13.10.2014 Views

RL #34 [quadrimestral. Março 2012] - Universidade de Coimbra

RL #34 [quadrimestral. Março 2012] - Universidade de Coimbra

RL #34 [quadrimestral. Março 2012] - Universidade de Coimbra

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

mesma forma, encho minha mala <strong>de</strong><br />

CDs, peças <strong>de</strong> arte, livros, <strong>de</strong> artistas<br />

que aqui não conhecemos.<br />

Malangatana Ngwenya, artista moçambicano,<br />

tem apenas um trabalho<br />

no Brasil e nunca expôs aqui. Faleceu<br />

em janeiro <strong>de</strong> 2011 e disse para o<br />

Lusofalante: “ levar minha obra é<br />

como levar pitéus esquecidos pela<br />

distância geográfica. E no Brasil,<br />

mesmo pessoas que nunca estiveram<br />

em África, ao tocarem e olharem, revivam<br />

o ontem <strong>de</strong>ixado cá”.<br />

No Brasil da mesma forma sabemos<br />

pouco uns dos outros. Em um Seminário<br />

<strong>de</strong> Contadores <strong>de</strong> Histórias no<br />

Rio <strong>de</strong> Janeiro perguntei aos participantes<br />

dos vários estados brasileiros<br />

como chamavam pão. Listaram mais<br />

<strong>de</strong> 20 nomes para o mesmo pãozinho.<br />

Dizia Chico Buarque “em cada ribanceira<br />

uma nação”. Assim somos aqui.<br />

Milhares <strong>de</strong> nuances, sonorida<strong>de</strong>s,<br />

varieda<strong>de</strong>s da mesma língua.<br />

Tínhamos 1200 nações indígenas,<br />

das quais restam 180, significam<br />

1200 povos com culturas, línguas,<br />

misturadas ao que somos hoje. Até<br />

o <strong>de</strong>creto <strong>de</strong> Marquês <strong>de</strong> Pombal em<br />

1759, tornando obrigatório o uso da<br />

Língua Portuguesa, os portugueses<br />

que aqui viviam falavam tupinambá.<br />

Sendo a língua um ser vivo, orgânico,<br />

reciclável que se inter-relaciona <strong>de</strong>s<strong>de</strong><br />

sempre, gosto <strong>de</strong> pensar na Geografia<br />

estendida da Língua.<br />

Em Changana, uma das línguas <strong>de</strong><br />

Moçambique, na palavra “mafacitela”,<br />

que significa óculos, temos face,<br />

do português.<br />

A língua é tão viva que hoje convocamos<br />

para um “tuitaço”, “skypeamos”<br />

com os amigos e “<strong>de</strong>letamos” o que<br />

não interessa.<br />

Se pensarmos que nossa audição é<br />

autoral e única, que em cada pessoa<br />

há um universo <strong>de</strong> significações no<br />

modo como ouve, as possibilida<strong>de</strong>s<br />

da língua ficam infinitas.<br />

Em uma oficina, mostrei uma peça<br />

<strong>de</strong> áudio e pedi para que dissessem o<br />

que tinham ouvido. Um disse “é uma<br />

chuva”, outro “são passos na pedra”<br />

e outro “é uma bicicleta passando”.<br />

E era o mesmo som.<br />

É fascinante pensar nos 250 milhões<br />

<strong>de</strong> pessoas falando a mesma língua<br />

diversa e autoral com as quais eu<br />

po<strong>de</strong>ria estar conversando neste<br />

momento. Me faltará vida para ver<br />

tudo, para vestir minhas orelhas <strong>de</strong><br />

elefante e comer o mundo com os ouvidos,<br />

para <strong>de</strong>spregar meus pés e ver<br />

o mundo sair do lugar.<br />

O diferente, o outro, na verda<strong>de</strong> está<br />

bem ao lado.<br />

Um músico pegou um táxi em Salvador e<br />

perguntou ao motorista se conhecia<br />

<strong>de</strong>terminado en<strong>de</strong>reço. Ele respon<strong>de</strong>u-lhe:<br />

“um talvez <strong>de</strong>finitivo eu não<br />

posso lhe dar, mas um quem sabe,<br />

com certeza”. É lindo e virou verso <strong>de</strong><br />

letra <strong>de</strong> amor da compositora Suely<br />

Mesquita.<br />

Eduardo Galeano fala <strong>de</strong> um novo<br />

planeta que está sendo gestado por<br />

este já velho e combalido. Essa idéia<br />

me agrada, um movimento quase silencioso,<br />

cidadão, coletivo, que busca<br />

a mudança, que virá como fruto do<br />

que não soubemos fazer até aqui.<br />

Que não nos falte curiosida<strong>de</strong>, nunca!<br />

E que joguemos as certezas na<br />

pasta da lixeira e pensemos no que<br />

diz Koellreutter, maestro: «tenham<br />

uma placa com um “por que?”, em<br />

cima da cama, para lembrarem-se <strong>de</strong><br />

perguntar “por que?” logo ao acordar».<br />

Destes antigos “por ques?” e do encontro<br />

com amigos especiais nasceu<br />

o Lusofalante.<br />

* Diretora, roteirista e produtora do programa <strong>de</strong><br />

rádio Lusofalante<br />

Lusofalante é um programa <strong>de</strong> rádio que reúne<br />

entrevistas com artistas, lingüistas, escritores, poetas<br />

dos diversos países <strong>de</strong> língua portuguesa e é<br />

sublinhado pelas músicas <strong>de</strong>stes lugares (programalusofalante.blogspot.com).<br />

O objetivo é criar pontes<br />

através da língua e da arte. Está disponível em<br />

www.arpub.org.br e po<strong>de</strong> ser utilizado como material<br />

didático, para uso educacional e cultural.<br />

Participa na XIV Semana Cultural da UC juntamente<br />

com a Fundação Casa Gran<strong>de</strong> e amigos do<br />

Brasil, Moçambique e Portugal, com conversas,<br />

montagem <strong>de</strong> uma Escultura Sonora e recolha <strong>de</strong><br />

material para futuros programas.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!