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O SEGUNDO SEXO VOL 1 - SIMONE DE BEAUVOIR

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Teus olhos são pombas, . .<br />

Teus cabelos são como um rebanho de cabras.. .<br />

Teus dentes são como um rebanho de ovelhas tosquiadas. . .<br />

Tua face é a metade de uma romã. . .<br />

Teus dois seios são dois enhos. . .<br />

Há sob tua língua mel e leite. . .<br />

Em Arcane 17 retoma André Breton esse cântico eterno:<br />

"Mélusine no momento do segundo grito: ela jorrou de suas<br />

ancas sem globo, seu ventre é toda uma seara de agosto, seu<br />

torso projeta-se em fogo de artifício da cintura arqueada, moldada<br />

sobre duas asas de andorinha; seus seios são arminhos<br />

presos em seu próprio grito, ofuscantes à força de se clarearem<br />

com o carvão abrasado de suas bocas ardentes. E seus braços<br />

são a alma dos regatos que cantam e perfumam..."<br />

O homem reencontra na mulher as estrelas brilhantes e a<br />

lua sonhadora, a luz do sol, a sombra das grutas; por outro<br />

lado, as flores selvagens das moitas, a rosa orgulhosa dos jardins<br />

são mulheres. Ninfas, dríades, sereias, ondinas, fadas habitam<br />

os campos, os bosques, os lagos, as charnecas. Não há<br />

nada mais arraigado no coração dos homens do que esse animismo.<br />

Para o marinheiro o mar é uma mulher perigosa, pérfida,<br />

difícil de conquistar mas que êle ama através de seu esforço<br />

para domá-la. Orgulhosa, rebelde, virginal e má, a montanha<br />

é uma mulher para o alpinista que a quer violar ainda que<br />

correndo perigo de morte. Afirma-se, muitas vezes, que essas<br />

comparações são manifestações de uma sublimação sexual; elas<br />

exprimem antes uma afinidade tão original quanto a própria<br />

sexualidade entre a mulher e os elementos. O homem espera da<br />

posse da mulher mais do que a simples satisfação de um instinto;<br />

ela é o objeto privilegiado através do qual êle domina a Natureza.<br />

Pode acontecer que outros objetos desempenhem esse<br />

papel. É, por vezes, no corpo dos rapazes que o homem procura<br />

a areia das praias, o odor das madressilvas. Mas a penetração<br />

sexual não é o único modo pelo qual se pode realizar uma apropriação<br />

carnal da terra. Em seu romance To an unknow God,<br />

Steinbeck mostra um homem que escolheu como mediadora entre<br />

a Natureza e êle uma rocha musgosa; em La Chatte, Colette descreve<br />

um jovem marido que fixou seu amor na sua gata predileta,<br />

porque através desse animal selvagem e doce tem uma<br />

participação no universo sensual que sua companheira demasia-<br />

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