seu<br />

rendimento. Em geral, três ou quatro<br />

brotos laterais são emitidos/ano/planta-mãe.<br />

Esta condição gera um sistema<br />

de produção com baixo rendimento,<br />

sendo um processo moroso e caro,<br />

principalmente quando se considera o<br />

tempo necessário para a obtenção de<br />

um número de mudas que permita a<br />

implantação de 1 hectare, por exemplo,<br />

com valores de densidade de<br />

plantio de 12.000 a 16.000 plantas por<br />

hectare, como usualmente é observado<br />

em plantios comerciais dessa espécie.<br />

Adicionalmente, esse sistema clássico<br />

de produção de mudas apresenta<br />

como característica uma maior probabilidade<br />

de ocorrência de moléstias no<br />

material de plantio, em função das<br />

lesões que são feitas à planta-mãe e às<br />

mudas (brotos laterais), no momento<br />

de sua coleta.<br />

O quadro acima descrito tem gerado<br />

uma situação de limitação da disponibilidade<br />

de material de plantio com<br />

qualidade genética e sanitária superiores,<br />

dificultando a instalação de novas<br />

áreas de cultivo de babosa. Conseqüentemente,<br />

a disponibilidade de<br />

matéria-prima para a elaboração de<br />

produtos nas indústrias de cosméticos<br />

(estéticos e dermatológicos), de fitoterápicos<br />

(purgativos e cicatrizantes) e<br />

alimentícia (complementos nutricionais<br />

e energéticos) é reduzida, e caracteriza<br />

um ponto de estrangulamento<br />

no processo produtivo. Esse fato vem<br />

contribuindo significativamente para a<br />

elevação de preços do(s) produto(s)<br />

final(is) e dificultando a expansão da<br />

atividade, tanto no mercado interno<br />

quanto no externo.<br />

Como solução tecnológica viável<br />

para a resolução desse problema, a<br />

produção de mudas com qualidade<br />

superior e em larga escala pode ser<br />

feita através de técnicas biotecnológicas.<br />

Nesse caso, a cultura de células<br />

e tecidos vegetais vem, desde o início<br />

da década de 70, constituindo<br />

uma estratégia de interesse, em função<br />

de suas potencialidades e de<br />

resultados apresentados para um grande<br />

número de espécies vegetais. Tal<br />

abordagem tem permitido a clonagem<br />

e a multiplicação em larga escala<br />

de espécies vegetais e de germoplasmas<br />

selecionados, os quais, quando<br />

multiplicados por processos convencionais<br />

(estaquia, enxertia, sementes,<br />

alporquia, e.g.), apresentam baixos<br />

valores de rendimento. Nos últimos<br />

anos, a superação dessa dificuldade<br />

tem sido conseguida, em diversos<br />

casos, com a utilização de técnicas<br />

de produção de mudas in vitro (3).<br />

Essa abordagem biotecnológica foi<br />

utilizada pelo Laboratório de Morfogênese<br />

e Bioquímica Vegetal (LMBV),<br />

da Universidade Federal de Santa<br />

Catarina (UFSC) – Departamento de<br />

Fitotecnia-CCA, em parceria com a<br />

empresa Naturama Sucos Integrais<br />

do Brasil Ltda. e o SEBRAE/SC, com o<br />

intuito de desenvolver um protocolo<br />

para acelerar o processo de multiplicação<br />

dessa espécie, de modo que<br />

ele permita formar mudas em larga<br />

escala e em curto espaço de tempo.<br />

Metodologia<br />

O processo de multiplicação foi<br />

iniciado com plantas matrizes de A.<br />

vera de 16 genótipos de procedências<br />

distintas (Florianópolis/SC, Araquari/SC,<br />

Pato Branco/PR, Rolândia/PR,<br />

Colombo/PR e Paraguai - Fig. 1a).<br />

Meristemas apicais contendo um primórdio<br />

foliar (0,5 a 1,5 cm altura)<br />

foram utilizados como explantes para<br />

a micropropagação das plantas matrizes<br />

selecionadas. Os meristemas foram<br />

submetidos ao processo de assepsia<br />

em câmara de fluxo laminar<br />

por meio de imersão seqüencial em<br />

soluções de hipoclorito de sódio 40%<br />

(10 min), etanol 70% (2 min), hipo-<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 55


clorito de sódio 40%, (5 min), seguido<br />

de 3 lavagens com água destilada/deionizada/esterilizada.<br />

Os explantes<br />

foram inoculados em 30 mL<br />

de meio de cultura MS (4) suplementado<br />

com sacarose (3g%), ágar<br />

(0,7g%) e reguladores de crescimento:<br />

4,03 µM ácido naftaleno acético<br />

e 6,67 µM 6- benzilaminopurina<br />

(Meio MSBA). Os cultivos (Fig. 1b)<br />

foram mantidos em sala de crescimento<br />

a 24 ± 1°C, 85% U.R., 14 horas<br />

de fotoperíodo e 100 ± 5 µM (RFA),<br />

com um tempo de residência de 35<br />

dias. Ao longo dos experimentos,<br />

foram coletadas plântulas com altura<br />

de parte aérea superior a 3 cm,<br />

transferidas para bandejas alveoladas<br />

contendo substrato comercial<br />

Plantmax® e mantidas em ambiente<br />

de câmara de nebulização por 7 dias.<br />

Subseqüentemente, as plantas foram<br />

transferidas para embalagens<br />

plásticas contendo uma mistura de<br />

solo e substrato comercial Plantmax®<br />

(1:1 – Fig. 1c) e mantidas em<br />

estufa de crescimento, com controle<br />

de irrigação (3 dias) e adubação<br />

foliar (15 e 21 dias - verão e inverno,<br />

respectivamente).<br />

Resultados<br />

O processo de multiplicação massal<br />

de babosa em sistema de cultivo<br />

in vitro teve, inicialmente, necessidade<br />

de desenvolver um protocolo<br />

de isolamento e multiplicação. A<br />

consecução da etapa de isolamento<br />

mostrou-se possível em um período<br />

de 3 meses, sendo que, de forma<br />

preliminar, observou-se que alguns<br />

dos genótipos estudados apresentaram<br />

maiores taxas de sobrevivência<br />

e multiplicação in vitro, sugerindo a<br />

ocorrência de potenciais de propagação<br />

distintos.<br />

Os estudos de multiplicação demonstraram<br />

que as condições utilizadas<br />

induziram uma taxa de proliferação<br />

de gemas laterais na razão de<br />

1:2, em média. Essa taxa de multiplicação<br />

mostrou-se dependente do<br />

componente genotípico (planta<br />

matriz), uma vez que valores de 1:8<br />

foram também observados. De fato,<br />

esses resultados comprovaram os<br />

dados indicadores da existência de<br />

Figura 2. (a) Rizogênese in vitro de Aloe vera: (1) 20 dias de cultivo<br />

(ausência de primórdios radiculares), (2) 30-35 dias de cultivo - 1 raiz,<br />

(3) 45 dias de cultivo - 3 raízes e (4) 60 dias - 4 raízes. (b) Plântulas<br />

desprovidas de sistema radicular devido à sua degeneração em<br />

momentos iniciais (~ 20 dias) da fase de aclimatização. (c) Plântula de<br />

babosa com sistema radicular regenerado durante a fase de<br />

aclimatização (~ 60 dias após a transferência para câmara de<br />

crescimento). Nessa fase, foi observada a emissão de raízes<br />

secundárias. (d) Mudas com, aproximadamente, 180 dias de idade<br />

destinadas ao plantio no campo<br />

clones com expressão morfogenética<br />

in vitro distinta. De forma específica,<br />

os germoplasmas oriundos do Paraguai<br />

evidenciaram maiores taxas de multiplicação,<br />

com valores de 1:6 a 1:8.<br />

Índices de multiplicação in vitro semelhantes<br />

foram encontrados na literatura,<br />

onde a técnica de micropropagação<br />

tem propiciado sucessos como alternativa<br />

de produção de mudas em larga<br />

escala de diversas espécies medicinais<br />

exploradas comercialmente, tais como<br />

Coleus forskohlii, Camptotheca acuminata<br />

e Valeriana edulis sp. procera<br />

(5).<br />

O protocolo descrito viabilizou o<br />

início do processo de rizogênese in<br />

vitro (Fig. 2a), porém tal aspecto mostrou-se<br />

dependente do tempo de cultivo.<br />

Períodos superiores a 35 dias<br />

viabilizaram as maiores taxas de enraizamento<br />

e, em função disso, o tempo<br />

56 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


médio de residência dos cultivos foi<br />

alterado para 45 dias. Esses dados<br />

sugerem que a indução à rizogênese<br />

de babosa in vitro parece estar associada<br />

ao esgotamento gradativo dos<br />

nutrientes no meio de cultura. Essa<br />

metodologia tem permitido a obtenção<br />

de mudas com sistemas aéreo e<br />

radicular, sem necessidade de formulação<br />

de meio de cultura para enraizamento.<br />

Adicionalmente, foi observado<br />

que o enraizamento in vitro<br />

exerceu marcada influência sobre a<br />

sobrevivência das plântulas na fase<br />

de aclimatização. De fato, ao longo<br />

dessa fase, as plântulas enraizadas in<br />

vitro apresentaram valores elevados<br />

de taxas de sobrevivência, que se<br />

situaram entre 80% a 95%, enquanto<br />

taxas de sobrevivência inferiores a<br />

30% e crescimento lento foram observadas<br />

para as plântulas desprovidas<br />

de sistema radicular. De forma<br />

interessante, logo após o transplante,<br />

as plântulas enraizadas in vitro apresentam<br />

degeneração do sistema radicular<br />

(Fig. 2b), seguida da imediata<br />

emissão de novas raízes primárias e<br />

secundárias (Fig. 2c).<br />

A ocorrência de indivíduos que<br />

expressam variações fenotípicas in<br />

vitro ou ex vitro não foi detectada ao<br />

longo de um período de 16 meses,<br />

com exceção de duas plantas que<br />

evidenciaram a ocorrência de albinismo<br />

e variegação em tecido foliar. Tal<br />

fato provavelmente advém da ocorrência<br />

de variação somaclonal (6),<br />

um fenômeno comum e de ocorrência<br />

aleatória em culturas de tecidos e<br />

células vegetais, caracterizado pelo<br />

surgimento de variantes fenotípicos,<br />

cuja origem poderá ser de natureza<br />

genética e/ou epigenética (7, 8, 9,<br />

10). Como exemplos disso, somaclones<br />

de centeio regenerados a partir<br />

do cultivo de embriões imaturos apresentaram<br />

variações freqüentes no<br />

padrão de acúmulo e distribuição de<br />

clorofila em tecidos foliares (11). De<br />

forma semelhante, plantas jovens de<br />

Picea mariana e P. glauca, regeneradas<br />

por embriogênese somática,<br />

expressaram padrões variegados em<br />

tecido foliar com freqüências de 0,1%<br />

e 0,3%, respectivamente (12). O surgimento<br />

de variantes em processos<br />

de micropropagação tem sido observado<br />

em freqüências distintas, segundo<br />

a fonte de explante (planta matriz),<br />

tipo e idade do explante, via morfogenética<br />

de regeneração (organogênese<br />

ou embriogênese), condições e tempo<br />

de cultivo in vitro, podendo ser um<br />

fenômeno de interesse, quando se<br />

busca variabilidade em programas de<br />

melhoramento genético. No entanto,<br />

quando a uniformidade genética/fenotípica<br />

de indivíduos (true-to-type) na<br />

população micropropagada é a característica<br />

buscada, tal fenômeno é indesejável,<br />

devendo ser monitorado de<br />

forma constante (7, 10, 12). Os resultados<br />

observados nesse estudo indicam<br />

que o fenômeno de variação somaclonal<br />

não apresenta significância<br />

com a utilização do protocolo proposto<br />

(Fig. 2d).<br />

Conclusão<br />

Os resultados obtidos indicam que<br />

a metodologia descrita apresenta viabilidade<br />

do ponto de vista tecnológico,<br />

como sistema de multiplicação clonal<br />

de babosa em larga escala, gerando<br />

mudas de alto valor genético e sanitário.<br />

Ao longo de um período de 8<br />

meses, aproximadamente 2.000 mudas<br />

foram produzidas, a partir de 20<br />

explantes obtidos de germoplasmas<br />

de procedências diversas. O protocolo<br />

inicialmente utilizado é passível de<br />

otimização, porém, comparativamente<br />

ao processo usual de multiplicação<br />

de babosa, os resultados indicam que a<br />

micropropagação clonal de Aloe vera<br />

oferece vantagens significativas no que<br />

concerne à rapidez de obtenção de um<br />

grande número de mudas, cujo interesse<br />

econômico é crescente, em função<br />

de suas propriedades medicinais e<br />

nutricionais.<br />

Referências Bibliográficas<br />

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Vera - Almost a panacea. Health<br />

Consciusness, v. 13, N° 1, 2000.<br />

2. Weiner M & Weiner JA. Herbs<br />

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Books, 1994.<br />

3. Mantell SH; Matthews JA & McKee<br />

RA. Princípios de <strong>Biotecnologia</strong> de<br />

Plantas - Uma introdução à engenharia<br />

genética de plantas. Ribeirão<br />

Preto, Sociedade Brasileira<br />

de Genética, 1994.<br />

4. Murashige T & Skoog D (1962).<br />

A revised medium for rapid growth<br />

and bioassays with tobacco<br />

tissue cultures. Physiology Plantarum,<br />

15: 473-497.<br />

5. Pletsch M. Compostos naturais<br />

biologicamente ativos: a aplicação<br />

da biotecnologia à produção<br />

de compostos naturais biologicamente<br />

ativos. <strong>Biotecnologia</strong>, n°<br />

4, set/out., 1998.<br />

(www.biotecnologia.com.br)<br />

6. Larkin PJ & Scowcroft WR. Somaclonal<br />

variation - a novel source<br />

of variability from cell culture<br />

for plant improvement. Theor.<br />

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7. Hadi MZ & Bridgen MP. Somaclonal<br />

variation as a tool to develop<br />

pest resistant plants to Torenia<br />

fournieri ‘Compacta Blue’.<br />

Plant Cell, Tissue and Organ<br />

Culture, 46: 43-50, 1996.<br />

8. Scowcroft WR. Somaclonal variation:<br />

The myth of clonal uniformity.<br />

In: Hohn B & Dennis ES<br />

(Editors), Genetic flux in plants,<br />

Springer-Verlag, Wien, 1985.<br />

9. Skirvin RM, McPheeters KD &<br />

Norton. Sources of frequency of<br />

somaclonal variation. Hortscience,<br />

29: 1232-1237, 1994.<br />

10. Maraschin M. Variação somaclonal,<br />

metabolismo de carbono e<br />

caracterização bioquímica e imunológica<br />

nos cultivos celulares de<br />

Mandevilla velutina (MART)<br />

WOODSON (Apocynaceae).<br />

Tese de Doutorado, Departamento<br />

de Bioquímica/UFPR, 1998.<br />

11. Linacero R & Vázquez AM. Somaclonal<br />

variation in rye. Mutation<br />

Research, 302: 210-205, 1993.<br />

12. Tremblay L; Levasseur C & Tremblay<br />

FM. Frequency of somaclonal<br />

variation in plants of black<br />

spruce (Picea mariana, Pinaceae)<br />

and white spruce (P. glauca,<br />

Pinaceae) derived from somatic<br />

embryogenesis and identification<br />

of some factors involved in genetic<br />

instability. American Journal<br />

of Botany, 86: 1373-1381, 1999.<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 57


SUCAST<br />

Pesquisa<br />

Ilustrações cedidas pelas autoras<br />

Desvendando as vias de transdução de sinal da cana-de-açúcar<br />

Gláucia Mendes Souza<br />

Profª, Drª do Departamento de Bioquímica,<br />

Instituto de Química, USP.<br />

glmsouza@iq.usp.br<br />

Aline Maria da Silva<br />

Professora Associada do Departamento de<br />

Bioquímica, Instituto de Química, USP.<br />

almsilva@iq.usp.br<br />

A cana-de-açúcar na<br />

era da genômica<br />

esde os tempos do Brasil<br />

colônia até os dias de<br />

hoje, a cultura de canade-açúcar<br />

tem sido uma<br />

grande fonte de riquezas<br />

para a economia brasileira. O Brasil é o<br />

maior produtor de cana-de-açúcar do<br />

mundo, com uma safra de 338 milhões<br />

de toneladas em 2001, o que equivale<br />

a 27% da produção mundial 1 . Aproximadamente,<br />

60% da colheita destinase<br />

à produção de álcool e o restante<br />

à produção de açúcar, mas existe a<br />

perspectiva de utilizar-se a cana-deaçúcar<br />

como biorreator na geração de<br />

energia elétrica, na produção de plásticos<br />

biodegradáveis, açúcares não<br />

calóricos e compostos químicos de<br />

interesse farmacêutico. A cana-deaçúcar<br />

é cultivada em 5 milhões de<br />

hectares distribuídos por todos os<br />

Figura 1 – Classes de proteínas de transdução de sinal catalogadas pelo SUCAST<br />

58 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Figura 2 - Síntese de hormônios em resposta a fatores ambientais<br />

estados brasileiros, mas é no estado<br />

de São Paulo que se concentra a<br />

maioria das lavouras, que representa<br />

metade da produção nacional. Alagoas,<br />

Pernambuco, Minas Gerais e Rio<br />

de Janeiro são também importantes<br />

produtores contribuindo juntos com<br />

quase 30% da safra brasileira.<br />

O sucesso do cultivo da cana-deaçúcar<br />

se deve à utilização de variedades<br />

obtidas através de melhoramento<br />

genético clássico desenvolvido<br />

pelos centros de pesquisa e estações<br />

experimentais como o Centro<br />

de Ciências Agrárias da UFSCar, em<br />

Araras, o Instituto Agronômico de<br />

Campinas e a Copersucar. A cana-deaçúcar<br />

atualmente cultivada é originária<br />

de um cruzamento entre Saccharum<br />

officinarum e Saccharum<br />

spontaneous, que aumentou a produtividade<br />

e a resistência a doenças<br />

dos clones cultivados. O mapeamento<br />

genético dos cultivares mais utilizados<br />

está sendo realizado (Grivet e<br />

Arruda, 2001) porém, a seleção de<br />

variedades mais produtivas, resistentes<br />

a pragas e doenças e adaptadas a<br />

ambientes diversos por intercruzamentos<br />

é um processo demorado, que leva<br />

de 12 a 15 anos. Como podemos<br />

encurtar esse prazo? A genômica aponta<br />

o caminho. O seqüenciamento do genoma<br />

de várias plantas tem facilitado e<br />

acelerado a identificação de genes responsáveis<br />

por qualidades desejáveis,<br />

possibilitando a manipulação subseqüente<br />

de genes de interesse através<br />

de técnicas de genética molecular. Na<br />

era da genômica as manipulações genéticas<br />

serão dirigidas, aumentando a<br />

eficiência de obtenção de variedades<br />

bem sucedidas. Essa nova revolução<br />

verde anuncia a obtenção de variedades<br />

resistentes a múltiplas doenças,<br />

mais adaptadas e produtivas o que<br />

deve diminuir dramaticamente as perdas<br />

na agricultura além de permitir o<br />

aproveitamento de solos até então não<br />

utilizáveis.<br />

Em um futuro não muito distante,<br />

as culturas de cana-de-açúcar também<br />

serão beneficiadas por essa revolução,<br />

pois a cana-de-açúcar acaba<br />

de entrar na era genômica com um<br />

grande trunfo, representado pelas<br />

250.000 ESTs geradas por 22 laboratórios<br />

que fazem parte do projeto<br />

SUCEST (http: // sucest. lad. ic. unicamp.<br />

br; Fioravanti, 2000). ESTs<br />

(Expressed Sequence Tags ou Etiquetas<br />

de Seqüências Expressas) são<br />

seqüências de DNA que representam<br />

trechos de mRNAs (RNAs mensageiros<br />

que serão traduzidos em<br />

proteínas), revelando quais são os<br />

genes expressos em um tecido ou<br />

órgão, em uma dada situação fisiológica<br />

ou patológica. As ESTs da canade-açúcar<br />

não deixam por menos e<br />

representam milhares de genes expressos<br />

em seus diferentes órgãos,<br />

como raiz, colmo, folhas, flores e<br />

sementes, obtidos em vários estágios<br />

de desenvolvimento e submetidos a<br />

variações ambientais diversas incluindo<br />

interações com bactérias (Vettore<br />

et al., 2001). Essa informação<br />

preciosa está sendo cuidadosamente<br />

examinada por 48 laboratórios que<br />

se dedicam à mineração ou prospecção<br />

de dados, o chamado data mining.<br />

É dessa forma que os genes<br />

expressos revelados pelo projeto SU-<br />

CEST estão sendo associados a uma<br />

função no crescimento, desenvolvimento,<br />

respostas a estresses e metabolismo<br />

da planta. A partir dessa<br />

análise, essas prováveis funções poderão<br />

ser associadas a características<br />

desejáveis na cana, que, eventualmente,<br />

possam ser manipuladas para<br />

a geração de novas variedades.<br />

Como é feito o data mining<br />

No data mining pesquisamos semelhanças<br />

entre genes da cana-deaçúcar<br />

e genes identificados em outras<br />

plantas ou em outros organismos,<br />

para designarmos uma provável<br />

função a esses genes, pois estima-se<br />

que 50% dos genes das plantas<br />

superiores tenham uma função<br />

semelhante à encontrada em outros<br />

organismos. A garimpagem é feita<br />

sobre as 250.000 ESTs da cana-de-<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 59


Figura 3 - Ativação da resposta de defesa através da cascata da MAP quinase (MAPK)<br />

açúcar que foram previamente separadas,<br />

por semelhança entre suas<br />

seqüências, em 43.000 grupos de<br />

transcritos ou clusters (Pimentel &<br />

da Silva, 2001). Durante a análise<br />

também observamos quantas ESTs<br />

compõem o cluster, pois, em geral,<br />

o número de ESTs de um certo<br />

cluster indica, com boa confiança, o<br />

quanto aquele gene é expresso. Além<br />

disso, se um dado cluster é composto<br />

por ESTs provenientes de um<br />

tecido ou orgão em particular, temos<br />

uma boa indicação da prevalência<br />

de um certo transcrito em um tecido<br />

ou em determinada situação fisiológica<br />

ou patológica.<br />

A tabela I relaciona as ferramentas<br />

de bioinformática utilizadas para<br />

inferência da função gênica a partir<br />

da análise de seqüências de genes e,<br />

naturalmente, das proteínas por eles<br />

codificadas. Invariavelmente, como<br />

primeiro passo, pesquisamos genes<br />

de outros organismos que sejam similares<br />

as ESTs que estamos analisando.<br />

Alta similaridade com um gene de<br />

função conhecida indica uma boa<br />

probabilidade da EST corresponder a<br />

um gene de mesma função na canade-açúcar.<br />

A busca é realizada em<br />

bancos de dados públicos, em geral,<br />

com a ferramenta conhecida como<br />

BLAST. Essa busca pode ser automatizada<br />

e com o resultado obtido é<br />

possível gerar um banco de dados<br />

onde cada EST passa a ter uma provável<br />

função associada. Na prática, no<br />

entanto, a associação de uma função<br />

a um gene ou EST não é um processo<br />

trivial. No caso de famílias gênicas<br />

com um grande número de membros<br />

(genes parálogos), pequenas diferenças<br />

na sequência das proteínas,<br />

que, codificadas por cada um dos<br />

parálogos, podem resultar em funções<br />

distintas e somente uma análise<br />

detalhada dessas seqüências consegue<br />

distinguir membros de subcategorias.<br />

Nesses casos, além dos dados<br />

gerados pelo BLAST, também é<br />

inspecionado o alinhamento da seqüência<br />

de todos os membros da<br />

família, o que possibilita a indexação<br />

das ESTs ou dos clusters de ESTs<br />

a subfamílias e categorias gênicas<br />

específicas. Uma das ferramentas<br />

de alinhamentos mais utilizadas é o<br />

CLUSTAL. É desejável que domínios<br />

protéicos conservados sejam também<br />

pesquisados na seqüência de<br />

aminoácidos deduzida a partir da<br />

seqüência de nucleotídeos de cada<br />

um dos clusters de ESTs analisados.<br />

Nesse caso, as buscas são feitas em<br />

bancos de dados de domínios de<br />

proteínas como Pfam, PROSITE ou<br />

InterPro. Os resultados obtidos pelo<br />

conjunto dessas análises embasam a<br />

atribuição de uma provável função<br />

atribuída a um gene a partir apenas<br />

de dados do seqüenciamento.<br />

60 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


Tabela I<br />

Ferramentas de data-mining<br />

Referência<br />

BLAST - algoritmo que pesquisa similaridade entre seqüências Altschul et al., 1997<br />

CLUSTAL - algoritmo de alinhamento de seqüências Jeanmougin et al., 1998<br />

PROSITE - banco de dados de famílias e domínios Hofmann et al., 1999<br />

Pfam - banco de dados de famílias e domínios Bateman et al., 1999<br />

INTERPRO - banco de dados de famílias e domínios Apweiler et al., 2001<br />

SUCAST: Minerando a Transdução<br />

de Sinal da Cana de Açúcar<br />

O projeto SUCAST (do inglês Sugar<br />

Cane Signal Transduction) tem<br />

como uma de suas propostas a identificação<br />

e catalogação de ESTs da<br />

cana-de-açúcar que estão envolvidos<br />

em vias de transdução de sinal. Durante<br />

o seu ciclo de vida, as plantas<br />

são constantemente bombardeadas<br />

por sinais ambientais e uma resposta<br />

adequada a cada um desses sinais é<br />

determinante para sua sobrevivência<br />

e para sua produtividade máxima. A<br />

compreensão das redes genéticas que<br />

orquestram tais respostas, que podem<br />

ser fisiológicas, bioquímicas, morfológicas<br />

ou de desenvolvimento é o<br />

foco de estudos recentes sobre transdução<br />

de sinal. Nesse contexto, a<br />

investigação dos mecanismos de integração<br />

de todos os sinais levou a<br />

identificação de vários hormônios que<br />

agem na planta de uma maneira<br />

tanto local quanto sistêmica, alterando<br />

o padrão de expressão de genes<br />

responsáveis por efetuar as mudanças<br />

necessárias em resposta aos sinais<br />

ambientais. Em muitos casos, o melhoramento<br />

genético de uma planta<br />

implica a manipulação de componentes<br />

que mediam a transdução de<br />

sinais, de modo que se explorem as<br />

redes de comunicação que detectam<br />

alterações do meio ambiente e que<br />

desencadeiam mudanças no padrão<br />

da expressão gênica.<br />

A partir da análise de genomas<br />

completos que foram recentemente<br />

seqüenciados como o da levedura<br />

Saccharomyces cerevisae, da mosca<br />

de fruta Drosophila melanogaster,<br />

do verme Caenorhabditis elegans e<br />

da planta Arabidopsis thaliana foi<br />

calculado que de 7% a 15% dos genes<br />

de um organismo codificam para proteínas<br />

envolvidas na transdução de<br />

sinal. Se assumirmos que os 43.000<br />

clusters ESTs da cana-de-açúcar representam,<br />

aproximadamente, o número<br />

de genes dessa planta, é razoável inferir<br />

que, pelo menos 4.000 de seus<br />

transcritos se encontrem na categoria<br />

de genes relacionados com a transdução<br />

de sinal (Souza et al., 2001). Utilizando-se<br />

as ferramentas delineadas na<br />

Tabela I, cerca de 900 clusters de ESTs<br />

já foram relacionados com diferentes<br />

vias de transdução de sinal da cana-deaçúcar<br />

e constam do catálogo do projeto<br />

SUCAST que está disponível no<br />

website http://sucest.lad.ic.unicamp.br/<br />

private/mining-reports/QG/QGmining.htm.<br />

A figura 1 ilustra as diferentes classes<br />

de proteínas relacionadas com a<br />

transdução de sinal da cana-de-açúcar<br />

codificadas pelos clusters de ESTs que<br />

foram analisados até o momento. Essas<br />

classes estão relacionadas com o complexo<br />

sistema de sinalização que as<br />

plantas desenvolveram ao longo da<br />

sua evolução e que permite a sua<br />

adaptação a uma vasta gama de condições<br />

ambientais através, principalmente,<br />

da sinalização hormonal (para uma<br />

revisão sobre vias de transdução de<br />

sinal em plantas, ver Trewavas, 2000).<br />

Sinais, receptores e mensageiros<br />

secundários da cana-de-açúcar<br />

A ferramenta mais poderosa para<br />

identificar o papel dos hormônios na<br />

transdução de sinais foi a identificação<br />

de mutantes em suas vias biossintéticas.<br />

Através da utilização de técnicas<br />

de genética molecular e complementação<br />

de mutantes, muitas das enzimas<br />

de síntese e degradação de hormônios<br />

foram associadas a processos de crescimento,<br />

envelhecimento, desenvolvimento,<br />

diferenciação, amadurecimento,<br />

dormência, resposta a ferimentos<br />

e defesa contra doenças. Entre<br />

os hormônios vegetais encontramos<br />

o gás etileno, as giberelinas, o<br />

ácido jasmônico, o ácido abscíssico e<br />

as auxinas. Como esperado, a maioria<br />

das enzimas que participa na biossíntese<br />

desses hormônios está representada<br />

no conjunto de ESTs da cana-deaçúcar.<br />

Acredita-se que a integração dos<br />

sinais ambientais durante as várias<br />

fases do ciclo de vida da planta se dê<br />

pela ação coordenada e simultânea<br />

de vários hormônios, uma vez que as<br />

mutações na via de síntese de um<br />

hormônio alteram, em muitos casos, a<br />

síntese de outro. A obtenção de plantas<br />

transgênicas alteradas nas vias de<br />

síntese de hormônios é de interesse<br />

econômico e tem sido alvo de intensa<br />

pesquisa. Como esquematizado na<br />

figura 2, os sinais ambientais podem<br />

ser ferimentos, peptídeos, produtos<br />

derivados de microorganismos e patógenos,<br />

além de outros agentes do<br />

meio ambiente como luz, gravidade,<br />

temperatura, vento, água, nutrientes<br />

e minerais do solo.<br />

A maioria da recepção de sinais<br />

ocorre na da membrana celular, mas<br />

existem alguns exemplos de receptores<br />

intracelulares como os fotoreceptores<br />

que regulam o ritmo circadiano.<br />

Os receptores comumente encontrados<br />

são receptores ligados a<br />

proteínas G, ligados a canais de íons e<br />

os que possuem atividade enzimática.<br />

Essa última categoria é a mais<br />

freqüente na cana-de-açúcar, sendo<br />

principalmente representada pelos<br />

receptores com atividade de proteína<br />

quinase (atividade enzimática responsável<br />

pela fosforilação de certos resí-<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 61


duos de aminoácidos em substratos<br />

protéicos). O catálogo SUCAST relaciona<br />

clusters de ESTs de, pelo<br />

menos, 200 receptores, sendo, aproximadamente,<br />

10% do tipo histidina<br />

quinase (fosforilam resíduos de histidina)<br />

e 50% do tipo serina/treonina<br />

quinase (fosforilam resíduos de serina<br />

ou treonina). Uma análise mais<br />

detalhada dos domínios das proteínas<br />

codificadas por essas ESTs revelou,<br />

nesse segundo grupo, uma subfamília<br />

numerosa que contem domínios<br />

ricos em leucina chamados LRR<br />

(do inglês, Leucine Rich Repeat).<br />

Essa classe de receptores constitui a<br />

base molecular do reconhecimento<br />

de patógenos pelos genes R de<br />

resistência a doenças onde o domínio<br />

LRR seria responsável pela mediação<br />

de interações entre proteínas.<br />

Domínios LRR também são encontrados<br />

em receptores do tipo<br />

CLAVATA1 e ERECTA, que regulam<br />

o crescimento do meristema.<br />

As informações recebidas pelos<br />

receptores extracelulares são transmitidas<br />

para alvos intracelulares através<br />

dos chamados mensageiros secundários,<br />

que, em geral, são moléculas<br />

difusíveis. Mensageiros secundários<br />

da família do fosfatidilinositol<br />

estão presentes na cana, uma vez<br />

que as ESTs que codificam as enzimas<br />

da via de síntese dessas moléculas<br />

foram detectadas. Também<br />

identificamos ESTs relacionadas com<br />

o metabolismo do íon cálcio, como<br />

canais de cálcio, calmodulina, calreticulina<br />

e calnexina, sugerindo que<br />

esse importante mensageiro secundário<br />

é ativo na transmissão de sinais<br />

na cana-de-açúcar. Nas plantas, o<br />

cálcio é um sinal proeminente e as<br />

interações intracelulares reguladas<br />

por esse cátion são bastante complexas.<br />

Mudanças nos níveis de cálcio<br />

mediadas por canais de cálcio<br />

estão associadas com o início de<br />

algumas respostas, como o fechamento<br />

de estômatos, re-orientação<br />

do crescimento do tubo do pólen e<br />

aumento da espessura da parede<br />

em resposta ao vento.<br />

Por outro lado, mensageiros secundários<br />

relevantes para outros organismos,<br />

como cAMP, cGMP e cA-<br />

DPr, parecem não estar presentes<br />

em plantas e tampouco na cana-deaçúcar,<br />

pois não verificamos a presença<br />

de ESTs que codificam proteínas<br />

relacionadas ao metabolismo destes<br />

nucleotídeos entre o conjunto de ESTs<br />

seqüenciados no projeto SUCEST.<br />

A síntese de mensageiros secundários<br />

após a ativação de certos tipos<br />

de receptores é mediada por um trio<br />

de subunidades protéicas (α, β e γ)<br />

conhecido como proteína G (porque<br />

se associa ao nucleotídeo GTP), e<br />

também por proteínas capazes de<br />

hidrolizar esse nucleotídeo, as chamadas<br />

GTPases pequenas. O processo de<br />

acoplamento e ativação dessas últimas<br />

é finamente regulado por proteínas<br />

acessórias, chamadas de GAPs, GEFs e<br />

GDIs, que funcionam como ativadores,<br />

dissociadores e inibidores da atividade<br />

GTPásica. Todos esses elementos<br />

estão codificados por ESTs da canade-açúcar<br />

e foram catalogados no projeto<br />

SUCAST, incluindo exemplos das<br />

três subunidades das proteínas G (α, β<br />

e γ) e todas as classes de uma enorme<br />

família de GTPases pequenas, além<br />

dos seus respectivos GAPs e GDIs<br />

Proteínas quinases, fosfatases<br />

e fatores de transcrição<br />

A grande maioria das vias de transdução<br />

de sinal engloba uma cascata de<br />

eventos de fosforilação e desfosforilação<br />

de proteínas catalisadas pelas proteínas<br />

quinases e proteínas fosfatases,<br />

respectivamente. A ativação dessas<br />

cascatas de fosforilação media respostas<br />

a estímulos distintos, como luz,<br />

agressão por patógenos, reguladores<br />

de crescimento, estresses variados e<br />

deprivação de nutrientes, que são percebidos<br />

por receptores, como descrito<br />

anteriormente. Centenas de proteínas<br />

quinases e dezenas de proteínas fosfatases<br />

distintas estão representadas entre<br />

os clusters de ESTs da cana-deaçúcar,<br />

demonstrando que a fosforilação<br />

reversível de proteínas é um mecanismo<br />

de regulação importante também<br />

nessa planta. Entre as cascatas de<br />

fosforilação que ocorrem na cana-deaçúcar,<br />

destacamos a via da MAP quinase,<br />

que é uma das mais conhecidas<br />

em plantas e representa um exemplo<br />

clássico de cascata de fosforilação. O<br />

módulo básico da cascata é constituído<br />

de três quinases chamadas MAPK,<br />

MAPKK (ou MEK) e MAPKKK (ou<br />

MEKK). Ao menos oito MAPKs foram<br />

identificadas entre os clusters de<br />

ESTs da cana-de-açúcar. Está postulado<br />

que sinais extracelulares, como<br />

os indicados na Figura 3, são captados<br />

por receptores, na sua maioria<br />

ainda desconhecidos, levando a ativação<br />

da MAPKKK, que, fosforila a<br />

MAPKK, que, por sua vez, fosforila a<br />

MAPK. Esta última proteína quinase<br />

provoca ativação da transcrição de<br />

genes de defesa e proteção a estresses,<br />

por exemplo. Além da ativação<br />

verificada diretamente sobre a atividade<br />

de proteína quinase dessas<br />

enzimas, foi verificado que os genes<br />

que as codificam tem a transcrição<br />

ativada em resposta a vários sinais e<br />

patógenos, conferindo resistência sistêmica<br />

a doenças.<br />

A transdução do sinal extracelular<br />

culmina com mudanças no padrão<br />

de expressão de genes que codificam<br />

proteínas executoras da ação<br />

final que, em última instância, são as<br />

responsáveis pelas mudanças fisiológicas<br />

necessárias para os processos<br />

de adaptação, defesa, crescimento<br />

ou desenvolvimento em resposta<br />

aos distintos estímulos. A transcrição<br />

gênica é regulada por fatores de<br />

transcrição divididos em famílias, de<br />

acordo com os domínios protéicos<br />

característicos. Os mais comuns são<br />

os fatores de transcrição do tipo<br />

hélice-volta-hélice, com zíperes básicos<br />

de leucina, com dedos de zinco<br />

e com motivos HMG (do inglês,<br />

high-mobility group). Duzentos e<br />

cinqüenta fatores de transcrição foram<br />

identificados até o momento<br />

entre os clusters de ESTs da cana-deaçúcar,<br />

incluindo um grande número<br />

de genes homeóticos que codificam<br />

fatores do tipo hélice-volta-hélice e<br />

atuam como mestres na regulação<br />

do desenvolvimento.<br />

Como a genômica pode<br />

contribuir para o melhoramento<br />

da cana-de-açúcar?<br />

A quantidade de informação gerada<br />

por um projeto da magnitude<br />

do SUCEST é imensa e projetos de<br />

prospecção de dados, como o SU-<br />

62 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


CAST, são essenciais para que as<br />

informações relevantes para a pesquisa<br />

básica e para o melhoramento<br />

da cana-de-açúcar possam ser extraídas.<br />

O SUCAST tem como uma<br />

de suas metas a organização de<br />

todas as informações da estrutura e<br />

da função de genes e proteínas que<br />

compõem e regulam as vias de<br />

transdução de sinal da cana-de-açúcar,<br />

em um banco de dados que<br />

facilite futuras análises funcionais.<br />

Para essas análises, o projeto pretende<br />

incluir dados sobre a expressão<br />

dessa categoria de genes e que<br />

serão obtidos através da tecnologia<br />

de microarrays de DNA em lâminas<br />

de vidro (chips de DNA). Utilizando<br />

essa tecnologia, será possível<br />

investigar o perfil da expressão<br />

dos genes relacionados com a transdução<br />

de sinal em resposta a sinais<br />

ambientais variados, tais como estresses<br />

bióticos ou abióticos, além<br />

da comparação da expressão desse<br />

conjunto de genes entre variedades<br />

de cana-açúcar de interesse<br />

agrícola.<br />

Além dos genes descritos neste<br />

artigo, outros projetos de data mining,<br />

que são parte do projeto<br />

SUCEST, já identificaram genes envolvidos<br />

na resistência a pragas,<br />

estresses diversos, metabolismo de<br />

açúcares, absorção de nutrientes,<br />

regulação do ciclo celular, assimilação<br />

de nitrogênio, tolerância ao alumínio<br />

e desenvolvimento da planta.<br />

A comparação do padrão de<br />

expressão desses genes com aqueles<br />

relacionados com a transdução<br />

de sinal, e que relatamos aqui, fornecerá<br />

pistas diretas sobre quais os<br />

módulos de sinalização é que regulam<br />

os processos fisiológicos e patológicos<br />

relevantes para a biologia<br />

da cana-de-açúcar. Ademais, aproximadamente,<br />

46% das ESTs da<br />

cana-de-açúcar geradas pelo SU-<br />

CEST não estão descritas em bases<br />

de dados públicas. Essas seqüências<br />

são inéditas e correspondem a genes<br />

ainda completamente desconhecidos!<br />

A engenharia genética da<br />

cana-de-açúcar e de outras gramíneas<br />

tem, portanto, um futuro garantido<br />

e promissor. As informações<br />

derivadas da análise das 250.000 ESTs<br />

da cana-de-açúcar somadas aos dados<br />

de seqüenciamento de ESTs e genoma<br />

do arroz e do milho, que estão<br />

sendo gradualmente disponibilizados,<br />

compõem uma base sólida para a<br />

elucidação dos mecanismos de defesa,<br />

de adaptação a solos e de crescimento<br />

dessas plantas em regiões de<br />

cultivo diferenciadas.<br />

Informações adicionais<br />

Detalhes sobre o trabalho de data<br />

mining do projeto SUCAST podem<br />

ser encontrados em Souza et al., 2001<br />

e nos seguintes endereços:<br />

SUCAST: http://sucest .lad.ic.<br />

unicamp.br / private/mining-reports/<br />

QG/QG-mining.htm<br />

SUCEST: http://sucest. lad. ic. unicamp.<br />

br<br />

Informações sobre as autoras<br />

Gláucia Mendes Souza é doutora<br />

em Bioquímica pela Universidade de<br />

São Paulo, fez pós-doutorado no La<br />

Jolla Cancer Research Foundation, em<br />

San Diego e no Baylor College of<br />

Medicine, em Houston, EUA. Atualmente<br />

é professora doutora no Departamento<br />

de Bioquímica do Instituto<br />

de Química da USP, São Paulo. E-<br />

mail: glmsouza@iq.usp.br<br />

Aline Maria da Silva é doutora em<br />

Bioquímica pela Universidade de São<br />

Paulo, fez pós-doutorado na Saint Louis<br />

University, em Saint Louis, EUA. É<br />

livre-docente em Bioquímica pela USP<br />

e professora associada no Departamento<br />

de Bioquímica do Instituto de<br />

Química da USP, São Paulo. E-mail:<br />

almsilva@iq.usp.br<br />

Referências<br />

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Zhang, J., Zhang, Z., Miller, W. &<br />

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25: 3389–3402 .<br />

Apweiler, R., Attwood, T.K., Bairoch,<br />

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Acids Res. 29:37-40.<br />

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K. C., Garay, H. M., Fiorini, L.<br />

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M. Y. & da Silva, A.M. (2001).<br />

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Arruda, P. (2001). The libraries<br />

that made SUCEST Genetics and<br />

Mol. Biol. no prelo.<br />

1<br />

(Ministério da Agricultura e Abastecimento<br />

e Food and Agriculture<br />

Organization for the United Nations)<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 63


Pesquisa<br />

Anotação Funcional<br />

Computacional de Proteínas<br />

Fotos e ilustrações cedidas pelos autores<br />

Novos métodos computacionais poderão preencher lacunas do sistema de anotação atual<br />

Daniel John Rigden<br />

Pesquisador na Área de Bioinformática<br />

Embrapa Recursos Genéticos e<br />

<strong>Biotecnologia</strong> – Cenargen/Embrapa<br />

Brasília, DF<br />

daniel@cenargen.embrapa.br<br />

Luciane Vieira de Mello<br />

Pesquisadora na Área de Bioinformática<br />

Embrapa Recursos Genéticos e<br />

<strong>Biotecnologia</strong> – Cenargen/Embrapa<br />

Brasília, DF<br />

mello@cenargen.embrapa.br<br />

Introdução<br />

característica mais importante de<br />

uma proteína é sua função. Pode<br />

até mesmo se dizer que a existência<br />

de uma proteína depende da<br />

sua função; enquanto que o DNA nãocodificante<br />

de um organismo pode incluir<br />

copias não-transcritas de genes. Sendo assim,<br />

o custo energético de sintetizar uma<br />

proteína assegura que somente proteínas<br />

com funções necessárias para um organismo<br />

sejam produzidas. A função de uma<br />

proteína pode ser descrita em vários níveis<br />

de detalhes, do fisiológico – proteína X está<br />

envolvida no processo de replicação de<br />

células –, até o químico –proteína X catalisa<br />

a hidrólise de um certo substrato. Para se<br />

determinar experimentalmente a função molecular<br />

de uma proteína, é necessário purificá-la<br />

(às vezes com a ajuda de técnicas<br />

modernas de biologia molecular), e, em<br />

seguida, testar sua atividade biológica. Os<br />

resultados podem ou não fornecer dados<br />

sobre as funções in vivo da proteína. Alternativamente,<br />

pode-se utilizar novas metodologias,<br />

como microarranjo (microarrays) ou<br />

análise proteômica, quando o objetivo é<br />

focalizar diretamente nos níveis de expressão<br />

de determinadas proteínas, ou na expressão<br />

dos genes que as codificam, sob<br />

diferentes condições ambientais, ou em diferentes<br />

etapas do desenvolvimento. Esses<br />

métodos fornecem indicações da função in<br />

vivo da proteína, mas, ao contrário dos<br />

ensaios, dizem pouco sobre a função em<br />

termos químicos e bioquímicos. Todas essas<br />

técnicas exigem um investimento significativo<br />

em equipamento e tempo, tanto que não<br />

podemos pensar em estudar diretamente<br />

mais do que uma minúscula fração de<br />

proteínas de interesse.<br />

Ao contrário, seqüências biológicas são<br />

atualmente obtidas a um custo relativamente<br />

baixo. Isso reflete no crescimento exponencial<br />

do tamanho dos bancos de dados de<br />

seqüências. Porém, essa vasta quantidade<br />

de dados é de pouco valor científico ou<br />

aplicado, sem a sua adequada anotação<br />

funcional. Como experimentos laboratoriais<br />

dificilmente vão ser capazes de tratar<br />

essa grande quantidade de dados, o caminho<br />

alternativo é através da análise computacional.<br />

Embora já existam sistemas<br />

computacionais capazes de anotar, até<br />

certo ponto, todas as novas seqüências<br />

que vêem sendo determinadas, estes ainda<br />

apresentam graves falhas. Além de<br />

produzir uma anotação significativamente<br />

incompleta, erros estão sendo introduzidos<br />

na anotação de algumas seqüências<br />

que, pela natureza do sistema, podem<br />

rapidamente ser propagados a outras seqüências<br />

a serem analisadas.<br />

Essa revisão é dividida em três partes.<br />

Na primeira, descreve-se brevemente o<br />

modo atual de anotação funcional computacional,<br />

destacando suas falhas. Na<br />

segunda parte, são discutidas as novas<br />

possibilidades para a anotação funcional<br />

computacional, cujo desenvolvimento foi<br />

estimulado pelos projetos genoma. E finalmente,<br />

as novas idéias que buscam<br />

informações sobre função através de análises<br />

de estruturas são avaliadas. Um resumo<br />

do fluxo de dados durante o processo<br />

de anotação funcional está ilustrado na<br />

Figura 1.<br />

O sistema atual de anotação<br />

funcional computacional<br />

Atualmente, novas seqüências biológicas<br />

são anotadas funcionalmente simplesmente<br />

através da comparação com<br />

seqüências existentes, que são armazenadas<br />

em bancos de dados como, por<br />

exemplo, o GenBank (http://www.ncbi.<br />

nlm. nih. gov/ entrez/query. fcgi?db =<br />

Protein). BLAST (Altschul et al, 1990) é o<br />

programa padrão para essa comparação,<br />

devido à sua extrema eficiência. Esse<br />

programa possibilita a comparação das<br />

milhares de novas seqüências geradas<br />

diariamente, com as depositadas em bancos<br />

de dados, que vêem crescendo expo-<br />

64 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


nencialmente. Assim, a nova<br />

seqüência é comparada com<br />

outra já existente e bem caracterizada,<br />

e que apresentou o<br />

maior grau de similaridade com<br />

a nova seqüência, sendo sua<br />

função transferida para esta.<br />

Dependendo do grau de similaridade,<br />

a anotação pode ser<br />

modificada de ´Proteína X´<br />

para ´Proteína X-provável´ ou<br />

´Semelhante à proteína X´, refletindo<br />

assim uma incerteza<br />

na transferência de função,<br />

em casos onde a similaridade<br />

entre as duas seqüências seja<br />

considerada baixa.<br />

A principal vantagem do<br />

sistema atual encontra-se na<br />

sua eficiência, que, mesmo<br />

em face da avalanche de seqüências<br />

novas, possibilita a<br />

anotação rápida de todas as<br />

novas seqüências. Porém, está<br />

ficando cada vez mais claro<br />

que o sistema atual tem sérias<br />

falhas. Uma falha não muito<br />

grave é a incapacidade do<br />

sistema em anotar novas seqüências<br />

que não apresentam<br />

similaridade significativa com<br />

seqüências existentes. Os resultados<br />

de projetos de genoma<br />

mostram que, em cerca de<br />

40% dos casos, uma seqüência<br />

não mostra similaridade<br />

significativa com uma proteína já caracterizada<br />

(Gerlt and Babbitt, 2000). Nesses<br />

casos, o sistema atual é incapaz de<br />

fornecer uma anotação útil.<br />

Uma falha mais grave, é uma série de<br />

problemas capazes de introduzir erros<br />

nas anotações funcionais dos bancos de<br />

dados. Uma vez que não existem dados<br />

experimentais sobre a grande maioria<br />

das proteínas, o sistema computacional<br />

transfere anotações de funções para<br />

novas seqüências com uma freqüência<br />

muito maior do que a transferência proveniente<br />

de dados laboratoriais. Assim,<br />

fica claro que qualquer erro que seja<br />

introduzido na anotação computacional,<br />

será rapidamente transmitido a múltiplas<br />

novas seqüências (Karp, 1998).<br />

Uma fonte rica de erros de interpretação<br />

de seqüências encontra-se na interpretação<br />

errônea, ou superinterpretação<br />

dos resultados do BLAST (Pertsemlidis<br />

e Fondon, 2001). O BLAST mede<br />

similaridade local de duas seqüências.<br />

Entre as propriedades não medidas pelo<br />

programa estão a similaridade global, a<br />

similaridade funcional, a similaridade<br />

Fig 1: Fluxo de dados durante o processo de<br />

anotação funcional. Linhas interrompidas indicam<br />

tradução (DNA → Proteína)<br />

estrutural e a homologia (ancestral em<br />

comum). O mau entendimento do algoritmo<br />

do programa e, portanto, das limitações<br />

associadas aos seus resultados,<br />

pode levar usuários leigos a conclusões<br />

erradas (Pertsemlidis e Fondon, 2001).<br />

Um artigo publicado na revista Nature<br />

(Ichikawa et al., 1997), e subseqüentemente<br />

retratado, é um exemplo importante<br />

(e famoso) de como erros de<br />

interpretação podem levar a conclusões<br />

errôneas do estudo. Problemas adicionais<br />

podem haver nos sistemas automatizados,<br />

nos quais a anotação é feita sem<br />

intervenção humana (Doerks et al., 1998).<br />

Por exemplo, a maior similaridade local<br />

entre uma nova seqüência e seqüências<br />

existentes pode ficar fora das regiões<br />

responsáveis pela atividade da proteína.<br />

Assim, a anotação da nova proteína<br />

ficará, pelo menos, incompleta e, algumas<br />

vezes, incorreta. Também são comuns<br />

os casos nos quais a seqüência<br />

mais parecida com a nova proteína não<br />

possui uma função anotada, ou é anotada<br />

com uma função secundária da proteína.<br />

Dessa forma, a anotação mais<br />

adequada é ignorada pelos sistemas<br />

automatizados, uma vez<br />

que o grau de similaridade da<br />

nova proteína é menor com<br />

tais proteínas. A comparação<br />

das anotações automatizadas<br />

realizadas por três diferentes<br />

grupos do genoma de Mycoplasma<br />

genitalium mostrou que<br />

as anotações possuíam, pelo<br />

menos, 8% de erro (Brenner,<br />

1999).<br />

Embora os erros de interpretação<br />

claramente contribuam<br />

para uma anotação errônea,<br />

um outro fator ainda mais<br />

problemático é a anotação por<br />

comparação, ou seja, a relação<br />

complicada entre o grau de<br />

similaridade existente entre<br />

duas seqüências, e a similaridade<br />

funcional entre elas. Resumindo,<br />

com alta identidade<br />

entre as seqüências (>80%),<br />

pode-se assumir que as suas<br />

funções sejam idênticas. Porém,<br />

na faixa de baixa identidade<br />

(


derações teriam pouca importância<br />

se, na maioria dos<br />

casos, houvesse um alto grau<br />

de identidade entre a nova<br />

proteína e a mais semelhante<br />

presente no banco de dados.<br />

Isso porque, dessa forma,<br />

poderíamos ter alta confiança<br />

na identidade de função<br />

entre as duas proteínas.<br />

No entanto, infelizmente,<br />

como mostra um estudo recente<br />

(Devos e Valencia,<br />

2001; Figura 2b) isso está<br />

longe de ser verdade. Analisando<br />

o grau de identidade<br />

entre proteínas anotadas para<br />

três genomas e as seqüências<br />

mais parecidas disponíveis,<br />

foi observado que, num<br />

caso típico (50% dos casos),<br />

somente 25%-35% de identidade<br />

de seqüência (Figura<br />

2b). Porém, como explicado<br />

acima, é justamente nessa<br />

faixas de identidade de seqüência<br />

que a relação entre<br />

identidade de seqüência e<br />

similaridade de função permitem<br />

a transferência confiável<br />

de função. Resumindo,<br />

na faixa de identidade de<br />

seqüência na qual uma anotação<br />

funcional é tipica, uma<br />

fração significativa das anotações<br />

vai ser provavelmente<br />

realizada erroneamente.<br />

Grandes erros, por exemplo<br />

no primeiro dígito do código<br />

EC, vão ser menos comuns<br />

do que erros considerados<br />

menores, ou seja, no último<br />

dígito do código, por exemplo.<br />

Nas anotações dos três<br />

genomas analisados, foi estimado<br />

que o primeiro dígito<br />

estava errado em 2% dos<br />

casos, enquanto que, para o último<br />

dígito, mais de 30% das anotações estavam<br />

incorretas.<br />

Assim, tendo-se conhecimento das<br />

limitações dos métodos de anotação<br />

atualmente disponíveis e utilizados, seja<br />

pela anotação equivocada, seja pela<br />

incapacidade de anotar cerca de 40%<br />

das proteínas, novos métodos computacionais<br />

para anotação funcional vêem<br />

sendo buscados. Hoje, após alguns anos<br />

de progresso notável, existem novas metodologias<br />

complementares ao sistema<br />

tradicional de comparação de seqüências.<br />

Na sua maioria, elas podem ser<br />

divididas em duas categorias. Primeiro,<br />

66 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002<br />

Fig 2: O problema fundamental da transferência de anotação<br />

funcional. a) Aos níveis mais baixos de identidade de seqüência,<br />

a porcentagem dos casos nos quais a função é<br />

idêntica (4 dígitos do código EC são iguais) é baixa (linhas<br />

continuas); e os pares com funções não-relacionadas (nenhum<br />

digito do código EC em comum) alta (linhas interrompidas).<br />

b) Tipicamente, durante o processo de anotação funcional<br />

computacional, a porcentagem de identidade entre a<br />

proteína a ser anotada e a seqüência encontrada no banco<br />

de dados é baixa - entre 20% e 40%. (Dados de Devos e Valencia,<br />

2001)<br />

as metodologias em decorrência dos<br />

projetos genoma (Marcotte, 2000). Isso<br />

porque esses projetos geraram informações,<br />

que são a base das novas técnicas,<br />

tais como a posição de determinados<br />

genes, ou, simplesmente, devido à grande<br />

quantidade de seqüências atualmente<br />

disponíveis. A segunda categoria contém<br />

metodologias que utilizam o aspecto<br />

estrutural (Thornton et al., 2000). Esses<br />

aspectos estruturais são provenientes,<br />

tanto de modelos protéicos, como de<br />

estruturas tridimensionais determinadas<br />

experimentalmente. Ao contrário da situação<br />

atual, na qual a maioria das estruturas<br />

determinadas experimentalmente<br />

são de proteínas de funções<br />

conhecidas, os projetos de<br />

genoma estrutural (Thornton,<br />

2001) vão ter como resultado<br />

muitas proteínas com estruturas<br />

determinadas, porém com<br />

funções desconhecidas.<br />

Genômica computacional<br />

Entre os cinco diferentes<br />

métodos que podem ser agrupados<br />

sob esse título, três são<br />

estreitamente dependentes das<br />

seqüências provenientes dos<br />

projetos de genomas completos<br />

1 , assim não se aplicando<br />

às seqüências derivadas de<br />

outras fontes, como genomas<br />

expressos (funcionais) e proteomas.<br />

Esses métodos são<br />

denominados perfis filogenéticos<br />

(filogenetic profile), contexto<br />

genômico (genome context)<br />

e genoma diferencial (subtraction<br />

of genome).<br />

O mais simples, porém o<br />

menos eficiente, desses métodos<br />

é o genoma diferencial<br />

(Huynen et al., 1997). Esse<br />

método procura localizar genes<br />

envolvidos em aspetos<br />

fisiológicos importantes de um<br />

organismo pela comparação<br />

do seu genoma com o de um<br />

organismo parecido, mas com<br />

características diferentes. Por<br />

exemplo, pode-se comparar<br />

os genomas de duas bactérias,<br />

filogeneticamente próximas,<br />

sendo que uma possui<br />

patogenicidade e a outra não.<br />

Assim, espera-se que os genes<br />

associados com a patogenicidade<br />

estejam presentes somente<br />

no genoma da bactéria<br />

patogênica. Embora resultados<br />

interessantes venham sendo obtidos,<br />

a desvantagem do método é que os<br />

genes associados com a propriedade de<br />

interesse sempre farão parte de uma<br />

grande lista de genes, incluindo muitos<br />

que estão presentes no organismo patogênico,<br />

mas que não estão associados<br />

com a doença.<br />

A técnica de perfil filogenético (Pelligrini<br />

et al., 1999) é baseada numa proposta<br />

muito simples - que componentes<br />

de complexos macromoleculares ou<br />

enzimas de uma certa via metabólica vão<br />

ser herdados concomitantemente. Assim,<br />

os componentes isolados dos complexos<br />

ou vias, que, quando presentes


isoladamente nas células, são incapazes<br />

de exercer suas funções, não são encontrados<br />

separadamente. Na primeira etapa,<br />

um perfil de uma proteína é construído,<br />

composto de dados de presença ou<br />

ausência da proteína em vários genomas.<br />

Depois, faz-se uma busca por outras<br />

proteínas com o mesmo perfil de<br />

presença ou ausência, ou um perfil<br />

pouco diferente. Essas são indicadas<br />

como proteínas possivelmente relacionadas<br />

funcionalmente com a proteína<br />

utilizada para a construção do perfil. No<br />

trabalho original, perfis construídos para<br />

proteínas do ribossomo, do flagelo (complexos<br />

macromoleculares) e da via biosintética<br />

de histidina (via metabólica)<br />

produziram resultados que estavam de<br />

acordo com os dados experimentais,<br />

demonstrando a validade desse método<br />

(Pelligrini et al., 1999). A dependência do<br />

método de perfis filogenéticos dos genomas<br />

completos é devida aos estudos de<br />

genes ou de proteínas expressas não<br />

fornecerem dados definitivos sobre a<br />

presença ou ausência de um particular<br />

gene no genoma relevante.<br />

Métodos de contexto genômico usam<br />

a existência de agrupamento (clusters) de<br />

genes nos genomas de procariotos (Overbeek<br />

et al., 1999a). Embora as razões e os<br />

mecanismos responsáveis pela manutenção<br />

desses agrupamentos sejam desconhecidos,<br />

sua característica mais marcante<br />

é a composição de genes funcionalmente<br />

relacionados. Assim, podemos<br />

inferir uma relação funcional entre os<br />

genes presentes em novos agrupamentos<br />

descobertos. Dois aspectos distintos,<br />

mas complementares, dos agrupamentos,<br />

têm poder para preverem a relação<br />

de função – a conservação de uma<br />

distância pequena entre um par de genes<br />

(Overbeek et al., 1999b) e a conservação<br />

da ordem dos genes no DNA (Overbeek<br />

et al., 1999a). Assim, podemos comparar<br />

genomas (e não seqüências individuais,<br />

como é tradicionalmente feito) buscando<br />

agrupamentos de genes em genomas<br />

filogeneticamente distantes, e inferir uma<br />

relação funcional entre os genes componentes.<br />

Observa-se que proteínas que se<br />

interagem fisicamente apresentam uma<br />

tendência particular de serem codificadas<br />

por genes de ordem conservada.<br />

Dessa forma, há uma dependência entre<br />

os métodos de contexto genômico pelas<br />

seqüências oriundas dos projetos de<br />

genoma completo. Isso ocorre, uma vez<br />

que projetos de genoma expresso e<br />

Fig 3: A grande cavidade entre os domínios 1 e 2 da estrutura experimental<br />

de uma proteína de proteção de plantas contém uma região com vários<br />

resíduos conservados (vermelho). Esse padrão está presente em toda a sua<br />

família protéica. Assim, é altamente indicada como um sítio de ligação<br />

proteoma não fornecem informações<br />

sobre posicionamento dos genes no<br />

DNA do organismo.<br />

Existem outros métodos, recentemente<br />

desenvolvidos, que podem ser aplicados<br />

a qualquer seqüência, independente<br />

da sua origem. Assim, são igualmente<br />

aplicáveis aos resultados de projetos de<br />

genoma completo, genoma expresso e<br />

proteoma, bem como às seqüências<br />

determinadas individualmente por experimentos<br />

tradicionais. Porém, vale notar<br />

que foi a quantidade de dados de seqüência<br />

provenientes, principalmente,<br />

dos projetos genoma que incentivaram o<br />

desenvolvimento dessas novas técnicas.<br />

A primeira dessas técnicas baseia-se nas<br />

conseqüências de eventos de fusão de<br />

genes (Marcotte et al., 1999). Foi observado<br />

que proteínas presentes separadamente<br />

num genoma estão, às vezes,<br />

presentes como uma única proteína, do<br />

tamanho igual à soma dos dois componentes,<br />

em outros genomas. Essa observação<br />

necessariamente implica uma relação<br />

funcional entre os dois componentes,<br />

pois seria uma desvantagem para<br />

o organismo a expressão de duas proteínas<br />

não relacionadas funcionalmente,<br />

em conjunção. A observação de um<br />

caso dessa natureza é uma forte indicação<br />

de que as proteínas, quando presentes<br />

individualmente num organismo,<br />

podem interagir. Faz-se essa inferência<br />

porque o motivo mais forte que levaria a<br />

fusão de duas proteínas seria a proximidade<br />

das duas numa via metabólica.<br />

Assim, depois da fusão, a transferência<br />

do substrato de um componente ao<br />

outro seria facilitada. Porém, a fusão<br />

pode também ser tolerada, ou até favorecida,<br />

em termos evolucionários, em<br />

caso de duas proteínas com funções<br />

relacionadas. Outras análises adicionais<br />

mostraram-se capazes de apontar casos<br />

de interação entre dois componentes<br />

protéicos, quando existentes separadamente<br />

em um determinado organismo<br />

(Marcotte et al., 1999).<br />

Enquanto as análises de contexto<br />

genômico e fusão de genes, principalmente<br />

orientadas para a identificação de<br />

1<br />

O termo genoma completo se refere-se aos projetos genoma que sequüenciam todo o conteúdo genético (DNA) de um<br />

organismo. O termo genoma estrutural foi utilizado como no Inglês, structural genome, que se refere à estrutura protéica.<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 67


Fig 4: Similaridade em características eletrostáticas é correlacionada com similaridade de função. a) diferenças em<br />

características eletrostáticas entre Phosphoglycerate mutase (esquerda) e YhfR (direita) indicam funções diferentes, mesmo<br />

que as duas proteínas exibam cerca de 30% de identidade de seqüência (Rigden et al., 2001). b) mesmo exibindo<br />

somente 16% de identidade de seqüência, similaridades eletrostáticas sugerem que as proteína rolA (direita) e papillomavirus<br />

(esquerda), são capazes de se ligarem ao DNA (Rigden e Carneiro, 1999)<br />

proteínas funcionalmente relacionadas<br />

podem indicar pares de proteínas que<br />

interagem entre si, o último novo método<br />

dessa categoria – similaridade de árvores<br />

filogenéticas (Pazos e Valencia, 2001) -<br />

funciona no sentido contrário. Ou seja,<br />

este busca por pares de proteínas que<br />

interagem e que, portanto, têm funções<br />

relacionadas. Esse método fundamentase<br />

na observação de que a evolução<br />

coordenada de proteínas que se interagem<br />

leva as suas árvores filogenéticas a<br />

serem mais parecidas do que seria esperado.<br />

Assim, analisando a correlação<br />

entre árvores construídas por duas proteínas<br />

(ou mais precisamente, a correlação<br />

entre suas distâncias evolucionárias),<br />

quando achamos uma correlação<br />

significativa, há indicação de interação<br />

entre as proteínas. Dados experimentais<br />

já comprovaram a lógica utilizada nesse<br />

método, onde interações de proteínas já<br />

conhecidas foram destacadas pelos altos<br />

coeficientes de correlação entre suas<br />

árvores.<br />

A questão que ainda existe é o quanto<br />

esse conjunto de novos métodos<br />

pode ajudar a preencher as lacunas no<br />

sistema atual de anotação funcional computacional.<br />

Uma resposta parcial encontra-se<br />

na avaliação quantitativa das técnicas<br />

descritas acima aplicadas ao genoma<br />

de Mycoplasma genitalium (Huynen et<br />

al., 2000). Observou-se que a conservação<br />

de ordem de genes é a mais poderosa<br />

técnica, uma vez que pôde ser<br />

aplicada a 37% dos genes, seguida pela<br />

análise de perfil filogenético (11% dos<br />

genes), aparência de genes em agrupamentos<br />

sem ordem conservada (8%),e,<br />

finalmente, pela técnica de fusão de<br />

genes (6%). No total, foram obtidas informações<br />

sobre 50% do complemento<br />

genético de M. genitalium através desses<br />

métodos. Essa figura é uma subestimativa<br />

da sua utilidade, uma vez que nem a<br />

técnica de genoma diferencial (não aplicável<br />

a somente um genoma), nem a de<br />

similaridade de árvores filogenéticas (recentemente<br />

publicada) foram aplicadas.<br />

Também é importante lembrar que o<br />

crescimento do uso dessas técnicas depende<br />

do crescimento dos bancos de<br />

dados de seqüências e, em particular, da<br />

disponibilidade de um número ainda<br />

maior de genomas completos. Em alguns<br />

casos, pode-se esperar que o poder<br />

da técnica cresça de acordo com o<br />

quadrado do número de genomas completos<br />

disponíveis. Para finalizar, é importante<br />

lembrar que essas técnicas, às<br />

vezes, podem produzir resultados vagos<br />

como, por exemplo, “proteínas A e B têm<br />

funções relacionadas”. No entanto, por<br />

apresentarem grande eficiência, está ficando<br />

claro que a combinação delas<br />

com os métodos tradicionais de buscas<br />

por homólogas nos bancos de dados<br />

levarão a um conhecimento bem mais<br />

profundo das novas seqüências.<br />

Bioinformática estrutural<br />

Embora métodos tradicionais de anotação<br />

funcional trabalhem somente com<br />

as seqüências protéicas, sabe-se que é a<br />

estrutura tridimensional de uma proteína,<br />

não simplesmente a sua seqüência,<br />

que determina a sua atividade. Quando<br />

a proteína se dobra, os resíduos importantes<br />

são orientados em suas corretas<br />

posições para a formação das regiões<br />

funcionais – proteínas desnaturadas, em<br />

geral, não exibem atividade. Essas regiões<br />

funcionais são, na sua maioria, interfaces<br />

para a ligação da proteína a outras<br />

moléculas. Os métodos tradicionais funcionam<br />

devido às bem conhecidas relações<br />

entre seqüência, estrutura e função<br />

de proteínas. Em geral, proteínas de uma<br />

mesma família, embora não apresentando<br />

grande similaridade de seqüência,<br />

conservam a mesma estrutura tridimensional;<br />

estrutura esta que é mais conservada<br />

do que seqüência. Sabe-se também<br />

que mais importante do que a porcentagem<br />

total de identidade entre duas<br />

seqüências,é a identidade de resíduos<br />

chaves, responsáveis pela sua função.<br />

Assim, asumindo que a estrutura conservou<br />

a orientação tri-dimensional relativa<br />

desses resíduos, as proteínas possuirão a<br />

mesma função. Com essas relações estabelecidas,<br />

justifica-se, até um certo ponto<br />

(veja acima), a suposição da conservação<br />

de função quando se observa<br />

conservação de seqüência.<br />

Mas o que acontece quando os resíduos<br />

importantes não são conservados,<br />

mesmo com grande conservação da<br />

seqüência em geral? Ou se outras mudanças<br />

na seqüência afetarem a região<br />

funcional, bloqueando o acesso ao sítio<br />

catalítico, por exemplo. Nesses casos, e<br />

em muitos outros (Gerlt e Babbitt, 2000),<br />

a análise pura de seqüência levará a<br />

conclusões erradas sobre a função, gerando<br />

os erros que, como vimos anteriormente,<br />

podem-se perpetuar rapidamente<br />

nos bancos de dados. Pode-se<br />

evitar alguns desses problemas através<br />

de uma extrapolação da seqüência em<br />

estrutura – a modelagem protéica. A<br />

grande conservação da estrutura tridimensional,<br />

mesmo após mutações em<br />

muitos resíduos, possibilita a construção<br />

de um modelo de uma proteína, em<br />

casos em que um molde adequado<br />

encontra-se disponível. Com o modelo<br />

68 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002


construído, fica disponível uma outra bateria<br />

de análises para determinar a probabilidade<br />

da conservação de função entre<br />

duas proteínas.<br />

A seguir, serão descritas técnicas que<br />

podem ser utilizadas na busca da determinação<br />

da função de proteínas de estrutura<br />

conhecida. Como mencionado anteriormente,<br />

essas serão principalmente geradas<br />

pelos projetos de genoma estrutural (Thornton,<br />

2001). Existem duas categorias de<br />

ferramentas de bioinformática estrutural<br />

disponíveis para a inferência de função a<br />

partir de estrutura protéica (um modelo ou<br />

uma estrutura experimental). A primeira<br />

busca por possíveis sítios de ligação (a<br />

presença dos quais pode-se esperar em<br />

quase todas as proteínas); e a segunda<br />

procura localizar possíveis sítios de catálise<br />

(só aplicáveis às enzimas).<br />

Uma vez que a ligação de uma determinada<br />

molécula a uma proteína acontece<br />

na sua superfície, é nessa região que a<br />

busca por possíveis sítios de ligação ocorre.<br />

Uma análise bastante simples, mas<br />

surpreendentemente eficiente, é a da geometria<br />

(Laskowski et al., 1996). A necessidade<br />

freqüente de uma proteína em se<br />

ligar com alta afinidade e alta especificidade,<br />

exige a formação de múltiplas interações<br />

entre a proteína e o ligante. Em<br />

particular, nos casos de ligantes pequenos,<br />

a alta afinidade e a especificidade são<br />

adquiridas pela acomodação do ligante<br />

numa região de depressão na superfície da<br />

estrutura protéica. Seguindo essa lógica,<br />

uma análise demonstrou que sítios de<br />

ligação são, muitas vezes, encontrados na<br />

maior depressão da superfície de uma<br />

proteína. Por exemplo, em casos de enzimas<br />

monoméricas, o sítio catalítico encontrou-se<br />

presente na maior depressão da<br />

superfície em 83% dos casos. Quando a<br />

maior depressão também contém uma alta<br />

concentração de resíduos conservados<br />

(ex. Figura 3), a probabilidade de o sítio de<br />

ligação encontrar-se nessa região aumenta<br />

ainda mais.<br />

Uma outra característica importante da<br />

superfície da proteína é o seu campo<br />

eletrostático. Algumas proteínas empregam<br />

interações eletrostáticas para atração<br />

do ligante (ex., proteínas de ligação ao<br />

DNA) ou para localização subcelular à<br />

membrana (ex., citocroma C). Essas proteínas<br />

exploram a carga inata do ligante ou<br />

da membrana e a força, a longa distância,<br />

das interações eletrostáticas. Diferenças<br />

em campo eletrostático podem ser indicativas<br />

de diferenças em função, como foi<br />

visto para a enzima phosphoglycerate mutase<br />

(fosfoglicerato) e uma proteína homóloga<br />

que exibe atividade catalítica muito<br />

diferente (Rigden et al., 2001; Figura 4a).<br />

Pela mesma lógica, similaridades em<br />

características eletrostáticas podem reforçar<br />

a noção de similaridade funcional<br />

entre duas proteínas. Um outro exemplo<br />

é o modelo construído da proteína rolA,<br />

a base de uma proteína que liga a DNA,<br />

mas que compartilha somente 16% de<br />

identidade de seqüência. Enquanto 16%<br />

de identidade de seqüência não assegura<br />

similaridade em função (Figura 2a), o<br />

modelo também exibe uma região altamente<br />

positiva (Figura 4b), em acordo<br />

com dados experimentais mostrando a<br />

ligação entre rolA e DNA.<br />

Recentemente, as propriedades eletrostáticas<br />

e hidrofóbicas de superfícies<br />

de proteínas foram sujeitas a um outro<br />

modo de análise – mapas de superfícies<br />

de proteínas (Pawlowski e Godzik, 2001).<br />

Aproximando as formas das proteínas<br />

como esferas, resíduos carregados e<br />

hidrofóbicos são marcados, construindo-se<br />

um mapa. Demonstrou-se que a<br />

similaridade dos mapas de proteínas<br />

possui maior relação com sua similaridade<br />

de função do que com a similaridade<br />

de seqüência. Dois outros métodos procuram<br />

possíveis sítios catalíticos e, portanto,<br />

só se aplicam às enzimas.<br />

Duas outras técnicas relacionadas<br />

buscam sítios de ligação. A primeira, que<br />

se aplica somente às interfaces proteínaproteína,<br />

utiliza redes neurais em conjunção<br />

com o conhecimento sobre os<br />

resíduos mais comumente encontrados<br />

em tais interfaces (Zhou e Shan, 2001).<br />

Cerca de 70% dos resíduos localizados<br />

nas interfaces analisadas foram identificados<br />

corretamente. A segunda técnica<br />

trabalha com informações de conservação<br />

de seqüência junto com uma estrutura<br />

protéica, buscando agrupamentos<br />

ao nível tri-dimensional de resíduos altamente<br />

conservados em um alinhamento<br />

múltiplo de seqüências homólogas (Aloy<br />

et al., 2001). Esses agrupamentos representam<br />

previsões de sítios de ligação ao<br />

substrato ou a outras proteínas. O papel<br />

fundamental de conservação de seqüência<br />

nesse método reflete-se na dependência<br />

do sucesso obtido da variação<br />

presente no alinhamento de seqüências;<br />

somente nos casos de alinhamentos<br />

contendo seqüências mais diversas foram<br />

obtidos bons resultados. Felizmente,<br />

com a alta e crescente produção de<br />

seqüências esta limitação vai pesar cada<br />

vez menos.<br />

Dois outros métodos procuram possíveis<br />

sítios catalíticos e, portanto, são<br />

aplicáveis somente às enzimas. O primeiro<br />

baseia-se na observação de evolução<br />

convergente. Com o número crescente<br />

de estruturas protéicas determinadas, ficou<br />

claro que várias classes de enzimas,<br />

mesmo não tendo uma relação evolucionária,<br />

usam conjuntos estruturalmente semelhantes<br />

de resíduos catalíticos para efetuar<br />

as suas reações químicas. O mais bem<br />

conhecido desses exemplos é a tríade<br />

catalítica Asp-His-Ser, visto pela primeira<br />

vez em serino proteases e, desde então, em<br />

várias outras classes de proteinases e lípases<br />

(Wallace et al., 1996). Através de uma<br />

análise das características geométricas dessas<br />

tríades de origens independentes, podese<br />

formular regras para a identificação de<br />

futuros novos casos de evolução convergente<br />

(ex. Aghajari et al., 1998; Hakansson<br />

et al., 2000). É claro que a obtenção do<br />

conhecimento do mecanismo químico de<br />

uma nova enzima, possivelmente obtido<br />

através desse método, representa um grande<br />

passo para o bom entendimento da sua<br />

função.<br />

Um método que identifica resíduos<br />

possivelmente catalíticos através do cálculo<br />

de curvas de titulação teórica foi recentemente<br />

publicado (Ondrechen et al., 2001).<br />

Esse método se fundamenta na observação<br />

de que resíduos catalíticos acídicos ou<br />

básicos estão freqüentemente situados em<br />

microambientes que perturbam os seus<br />

valores pK a<br />

. Essas mudanças otimizam as<br />

características do sítio catalítico para o<br />

químico ácido-base envolvido na catálise,<br />

melhorando assim a eficiência da enzima.<br />

Através de cálculos teóricos com várias<br />

estruturas de enzimas, observou-se que<br />

resíduos com curvas de titulação perturbadas<br />

estavam situados principalmente nos<br />

seus sítios catalíticos respectivos.<br />

A idéia de usar modelos derivados de<br />

seqüências a serem anotadas funcionalmente<br />

pressupõe que as estruturas resultantes<br />

são de qualidade adequada. Nesse<br />

aspecto, dois fatores positivos podem ser<br />

identificados. Primeiro, a modelagem em<br />

si é uma área muito ativa de pesquisa, na<br />

qual avanços significativos (fora do âmbito<br />

deste artigo) estão sendo realizados<br />

continuamente. Segundo, para vários desses<br />

métodos mencionados, já foi vista uma<br />

relativa insensibilidade a erros presente<br />

nas estruturas (Zhou e Shan, 2001; Pawlowski<br />

e Goszik, 2001; Aloy et al., 2001).<br />

Conclusão<br />

A determinação da função de um<br />

proteína é uma tarefa árdua, e deve ser<br />

realizada por especialistas. Como se mostrou<br />

ao longo deste artigo, a interpretação<br />

direta/simples de resultados, especialmente<br />

provenientes do BLAST (método mais<br />

<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento - nº 25- março/abril 2002 69


utilizado na anotação funcional de uma<br />

nova proteína), pode levar a resultados/<br />

conclusões errôneos. Para se afirmar com<br />

segurança a função de uma nova proteína,<br />

muitas vezes faz-se necessária a utilização<br />

de mais de uma das técnicas aqui<br />

descritas, visto que é a associação de<br />

vários resultados que indicará a função<br />

protéica tão procurada. A diminuição das<br />

falhas que levam a uma interpretação<br />

errada do genoma refletirá diretamente na<br />

diminuição da perda de todo um investimento<br />

nas primeiras etapas de um projeto<br />

genoma. Isso é, sabendo-se que a anotação<br />

é o processo de interpretação da<br />

seqüência crua, e que fornece informações<br />

biológicas, a melhoria das técnicas<br />

de anotação visa a um melhor aproveitamento<br />

prático/aplicado dos genomas que<br />

vêm sendo determinados em campos<br />

como a agricultura (ex: melhor entendimento<br />

de mecanismos de defesa das<br />

plantas), e na medicina (ex: produção de<br />

vacinas e desenvolvimento de novos fármacos).<br />

É verdade que não possuímos (ainda)<br />

muitos especialistas nessa área, que ainda<br />

se encontra em fase de crescimento, e,<br />

como dito anteriormente, mesmo sendo a<br />

anotação de genoma um foco de intensa<br />

pesquisa, os sistemas atuais estão longe de<br />

ser infalíveis. Porém, esforços vêem sendo<br />

realizados por diferentes Instituições de<br />

Pesquisas e Órgãos Financiadores, que<br />

visam à formação de novos pesquisadores,<br />

e vêm financiando projetos de pesquisa<br />

em bioinformática. Os projetos genoma<br />

vêm crescendo exponencialmente em todo<br />

o mundo, e a bioinformática é uma área<br />

que deverá crescer para que a demanda<br />

gerada por esses projetos possa ser atendida.<br />

No entando, cabe ressaltar que a<br />

anotação de genoma é simplesmente uma<br />

das diferentes frentes da bioinformática,<br />

que abrange aplicações de computação<br />

em biologia molecular, através de uma<br />

série de outras técnicas (Luscombe et al.,<br />

2001).<br />

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