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Monografia - cecimig - UFMG

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Universidade Federal de Minas Gerais<br />

Faculdade de Educação<br />

CECIMIG<br />

Daniela Monique Chagas Cordeiro e Brandão Campos<br />

O livro didático de Ciências no Brasil: um mergulho na história do PNLD<br />

Belo Horizonte<br />

2007


Universidade Federal de Minas Gerais<br />

Faculdade de Educação<br />

CECIMIG<br />

Daniela Monique Chagas Cordeiro e Brandão Campos<br />

O livro didático de Ciências no Brasil: um mergulho na história do PNLD<br />

Artigo apresentado ao<br />

Curso de Especialização,<br />

do CECIMIG/FAE/<strong>UFMG</strong>,<br />

como requisito parcial<br />

à obtenção do título de<br />

Especialista em Ensino<br />

de Ciências.<br />

Orientador: Prof. Maria Inez Toledo<br />

Belo Horizonte<br />

2007


O livro didático de Ciências no Brasil: um mergulho na história do PNLD<br />

The Science Textbook in Brazil: a look at PNLD evolution<br />

Daniela Monique Chagas Cordeiro e Brandão Campos<br />

Resumo: O presente trabalho analisa a evolução da política do livro didático no Brasil,<br />

até sua atual versão, o Programa Nacional do Livro Didático – PNLD. Desde sua<br />

implantação, este programa tem passado por várias alterações, com o intuito de deixá-lo<br />

cada vez mais eficiente e ampliar sua contribuição para a melhoria da qualidade do<br />

ensino no país. Atenção especial é dada ao caso do livro didático de Ciências que,<br />

apesar de universalizado, ainda precisa ser submetido a aprimoramentos de qualidade.<br />

Palavras – chave: Ciências; livro didático, política pública, avaliação.<br />

Abstract: This article analyses the textbook public policy implemented by Brazilian<br />

Government, with special attention to its latest version, the Programa Nacional do Livro<br />

Didático - PNLD. Since its implementation, the PNLD went through many<br />

improvements in order to enhance the effectiveness of the educational process in Brazil.<br />

Special emphasis is given to Science textbook and its quality.<br />

Keywords: Science, textbook, public policy, evaluation.<br />

A educação em Ciências deve proporcionar aos estudantes a oportunidade de<br />

desenvolver capacidades que despertem sua inquietação diante do desconhecido,<br />

buscando explicações lógicas e razoáveis, levando-os a desenvolver posturas críticas,


ealizar julgamentos e tomar decisões fundamentadas em critérios objetivos, baseados<br />

em conhecimentos compartilhados por uma comunidade escolarizada (Bizzo, 1998).<br />

Era de se esperar que uma disciplina tão próxima de todos, que trata dos seres<br />

vivos, do meio ambiente e das relações que estes elementos estabelecem entre si, fosse<br />

mais bem compreendida nas escolas e despertasse grande interesse nos alunos. Chama a<br />

atenção, contudo, o fato de muitos alunos não gostarem ou apresentarem dificuldades<br />

para aprender os diversos conteúdos de Ciências. O desinteresse por Ciências pode ser<br />

explicado, ao menos em parte, pelos conteúdos distantes do dia a dia e das preocupações<br />

dos alunos que caracterizam o processo educativo e o material didático utilizado. Dentre<br />

este último é de fundamental importância o livro didático.<br />

O uso do livro didático em sala de aula se disseminou no país com o programa<br />

de distribuição gratuita de livros do Governo Federal. O que significou este programa?<br />

Em muitas escolas da rede pública estadual e municipal foi a oportunidade dos alunos<br />

fazerem uso, pela primeira vez, desse recurso. Diante das imensas diferenças sócioeconômicas<br />

que assolam o Brasil, tal programa oportunizou aos alunos carentes da rede<br />

pública a convivência com o livro.<br />

É inegável que a chegada do livro didático às escolas aproximou alunos,<br />

conteúdo e imagens. No caso de Ciências, o acesso universal ao livro didático<br />

propiciou, ademais, construir abordagens qualitativas sobre o mesmo. Permitiu, à<br />

medida que professores e alunos utilizam de forma continuada o livro didático,<br />

fortalecer a avaliação que a Ciências apresentada nos livros está ainda muito distante da<br />

realidade das escolas e comunidades, com conceitos e informações incorretas, imagem<br />

distorcida do país e da nossa cultura.


Em um país de intensa desigualdade e exclusão social como o Brasil, em que o<br />

acesso ao livro didático depende de sua distribuição pelo Estado, um olhar crítico sobre<br />

a qualidade do livro e o papel do professor em sua seleção e crítica é fundamental para o<br />

aprimoramento de um dos instrumentos da política pública de resgate do compromisso<br />

com a educação de todos os cidadãos brasileiros. Especificamente quanto ao ensino de<br />

Ciências, aperfeiçoar o livro didático e a forma de sua seleção e utilização pelos<br />

professores pode ser decisivo para romper o desinteresse frente ao tema, preparando os<br />

alunos para abordagens críticas e conscientes fundamentais ao seu aprendizado<br />

educacional e, principalmente, ao seu cotidiano.<br />

O presente artigo busca oferecer indicações sobre este desafio, a partir da análise<br />

do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD, implementado pelo Governo Federal<br />

em toda a rede pública de ensino brasileira. Na primeira parte, é feita uma revisão da<br />

evolução das relações entre Estado e livro didático no Brasil, visando entender o<br />

contexto histórico em que se insere o atual PNLD. Na segunda parte, são considerados<br />

os procedimentos adotados para avaliar o material distribuído pelo programa, que<br />

refletem o amadurecimento da ação, bem como o envolvimento crescente dos docentes<br />

no processo. Na terceira parte, a atenção é focada na questão do livro didático de<br />

Ciências e nos desafios ao avanço do PNLD nesta área. Finalmente, são apresentadas<br />

algumas considerações a título de conclusão.<br />

1. O Programa Nacional do Livro Didático – Breve história<br />

Desde 1929, quando o Governo brasileiro criou um órgão específico para<br />

legislar sobre a política do livro didático, o Instituto Nacional do Livro (INL), a ação<br />

federal nessa área vem se aperfeiçoando, com a finalidade de prover as escolas das


edes federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal com obras didáticas, para<br />

didáticas e dicionários de qualidade.<br />

Atualmente, essa política está consubstanciada no Programa Nacional do Livro<br />

Didático (PNLD) e no Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio<br />

(PNLEM). O PNLD distribui gratuitamente obras didáticas para todos os alunos das<br />

oito séries da rede pública de ensino fundamental. A partir de 2003, as escolas de<br />

educação especial públicas e as instituições privadas definidas pelo censo escolar como<br />

comunitárias e filantrópicas foram incluídas no programa.<br />

O formato atual do PNLD é resultado de um longo processo de transformação e<br />

aperfeiçoamento da política pública em relação ao livro didático e da institucionalidade<br />

de sua implementação. Este processo teve início em 1929, quando foi criado o Instituto<br />

Nacional do Livro (INL), com a função de legislar sobre políticas do livro didático,<br />

contribuindo para dar maior legitimação ao livro didático nacional e, conseqüentemente,<br />

auxiliando no aumento de sua produção.<br />

Em 1938, a instituição da Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD)<br />

permitiu estabelecer a primeira política de legislação e controle de produção e<br />

circulação do livro didático no país. A legislação sobre as condições de produção,<br />

importação e utilização do livro didático foi consolidada em 1945, restringindo ao<br />

professor a escolha do livro a ser utilizado pelos alunos.<br />

Uma nova fase iniciou-se em 1966, quando um acordo entre o Ministério da<br />

Educação (MEC) e a Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento Internacional<br />

(USAID) permitiu a criação da Comissão do Livro Técnico e Livro Didático<br />

(COLTED), com o objetivo de coordenar as ações referentes à produção, edição e<br />

distribuição do livro didático. O acordo assegurou ao MEC recursos suficientes para a


distribuição gratuita de 51 milhões de livros no período de três anos. Ao garantir o<br />

financiamento do governo a partir de verbas públicas, o programa revestiu-se do caráter<br />

de continuidade.<br />

Em 1970, foi iniciada a implementação do sistema de co-edição de livros com as<br />

editoras nacionais, com recursos do Instituto Nacional do Livro (INL). No ano seguinte,<br />

este Instituto passou a desenvolver o Programa do Livro Didático para o Ensino<br />

Fundamental (PLIDEF), assumindo as atribuições administrativas e de gerenciamento<br />

dos recursos financeiros até então a cargo da COLTED. A contrapartida das Unidades<br />

da Federação tornou-se necessária com o término do convênio MEC/USAID,<br />

efetivando-se com a implantação do sistema de contribuição financeira das unidades<br />

federadas para o Fundo do Livro Didático.<br />

Novas mudanças ocorreriam em 1976, quando o Governo assumiu a compra de<br />

boa parcela dos livros para distribuí-los a parte das escolas e das unidades federadas.<br />

Com a extinção do INL, a Fundação Nacional do Material Escolar (FENAME) tornouse<br />

responsável pela execução do programa do livro didático, com recursos provenientes<br />

do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) e das contribuições das<br />

contrapartidas mínimas estabelecidas para participação das Unidades da Federação.<br />

Devido à insuficiência de recursos para atender todos os alunos do ensino fundamental<br />

da rede pública, a grande maioria das escolas municipais foi excluída do programa.<br />

A Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) foi criada em 1983, em<br />

substituição à FENAME, e assumiu a responsabilidade pela implementação do PLIDEF.<br />

Na ocasião, o grupo de trabalho encarregado do exame dos problemas relativos aos<br />

livros didáticos propôs a participação dos professores na escolha dos livros e a<br />

ampliação do programa, com a inclusão das demais séries do ensino fundamental.


Como resposta às recomendações deste grupo, o PLIDEF deu lugar, em 1985, ao<br />

Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). O novo programa expressava diversas<br />

mudanças na política, como a indicação do livro didático pelos professores; a<br />

reutilização do livro, implicando a abolição do livro descartável e o aperfeiçoamento<br />

das especificações técnicas para sua produção, visando maior durabilidade e<br />

possibilitando a implantação de bancos de livros didáticos; a extensão da oferta aos<br />

alunos de 1ª e 2ª séries das escolas públicas e comunitárias; o fim da participação<br />

financeira dos Estados, passando o controle do processo decisório para a FAE e<br />

garantindo o critério de escolha do livro pelos professores.<br />

Novas mudanças na política de livro didático iriam ocorrer na década de 90.<br />

Devido a limitações orçamentárias, a distribuição dos livros foi sensivelmente<br />

comprometida em 1992, com conseqüente recuo na abrangência da distribuição,<br />

restringindo-se o atendimento até a 4ª série do ensino fundamental. Esta situação seria<br />

revertida a partir do ano seguinte, quando a constituição do Fundo Nacional para o<br />

Desenvolvimento da Educação – FNDE garantiu recursos para a aquisição dos livros<br />

didáticos destinados aos alunos das redes públicas de ensino, estabelecendo-se, assim,<br />

um fluxo regular de verbas para a aquisição e distribuição do livro didático.<br />

A partir de 1995, de forma gradativa, foi retomada a universalização da<br />

distribuição do livro didático no ensino fundamental. Naquele ano, este processo<br />

contemplou as disciplinas de matemática e língua portuguesa; em 1996, a de ciências; e,<br />

em 1997, as de geografia e história.<br />

No ano seguinte, em seqüência à retomada da universalização da política, foi<br />

iniciado o processo de avaliação pedagógica dos livros inscritos para o PNLD/1997.<br />

Esse procedimento foi aperfeiçoado, sendo aplicado até hoje. Os livros que apresentam


erros conceituais, indução a erros, desatualização, preconceito ou discriminação de<br />

qualquer tipo são excluídos do Guia do Livro Didático.<br />

A extinção, em 1997, da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) resultou<br />

na transferência integral da responsabilidade pela política de execução do PNLD para o<br />

FNDE. O programa foi ampliado e o Ministério da Educação passou a adquirir, de<br />

forma continuada, livros didáticos de alfabetização, língua portuguesa, matemática,<br />

ciências, estudos sociais, história e geografia para todos os alunos de 1ª a 8ª série do<br />

ensino fundamental público.<br />

Em 2000, o PNLD iniciou a distribuição de dicionários da língua portuguesa,<br />

priorizando os alunos de 1ª a 4ª séries em 2001. Extremamente relevante, também<br />

naquele ano, pela primeira vez na história do programa, os livros didáticos passaram a<br />

ser entregues no ano anterior ao ano letivo de sua utilização. Os livros para 2001 foram<br />

entregues até 31 de dezembro de 2000.<br />

A preocupação com públicos específicos se expressou em 2001, quando o PNLD<br />

passou a atender, de forma gradativa, os alunos portadores de deficiência visual,<br />

iniciando, naquele ano, a distribuição de livros didáticos em Braille.<br />

No biênio 2002-2003, o PNLD buscou criar as condições para atingir, em 2004,<br />

a meta de que todos os alunos matriculados no ensino fundamental possuíssem um<br />

dicionário de língua portuguesa para uso durante toda sua vida escolar. Assim, em 2002,<br />

o PNLD deu continuidade à distribuição de dicionários para os ingressantes na 1ª série e<br />

atende aos estudantes das 5ª e 6ª séries. Em 2003, o PNLD distribuiu dicionários de<br />

língua portuguesa aos ingressantes na 1ª série e atendeu aos alunos das 7ª e 8ª séries,<br />

alcançando o objetivo de contemplar todos os estudantes do ensino fundamental com


um material pedagógico que os acompanhará continuamente em todas as suas atividades<br />

escolares.<br />

Em seu formato atual, o PNLD remete a responsabilidade pela definição do<br />

quantitativo de exemplares a ser adquirido às escolas, em parceria com as secretarias<br />

estaduais e municipais de Educação. Os dados disponibilizados pelo censo escolar feito<br />

pelo Instituto Nacional de Estudos e pesquisas Educacionais Anísio Teixeira<br />

(INEP/MEC) servem de parâmetro para todas as ações do FNDE, inclusive para o<br />

volume de livros didáticos a serem disponibilizados.<br />

Os resultados do processo de escolha são publicados no Diário Oficial da União,<br />

para conhecimento dos estados e municípios. Em caso de desconformidade, os estados e<br />

municípios podem solicitar alterações, desde que devidamente comprovada a ocorrência<br />

de erro.<br />

O PNLD é mantido pelo FNDE com recursos financeiros do Orçamento Geral<br />

da União e da arrecadação do salário-educação. Entre 1994 e 2005, o PNLD adquiriu,<br />

para utilização nos anos letivos de 1995 a 2006, um total de 1,077 bilhões de unidades<br />

de livros, distribuídos para uma média anual de 30,8 milhões de alunos, matriculados<br />

em cerca de 163,7 mil escolas. Nesse período, o PNLD investiu R$ 342 bilhões.<br />

2. A avaliação dos livros didáticos no PNLD<br />

A ação do Estado no campo da avaliação de livros escolares a nível mundial é<br />

muito diversa. Pode-se afirmar, no entanto, que a avaliação desses livros é uma prática<br />

comum em muitos países, embora os métodos adotados sejam bastante variados.<br />

No Brasil, a política de avaliação do livro didático consiste em estabelecer<br />

parâmetros de qualidade sem, entretanto, inibir a livre iniciativa de produção. Assim


tem-se a garantia de que os professores terão inúmeras alternativas em termos de<br />

abordagens teóricas e metodológicas, podendo escolher entre uma diversidade<br />

significativa de obras disponíveis aquelas mais adequadas à sua realidade e à de seus<br />

alunos, bem como ao projeto pedagógico das escolas.<br />

Conciliar qualidade dos livros didáticos e liberdade de escolha dos professores<br />

constitui, portanto, uma questão central para o PNLD. Em especial porque a literatura<br />

vem mostrando que o livro didático ocupa, muitas vezes, um papel central nas<br />

atividades em sala de aula nas escolas públicas do Brasil. Nesse contexto, o PNLD<br />

ganha importância ainda maior: ele é o programa responsável pela avaliação e<br />

distribuição de livros didáticos e dicionários de Língua Portuguesa para alunos de 1ª a 8ª<br />

séries do Ensino Fundamental.<br />

Apesar da longevidade da política do livro didático no Brasil, com as<br />

características atuais – escolha dos professores, aquisição dos livros com recursos do<br />

Governo Federal, distribuição gratuita aos alunos de escolas públicas e reutilização dos<br />

livros – o PNLD teve início efetivamente em 1985. Em 1993, com quase uma década de<br />

existência, o PNLD carecia de uma avaliação da qualidade dos livros adquiridos, uma<br />

vez que, até então, os livros adotados não passavam por análise do conteúdo<br />

pedagógico. Até essa época, os critérios para compra dos livros giravam em torno da<br />

qualidade do material e durabilidade. Os livros didáticos podiam ser escolhidos pelos<br />

professores e comprados pelo Ministério da Educação (MEC) sem se levar em conta sua<br />

qualidade pedagógica e/ou adequação ao projeto das escolas.<br />

A partir de 1995, este quadro foi radicalmente alterado. Naquele ano, iniciou-se<br />

a avaliação pedagógica sistemática dos livros didáticos do Ensino Fundamental e o<br />

cuidado permanente com sua qualidade, conferindo novos rumos ao PNLD. A avaliação<br />

dos livros rompeu com uma política centrada na compra/distribuição de livros cuja


qualidade era, muitas vezes, questionável. A avaliação constituiu ainda, um marco<br />

político, já que foi, ao longo de sete anos, assimilada, consolidada e institucionalizada<br />

como dimensão constituinte do programa.<br />

Mais importante, a partir de então, o MEC deslocou sua atenção do objeto (livro)<br />

para os sujeitos (professor e aluno). O livro passou a ser efetivamente um elemento<br />

auxiliar a prática docente e um dos instrumentos determinantes da formação intelectual<br />

e cultural dos alunos.<br />

A avaliação pedagógica dos livros didáticos que serão utilizados pela rede<br />

pública de ensino em todo o país é feita por especialistas em suas áreas de<br />

conhecimento, sob a coordenação do Ministério. Essa avaliação inicia-se com a<br />

publicação de um edital de convocação que disciplina a execução de todas as etapas do<br />

processo. As etapas da avaliação, que culminam com a confecção do Guia de escolha<br />

que contém as resenhas dos livros recomendados, consistem em triagem e avaliação<br />

pedagógica. Na triagem, sob responsabilidade do FNDE, as obras são avaliadas quanto<br />

aos seus aspectos físicos e adequação às normas do edital em vigor. Uma vez aprovados<br />

nessa etapa, os livros são submetidos a uma rigorosa análise pedagógica, sob<br />

responsabilidade da Secretaria de Ensino Fundamental/MEC. Para garantir a<br />

imparcialidade e lisura do processo de avaliação, os livros são entregues aos avaliadores<br />

sem nome do autor e editora e sem qualquer outra indicação que possa identificá-los.<br />

Os critérios usados para a avaliação buscam oferecer, para a escolha dos<br />

professores, obras sem erros conceituais, inconsistência metodológica e abordagens<br />

prejudiciais ao exercício da cidadania. Além desses critérios gerais, cada área possui<br />

critérios específicos.


Atendendo antiga reivindicação dos professores, nas avaliações PNLD 2002<br />

(livros de 5ª a 8ª séries) e PNLD 2004 (livros de 1ª a 4ª séries) o MEC estabeleceu a<br />

obrigatoriedade da inscrição de coleções completas para cada uma das áreas. Esse<br />

critério objetivou manter uma coerência teórica e metodológica no desenvolvimento dos<br />

conteúdos, evitando rupturas e descontinuidades. A inscrição do Manual do Professor<br />

também se tornou obrigatória, consistindo num instrumento de auxílio em sala de aula,<br />

sugerindo ao professor atividades complementares, indicando leituras e procedimentos<br />

de avaliação ao conteúdo ministrado.<br />

3. O PNLD e o livro didático de Ciências<br />

Em pesquisa realizada com professores de Ciências de escolas públicas da região<br />

de Campinas, pesquisadores do grupo FORMAR – Ciências aglutinaram os professores<br />

em três grandes grupos, de acordo com o uso que estes alegam fazer do livro didático.<br />

Um primeiro grupo de professores indicou o uso simultâneo de várias coleções<br />

didáticas, de editoras ou autores distintos, para elaborar o planejamento anual de suas<br />

aulas e para a preparação das mesmas ao longo do período letivo. Um segundo grupo de<br />

professores informou utilizar o livro didático como apoio às atividades de ensinoaprendizagem,<br />

seja no magistério em sala de aula, seja em atividades extra-escolares,<br />

visando especialmente à leitura de textos, a realização de exercícios ou, ainda, como<br />

fonte de imagens para os estudos escolares, aproveitando fotos, desenhos, mapas e<br />

gráficos existentes nos livros. Por fim, o terceiro grupo de professores afirmou utilizar o<br />

livro didático como fonte bibliográfica, tanto para complementar seus próprios<br />

conhecimentos, quanto para a aprendizagem dos alunos, em especial na realização das<br />

chamadas “pesquisas” bibliográficas escolares (Fracalanza, 2003).


Se a universalização do livro didático de Ciências ampliou sua relevância no<br />

processo de ensino, conforme constata a pesquisa supra citada, também houve avanços<br />

em relação ao conteúdo. Têm-se observado, nos últimos anos, uma melhor qualidade<br />

dos livros recomendados pelo MEC para o ensino de Ciências.<br />

Mas a oferta de livros didáticos de boa qualidade é apenas um primeiro passo<br />

para sua adequada utilização no processo de ensino. A escolha dos livros didáticos de<br />

Ciências deve ser feita pelo professor. Ele precisa ter um domínio de saberes que o torne<br />

capaz de selecionar os livros, avaliando as possibilidades e limitações dos livros<br />

recomendados. Cabe ao professor complementar, adaptar, dar maior sentido a esses<br />

livros.<br />

Neste sentido, diante da diversidade de livros oferecidos pelo MEC, o professor<br />

precisa estar preparado para realizar a escolha mais efetiva para a realidade em que atua.<br />

A forma com os conteúdos é explorada nos livros merece atenção especial, cabendo ser<br />

avaliada com base em um conjunto de parâmetros, para verificar se:<br />

- os conceitos aparecem nos livros como resultado de atividades de construção de<br />

novos conhecimentos e não de maneira declarativa;<br />

- o livro utiliza a história da ciência como resultado do trabalho árduo dos cientistas,<br />

ao invés de fruto da mente iluminada de gênios;<br />

- o livro usa a contextualização sem confundi-la com as ilustrações e/ou exemplos;<br />

- os exercícios aparecem como problemas abertos, capazes de aproximar o ensino de<br />

Ciências do cotidiano e da ciência e não somente como tarefas de fixação ou;<br />

- inexistem erros conceituais e/ou metodológicos;<br />

- inexistem expressões de cunho discriminatório.


O professor de Ciências deve ser capaz de lidar com os erros presentes nos<br />

livros. Apesar de o PNLD e o MEC estarem cada vez mais atentos a esses erros, muitos<br />

livros continuam circulando nas escolas, como parte do acervo bibliográfico.<br />

A crescente discussão sobre a qualidade dos livros didáticos – incluindo os de<br />

Ciências – provocou grandes mudanças no mercado editorial brasileiro. Apesar disso,<br />

muitos professores ainda não têm acesso a instrumentos que o auxiliem na análise dos<br />

livros didáticos.<br />

Há importantes diretrizes estabelecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais<br />

(PCNs – Ciências Naturais, 1998) para esta análise. Os PCNs definem Ciências como<br />

uma elaboração do homem que o ajuda a compreender o mundo ao seu redor. O ensino<br />

de Ciências deve proporcionar ao aluno o desenvolvimento de capacidades/habilidades,<br />

como:<br />

- compreender a natureza como um todo dinâmico e o ser humano, em sociedade,<br />

como agente de transformações do mundo em que vive, em relação essencial com os<br />

demais seres vivos e outros componentes do ambiente;<br />

- compreender a Ciência como um processo de produção de conhecimento e uma<br />

atividade humana histórica, associada os aspectos de ordem social, econômica,<br />

política e cultural;<br />

- identificar relações entre conhecimento científico, produção de tecnologia e<br />

condições de vida, no mundo de hoje e em sua evolução histórica, e compreender a<br />

tecnologia como meio para suprir necessidades humanas, sabendo elaborar juízo<br />

sobre riscos e benefícios das práticas científico-tecnológicas;


- formular questões, diagnosticar e propor soluções para problemas reais a partir de<br />

elementos das Ciências Naturais, colocando em prática conceitos, procedimento e<br />

atitudes desenvolvidos no aprendizado escolar;<br />

- saber utilizar conceitos científicos básicos, associados à energia, matéria,<br />

transformação, espaço, tempo, sistema, equilíbrio e vida;<br />

- saber combinar leituras, observações, experimentações e registros para coleta,<br />

comparação entre explicações, organização, comunicação e discussão de fatos e<br />

informações;<br />

- valorizar o trabalho em grupo, sendo capaz de ação crítica e cooperativa para a<br />

construção coletiva do conhecimento.<br />

O livro de Ciências, ao trabalhar o método científico, deve estimular a análise de<br />

fenômenos, teste de hipóteses e formulação de conclusões. O livro de Ciências deve<br />

proporcionar ao estudante uma compreensão da realidade e estimular a capacidade<br />

investigativa. Deve também contribuir para a autonomia do pensar e agir.<br />

Grande parte dos livros de Ciências disponíveis no mercado ainda não consegue<br />

atender a estes requisitos. São raras as possibilidades de contextualização; as<br />

informações são fragmentadas; as atividades priorizam a memorização. Os alunos<br />

parecem estar sendo treinados para repetir conceitos e aplicar fórmulas. A Ciências<br />

aparece distante do dia-a-dia do aluno.<br />

Para BIZZO (1997), “em muitos casos, o livro parecia ser concebido na<br />

perspectiva principal de avaliar o trabalho do professor, priorizando suas necessidades.”<br />

O conhecimento e as necessidades do aluno não são considerados. Com isso,<br />

perpetuam-se a aplicação de conteúdos pouco úteis à realidade do aluno, incapazes de<br />

estimular a leitura e interpretação. Segundo BIZZO (2000), “os livros muitas vezes


disseminavam posições discriminatórias e preconceituosas, com doutrinação religiosa e,<br />

em certos casos, até mesmo propondo atividades de risco para alunos e professores.”<br />

A questão do livro didático de Ciências no âmbito do PNLD demanda, portanto,<br />

novos aprimoramentos. Embora erros conceituais e metodológicos sejam cada vez mais<br />

raros, é necessário que este instrumento fundamental do processo de ensino e<br />

aprendizagem contribua para superar novos desafios da área de Ciências. É necessário e<br />

urgente que os livros didáticos de Ciências contribuam para que esta disciplina seja<br />

entendida, progressivamente, como base para o entendimento da realidade cotidiana que<br />

cerca alunos, professores e sua comunidade.<br />

4. Considerações finais<br />

A partir de 1995, o MEC passou a avaliar a qualidade didático-pedagógica dos<br />

livros didáticos distribuídos à rede pública. Os ganhos obtidos com essa ação são<br />

muitos: efetiva avaliação qualitativa dos materiais educativos produzidos por empresas<br />

privadas, mas adquiridos e distribuídos com recursos públicos; criação de equipes de<br />

avaliadores, por áreas de conhecimento, capazes de avaliar com responsabilidade, lisura<br />

e sigilo; refinamento contínuo dos critérios de avaliação da qualidade pedagógica dos<br />

livros; garantia de chegada dos livros, em tempo hábil, às mãos dos alunos e professores<br />

em todo o território nacional, antes do início do ano letivo entre outros.<br />

Após a instituição do programa de avaliação da qualidade do livro didático, pelo<br />

MEC, é inegável a melhoria da qualidade da produção didática no Brasil. Mas é preciso<br />

avançar ainda mais. Alguns livros de Ciências ainda tratam o conhecimento científico<br />

como algo pronto, acabado e produzido por “iluminados”. A abordagem feita sobre<br />

temas como ambiente, saúde, tecnologia ainda coloca o sujeito como espectador, como<br />

não responsável e/ou capaz de mudar o futuro. O uso de imagens precisa, na medida do


possível, valorizar e ilustrar melhor a fauna e a flora brasileiras. Ainda é possível<br />

encontrar erros conceituais, preconceitos raciais, sociais e culturais, deficiências<br />

gráficas e qualidade inadequada do papel. Ainda encontramos professores que não têm<br />

acesso a instrumentos que o ajudem na análise e avaliação dos livros didáticos<br />

(Fracalanza & Megid Neto, 2003).<br />

A produção, escolha, utilização e avaliação do livro didático são etapas<br />

importantíssimas para a melhoria da qualidade do ensino no Brasil. A participação do<br />

professor é essencial para o sucesso do PNLD. Esta participação será tanto mais efetiva<br />

e eficaz quanto os professores estiverem capacitados para analisar criticamente os livros<br />

oferecidos pelo MEC, para lançar mão de instrumentos adicionais ao livro didático em<br />

sua tarefa de ensino. Se o PNLD é uma política pública fundamental e bem sucedida,<br />

novos avanços irão requerer, progressivamente, sua articulação com outros instrumentos<br />

de política educacional, como a formação continuada dos docentes e a infra-estrutura<br />

das escolas.<br />

Referências bibliográficas<br />

AGUIAR Jr., Orlando. O papel do construtivismo na pesquisa em ensino de Ciências.<br />

Investigações em Ensino de Ciências. Porto Alegre, vol. 3, n. 2, p. 1-14. 2001.<br />

ALTMANN, Helena. Influências do Banco Mundial no projeto educacional brasileiro.<br />

Educação e Pesquisa, São Paulo, vol. 28, n. 1, p.77-89, jan./jun. 2002.<br />

AMARAL, Ivan A.; MEGID NETO, Jorge. Qualidade do livro didático de Ciências: o<br />

que define e quem define? Ciência & Ensino, Campinas, n.2, p. 13-14, jun. 1997.


AMARAL, I. A. et alli. Algumas tendências de concepções fundamentais presentes em<br />

coleções didáticas de Ciências de 5ª a 8ª séries. In: ATAS DO ENCONTRO<br />

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