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Oralidade e Prática de Ensino entre os Professores Hupd'äh da ...

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ORALIDADE E PRÁTICA DE ENSINO<br />

ENTRE OS PROFESSORES HUPD'ÄH<br />

DA REGIÃO DO ALTO RIO NEGRO<br />

Renato Athias<br />

NEPE/PPGA/UFPE<br />

Texto a ser apresnetado no XV ENDIPE,<br />

Belo Horizonte, 21 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 2010<br />

Resumo<br />

A partir <strong>de</strong> observação realiza<strong>da</strong> durante curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores Hupd'äh, Yuhup e Daw,<br />

(Curso <strong>de</strong> Magistério Indígena II modular), oferecido pela Secretaria <strong>de</strong> Educação do Município <strong>de</strong><br />

São Gabriel <strong>da</strong> Cachoeira/AM, durante <strong>os</strong> an<strong>os</strong> <strong>de</strong> 2005 a 2008, busca-se discutir questões centrais<br />

para a compreensão <strong>da</strong> prática <strong>de</strong> ensino em context<strong>os</strong> interculturais, como a língua, a i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

social do professor e a relação <strong>de</strong>sses com a sua comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> e, por fim, a representação sobre a<br />

escola <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh. Este trabalho é resultado <strong>de</strong> investigação sobre a formação <strong>de</strong> docentes<br />

indígenas.<br />

Palavras Chave: Interculturali<strong>da</strong><strong>de</strong>, Educação Indígena, Formação <strong>de</strong> Docentes<br />

Preâmbulo<br />

Esta apresentação(*) está basea<strong>da</strong> em análises realiza<strong>da</strong>s durante as três primeiras etapas do<br />

Programa <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> <strong>Professores</strong>, <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> Magistério Indígena, <strong>entre</strong> <strong>os</strong> índi<strong>os</strong> <strong>da</strong><br />

família linguística Na<strong>da</strong>hup (ou seja as línguas Hup, Yuhup e Dâw) do município <strong>de</strong> São Gabriel <strong>da</strong><br />

Cachoeira, Amazonas, durante <strong>os</strong> an<strong>os</strong> <strong>de</strong> 2005 a 2008. É importante salientar, logo <strong>de</strong> início, que<br />

esses pov<strong>os</strong> têm o português como terceira língua (a segun<strong>da</strong> é o tukano, povo vizinho, que eles<br />

utilizam para comunicar com <strong>os</strong> outr<strong>os</strong> índi<strong>os</strong> <strong>da</strong> região), como também, a educação escolar não faz<br />

parte <strong>da</strong> tradição <strong>de</strong>sse povo, como espaço/processo <strong>de</strong> transmissão do saber e/ou tradição. Portanto,<br />

as questões discuti<strong>da</strong>s nesta apresentação, estão necessariamente relaciona<strong>da</strong>s com o processo<br />

intercultural e as relações sociais situa<strong>da</strong>s no processo <strong>de</strong> educação escolar e a prática <strong>de</strong> ensino<br />

neste contexto sociopolítico.<br />

Em geral as questões sobre formação e a profissão docente apontam para um <strong>de</strong>bate sobre a<br />

prática <strong>de</strong> ensino, e nesse caso <strong>entre</strong> culturas distintas, que envolvem aspect<strong>os</strong> <strong>de</strong> uma prática<br />

escolar <strong>de</strong> uma escola indígena e a formacão específica do professor sobre a prática pe<strong>da</strong>gógica do<br />

professor indígena. Estes agentes <strong>da</strong> educação, são percebid<strong>os</strong> como pessoas mobilizadoras <strong>de</strong><br />

saberes tradicionais e profissionais. G<strong>os</strong>taria <strong>de</strong> lembrar <strong>de</strong> um <strong>de</strong>bate iniciado por Nietta Monte<br />

1


(2000) em seu artigo: Os outr<strong>os</strong>, quem som<strong>os</strong>? Formação <strong>de</strong> <strong>Professores</strong> Indígenas e I<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

Culturais” on<strong>de</strong> ela discute a trajetória profissional do professor in<strong>de</strong>igena enfatizabdo como eles e<br />

elas constróem e reconstróem <strong>os</strong> seus conheciment<strong>os</strong>. M<strong>os</strong>tra, ain<strong>da</strong> a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> utilização <strong>de</strong><br />

suas experiências, seus percurs<strong>os</strong> formativ<strong>os</strong> e suas práticas <strong>de</strong> ensino relacion<strong>da</strong> as suas culturas e<br />

a<strong>os</strong> seus mod<strong>os</strong> própri<strong>os</strong> <strong>de</strong> aprendizado.<br />

O objetivo <strong>de</strong>sta comunicação é apresentar uma análise sobre a questão d<strong>os</strong> chamad<strong>os</strong><br />

saberes docentes e as práticas <strong>de</strong> ensino, <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh que habitam a região interfluvial do Rio<br />

Tiquié (ATHIAS 1995, 2003), i<strong>de</strong>ntificando as diferentes abor<strong>da</strong>gens teórico-metodológicas que <strong>os</strong><br />

fun<strong>da</strong>mentam, bem como <strong>os</strong> enfoques utilizad<strong>os</strong> para enten<strong>de</strong>r o Programa <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong><br />

<strong>Professores</strong> Indígena (Curso <strong>de</strong> Magistério Indígena II, como é conhecido em São Gabriel <strong>da</strong><br />

Cachoeira) no âmbito <strong>de</strong> um contexto intercultural. O contato d<strong>os</strong> Hupd'äh, com a socie<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

nacional, ain<strong>da</strong> é muito recente (ATHIAS 1995), e instituição “escola” introduzi<strong>da</strong> na região pel<strong>os</strong><br />

missionári<strong>os</strong> católic<strong>os</strong> em 1916, não se instalou <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh antes <strong>de</strong> 1962, pois até essa época<br />

esse grupo étnico, em especial nessa região, viviam <strong>de</strong> forma isola<strong>da</strong> n<strong>os</strong> interiores <strong>de</strong> uma região<br />

<strong>de</strong> floresta. Esse é um aspecto que <strong>de</strong>verem<strong>os</strong> levar em consi<strong>de</strong>racão quando se discute a prática<br />

pe<strong>da</strong>gógica, qu <strong>de</strong>veria ser diferente <strong>da</strong>quela em uso pel<strong>os</strong> índi<strong>os</strong> Tukano e Arawak, que atualmente<br />

são <strong>os</strong> gestores <strong>da</strong> Secretaria Municipal <strong>de</strong> Educacão. Desta maneira, consi<strong>de</strong>ro importante assinalar<br />

a noção <strong>de</strong> cultura discuti<strong>da</strong> por Philippe Descola (2001) e A<strong>da</strong>m Kuper (2002) po<strong>de</strong> ser, muito<br />

bem, extendi<strong>da</strong> a<strong>os</strong> Hupd'äh, cujo arsenal conceitual e as representacões do cotidinao estão<br />

completamente associado ao seu ec<strong>os</strong>sistema e seu ambiente social, a saber, o interior <strong>da</strong> região<br />

interfluvial d<strong>os</strong> ri<strong>os</strong> Tiquié e Papuri, com suas narrativas mitológicas participes do cotidiano <strong>de</strong> ca<strong>da</strong><br />

um d<strong>os</strong> grup<strong>os</strong> locais (al<strong>de</strong>ias).<br />

Acredita-se que a investigação e <strong>de</strong>bate sobre essas questões p<strong>os</strong>sibilitará i<strong>de</strong>ntificar<br />

caminh<strong>os</strong> <strong>de</strong> investigacã<strong>os</strong>erem percorrid<strong>os</strong> <strong>de</strong>ntro do contexto intercultural <strong>de</strong> pesquisas sobre o<br />

ensino e sobre <strong>os</strong> docentes indígenas.<br />

Conheciment<strong>os</strong> e Saberes <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh<br />

A transmissão <strong>de</strong> conhecimento, no sentido amplo <strong>de</strong>finido por Karl Popper (1999) envolve<br />

sempre a presença <strong>de</strong> duas ou mais pessoas, e esse processo <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh, envolve sempre <strong>os</strong><br />

mais velh<strong>os</strong> e mais nov<strong>os</strong>, <strong>os</strong> pais e filh<strong>os</strong>, avôs e net<strong>os</strong>, <strong>os</strong> membr<strong>os</strong> <strong>de</strong> um mesmo clã, e isso é<br />

importante, pois <strong>os</strong> saberes (<strong>os</strong> cnheciment<strong>os</strong>) estão sempre associad<strong>os</strong> a um <strong>de</strong>terminado clã. Os<br />

Hupd'äh conceituam o conhecimento com o termo hipãh, que significa saber, conhecer, lembrar e<br />

saber-fazer e está associado a ascestrali<strong>da</strong><strong>de</strong> d<strong>os</strong> Hupd'äh que eles <strong>de</strong>nominam <strong>de</strong> hipãh-teh . Essas<br />

2


consi<strong>de</strong>rações sobre o contexto cultural sobre as maneiras <strong>de</strong> repassar saberes a<strong>os</strong> outr<strong>os</strong>, <strong>entre</strong> <strong>os</strong><br />

Hupd'äh terá como base <strong>os</strong> prinicpais element<strong>os</strong> etnogáfic<strong>os</strong>, já i<strong>de</strong>ntificad<strong>os</strong> por Florestan<br />

Fernan<strong>de</strong>s (1976) quando discute esse processo <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Tupinambá. Ain<strong>da</strong> especificamente, sobre<br />

essa região também apoio-me no estudo <strong>de</strong> Ivo Fontoura (2006) sobre transmissão <strong>de</strong><br />

conheciment<strong>os</strong> <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Tariano <strong>de</strong> Iauareté, on<strong>de</strong> po<strong>de</strong> se encontrar uma <strong>de</strong>scrição minunci<strong>os</strong>a d<strong>os</strong><br />

mo<strong>de</strong>l<strong>os</strong> tradicionais do aprendizado <strong>entre</strong>s esse povo. Ain<strong>da</strong>, sobre essas questões etnográficas<br />

relaciona<strong>da</strong>s a<strong>os</strong> context<strong>os</strong> culturais e geopolític<strong>os</strong> utilizam<strong>os</strong> principalmente <strong>os</strong> trabalh<strong>os</strong> <strong>de</strong> Curt<br />

Nimuen<strong>da</strong>ju (1978), Alfred Wallace (1936), Irving Goldman (1941), Koch-Grunber (2005),<br />

Eduardo Galvão (1959) , Betty Meggers (1971) Reichel-Dolmatoff (1997), <strong>entre</strong> outr<strong>os</strong>.<br />

O aprendizado <strong>de</strong> saberes foi um d<strong>os</strong> mecanism<strong>os</strong> <strong>de</strong>senvolvido ao longo <strong>de</strong> sécul<strong>os</strong> visando<br />

a sobrevivência física, e, sobretudo, a cultural <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado grupo social (ROAZZI 1995).<br />

São formas específicas que se criaram <strong>entre</strong> as diferentes culturas, como na socie<strong>da</strong><strong>de</strong> oci<strong>de</strong>ntal<br />

contemporânea, on<strong>de</strong> o conhecimento produzido é transmitido através <strong>de</strong> livr<strong>os</strong>, revistas, panflet<strong>os</strong>,<br />

Internet, etc., contudo nem tod<strong>os</strong> têm acesso. Os pov<strong>os</strong> indígenas transmitem a maioria d<strong>os</strong> seus<br />

conheciment<strong>os</strong> principalmente através <strong>da</strong> orali<strong>da</strong><strong>de</strong>, e esse aspecto, <strong>de</strong>veria ser colocado em prática<br />

n<strong>os</strong> curs<strong>os</strong> <strong>de</strong> formação. Essa orali<strong>da</strong><strong>de</strong> é construí<strong>da</strong> tendo por base <strong>de</strong> princípi<strong>os</strong> fil<strong>os</strong>ófic<strong>os</strong> e<br />

cognitiv<strong>os</strong> estabelecid<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> seus ancestrais n<strong>os</strong> primórdi<strong>os</strong> <strong>de</strong> um tempo, e se expressa através <strong>de</strong><br />

relat<strong>os</strong> mitológic<strong>os</strong> e <strong>de</strong> saberes sobre o cotidiano.<br />

Eis uma segun<strong>da</strong> questão presente no processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores, a escolha, a<br />

seleção do professor], <strong>da</strong>quele que será responsável em passar <strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> em um lugar<br />

específico <strong>de</strong>nominado <strong>de</strong> escola. Tradicionalmente <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh não existe uma pessoa com o<br />

“papel específico” <strong>de</strong> transmitir e repassar conheciment<strong>os</strong> para grup<strong>os</strong> <strong>de</strong> pessoas, como<br />

assinalam<strong>os</strong> acima. Os conheciment<strong>os</strong> são construíd<strong>os</strong> em um <strong>da</strong>do momento e em <strong>de</strong>terminado<br />

contexto. Os saberes assim construíd<strong>os</strong>, nas suas especifici<strong>da</strong><strong>de</strong>s, têm a sua vali<strong>da</strong><strong>de</strong> para quem é<br />

<strong>de</strong>tentor <strong>de</strong>ste. Da mesma forma como foi construído esse conhecimento, ca<strong>da</strong> povo <strong>de</strong>senvolve<br />

mei<strong>os</strong> (tecnologias, metodologias) que p<strong>os</strong>am facilitar a transmissão <strong>de</strong> saberes para <strong>os</strong><br />

<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>da</strong>queles que construíram, tendo em vista do uso que fariam no futuro próximo, pois,<br />

servindo-se <strong>de</strong>ste conhecimento estes continuariam se “perpetuando” como pessoas em suas<br />

socien<strong>da</strong><strong>de</strong>s.<br />

Embora não renha realizado um estudo sobre a transmissão <strong>de</strong> saberes e conhecimento,<br />

Kluckhohn (1972:193) referindo-se a maneira <strong>de</strong> transmissão <strong>da</strong> cultura menciona que uma criança<br />

é educa<strong>da</strong> conforme o mecanismo <strong>de</strong>senvolvido pela socie<strong>da</strong><strong>de</strong> a que ela pertence e que existem<br />

pessoas específicas para efetivarem essa transmissão, por isso, segundo o autor: “Numa cultura, o<br />

tipo apreciado é a matrona experiente, noutra o jovem guerreiro, noutra ain<strong>da</strong> o ancião erudito”.<br />

3


Po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> perceber semelhantes situações <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh. No processo <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong><br />

conheciment<strong>os</strong> <strong>entre</strong> <strong>os</strong> indígenas <strong>de</strong>sta região não n<strong>os</strong> parece ser diferente, sempre haverão <strong>de</strong><br />

existir pessoas com essas especiali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, ou melhor, pessoas com esse papel <strong>de</strong> assumir a tarefa <strong>de</strong><br />

transmitir o conhecimento, por exemplo, do seu grupo social ao novo membro que não conhece<br />

ain<strong>da</strong> a história do povo <strong>da</strong> qual faz parte. Tendo a memória e as narrativas <strong>da</strong> memória como<br />

central no processo narrativo (LE GOFF, 1996), o sucesso <strong>da</strong> aprendizagem <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>rão <strong>de</strong>ssas<br />

pessoas. A mesma situação é percebi<strong>da</strong> <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh on<strong>de</strong>, <strong>os</strong> responsáveis pela transmissão d<strong>os</strong><br />

conheciment<strong>os</strong> <strong>de</strong> element<strong>os</strong> essenciais <strong>da</strong> cultura são principalmente <strong>os</strong> pais e <strong>os</strong> avôs - as mães<br />

não tanto, em regra geral, por serem provenientes <strong>de</strong> outro clã, e por motivo <strong>da</strong> regras <strong>de</strong> casamento<br />

e <strong>da</strong> organização patrilinear. Os saberes vinculad<strong>os</strong> às tradições <strong>de</strong>ste povo são mantid<strong>os</strong> hoje na<br />

memória d<strong>os</strong> mais velh<strong>os</strong> que se preocupam em transmitir a<strong>os</strong> mais nov<strong>os</strong>, trocam conheciment<strong>os</strong><br />

<strong>da</strong> cultura que ain<strong>da</strong> p<strong>os</strong>suem <strong>entre</strong> <strong>os</strong> parentes mais próxim<strong>os</strong>, por perceberem que são cruciais<br />

para manter a dinâmica <strong>da</strong> estrutura organizacional, o que no passado, foi colocado como um<br />

impecílio na escolarização ofereci<strong>da</strong> missionári<strong>os</strong>, como testemunham Filinto Sabana (1997) e<br />

Garcia (2000).<br />

Nesse trabalho, faço paralel<strong>os</strong> com a <strong>de</strong>scrição <strong>de</strong> Florestan Fernan<strong>de</strong>s (1976) em seu estudo<br />

sobre <strong>os</strong> Tupinambá, em uma organização “tradicionalista”, “ritualiza<strong>da</strong>” e “fecha<strong>da</strong>”, afirma o<br />

autor, que é importante consi<strong>de</strong>rar o que representa estrutura presentes na or<strong>de</strong>m <strong>da</strong> organização<br />

social. Nesse sentido, compreen<strong>de</strong>-se a importância d<strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> sobre a tradição do povo<br />

para reproduzir a sua estrutura organiza<strong>da</strong>, e para isso, <strong>os</strong> Tupinambá <strong>de</strong>senvolveram, conforme este<br />

autor, “mecanism<strong>os</strong> psic<strong>os</strong>sociais e socioculturais que asseguram a continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> herança social<br />

através <strong>da</strong> estabilização do padrão <strong>de</strong> equilíbrio dinâmico do sistema societário” (FERNANDES<br />

1976:63). Como assinala Ivo Fontoura (2006:78) <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Talyáseri, que vivem na na mesma região,<br />

e participam <strong>de</strong> um mesmo conjunto cultural que <strong>os</strong> Hupd'äh, o conhecimento d<strong>os</strong> valores <strong>de</strong> sua<br />

cultura está muito próxima a estrutura social organiza<strong>da</strong> do mo<strong>de</strong>lo hierárquico próprio, como<br />

atualmente é percebi<strong>da</strong> em suas narrativas, on<strong>de</strong> <strong>os</strong> primeir<strong>os</strong> a emergirem para este mundo se<br />

encontram na hierarquia mais alta, isto é, se consi<strong>de</strong>ram “irmã<strong>os</strong> maiores” com relação a<strong>os</strong> seus<br />

precursores.<br />

Assim, um d<strong>os</strong> fatores que proporciona a adoção <strong>de</strong> formas específicas no processo<br />

ensino/aprendizagem, tem a ver com a organização social <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> povo, porque p<strong>os</strong>sibilita a<br />

continui<strong>da</strong><strong>de</strong> e a reprodução cultural em qualquer socie<strong>da</strong><strong>de</strong> que seja, como esta que o autor<br />

estudou. Neste aspecto, acredita-se importante colocar em evidência as questões aponta<strong>da</strong>s. O<br />

significado do exemplo, nas práticas <strong>de</strong> ensino, foi uma <strong>da</strong>s formas que <strong>os</strong> Tupinambá (ou em<br />

outras socie<strong>da</strong><strong>de</strong>s indígenas) encontraram para transmitir a sua cultura a<strong>os</strong> nov<strong>os</strong> membr<strong>os</strong>, uma vez<br />

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que, em situações novas, estes passavam a recorrer a<strong>os</strong> exempl<strong>os</strong> <strong>de</strong> sua tradição, que eram<br />

narrativas com conteúd<strong>os</strong> chei<strong>os</strong> <strong>de</strong> histórias d<strong>os</strong> feit<strong>os</strong> d<strong>os</strong> seus ancestrais (herança cultural), pois,<br />

através <strong>de</strong>las, eles procuravam encontrar element<strong>os</strong> que pu<strong>de</strong>ssem aju<strong>da</strong>r a se reajustarem<br />

constantemente a qualquer mu<strong>da</strong>nça que acontecia, tanto em nível <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><strong>de</strong> como a respeito <strong>de</strong><br />

alterações climatológicas. Assim, faz sentido a ênfase <strong>da</strong><strong>da</strong> por Florestan Fernan<strong>de</strong>s: “... 1º que to<strong>da</strong><br />

inovação, por mais radical que seja, lança raízes no passado e se alimenta <strong>de</strong> potenciali<strong>da</strong><strong>de</strong>s dinâmicas<br />

conti<strong>da</strong>s nas tradições; 2º . que a inovação já nasce, culturalmente, como tradição, como ‘experiência’<br />

sagra<strong>da</strong> <strong>de</strong> um saber que transcen<strong>de</strong> ao indivíduo e ao imediatismo do momento” (FERNANDES, 1976:<br />

65).<br />

A importância <strong>da</strong> educação como forma <strong>de</strong> transmissão do conhecimento cultural foi assim a<br />

base <strong>de</strong> manutenção <strong>da</strong> “herança social” d<strong>os</strong> Tupinambá, por isso, <strong>entre</strong> eles, tod<strong>os</strong> <strong>de</strong>veriam<br />

apreen<strong>de</strong>r indistintamente to<strong>da</strong>s as técnicas e as tradições como membr<strong>os</strong> <strong>de</strong> um povo com uma<br />

organização “tradicionalista”, “sagra<strong>da</strong>” e “fecha<strong>da</strong>”. Nessa socie<strong>da</strong><strong>de</strong>, como argumenta Fernan<strong>de</strong>s<br />

(1976:72), a educação como mecanismo <strong>de</strong> transmissão <strong>da</strong> cultura se <strong>da</strong>va <strong>de</strong> acordo com o sexo e<br />

i<strong>da</strong><strong>de</strong> sob a orientação d<strong>os</strong> pais, mas, além <strong>de</strong>les aponta que também:<br />

“... <strong>os</strong> velh<strong>os</strong> eram <strong>os</strong> portadores por excelência d<strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong>, <strong>da</strong>s técnicas e <strong>da</strong>s tradições<br />

tribais, nas duas linhas <strong>da</strong> divisão por sexo, mas o monopólio relativo que eles exerciam também<br />

não era ‘rígido’e ‘fechado’: a própria continui<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>da</strong> or<strong>de</strong>m tribal exigia a transmissão aberta a<br />

herança cultural, com a sucessão <strong>da</strong>s gerações na apropriação <strong>da</strong>queles conheciment<strong>os</strong>, técnica e<br />

tradições” (FERNANDES, 1976:72).<br />

A transmissão <strong>de</strong> conheciment<strong>os</strong> <strong>da</strong> cultura Tupinambá a<strong>os</strong> nov<strong>os</strong> membr<strong>os</strong> se <strong>da</strong>va segundo<br />

FERNANDES (1976) pela “via oral”, d<strong>os</strong> “contat<strong>os</strong> primári<strong>os</strong>, face a face”, diariamente tendo<br />

como meta o “valor <strong>da</strong> tradição”, o “valor <strong>da</strong> ação” e “valor do exemplo” estes últim<strong>os</strong>, por sua vez,<br />

envolviam o “apren<strong>de</strong>r fazendo”, consi<strong>de</strong>ra<strong>da</strong> a base fil<strong>os</strong>ófica <strong>da</strong> educação do grupo por ele<br />

estu<strong>da</strong>do. A metodologia aqui se expressava no envolvimento d<strong>os</strong> “imatur<strong>os</strong>” pel<strong>os</strong> adult<strong>os</strong> em suas<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que estimulavam a se exercitarem imitando-<strong>os</strong>, promovendo <strong>de</strong>ssa forma a assimilação<br />

antecipa<strong>da</strong> <strong>da</strong>s atitu<strong>de</strong>s, d<strong>os</strong> comportament<strong>os</strong> e valores <strong>da</strong> herança cultural d<strong>os</strong> mais velh<strong>os</strong>. Essa<br />

interpretação coloca algumas questões para aqueles que são professores em escolas indígenas.<br />

“... <strong>os</strong> adult<strong>os</strong> em geral e <strong>os</strong> velh<strong>os</strong> em particular recebiam essa sobrecarga <strong>de</strong> uma maneira que<br />

não <strong>os</strong> poupava, já que tinham que ‘<strong>da</strong>r exemplo’ e, por isso, estavam naturalmente compelid<strong>os</strong> a<br />

agir como autêntic<strong>os</strong> ‘mestres’. O seu comportamento manifesto tinha <strong>de</strong> refletir, tanto quanto as<br />

suas palavras, o sentido mo<strong>de</strong>lar do legado d<strong>os</strong> antepassad<strong>os</strong> e o conteúdo prático <strong>da</strong>s tradições”<br />

(FERNANDES, 1972:73-4).<br />

A maneira como se efetiva o aprendizado <strong>de</strong> saberes <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh, não se diferencia<br />

muito d<strong>os</strong> Tupinambá como relatado por Fernan<strong>de</strong>s (1976), e nem com a d<strong>os</strong> <strong>de</strong>mais pov<strong>os</strong> que<br />

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esi<strong>de</strong>m na região do Rio Uaupés e Tiquié, e é claro que não se preten<strong>de</strong> generalizar, pois sem<br />

dúvi<strong>da</strong> haverá sempre alguma especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> cultural n<strong>os</strong> mo<strong>de</strong>l<strong>os</strong> <strong>da</strong>s narrativas que dão conta d<strong>os</strong><br />

process<strong>os</strong> <strong>de</strong> aprendizado. Como já tem<strong>os</strong> notado a transmissão d<strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> tradicionais<br />

<strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh se dá principalmente pela “orali<strong>da</strong><strong>de</strong>” e aí se po<strong>de</strong>ndo se distinguir em duas<br />

estruturas “oral com <strong>de</strong>monstração” e “com o Kapi, a bebi<strong>da</strong> enteógena n<strong>os</strong> rituais <strong>de</strong> Dabucuri”.<br />

A aquisição, então, se dá pela “observação”, “escuta” e “prática <strong>de</strong> ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s cotidianas”.<br />

To<strong>da</strong>s elas envolvem <strong>os</strong> pais, “mais velh<strong>os</strong>”, avôs, avós, tal como <strong>de</strong>scrito por Durvalino Chagas<br />

(2001:41). Nessas ocasiões, <strong>os</strong> lugares e <strong>os</strong> espaç<strong>os</strong> que são usad<strong>os</strong> para proferirem as narrativas se<br />

tornam necessárias e importantes. Entre <strong>os</strong> Hupd'äh, as festas, <strong>os</strong> rituais <strong>de</strong> iniciação são <strong>os</strong><br />

moment<strong>os</strong> centrais para falar n<strong>os</strong> saberes tradicionais, no entanto, tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> moment<strong>os</strong> po<strong>de</strong>m ser<br />

aproveitad<strong>os</strong> para a transmissão, como no banh<strong>os</strong> matinais, caça<strong>da</strong>s, pescarias, na selva e n<strong>os</strong> locais<br />

<strong>de</strong> trabalho.<br />

Entre <strong>os</strong> Hupd'äh são transmitid<strong>os</strong> e assimilad<strong>os</strong>, <strong>os</strong> mit<strong>os</strong>, as histórias, as tecnologias <strong>de</strong><br />

caça, as fórmulas terapêuticas e <strong>de</strong> proteção - a hierarquia d<strong>os</strong> clãs –, tod<strong>os</strong> estes conheciment<strong>os</strong> são<br />

repassad<strong>os</strong> pela orali<strong>da</strong><strong>de</strong> tanto pel<strong>os</strong> pais a<strong>os</strong> filh<strong>os</strong>, avôs a<strong>os</strong> net<strong>os</strong>. As narrativas mitológicas e as<br />

histórias, as fórmulas terapêuticas e <strong>de</strong> proteção e a hierarquia d<strong>os</strong> clãs acontecem durante as festas<br />

<strong>de</strong> Dabucuri, ou também <strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> po<strong>de</strong>m ser repassad<strong>os</strong> durante a noite, segundo <strong>os</strong><br />

Hupd'äh é o momento em que tod<strong>os</strong> estão acomo<strong>da</strong>d<strong>os</strong>, sem barulh<strong>os</strong> que lhes incomo<strong>de</strong> e<br />

principalmente pela mente estar <strong>de</strong>scansa<strong>da</strong>, facilitando a memorização d<strong>os</strong> extens<strong>os</strong> conteúd<strong>os</strong><br />

relativ<strong>os</strong> à trajetória percorri<strong>da</strong> pel<strong>os</strong> seus ancestrais. Às vezes as narrativas acabavam se<br />

esten<strong>de</strong>ndo até <strong>os</strong> banh<strong>os</strong> matinais, ain<strong>da</strong> pela madruga<strong>da</strong>, sobretudo tendo em vista que cert<strong>os</strong><br />

conheciment<strong>os</strong> não po<strong>de</strong>m serem narrad<strong>os</strong> na presença <strong>de</strong> mulheres e crianças. As mães e as avós<br />

relatam <strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> sobre as regras <strong>de</strong> parentesco para às filhas, as regras <strong>de</strong> casamento,<br />

ensinam to<strong>da</strong>s a ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s do cui<strong>da</strong>do com o corpo <strong>de</strong>las e d<strong>os</strong> seus próxim<strong>os</strong> (ATHIAS, 1995).<br />

O dono <strong>da</strong> música ou Mestre do Canto e Danças ensina também <strong>os</strong> cant<strong>os</strong> e as <strong>da</strong>nças, e<br />

durante as festas, <strong>os</strong> espaç<strong>os</strong> <strong>da</strong>s casas comunais funcionam como lugares principais <strong>de</strong> troca <strong>de</strong><br />

saberes específic<strong>os</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado clã. Dentro <strong>da</strong> casa comunal também são <strong>de</strong>batid<strong>os</strong> e falad<strong>os</strong><br />

publicamente <strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> mais corriqueir<strong>os</strong> <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> econômica. Para <strong>os</strong> do sexo masculino:<br />

fabricação <strong>de</strong> utensíli<strong>os</strong> doméstic<strong>os</strong>: tipitis, aban<strong>os</strong>, banc<strong>os</strong>; instrument<strong>os</strong> <strong>de</strong> pesca, <strong>de</strong> caça, <strong>de</strong><br />

<strong>da</strong>nças, enfeites; d<strong>os</strong> lugares <strong>de</strong> pesca, caça, <strong>da</strong>s estações do ano, <strong>da</strong> época <strong>de</strong> roçar e <strong>de</strong>rrubar. Para<br />

<strong>os</strong> do sexo feminino: a fabricação <strong>de</strong> prat<strong>os</strong>, tigelas, forn<strong>os</strong> <strong>de</strong> cerâmicas <strong>de</strong> diferentes tamanh<strong>os</strong> e<br />

finali<strong>da</strong><strong>de</strong>s, o processamento <strong>da</strong> mandioca e a produção d<strong>os</strong> seus <strong>de</strong>rivad<strong>os</strong>, a preparação do caxiri,<br />

a plantação do roçado, a tecelagem que envolvia a fabricação <strong>da</strong>s re<strong>de</strong>s <strong>de</strong> tucum e puçá (re<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

pesca).<br />

6


Quando questionad<strong>os</strong> <strong>de</strong> como adquiriram <strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> que tem <strong>da</strong>s ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s<br />

econômicas, <strong>os</strong> Hupd'äh, recorrem sempre as narrativas <strong>da</strong> passagem <strong>de</strong> K'eg-teh neste mundo, são<br />

episódi<strong>os</strong> incríveis e <strong>de</strong> transmissão <strong>de</strong> conteúd<strong>os</strong> metoológic<strong>os</strong> para realizar alguma iniciativa. E<br />

faz parte <strong>da</strong>quele repertório <strong>da</strong>s histórias d<strong>os</strong> Hipãh-teh, <strong>de</strong> um conjunto <strong>de</strong> exmpl<strong>os</strong> que se<br />

encaixam no saber-fazer hup. Por exemplo, sobre <strong>os</strong> locais <strong>de</strong> caça e as técnicas <strong>de</strong> caça, a armação<br />

<strong>da</strong>s armadilhas <strong>de</strong> caça, que conhecem, afirmam que foi K'eg-teh que <strong>de</strong>ixou para a humani<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

(incluindo tod<strong>os</strong> nós). Nessas narrativas míticas po<strong>de</strong>-se localizar <strong>os</strong> lugares <strong>de</strong> caça, para<br />

i<strong>de</strong>ntificarem <strong>os</strong> aci<strong>de</strong>ntes geográfic<strong>os</strong> e assim sucessivamente. As histórias míticas são fontes <strong>de</strong><br />

conheciment<strong>os</strong> d<strong>os</strong> Hupd'äh, as ações <strong>de</strong> personagens mític<strong>os</strong>, são justificativas d<strong>os</strong> seus<br />

comportament<strong>os</strong>. É nesse sentido que fazem questão <strong>de</strong> transmitir essas histórias a<strong>os</strong> filh<strong>os</strong>, pela<br />

importância que tem no contexto vivido por eles. São essas histórias que norteiam as suas<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s. Os Hupd'äh são compreendid<strong>os</strong> por outr<strong>os</strong> pov<strong>os</strong> <strong>da</strong> região através <strong>da</strong>s histórias<br />

mitológicas que <strong>os</strong> enquadram <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma categorização própria <strong>de</strong>ssa região. N<strong>os</strong> mit<strong>os</strong> po<strong>de</strong>m<br />

se apreen<strong>de</strong>r as prinicpais referências geográficas, históricas e c<strong>os</strong>mológica é <strong>da</strong>í que surge todo o<br />

conjunto <strong>de</strong> conhecimento (hipãh) <strong>de</strong>sse povo.<br />

O espaço <strong>da</strong> casa comunal, que é um ambiente familiar, serve como lócus do processo <strong>de</strong><br />

aprendizado <strong>da</strong>s crianças. Lá <strong>os</strong> pais ensinam tudo o que sabem a<strong>os</strong> filh<strong>os</strong> com a finali<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

prepará-l<strong>os</strong> para o cotidiano, para que esses tenham a habili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> sobreviver no ambiente <strong>da</strong><br />

floresta. Entre <strong>os</strong> Hupd'äh, assim como <strong>entre</strong> <strong>os</strong> já citad<strong>os</strong> Tupinambá, o ensino está relacionado as<br />

classes <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong> (geração) e sexo. As crianças, <strong>os</strong> adolescentes, jovens, adult<strong>os</strong> e velh<strong>os</strong>, apren<strong>de</strong>m<br />

conforme o interesse, mas, na hora <strong>de</strong> ensinar, existe a seleção d<strong>os</strong> conteúd<strong>os</strong> por parte <strong>da</strong> pessoa<br />

que vai transmitir, principalmente aqueles referentes às crianças. Com <strong>os</strong> maiores já se torna mais<br />

flexível e ao mesmo tempo objetivo, as orientações são direciona<strong>da</strong>s para as questões sociais,<br />

culturais e econômicas. Os aprendizes Hupd'äh são conduzid<strong>os</strong> a viverem a sua tradicão e se<br />

tornarem ver<strong>da</strong><strong>de</strong>ir<strong>os</strong> Hupd'äh, conhecedores d<strong>os</strong> c<strong>os</strong>tumes, crenças e tradições do seu povo; com<br />

p<strong>os</strong>sibili<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> viverem sem estar atrelad<strong>os</strong> a seus pais, a sobreviverem conforme apren<strong>de</strong>ram <strong>de</strong><br />

seus pais e com a condição <strong>de</strong> cui<strong>da</strong>rem <strong>de</strong> suas famílias. Tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh <strong>de</strong> um grupo local, via<br />

<strong>de</strong> regra, <strong>de</strong>vem her<strong>da</strong>r conheciment<strong>os</strong> d<strong>os</strong> seus ancestrais, <strong>de</strong> sua organização social, política,<br />

econômica e cultural. Para isso, se torna indispensável o papel d<strong>os</strong> pais que tem <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> ensinar<br />

to<strong>da</strong> a sabedoria que conhecem a<strong>os</strong> filh<strong>os</strong>, à nova geração, também aquelas que foram construí<strong>da</strong>s<br />

pessoalmente e her<strong>da</strong><strong>da</strong>s <strong>de</strong> seus pais, avôs e avós.<br />

Como dissem<strong>os</strong>, não existe uma pessoa <strong>de</strong>signa<strong>da</strong> especificamente para transmitir<br />

conheciment<strong>os</strong> e saberes a<strong>os</strong> <strong>de</strong>mais membr<strong>os</strong> <strong>de</strong> um <strong>de</strong>terminado grupo. São <strong>os</strong> pais e <strong>os</strong><br />

<strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> saberes (bi'íd, bi'íd yám) que têm a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> na educação <strong>de</strong> seus filh<strong>os</strong>, com<br />

7


<strong>os</strong> saberes clânic<strong>os</strong> sendo complementad<strong>os</strong> pelo tio paterno. O sogro e <strong>os</strong> ti<strong>os</strong> matern<strong>os</strong> ensinam<br />

como são <strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> básic<strong>os</strong> do clã <strong>de</strong> sua esp<strong>os</strong>a, e geralmente esses saberes são<br />

literalmente trocad<strong>os</strong> em festas <strong>de</strong> Dabucuri. Às mães assumem a tarefa <strong>de</strong> ensinar as filhas to<strong>da</strong>s as<br />

ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s que uma mulher <strong>de</strong>ve realizar bem durante a sua vi<strong>da</strong>, por exemplo, a culinária, as<br />

técnicas <strong>de</strong> plantio, cruzament<strong>os</strong> e seleção <strong>da</strong>s manivas, conheciment<strong>os</strong> sobre as plantas que se<br />

comem, etc. Situação semelhante acontece com <strong>os</strong> filh<strong>os</strong>, o pai se responsabiliza por transmitir <strong>os</strong><br />

conheciment<strong>os</strong> tradicionais e outras ativi<strong>da</strong><strong>de</strong>s, como é o caso <strong>da</strong> escolha do terreno para a abertura<br />

<strong>de</strong> roçad<strong>os</strong>, conheciment<strong>os</strong> <strong>da</strong>s técnicas e lugares <strong>de</strong> caçar, enfim, orienta como <strong>de</strong>verá dirigir a sua<br />

família nuclear.<br />

O valor do exemplo, tal como foi assinalado acima por Floestan Fernan<strong>de</strong>s, é a técnica mais<br />

usa<strong>da</strong> <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh. É necessário esclarecer que <strong>os</strong> pais são responsáveis pelo ensino <strong>de</strong> seus<br />

filh<strong>os</strong> durante a infância, sem levar em conta a que sex<strong>os</strong> pertencem, a responsabili<strong>da</strong><strong>de</strong> prevalece<br />

tanto para <strong>os</strong> <strong>de</strong> sexo masculino e feminino. Mas, a maior parte <strong>da</strong> infância é acompanha<strong>da</strong> pela<br />

mãe. Thompson (1993) <strong>da</strong> mesma forma como Fernan<strong>de</strong>s (1976), como Ivo Fontoura (2006)<br />

afirmam que o papel do grupo familiar (clã <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh) na transmissão <strong>de</strong> conhecimento <strong>da</strong><br />

tradição <strong>entre</strong> as gerações é tão importante como são as outras instituições (exemplo: a escola, a<br />

igreja e o estado) por motivo <strong>de</strong> que:<br />

“... inclui não somente a transmissão <strong>da</strong> memória familiar [...], mas também <strong>da</strong> linguagem [...] do<br />

nome, do território e <strong>da</strong> moradia, <strong>da</strong> p<strong>os</strong>ição social e <strong>da</strong> religião, e, mais além ain<strong>da</strong>, d<strong>os</strong> valores<br />

e aspirações sociais, visões <strong>de</strong> mundo, habili<strong>da</strong><strong>de</strong>s domésticas, mod<strong>os</strong> <strong>de</strong> comportamento,<br />

mo<strong>de</strong>l<strong>os</strong> <strong>de</strong> parentesco e casamento...” (THOMPSON, 1993:11).<br />

A importância do papel <strong>da</strong> família, tal como argumenta<strong>da</strong> por estes autores, manifesta-se n<strong>os</strong><br />

cui<strong>da</strong>d<strong>os</strong> que <strong>os</strong> pais e as mães têm com as crianças Hupd'äh. Após o nascimento <strong>os</strong> recém nascid<strong>os</strong><br />

permanecem sempre com a mãe, e conforme vão crescendo começam a apren<strong>de</strong>r a falar a língua<br />

corrente, por volta d<strong>os</strong> quatro a cinco an<strong>os</strong> <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>. Hoje, a língua Hupd'äh é a principal língua<br />

fala<strong>da</strong> <strong>entre</strong> <strong>os</strong> mais <strong>de</strong> 1.600 Hupd'äh <strong>de</strong>ssa região. Atualmente a língua portuguesa é fala<strong>da</strong> por<br />

pouc<strong>os</strong>, apenas pel<strong>os</strong> jovens que foram as escolas d<strong>os</strong> vizinh<strong>os</strong> Tukano, alguns homens (que sairam<br />

para trabalhar em São Gabriel, enquanto que a maioria <strong>da</strong>s mulheres, senão a totali<strong>da</strong><strong>de</strong>, não<br />

enten<strong>de</strong>m na<strong>da</strong>.<br />

Formação <strong>de</strong> <strong>Professores</strong> Indígenas Hupd'äh<br />

As informações etnográficas relata<strong>da</strong>s são necessárias para m<strong>os</strong>trar que a formação <strong>de</strong><br />

professores Hupd'äh <strong>de</strong>ve levar em consi<strong>de</strong>ração aspect<strong>os</strong> relacionad<strong>os</strong> a sua cultura específica - o<br />

8


que não é novi<strong>da</strong><strong>de</strong> para <strong>os</strong> estudi<strong>os</strong><strong>os</strong> do tema-, e sobretudo, aspect<strong>os</strong> relacionad<strong>os</strong> a<br />

interculturali<strong>da</strong><strong>de</strong>, tendo em vista <strong>os</strong> conteúd<strong>os</strong> curriculares d<strong>os</strong> curs<strong>os</strong> <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores.<br />

Esses process<strong>os</strong> não são evi<strong>de</strong>ntes na região do Rio Negro, on<strong>de</strong> a reprodução <strong>da</strong> prática <strong>de</strong> ensino e<br />

do sistema introduzido pel<strong>os</strong> missionári<strong>os</strong> ain<strong>da</strong> está muito presente <strong>entre</strong> <strong>os</strong> gestores <strong>da</strong> Educação<br />

Escolar. Várias publicações, <strong>entre</strong> as quais a <strong>de</strong> Nietta Lin<strong>de</strong>nberg Monte (2000) <strong>de</strong>batem essa<br />

especifici<strong>da</strong><strong>de</strong> sobre a temática, mas que ain<strong>da</strong> merecem ser <strong>de</strong>bati<strong>da</strong>s <strong>de</strong> uma forma mais ampla,<br />

pois não é <strong>de</strong> fácil entendimento para gestores <strong>de</strong> educação e para formadores <strong>de</strong> formadores. Tendo<br />

em vista a organização curricular e a prática pe<strong>da</strong>gógica, apontam<strong>os</strong> as três principais questões que<br />

fazem parte <strong>de</strong> um <strong>de</strong>bate <strong>entre</strong> <strong>os</strong> professores do curso <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores Hupd'äh, assim<br />

como as que são transmiti<strong>da</strong>s a<strong>os</strong> cursistas.<br />

Esse <strong>de</strong>bate, não é novo, Meliá (1979) e Eunice Dias <strong>de</strong> Paula (2000) já introduziram essas<br />

questões anteriormente, mas carece <strong>de</strong> um melhor aprofun<strong>da</strong>mento, sobretudo em context<strong>os</strong>, on<strong>de</strong> a<br />

escolarização encontra-se em diferentes estági<strong>os</strong>. Por exemplo, <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Tukano, povo vizinho a<strong>os</strong><br />

Hupd'äh, iniciaram o processo <strong>de</strong> escolarização, tanto do lado brasileiro como do lado colombiano<br />

(BECERRA, 2004:15) ain<strong>da</strong> n<strong>os</strong> an<strong>os</strong> <strong>de</strong> 1910, enquanto <strong>os</strong> Hupd'äh tiveram acesso a escola apenas<br />

a partir <strong>de</strong> 1978, frizando que o acesso ocorreu nas escolas <strong>da</strong>s al<strong>de</strong>ias Tukano. As escolas em<br />

al<strong>de</strong>ias Hupd'äh vão ter início apenas a partir <strong>de</strong> 1996 e num processo similar ao d<strong>os</strong> Tukano, que<br />

em muitas al<strong>de</strong>ias, na reali<strong>da</strong><strong>de</strong>, reproduz o mo<strong>de</strong>lo missionário istalado em 1916.<br />

A primeira, e talvez uma <strong>da</strong>s principais questões, que se assinala nesse processo formativo<br />

(no contexto acima <strong>de</strong>scrito), é a necessi<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong>fini<strong>da</strong> <strong>da</strong> al<strong>de</strong>ia, <strong>da</strong> comuni<strong>da</strong><strong>de</strong> selecionando<br />

pessoas com i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais específicas (chama<strong>da</strong>s <strong>de</strong> professores), para serem formadores com<br />

um objetivo específico <strong>de</strong> “ensinar”, a partir <strong>de</strong> uma prop<strong>os</strong>ta <strong>de</strong> escola centraliza<strong>da</strong>, e discuti<strong>da</strong> por<br />

profissionais, que às vezes não têm conhecimento sobre a cultura indígena em questão. Indica-se<br />

assim uma relação intensa com o processo <strong>de</strong> seleção <strong>de</strong>sses professores – e com <strong>os</strong> quais tenho<br />

trabalhado - , on<strong>de</strong> em tese foram “escolhid<strong>os</strong> pela comuni<strong>da</strong><strong>de</strong>”. Estes buscam compreen<strong>de</strong>r o que<br />

é ser um professor nesses curs<strong>os</strong> <strong>de</strong> formação, ou seja, procuram instrument<strong>os</strong> necessári<strong>os</strong> que<br />

garantam a transmissão <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminad<strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong>, cuja didática é distinta <strong>da</strong>quela em uso nas<br />

al<strong>de</strong>ias.<br />

Diferentemente do que diz Nietta Lin<strong>de</strong>nberg Monte (2000:21) em relação a<strong>os</strong> professores<br />

indígenas no Acre que “ao formularem suas i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong>s sociais, <strong>os</strong> professores procuravam<br />

centrar seus interesses na própria história...”, no caso d<strong>os</strong> professores Hupd'äh não tenho certeza<br />

se seria essa perspectiva, ao contrário, eles foram escolhid<strong>os</strong> para po<strong>de</strong>r realmente transmitir a<br />

história e a cultura oci<strong>de</strong>ntal. Pelo men<strong>os</strong> é isso que a maioria d<strong>os</strong> cursisitas pensam. Já <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a<br />

seleção são direcionad<strong>os</strong> pel<strong>os</strong> mais velh<strong>os</strong> para apreen<strong>de</strong>r bem (tudo!) o que <strong>os</strong> tëg-hoîn'däh (<strong>os</strong><br />

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anc<strong>os</strong>, <strong>os</strong> não-Hupd'äh) sabem para po<strong>de</strong>r transmitir a<strong>os</strong> <strong>de</strong>mais do próprio grupo. A i<strong>de</strong>nti<strong>da</strong><strong>de</strong><br />

social do professor <strong>de</strong> uma escola Hupd'äh, se é que a po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> i<strong>de</strong>ntificar plenamente, seria saber<br />

transmitir o saber-fazer d<strong>os</strong> branc<strong>os</strong> e não <strong>os</strong> saberes d<strong>os</strong> Hupd'äh. Ou, pelo men<strong>os</strong>, é esse o<br />

interesse mais geral que se po<strong>de</strong> notar <strong>entre</strong> <strong>os</strong> cursistas do Curso <strong>de</strong> Magistério II. No entanto, o<br />

processo formativo faz, a partir <strong>de</strong> uma perspectiva intercultural, que <strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> Hupd'äh<br />

p<strong>os</strong>sam também serem transmitid<strong>os</strong> por esse professor indígena ao conjunto <strong>de</strong> seu grupo. E aqui se<br />

encontra a gran<strong>de</strong> contradição nesse processo, pois <strong>os</strong> conheciment<strong>os</strong> são específic<strong>os</strong> <strong>de</strong> ca<strong>da</strong> clã, e<br />

gran<strong>de</strong> parte <strong>de</strong>sses saberes não po<strong>de</strong>m ser coletivizad<strong>os</strong> <strong>de</strong>vem obe<strong>de</strong>cer as questões <strong>de</strong> i<strong>da</strong><strong>de</strong>,<br />

iniciação, <strong>de</strong> lugar gerográfico e hierarquia. O que po<strong>de</strong>m<strong>os</strong> verificar foi uma série questões do<br />

ponto <strong>de</strong> vista <strong>de</strong> prática <strong>de</strong> ensino que <strong>os</strong> própri<strong>os</strong> Hupd'äh se questionam e explicitaram, porém<br />

não receberam resp<strong>os</strong>ta satisfatória.<br />

A segun<strong>da</strong> questão, também importante, no <strong>de</strong>bate pe<strong>da</strong>gógico <strong>da</strong> educação escolar<br />

indígena, e na discussão com <strong>os</strong> cursistas no processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores está relaciona<strong>da</strong> a<br />

língua indígena. Eles n<strong>os</strong> infomam que foi muito bom po<strong>de</strong>r escrever na própria língua, e po<strong>de</strong>r<br />

colocá-la no mesmo nível que o português (E agora tem<strong>os</strong> livr<strong>os</strong> escrit<strong>os</strong> em n<strong>os</strong>sa lingua,<br />

disseram!), no entanto, não po<strong>de</strong>m ir muito longe pela falta <strong>de</strong> mais text<strong>os</strong> na língua e práticas <strong>de</strong><br />

leitura, on<strong>de</strong> começam a perceber, a partir <strong>da</strong> prática pe<strong>da</strong>gógica, que a rali<strong>da</strong><strong>de</strong> é o centro <strong>de</strong> todo o<br />

processo <strong>de</strong> aprendizado. A escola, contudo, vai sentido contrário, colocando a escrita e a leitura em<br />

primeiro lugar em <strong>de</strong>trimento <strong>de</strong> uma orali<strong>da</strong><strong>de</strong> fun<strong>da</strong>mental na trasmissão do saber <strong>entre</strong> <strong>os</strong><br />

Hupd'äh.<br />

Muitas experiências têm sido realiza<strong>da</strong>s nas escolas indígenas, e esse <strong>de</strong>bate <strong>entre</strong> a<br />

orali<strong>da</strong><strong>de</strong> e a escrita, merece ser ain<strong>da</strong> melhor <strong>de</strong>batido em process<strong>os</strong> pe<strong>da</strong>ógic<strong>os</strong> <strong>de</strong> formação, e é<br />

essa discussão que n<strong>os</strong> coloca em uma p<strong>os</strong>ição <strong>de</strong> refletir mais sobre o aspecto. Por outro lado, o<br />

português não fornece element<strong>os</strong> gramaticais suficientes, ou como diriam <strong>os</strong> Hupd'äh, não tem<br />

palavras, para que o exercício <strong>de</strong> tradução aconteça para <strong>de</strong>terminad<strong>os</strong> aspect<strong>os</strong> <strong>de</strong> sua cultura. As<br />

crianças que iniciam <strong>os</strong> estud<strong>os</strong> <strong>da</strong> língua portuguesa tem muita dificul<strong>da</strong><strong>de</strong> justamente por<br />

apren<strong>de</strong>rem palavras que não correspon<strong>de</strong>m as coisas que existem em suas al<strong>de</strong>ias, uma vez que em<br />

muit<strong>os</strong> cas<strong>os</strong>, não existirem cartilhas apropria<strong>da</strong>s para esse letramento. Os própri<strong>os</strong> professores<br />

Hupd'äh nesse processo se sentem enfraquecid<strong>os</strong>, uma vez que estes não tem instrument<strong>os</strong><br />

pe<strong>da</strong>gógic<strong>os</strong> apropriad<strong>os</strong> que p<strong>os</strong>sam facilitar essa transição. Essa foi uma <strong>da</strong>s gran<strong>de</strong>s reclamações<br />

<strong>de</strong>sses professores no processo <strong>de</strong> avaliação que tivem<strong>os</strong> oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> realizar em Taracuá na<br />

terceira etapa do Curso <strong>de</strong> Magistério .<br />

A terceira, e última questão <strong>de</strong>ssa comunicação, n<strong>os</strong> parece fun<strong>da</strong>mental, é o <strong>de</strong>bate sobre as<br />

práticas pe<strong>da</strong>gógicas e <strong>os</strong> process<strong>os</strong> <strong>de</strong> aprendizado, tais quais são <strong>de</strong>senvolvid<strong>os</strong> nesses curs<strong>os</strong><br />

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formação. Evi<strong>de</strong>ntemente que o que colocarem<strong>os</strong> a seguir vem a partir <strong>da</strong>s observações realiza<strong>da</strong>s<br />

como antropólogo nesses curs<strong>os</strong> <strong>de</strong> formação, e têm relação direta com aspect<strong>os</strong> essenciais que<br />

percebem<strong>os</strong> na cultura Hupd'äh, ou seja, <strong>de</strong> como estes vêem esse mundo, ou propriamente do<br />

entendimento que estes têm d<strong>os</strong> processo <strong>de</strong> aprendizad<strong>os</strong>, própri<strong>os</strong> e já utilizad<strong>os</strong> por eles. Para<br />

alguns velh<strong>os</strong>, <strong>de</strong>tentores <strong>de</strong> saber, com <strong>os</strong> quais tive a oportuni<strong>da</strong><strong>de</strong> <strong>de</strong> conversar, a escola na<strong>da</strong><br />

mais é que o lugar <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r coisas do mundo d<strong>os</strong> tëg-hoîn-däh, em última instância, e com<br />

tod<strong>os</strong> <strong>os</strong> seus sentid<strong>os</strong>; para eles ali se apren<strong>de</strong> a “sabedoria” d<strong>os</strong> branc<strong>os</strong> e o seu saber-fazer po<strong>de</strong><br />

ser obtido no lugar <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r, a escola. E essa sabedoria está associa<strong>da</strong> principalmente e<br />

sobretudo ao saber fazer. Presenciei um d<strong>os</strong> velh<strong>os</strong> Hupd'äh perguntar a<strong>os</strong> menin<strong>os</strong> que acabavam<br />

<strong>de</strong> sair <strong>da</strong> escola “quando vocês vão apren<strong>de</strong>r a fabricar uma espingar<strong>da</strong>”. Para um Hupd'äh a caça é<br />

o que existe <strong>de</strong> mais central <strong>de</strong> sua tradição, e faz parte <strong>de</strong> to<strong>da</strong>s as conversas no cotidiano. Para<br />

esse velho uma escola que não ensina saber-fazer as coisas d<strong>os</strong> branc<strong>os</strong> que lhes interessam, não é<br />

uma boa escola. Essa percepção ain<strong>da</strong> é vista hoje como evi<strong>de</strong>nte <strong>entre</strong> <strong>os</strong> Hupd'äh e n<strong>os</strong> coloca em<br />

um dilema importante nesse processo <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> professores indígenas (agentes <strong>da</strong> educação),<br />

quando estam<strong>os</strong> tentando sempre apresentar a cultura Hupd'äh no aprendizado <strong>da</strong> escola, veja, por<br />

exemplo, as temáticas coloca<strong>da</strong>s nesses curs<strong>os</strong>. De um lado, a prática pe<strong>da</strong>gógica coloca em<br />

evidência que a escola <strong>de</strong>ve m<strong>os</strong>trar aspect<strong>os</strong> e element<strong>os</strong> importantes <strong>da</strong> cultura Hupd'äh, e estes,<br />

em sua maioria, esperando que a escola m<strong>os</strong>tre a cultura d<strong>os</strong> branc<strong>os</strong>. Ou seja, a escola tal como<br />

formula<strong>da</strong>s por vári<strong>os</strong> senhores e senhoras Hupd'äh <strong>de</strong>veria <strong>da</strong>r o essencial para a compreensão do<br />

mundo d<strong>os</strong> tëg-hoîn-<strong>de</strong>, e isso não é muitas vezes compreendido pel<strong>os</strong> encarregad<strong>os</strong> que discutem e<br />

implementam <strong>os</strong> conteúd<strong>os</strong> <strong>de</strong>sses process<strong>os</strong> <strong>de</strong> formação nas áreas indígenas.<br />

(*) Uma primeira versão <strong>de</strong>sse texto foi apresenta<strong>da</strong> na mesa redon<strong>da</strong> intitula<strong>da</strong>: Intercuturali<strong>da</strong><strong>de</strong>, Educação e Pov<strong>os</strong><br />

Indígenas no V Encontro Anual <strong>de</strong> Bolsistas <strong>da</strong> Fun<strong>da</strong>ção Ford, organizado pela Fun<strong>da</strong>cão Carl<strong>os</strong> Chagas, em São<br />

Paulo, no dia 5 <strong>de</strong> Junho <strong>de</strong> 2008. Agra<strong>de</strong>ço <strong>os</strong> meus colegas <strong>de</strong> mesa pelo <strong>de</strong>bate <strong>de</strong>ssas idéias, comentári<strong>os</strong> <strong>de</strong> Fúlvia<br />

R<strong>os</strong>emberg, colegas do NEPE, Ilana laterman (UFSC), Ana Gomes (UFMG) e a leitura cui<strong>da</strong>d<strong>os</strong>a realiza<strong>da</strong> pela colega<br />

Georgia Silva (SSL).<br />

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