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O SEGUNDO SEXO VOL 1 - SIMONE DE BEAUVOIR

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dentro de casa, a mulher é socialmente uma menor. Inversamente,<br />

nas épocas em que a sociedade se desagrega, a mulher<br />

se emancipa; mas, deixando de ser vassala do homem, perde seu<br />

feudo; tem uma liberdade exclusivamente negativa que só se<br />

traduz pela licenciosidade e pela dissipação: assim é durante a decadência<br />

romana, o Renascimento, o século XVIII e o Diretório.<br />

Ou ela consegue encontrar emprego, mas é então escravizada, ou<br />

se liberta e não tem o que fazer de si mesma. B notável, ademais,<br />

que a mulher casada tenha tido seu lugar na sociedade,<br />

mas sem gozar de nenhum direito, ao passo que a celibatária,<br />

honesta ou prostituta, tinha todas as capacidades do homem. Mas<br />

até o século atual sempre se achou mais ou menos excluída da<br />

vida social. Dessa oposição dos direitos aos costumes resultou,<br />

entre outros, este curioso paradoxo: o amor livre não é<br />

proibido pela lei, enquanto o adultério é um delito; muitas vezes,<br />

entretanto, a jovem que "erra" é desonrada, ao passo que a má<br />

conduta da mulher casada é considerada com indulgência: numerosas<br />

jovens, do século XVIII aos nossos dias, casavam-se<br />

para poder ter amantes livremente. Com esse engenhoso sistema,<br />

a grande maioria das mulheres é estreitamente controlada:<br />

são necessárias circunstâncias excepcionais para que entre essas<br />

duas séries de limitações, abstratas ou concretas, uma personalidade<br />

feminina consiga afirmar-se. As mulheres que realizaram<br />

obras comparáveis às dos homens são as que a força das<br />

instituições sociais exaltaram além de toda diferenciação sexual.<br />

Isabel, a Católica, Isabel da Inglaterra, Catarina da Rússia, não<br />

eram nem mulher nem homem: eram soberanas. É de observar<br />

que, uma vez abolida socialmente, sua feminilidade não<br />

mais tenha constituído uma inferioridade: a proporção de rainhas<br />

que realizaram grandes governos é infinitamente superior<br />

à dos grandes reis. A religião opera a mesma transformação:<br />

Catarina de Siena, Santa Teresa, são almas santas acima de<br />

qualquer condição fisiológica; suas vidas seculares e suas vidas<br />

místicas, suas ações e seus escritos situam-se em um nível<br />

que poucos homens alcançaram. Tem-se o direito de pensar que,<br />

se outras mulheres malograram em marcar profundamente o<br />

mundo, foi porque se acharam confinadas em sua condição. Quase<br />

que só puderam intervir de maneira negativa ou oblíqua.<br />

Judite, Charlotte Corday, Vera Zassulitch matam; as mulheres<br />

da Fronda conspiram. Durante a Revolução, durante a Comuna,<br />

mulheres lutam ao lado dos homens contra a ordem estabelecida;<br />

a uma liberdade sem direitos, sem poder, é permitido retesar-se<br />

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