Bio pdf - Biotecnologia
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A Produção na<br />
Far-Manguinhos<br />
ENTREVISTA<br />
Entrevista concedida a<br />
Edmilson Silva<br />
A Indústria Farmacêutica no Setor Público<br />
Carioca da Penha, Eloan dos Santos Pinheiro, 56 anos, é um dos casos raros<br />
em que uma profissional bem-sucedida na iniciativa privada multinacional<br />
decide dar uma guinada na carreira e se entregar de corpo e alma ao setor<br />
público. E ela fez isso, há 11 anos, por acreditar que, na área em que decidiu<br />
trabalhar, a dos medicamentos, a função social devia sempre prevalecer sobre<br />
a ânsia por lucratividade a todo custo.<br />
Eloan já colhe, há algum tempo, os louros da troca acertada que fez ao deixar<br />
uma empresa multinacional pelo Instituto de Tecnologia de Fármacos, mais<br />
conhecido por Far-Manguinhos, um complexo que conjuga pesquisa básica,<br />
indústria e desenvolvimento tecnológico no campus de Manguinhos, Zona<br />
Norte do Rio de Janeiro, onde funciona a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).<br />
Nesta entrevista que ela deu a <strong>Bio</strong>tecnologia, entre uma reunião com um<br />
executivo indiano e um outro compromisso tão importante quanto este em sua<br />
agenda sempre apertada, Eloan demonstra estar feliz com as vitórias obtidas<br />
pelo Brasil na última reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em<br />
Doha, capital do Catar, na Arábia Saudita, mas faz questão de chamar atenção<br />
para a necessidade de serem criados instrumentos de regulamentação para o<br />
setor farmacêutico. “Seria necessário vincular uma cota do lucro da indústria<br />
farmacêutica para investimento em saneamento básico, por exemplo”, diz ela,<br />
ao citar proposta que já encaminhou ao Congresso Nacional com essa intenção.<br />
Embora comande uma das unidades da Fiocruz que tem funcionado como<br />
holofote para os sonhos do Ministro da Saúde, José Serra, Eloan reclama das<br />
amarras e dificuldades que tem de enfrentar no setor público para administrar<br />
por resultados, razão pela qual defende “flexibilidade com responsabilidade”,<br />
única forma de avançar mais do que já conquistou na administração de iniciativa<br />
pública no setor de medicamentos.<br />
Neste momento, Far-Manguinhos, cuja carteira de produção envolve 68<br />
medicamentos e último faturamento foi de R$ 140 milhões, desenvolverá sete<br />
produtos contra a Aids dos 12 que estão no mercado. No final de 2002, a Far-<br />
Manguinhos perderá Eloan para a área de consultoria.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Você tem pautado a<br />
sua administração em padrões privados.<br />
Porque o faz dessa forma? Isso é<br />
bom para o Brasil?<br />
Eloan – É bom para o Brasil porque, na<br />
verdade, não é uma visão empresarial<br />
que busca transformar Far-Manguinhos<br />
em uma indústria de alta lucratividade.<br />
É bom para a saúde pública porque o<br />
setor público tem obrigação de trabalhar<br />
pela promoção da saúde do povo<br />
brasileiro porque está sendo financiado<br />
por essa mesma população. Tenho que<br />
buscar resultados benéficos para essa<br />
população que nos paga.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Resultados benéficos<br />
em que?<br />
Eloan – O setor público tem responsabilidade<br />
de fazer drogas novas, medicamentos<br />
com qualidade e a preços<br />
absolutamente acessíveis, que possam<br />
ser bancados pelo que se recolhe de<br />
imposto da população, e que tenham<br />
altíssima eficácia. Isto pressupõe responsabilidade<br />
de missão, visão de futuro,<br />
foco nas doenças que atingem a<br />
maior parte da população brasileira,<br />
decorrentes da pobreza que afeta o<br />
nosso povo; tais como malária, tuberculose,<br />
Aids. Temos que dar uma solução<br />
de qualidade, mesmo estando em<br />
uma instituição pública.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Mas pautar-se dessa<br />
forma não é fácil, já que sabemos que<br />
existem muitas dificuldades no setor<br />
público.<br />
Eloan – Sim, há as amarras e elas não<br />
são poucas. Mas, apesar das amarras<br />
existentes que o tornam altamente atrasado<br />
em seus processos licitatórios, por<br />
exemplo, temos que estar atentos para<br />
o que precisa ser mudado.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Apesar dessas amarras,<br />
você tem obtido um sucesso atrás<br />
do outro. Qual deles você destacaria ?<br />
Eloan – Os sucessos fundamentais foram:<br />
haver criado um grupo de pesquisa<br />
em Far-Manguinhos, altamente qualificado;<br />
haver conseguido trazer para<br />
cá profissionais com conhecimento tecnológico<br />
muito bom. Também haver<br />
conseguido que todo o conjunto de<br />
PHDs que trabalha aqui dentro esteja<br />
mais intencionado em produzir qualidade<br />
para a sociedade muito mais do<br />
que desenvolver papers e, dessa forma,<br />
estar mais centrado em sua projeção<br />
nacional e internacional nesse mercado<br />
competitivo; haver conseguido organizar<br />
uma produção direcionada a<br />
doenças endêmicas e a medicamentos<br />
de uso contínuo e trabalhar em formulação<br />
que aumentem a adesão dos<br />
pacientes aos medicamentos de uso<br />
contínuo. Enfim, haver conseguido projetar<br />
a Fiocruz internacionalmente, a<br />
qual atualmente está participando de<br />
dois comitês internacionais, a Global<br />
Alliance, para o desenvolvimento de<br />
novas drogas que reduzam de seis<br />
meses para quatro meses o tratamento<br />
da tuberculose – área em que há 40<br />
4 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - - nº nº 23 23 - novembro/dezembro - 2001 2001
anos não se desenvolve uma droga<br />
nova porque não é uma área lucrativa<br />
– e em outro comitê, este em conjunto<br />
com os Médicos Sem Fronteira e também<br />
para o desenvolvimento de novas<br />
drogas contra malária, Leishmaniose e<br />
Trypanossoma Bergei, que atinge mais<br />
a população africana e provoca a doença<br />
do sono.<br />
Além disso, o que considero uma grande<br />
vitória foi a sensibilização em torno<br />
da Aids e o fato de mostrarmos que,<br />
mesmo em um país considerado em<br />
desenvolvimento, de Terceiro Mundo,<br />
podem-se fazer medicamentos eficazes,<br />
monitorar o processo de produção<br />
e revelar que os preços cobrados pelos<br />
medicamentos anti-retrovirais estavam<br />
muito altos se já se tem patente para<br />
novas drogas.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – São quantas essas<br />
patentes?<br />
Eloan – É uma família de patentes: a<br />
dos medicamentos que compõem o<br />
chamado coquetel anti-Aids. O melhor<br />
disso é não sermos acusados de copiadores<br />
simplesmente, uma vez que tivemos<br />
que reengenheirar para chegar às<br />
drogas, visto que não havia monografias,<br />
e isto teve que ser feito por nós,<br />
assim como o desenvolvimento dos<br />
padrões com esses inibidores de protease.<br />
Algumas dessas drogas chegarão<br />
ao mercado com a grife de desenvolvimento<br />
de pesquisadores genuinamente<br />
brasileiros. Nesse trabalho, contamos<br />
com a parceria com um grupo de<br />
químicos da Universidade Federal do<br />
Rio de Janeiro (UFRJ).<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – O caminho para o<br />
desenvolvimento de novos produtos<br />
de biotecnologia é esse da aproximação<br />
de lideranças, ou é possível fazer<br />
tudo sozinho?<br />
Eloan – Tudo o que você tenha que<br />
fazer, tem que seguir um esquema<br />
matricial, multidisciplinar. Para você<br />
chegar ao produto final, partindo de<br />
uma pesquisa básica, você, necessariamente,<br />
precisará passar por etapas que<br />
serão multidisciplinares. É indispensável<br />
conhecer bem o seu inimigo, seja<br />
ele o vírus HIV, da Aids, seja a micobactéria,<br />
da Tuberculose, ou o Plasmódio,<br />
da Malária, para, daí, escolher a melhor<br />
forma de ataque; uma molécula que<br />
pode ser obtida de uma planta, ou<br />
desenvolvida através de processos de<br />
biotecnologia, de DNA recombinante<br />
ou pelo método de análise combinatória<br />
de modelagem molecular, processos<br />
que a Far-Manguinhos faz, para que<br />
você tenha eficácia, atinja o seu alvo e<br />
o elimine. Essa molécula terá que ser<br />
criada de tal forma a penetrar dentro de<br />
uma célula Esse é o desenvolvimento<br />
tecnológico; compreende você trabalhar<br />
dentro dos guidlines internacionais,<br />
tendo em vista a reprodução da<br />
eficácia em ensaios repetitivos, mas<br />
necessários. Só assim, você determina<br />
os parâmetros. Depois disso, temos<br />
que ir para a parte da Farmacologia,<br />
estágio em que precisa também ficar<br />
demonstrado, de forma inequívoca, que<br />
a sua molécula consegue atingir o seu<br />
alvo, seja vírus, bactéria ou protozoário,<br />
etc. Temos Farmacologia aqui, mas<br />
nos sentimos na obrigação de submeter<br />
nossas experiências a outros grupos<br />
bons nessa ciência. O que nós não<br />
estamos bem é na área dos testes toxicológicos,<br />
em que temos um gap profundo,<br />
uma vez que não dispomos, no<br />
Brasil, de áreas de desenvolvimento de<br />
ensaios com animais roedores e nãoroedores.<br />
E esse é um definidor para a<br />
continuidade da pesquisa. Depois de<br />
ficar descartada a toxicidade, a carcinogenicidade,<br />
é que você pode patentear<br />
e partir para estabelecer uma parceria<br />
com o setor privado, de forma que<br />
produza a droga em larga escala. O<br />
passo seguinte é o screening clínico.<br />
Trabalha-se com interações, acordos,<br />
sigilo, investimento, para se chegar a<br />
um produto inovador.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – O gap que você aponta<br />
na área dos testes de toxicidade aqui no<br />
Brasil seria um dos principais problemas<br />
contra o desenvolvimento de novas<br />
drogas?<br />
Eloan – Esse gap é crucial, porque só<br />
temos um laboratório certificado, credenciado,<br />
para trabalhar com guidelines,<br />
que é o Unitox, de São Paulo.<br />
Temos outros laboratórios no País, mas<br />
esses estão capacitados apenas para<br />
fazer ensaios de toxicologia sub-aguda<br />
e aguda. Você não consegue chegar a<br />
um produto novo sem necessariamente<br />
passar por essas análises, que chegam<br />
a durar um ano. Enquanto tivermos<br />
esse gap, seremos obrigados a<br />
fazer interações com laboratórios internacionais,<br />
como os da Malásia, todos<br />
credenciados pela Organização Mundial<br />
de Saúde (OMS). Contamos também<br />
com o apoio de um ex-presidente da<br />
Fiocruz, Carlos Morel, atual presidente<br />
do TDR, um comitê voltado para as<br />
doenças infecto-contagiosas.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – E o apoio interno, por<br />
parte do Governo Federal, como está<br />
especificamente nessa área da toxicologia?<br />
Eloan – Estamos batalhando junto ao<br />
Ministério da Ciência e Tecnologia a<br />
fim de fazer ver ao Ministério da Saúde<br />
a necessidade de que seja criada uma<br />
área de serviços que seja ágil, competente,<br />
que forme mais toxicólogos para<br />
o ensaio de drogas, e que tenha flexibilidade,<br />
porque não pode ser uma coisa<br />
muito amarrada a processos. Só assim,<br />
se chegará lá. Do contrário, não dá.<br />
Particularmente, estou muito feliz com<br />
a proposta da Lei de Empresas de<br />
Inovação Tecnológica, que pressupõe<br />
a criação de empresas com toda a<br />
flexibilidade possível. Também devo<br />
lembrar que, pelo fato de o Brasil ser<br />
um país continental, será fundamental<br />
criar, ao mínimo, um laboratório desses<br />
em cada região.<br />
E a criação desses laboratórios será<br />
indispensável para que o Brasil pare de<br />
enviar essa quantidade absurda de dinheiro<br />
para o exterior com a compra de<br />
insumos farmacêuticos.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Quanto é que o Brasil<br />
gasta com a compra desses insumos?<br />
Eloan – Mais de US$ 2 bilhões.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Soma esta que poderia<br />
ser destinada para a pesquisa, para<br />
a formação de recursos humanos para<br />
o setor de toxicologia, por exemplo ?<br />
Eloan – Sim, mas é óbvio que perdemos<br />
muito tempo e agora teremos que<br />
eleger prioridades dentro do orçamento<br />
do Ministério da Ciência e da Tecnologia<br />
e precisamos estar atentos a isso.<br />
O que ainda me surpreende até a<br />
década de 80, é o fato de que as<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - - nº nº 23 23 - novembro/dezembro - 2001 2001 5
multinacionais ainda fabricavam os insumos<br />
aqui no país, mas quando entramos<br />
na década de 90, com a abertura<br />
total da globalização, elas simplesmente<br />
retiraram daqui a produção de antibiótico.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Então, quer dizer que<br />
a globalização foi ruim para o Brasil na<br />
área da indústria farmacêutica?<br />
Eloan – A globalização na área de<br />
medicamentos foi extremamente maléfica<br />
para os países que não tinham<br />
nenhum mecanismo de produção local,<br />
fossem essas fábricas próprias ou<br />
multinacionais. E isso fez com que<br />
tivéssemos que nos organizar em um<br />
comitê para traçar e propor ao Conselho<br />
Nacional de Saúde a necessidade<br />
de criar uma política para reverter esse<br />
quadro. Mas se isso vai acontecer ou<br />
não...<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Vai depender dos<br />
atores envolvidos no processo e que<br />
compreendam a necessidade estratégica<br />
proposta por vocês do comitê.<br />
Eloan – Isso. Dos atores governamentais,<br />
mais precisamente do Congresso<br />
Nacional, porque é lá que as definições<br />
de tarifa, de política, enfim, se decidem.<br />
A nossa proposta abrange todas as<br />
áreas, com atenção para a necessidade<br />
de definição de uma estratégia tecnológica<br />
para o setor.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Quais são as principais<br />
dificuldade para se levar em frente<br />
um trabalho sério como o que você e<br />
sua equipe desenvolvem em Far-Manguinhos?<br />
Eloan – A dificuldade que considero<br />
maior é a ausência de flexibilidade, que<br />
não tem possibilitado resultados mais<br />
rápidos. Disponho apenas de 50 funcionários<br />
públicos e tenho 600 pessoas<br />
trabalhando diretamente aqui dentro<br />
porque não posso contratar diretamente<br />
pela CLT (Consolidação das Leis<br />
Trabalhistas).<br />
Eu considero que quando um instituto<br />
como o nosso consegue propiciar uma<br />
economia de mais de R$ 400 milhões<br />
em internações para o Ministério da<br />
Saúde é incompreensível que você tenha<br />
que trabalhar com um orçamento<br />
por rubricas, algo incrivelmente entravador.<br />
Outro grande problema é uma unidade<br />
como esta não dispor de uma Procuradoria<br />
que possa julgar, com agilidade,<br />
os seus processos, o que faz perder<br />
tempo. O Governo teria que estudar<br />
como flexibilizar estruturas produtoras<br />
como a Far-Manguinhos e <strong>Bio</strong>-Manguinhos<br />
(unidade produtora de vacinas).<br />
Falo em flexibilidade com responsabilidade,<br />
mesmo que tenha que se colocar<br />
para fora gerentes que não correspondam,<br />
mas que se possa contratar e<br />
pagar salários dignos aos bons profissionais.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Não há como falar em<br />
dificuldades, sem se pensar nas prioridades<br />
para setor tão estratégico quanto<br />
o de medicamentos. Quais devem ser<br />
essas prioridades neste momento mundial?<br />
“...a criação desses laboratórios<br />
será indispensável para que o<br />
Brasil pare de enviar essa quantidade<br />
absurda de dinheiro para<br />
o exterior com a compra de<br />
insumos farmacêuticos”<br />
Eloan – Produção de antibióticos, porque<br />
não tê-los significa estar em uma<br />
situação de gargalo estratégico. Sempre.<br />
É só olhar para a situação dos<br />
Estados Unidos com a questão do antraz,<br />
e o que teve que ser feito? A<br />
quebra de patente, porque apenas os<br />
alemães da Bayer é que a detinham.<br />
Quando eu comecei na indústria, a<br />
Beecham fabricava no Brasil amoxilina,<br />
outros faziam ampicilina, outros<br />
ainda penicilina G, mas hoje quem é<br />
que está fabricando, aqui no Brasil, os<br />
antibióticos de uso em larga escala ?<br />
Não me pergunte que eu não sei.<br />
Praticamente, ninguém.<br />
Eu também daria prioridade aos insumos<br />
para os medicamentos de uso<br />
contínuo (hipertensão, diabetes, etc).<br />
Temos que ter a produção aqui no<br />
Brasil porque não se pode deixar uma<br />
população à mercê da falta desses<br />
produtos. Ainda falando em fármacos,<br />
trabalharia para garantir a oferta de<br />
medicamentos das chamadas doenças<br />
negligenciadas (malária, tuberculose,<br />
as hepatites) e os anti-retrovirais, que,<br />
graças à nova lei de patentes, são<br />
obrigados a produzir aqui, após três<br />
anos da concessão.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Já seria possível pensar<br />
em produção com vistas ao mercado<br />
externo?<br />
Eloan – O forte do mercado farmacêutico,<br />
ou seja 82% do faturamento, está<br />
nas mãos de Europa, Japão, Estados<br />
Unidos e Canadá. Mas temos 18% desse<br />
faturamento, o que representa US$ 400<br />
bilhões, em que o Brasil é o líder de<br />
faturamento e é um país cujo mercado<br />
interno é capaz de movimentar US$ 10<br />
bilhões. América Latina, Caribe e África<br />
não é um mercado para um grande<br />
produtor, mas, para uma empresa tecnológica<br />
como a Far-Manguinhos, é<br />
desenvolver e transferir a fim de que<br />
eles possam fazer a mesma coisa que<br />
conseguimos aqui. Para o empresário<br />
social, o foco é o do acesso à população<br />
e ser referência para outros países com<br />
características sócio-econômicas semelhantes<br />
às nossas.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Os grandes laboratórios<br />
estão se fundindo. Qual é a sua<br />
opinião sobre esse processo?<br />
Eloan – Isso é péssimo para a democratização<br />
do acesso aos medicamentos.<br />
A indústria farmacêutica tem por<br />
característica a excessiva concentração<br />
por especialidades. Há grandes fabricantes<br />
por classes terapêuticas. Hoje,<br />
todos os derivados das penicilinas V e<br />
G estão concentrados nas mãos de uma<br />
única empresa em todo o mundo. Quem<br />
tem a maior força potencial no campo<br />
dos beta-lactâmicos é um outro conglomerado.<br />
O que isso significa? Um domínio<br />
absoluto sobre a disponibilização<br />
do conhecimento, porque se eles decidirem<br />
não fornecer e se não forem<br />
obrigados por uma ONU (Organização<br />
das Nações Unidas), eles deixam morrer<br />
quem eles quiserem. Nós tínhamos<br />
oligopólios e hoje são grandiosíssimos<br />
monopólios por classe terapêutica.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – A ONU teria um instrumento<br />
com poder suficiente para<br />
rearrumar essa concentração de empresas<br />
para o bem da saúde pública ou<br />
seria necessária a criação dessa instância?<br />
Eloan – Eu não sei. A ONU, pela<br />
primeira vez, fez algo fundamental que<br />
foi a reunião sobre os medicamentos da<br />
Aids. Acho que o caminho é criar, em<br />
contraponto ao G7, um G dos outros<br />
países em favor dos excluídos, para<br />
promoção de direitos a uma vida digna.<br />
A ONU está começando a ter uma<br />
reflexão maior sobre isso e espero que<br />
aumente, que avance. Em termos mun-<br />
6 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - - nº nº 23 23 - novembro/dezembro - 2001 2001
diais, a cidadania precisa ser mais e<br />
mais difundida, mas a tomada de consciência<br />
mundial nessa área de democratização<br />
aos medicamentos só vai se<br />
ampliar com o trabalho direcionado<br />
das organizações não-governamentais.<br />
Elas têm liberdade para falar o que<br />
pensam e de fazer movimentos.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – É caro desenvolver<br />
um medicamento? Quanto tempo leva<br />
esse processo?<br />
Eloan – Uma formulação que obedeça<br />
a todos os critérios, tais como estudo de<br />
estabilidade, biodisponibilidade e bioequivalência<br />
leva um ano. O desenvolvimento<br />
da formulação não é cara,<br />
chega a custar em torno de R$ 400 mil<br />
reais, dependendo do valor do insumo<br />
empregado. O princípio ativo é que é<br />
responsável por cerca de 50% a 80% da<br />
formulação e depende da concentração<br />
em que ele entra no produto.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – E o desenvolvimento<br />
tecnológico completo, indo da pesquisa<br />
básica até o produto final, quanto<br />
custa?<br />
Eloan – Aqui no Brasil, estimamos que<br />
ele custe em torno de US$ 20 milhões<br />
a US$ 25 milhões; e temos um parâmetro<br />
para chegar a esse valor: um economista<br />
de uma organização não-governamental<br />
americana, James Lowe, calculou<br />
em US$ 58 milhões, para os<br />
países da OECD (Organização para<br />
Cooperação do Desenvolvimento Econômico),<br />
versus aqueles US$ 580 milhões<br />
apregoados pela indústria farmacêutica<br />
. Outro economista, um italiano,<br />
Dimasi, calcula que essa soma seja<br />
de US$ 100 milhões, isso já incluídos os<br />
salários, as perdas e as falhas.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Você é uma personalidade<br />
brasileira do setor farmacêutico,<br />
uma mulher realizada, reconhecida.<br />
Mesmo assim, você acalenta algum<br />
sonho para esse setor, algo que você<br />
ainda gostaria de realizar?<br />
Eloan – Meu grande sonho para a<br />
indústria farmacêutica, aqui no Brasil, é<br />
o de que ela produzisse, pelo menos,<br />
aquilo que fosse absolutamente necessário<br />
e fundamental para a saúde das<br />
pessoas e agisse naquelas patologias<br />
que são absolutamente crônicas. Ela<br />
precisa refletir para abdicar desse faturamento<br />
astronômico, da indústria mais<br />
lucrativa de todo o mundo. Isso é<br />
resultado de que se consomem medicamentos<br />
em demasia, sinal de que não<br />
há prevenção. É preciso lembrar que<br />
medicamentos são drogas que curam,<br />
mas também que trazem efeitos colaterais.<br />
“...e a criação desses laboratórios<br />
será indispensável<br />
para que o Brasil pare de<br />
enviar essa quantidade<br />
absurda de dinheiro para<br />
o exterior com a compra<br />
de insumos farmacêuticos”<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – A tecnologia aponta<br />
para fórmulas criadas em computador.<br />
E sobre isso o que temos de novo?<br />
Eloan – A ponta é a pessoa conseguir<br />
ter uma boa prospecção computacional,<br />
conhecer bem o DNA do agente<br />
causador da doença, e então utilizar as<br />
possibilidades de DNA recombinante.<br />
É o biofármaco, tecnologia em que se<br />
usa uma quantidade pequena de fármaco,<br />
mas que vai atingir diretamente o<br />
vírus ou bactéria ou protozoário. Caminhamos<br />
para o uso da dose única e não<br />
mais obrigar o paciente a ficar tomando<br />
várias pílulas durante o dia.<br />
“...o setor público tem obrigação<br />
de trabalhar pela promoção da<br />
saúde do povo brasileiro porque<br />
está sendo financiado por essa<br />
mesma população”<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Alguns anti-retrovirais<br />
já se incorporam em apenas uma<br />
pílula. As associações prometem aumentar?<br />
Eloan – Sim. Na área de tuberculose,<br />
por exemplo, isso já vem sendo feito<br />
também com a associação das drogas<br />
existentes em apenas um comprimido<br />
para aumentar a adesão. Em malária,<br />
também há iniciativas nesse sentido,<br />
com realização de estudos cinéticos e<br />
screening clínico, de forma que se<br />
avalie se estamos no caminho certo. As<br />
pessoas costumam abandonar o tratamento<br />
se são obrigadas a tomar várias<br />
pílulas por dia. Outra tendência é a do<br />
microencapsulamento das drogas quase<br />
de forma nanométrica, para otimizar<br />
a absorção das substâncias, o que<br />
pode significar, em futuro próximo,<br />
menor teor de dosagem.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Medicamento ou vacina?<br />
Eloan – Sou mais as vacinas, que são<br />
pouco desenvolvidas porque isso não<br />
interessa à indústria farmacêutica. Eles<br />
retardam o quanto podem o desenvolvimento<br />
das vacinas. A prevenção é a<br />
coisa mais fundamental, se bem que<br />
depois de uma certa idade, os medicamentos<br />
passem a ser indispensáveis. E<br />
alguns desses medicamentos são extremamente<br />
eficazes no crescimento<br />
do bem-estar e no prolongamento da<br />
vida das pessoas, uma benesse que<br />
temos que reconhecer na indústria<br />
farmacêutica. O problema é que essa<br />
mesma indústria vê medicamento como<br />
comércio e não como um bem social,<br />
razão pela qual ela precisa ser regulada,<br />
uma vez que medicamento não é<br />
algo da livre escolha do cidadão, mas<br />
sim da necessidade dele. O que tem<br />
que ser feito é saneamento, um programa<br />
alimentar para as crianças e nutrizes,<br />
com incentivo ao aleitamento,<br />
com vistas ao fortalecimento imunológico<br />
da população. Não consigo dissociar<br />
saúde de educação, de alimentação<br />
e de saneamento, enfim de condições<br />
dignas de vida, o que é obrigação<br />
do Estado.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia – Que benefícios poderiam<br />
ser obtidos com a regulação da<br />
indústria farmacêutica?<br />
Eloan – Sou da opinião de que, para<br />
conceder patente a uma empresa que<br />
desenvolveu um medicamento, o que<br />
significa a exploração daquele direito<br />
comercial durante 20 anos, deveria ser<br />
pré-requisito que essa indústria ficasse<br />
obrigada a aplicar um percentual daquele<br />
lucro em um fundo de investimento<br />
para desenvolvimento. Hoje o<br />
que acontece, apesar de algumas políticas<br />
equivocadas na área tributária, é<br />
que o Estado acaba sendo mais benéfico<br />
aos empresários, à medida que<br />
perdoa dívidas, renegocia. A indústria<br />
precisa ter responsabilidade social e<br />
não apenas ganhar mais e mais dinheiro.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - - nº nº 23 23 - novembro/dezembro - 2001 2001 7 7
Carta ao Leitor<br />
BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento<br />
KL3 Publicações<br />
Fundador<br />
Henrique da Silva Castro<br />
Direção Geral e Edição<br />
Ana Lúcia de Almeida<br />
Diretor de Arte<br />
Henrique S. Castro Fº<br />
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E-mail<br />
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A Revista <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento,<br />
traz nesta edição, importante entrevista com a Dra. Eloan dos<br />
Santos Pinheiro, do Instituto de Tecnologia de Fármacos, mais<br />
conhecido por Far-Manguinhos, um complexo que conjuga<br />
pesquisa básica, indústria e desenvolvimento tecnológico.<br />
Nesta oportunidade a Dra. Eloan Pinheiro chama a nossa<br />
atenção para a necessidade de serem criados instrumentos de<br />
regulamentação para o setor farmacêutico.<br />
Acreditamos que essa é a melhor forma para alcançarmos<br />
auto suficiência para a produção dos principais fármacos,<br />
notadamente os mais imprescindíveis para a população.<br />
Dr. Henrique da Silva Castro<br />
Departamento Comercial,<br />
Redação e Edição:<br />
SRTV/Sul - Quadra 701<br />
Ed. Palácio do Rádio II<br />
Sala 215 - CEP 70340-902<br />
Brasília - DF<br />
Tel.: (061) 225-1512 (061) 225-0976<br />
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Impressão: Gráfica São Francisco<br />
Fotolito: Ribelito<br />
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responsabilidade de seus autores.<br />
10 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />
ISSN 1414-4522
Conselho Científico<br />
Dr. Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal<br />
Dr. Henrique da Silva Castro - Saúde;<br />
Dr. Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia;<br />
Dr. João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal;<br />
Dr. Maçao Tadano - Agricultura;<br />
Dr. Naftale Katz - Saúde;<br />
Dr. Pedro Jurberg - Ciências;<br />
Dr. Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas;<br />
Dr. Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos;<br />
Dr. William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental.<br />
Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi<br />
Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia<br />
Fundação Dalmo Catauli Giacometti<br />
Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética;<br />
Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle <strong>Bio</strong>lógico;<br />
Dra. Marisa de Goes - Recursos Genéticos<br />
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN<br />
Dr. José Roberto Rogero<br />
Sociedade Brasileira de <strong>Bio</strong>tecnologia - SB<strong>Bio</strong>tec<br />
Dr. Luiz Antonio Barreto de Castro - EMBRAPA<br />
Dr. Diógenes Santiago Santos - UFRGS<br />
Dr. José Luiz Lima Filho - UFPE<br />
Dra. Elba P. S. Bon - UFRJ<br />
Colaboraram nesta edição:<br />
Adilson Kenji Kobayashi, Alessandra Machado,<br />
Alexandre Lima Nepomuceno, Ana Paula Frazzon,<br />
Ana Paula Guimarães, Andréa Almeida Carneiro,<br />
Andréa C. Fogaça, Andréa Queiroz Maranhão,<br />
Antônio Álvaro Corsetti Purcino, Antônio Miranda,<br />
Augusto Schrank, Beatriz Dolabela de Lima, Carolina<br />
Tereza Cequalini Rohr, César Milton Baratto, Claudia<br />
Teixeira Guimarães, Daniel M. Lorenzini, Edmilson<br />
Silva, Edilson Paiva, Elaina Daher, Eliane Esteves,<br />
Eloan dos Santos Pinheiro, Geraldo M. A. Cançado,<br />
Isabel Regina Prazeres de Souza, Janete A. Desidério<br />
Sena, João Carlos Bespalhok Filho, João Sarkis<br />
Yunes, José Renato Bouças Farias, Lourivaldo S.<br />
Pereira, Lucélia Santi, Luciano Nakazoto, Luís Carlos<br />
de Souza Ferreira, Luiz Filipe Protásio Pereira, Luiz<br />
Gonzaga Esteves Vieira, Luiza Castro, M. Teresa M.<br />
Miranda, Marcelo de Macedo Brígido, Marcelo R.<br />
Burgierman, Márcia Vanusa da Silva, Marcio de<br />
Oliveira Lásaro, Marcio O. Lasaro, Marcos A. Fázio,<br />
Maria do Carmo Bittencourt-Oliveira, Maria Helena S.<br />
Goldman, Mariana Cabral de Oliveira, Marilene<br />
Henning Vainstein, Melissa Camassola, Melissa<br />
Franceschini, Newton Portilho Carneiro, Norman<br />
Neumaier, Pedro I. da Silva Jr., Philippe Bulet, Sidney<br />
Netto Parentoni, Sirlei Daffre, Tetsuji Oya, Valéria<br />
Dutra, Vera Maria Carvalho Alves, Viviane Kogler.<br />
Entrevista<br />
Eloan dos Santos Pinheiro pág. 04<br />
Pesquisa<br />
Tolerância à seca em plantas pág 12<br />
Plantas produtoras de anticorpos pág 20<br />
A produção de insulina humana por engenharia genética pág 28<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia aplicada ao controle biológico pág 32<br />
Anticorpos humanizados pág 38<br />
Cianobactérias tóxicas pág 44<br />
Peptídeos antibióticos pág 48<br />
Novas perspectivas para adaptação de culturas ao Cerrado pág 56<br />
Laranja transgênica pág 62<br />
Vacinas de DNA multivalentes pág 68<br />
<strong>Bio</strong> Notícias pág. 72<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 11
PESQUISA<br />
TOLERÂNCIA À SECA EM<br />
PLANTAS<br />
Mecanismos fisiológicos e moleculares<br />
Alexandre Lima<br />
Nepomuceno<br />
Pesquisador da Embrapa Soja<br />
Ph.D. pela University of Arkansas<br />
em <strong>Bio</strong>logia Molecular e Fisiologia<br />
Vegetal<br />
anepo@cnpso.embrapa.br<br />
Norman Neumaier<br />
Pesquisador da Embrapa Soja<br />
Ph.D., pela University of Missouri em<br />
Fisiologia Vegetal<br />
José Renato Bouças Farias<br />
Pesquisador da Embrapa Soja<br />
Doutorado Pela Universidade Federal<br />
do Rio Grande do Sul em<br />
Agrometeorologia<br />
Tetsuji Oya<br />
Pesquisador do Jircas (Japan<br />
International Research Center for<br />
Agricultural Sciences)<br />
Doutorado pela University of Tokyo<br />
em Agronomy<br />
stresses abióticos, como a<br />
seca, podem reduzir significativamente<br />
os rendimentos<br />
das lavouras e restringir as<br />
latitudes e os solos onde<br />
espécies comercialmente importantes<br />
podem ser cultivadas.<br />
As implicações são enormes, uma<br />
vez que não somente produtores mas<br />
toda a sociedade é afetada. Desemprego,<br />
aumento no preço de alimentos e<br />
instabilidade no mercado financeiro são<br />
somente algumas das conseqüências.<br />
Previsões ambientais sinalizam para o<br />
aumento do aquecimento global nas<br />
próximas décadas. Um aumento dos<br />
períodos de seca certamente acompanharão<br />
esse fenômeno. O desenvolvimento<br />
de cultivares mais tolerantes a<br />
períodos de déficit hídrico, bem como<br />
o desenvolvimento de tecnologias que<br />
auxiliem as plantas a tolerar períodos<br />
prolongados de estiagem, serão essenciais<br />
na manutenção da produção agrícola<br />
brasileira e mundial em níveis que<br />
possam alimentar uma população em<br />
constante crescimento.<br />
A fisiologia das plantas e a biologia<br />
molecular desempenharão um papel<br />
chave nesse processo. Portanto, entender<br />
a tolerância das plantas à seca e<br />
como explorá-las, devem ser julgados<br />
não só como problemas de ordem agronômica,<br />
fisiológica ou ecológica, mas<br />
também como importante meta internacional<br />
de significância humanitária, econômica<br />
e política (van Rensburg, 1994).<br />
A identificação e a compreensão<br />
dos mecanismos de tolerância à seca<br />
são fundamentais no desenvolvimento<br />
de novas cultivares comerciais mais<br />
tolerantes ao déficit hídrico. A expressão<br />
de genes (ainda não caracterizados)<br />
em genótipos tolerantes a esse fator<br />
pode ser usada no estudo de mecanismos<br />
de tolerância à seca e para identificar<br />
outros genótipos com características<br />
similares. Tolerância das plantas à<br />
seca, claramente, não é uma característica<br />
simples, mas uma característica onde<br />
mecanismos trabalham isoladamente ou<br />
em conjunto para evitar ou tolerar períodos<br />
de déficit hídrico. Todas as mudanças<br />
fisiológicas, morfológicas e de<br />
desenvolvimento em plantas têm uma<br />
base molecular/genética. Portanto, genótipos<br />
que diferem em tolerância ao<br />
déficit hídrico devem apresentar diferenças<br />
qualitativas e quantitativas em<br />
expressão gênica. Uma resposta fisiológica<br />
específica ao déficit hídrico representa,<br />
na realidade, a combinação de<br />
eventos moleculares prévios, que foram<br />
ativados pela percepção do sinal de<br />
estresse. Compreender como esses eventos<br />
são ativados/desativados e como<br />
interagem entre si será essencial no<br />
desenvolvimento de novas variedades<br />
mais tolerantes a períodos de seca.<br />
Evolução: da água para a terra<br />
No início da sua evolução, há cerca<br />
de 1,5 bilhão de anos (Lehninger et al.,<br />
1993), as plantas passaram por inúmeras<br />
mudanças na sua estrutura e no<br />
processo fisiológico, que as capacitaram<br />
para sobreviver em ambientes relativamente<br />
secos. Essas mudanças resultaram<br />
de mutações genéticas e recombinações,<br />
que, através da seleção natural,<br />
permitiram às plantas sobreviverem<br />
e a se reproduzirem em ambientes com<br />
limitação de água. Evidências baseadas<br />
em microfósseis mostram que plantas<br />
adaptadas à terra originaram-se no início<br />
da era Paleozóica, possivelmente<br />
cerca de 450 a 470 milhões de anos<br />
(Pearson, 1995). É interessante mencionar<br />
que, das primeiras plantas terrestres<br />
às primeiras plantas com flores, transcorreram<br />
mais de 450 milhões de anos<br />
(Ingrouille, 1992). Isso é um exemplo<br />
dos imensos intervalos de tempo que<br />
separam os grandes passos de diferenciação.<br />
Esses intervalos possibilitaram a<br />
atuação conjunta das mutações genômicas<br />
e da seleção natural na constru-<br />
12 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
ção da atual diversidade da flora.<br />
Modificações drásticas no clima da<br />
terra dirigiram a seleção de plantas para<br />
uma maior tolerância à deficiência hídrica.<br />
Com o clima da terra tornando-se<br />
mais severo à medida que os continentes<br />
se moviam e que grandes massas de<br />
terra se tornavam expostas, desenvolveram-se<br />
adaptações estruturais e funcionais<br />
entre as plantas. Essas adaptações<br />
incluíram raízes, que permitiam a<br />
absorção de água e de minerais a partir<br />
de grandes volumes de solo; um sistema<br />
vascular, que permitia um rápido<br />
transporte da água e de produtos da<br />
fotossíntese; e uma cutícula bem desenvolvida,<br />
com estômatos, que permitia a<br />
entrada de dióxido de carbono, mas<br />
controlava a perda de água dos tecidos<br />
(Kramer e Boyer, 1995). O desenvolvimento<br />
de folhas, raízes e de outras<br />
estruturas adaptadas ajudou a aumentar<br />
a diversidade florística em diferentes<br />
ambientes terrestres. Plantas que mostram<br />
crescimento continuado ou melhorado<br />
sob condições hídricas limitadas<br />
são consideradas tolerantes à seca.<br />
Algumas espécies podem evitar a seca<br />
amadurecendo rapidamente antes que<br />
ela se inicie ou reproduzindo-se somente<br />
após a chuva (Alvim, 1985). Outras<br />
plantas toleram a desidratação, adiando-a<br />
através do desenvolvimento de<br />
raízes profundas ou fechando-se fortemente<br />
contra a transpiração ou acumulando<br />
grandes reservas de água em<br />
tecidos carnosos (Ingrouille, 1992). Ainda,<br />
outras espécies permitem a desidratação<br />
dos tecidos e toleram a falta de<br />
água, apresentando crescimento continuado<br />
mesmo quando desidratadas ou<br />
sobrevivendo a desidratações severas.<br />
Durante períodos de déficit hídrico,<br />
muitas mudanças ocorrem na planta.<br />
Essas mudanças dependem da severidade<br />
e da duração do estresse, do<br />
genótipo, do estádio de desenvolvimento<br />
e da natureza do estresse (Kramer,<br />
1983). A maioria dessas modificações<br />
visa a manter o crescimento e a<br />
reprodução da planta em ambientes<br />
com limitações na disponibilidade de<br />
água.<br />
Melhoramento Genético<br />
Do ponto de vista prático é muito<br />
difícil a imposição de estresse de seca,<br />
de forma controlada e reproduzível, às<br />
grandes populações de plantas normalmente<br />
usadas em programas de melhoramento.<br />
Monitoramentos abrangentes<br />
Figura 1. A perda de água pela célula altera o potencial de pressão<br />
(tensão física; turgor) e o potencial osmótico (concentração) dessas<br />
células. Isso provoca alterações na membrana celular e em vários de<br />
seus componentes assim como na concentração celular de<br />
metabólitos. Alterações na conformação da membrana celular<br />
provocam mudanças em canais de transporte ativados por pressão,<br />
modificam a conformação ou a justaposição de proteínas sensoriais<br />
críticas embebidas nas membranas celulares, e alteram a continuidade<br />
entre a parede celular e membrana celular. Estas modificações ativam<br />
complexos enzimáticos, que iniciam uma cascata de eventos<br />
moleculares que levam à indução da expressão de várias categorias de<br />
genes<br />
do crescimento e de parâmetros fisiológicos<br />
raramente têm sido usados para<br />
selecionar plantas mais produtivas em<br />
ambientes com déficit hídrico (Basnayake<br />
et al., 1995). Melhoristas de<br />
plantas têm tentado selecionar plantas<br />
com tolerância à seca a partir de grandes<br />
populações, entretanto, altos rendimentos<br />
e resistência a doenças têm sido<br />
os alvos finais das análises. Esse enfoque<br />
experimental na seleção de plantas<br />
para tolerância ao estresse hídrico tem<br />
sido o método escolhido na quase totalidade<br />
dos casos (Simpson, 1981). A<br />
maioria dos enfoques, meramente identifica<br />
plantas com altos ou baixos rendimentos,<br />
porque o critério final de seleção<br />
é um simples índice, tal como<br />
rendimento de grãos ou produção de<br />
biomassa na época da colheita.<br />
Tais enfoques geralmente têm falhado<br />
em revelar as características genéticas<br />
individuais que afetam a tolerância<br />
à seca e que poderiam ser seletivamente<br />
orientadas para recombinação<br />
adicional. Características genômicas de<br />
uma planta que apresenta, por exemplo,<br />
tolerância ao estresse de seca na<br />
antese, ou escape ao estresse de seca no<br />
enchimento dos grãos, combinado com<br />
tolerância a períodos curtos de estresse<br />
de pequena magnitude, podem ser perdidas<br />
(Simpson, 1981). Um enfoque<br />
reducionista terá sucesso limitado porque<br />
o balanço ótimo da conservação de<br />
água e a absorção de carbono são<br />
alcançados, não pela variação de uma<br />
única resposta, mas pela combinação<br />
de diversas respostas diferentes a um<br />
nível que equivale à severidade e à<br />
duração do déficit hídrico (McCree e<br />
Fernandez, 1989). A maior limitação<br />
para o melhoramento genético da tolerância<br />
ao déficit hídrico em plantas é o<br />
conhecimento insuficiente sobre as bases<br />
fisiológicas, moleculares e genéticas<br />
das respostas das plantas ao déficit.<br />
Essas considerações reforçam a necessidade<br />
de um enfoque sistemático nos<br />
estudos de estresse hídrico, com maior<br />
ênfase nas diferenças genéticas entre os<br />
genótipos (van Rensburg, 1994).<br />
Respostas Moleculares<br />
As plantas contêm cerca de 10 10 a<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 13
10 11 pares de bases de nucleotídeos nas<br />
suas moléculas de ADN, os quais podem<br />
representar de 50.000 a 100.000<br />
genes (Lehninger et al., 1993). Entretanto,<br />
assim como em outros organismos<br />
superiores, somente uma pequena porção<br />
desses genes é expressa, num dado<br />
momento, pelas células da planta. É a<br />
escolha de quais genes serão expressos<br />
que determina todos os processos vitais.<br />
A comparação da expressão gênica<br />
em diferentes células e organismos poderia<br />
fornecer a informação básica necessária<br />
para a análise dos processos<br />
biológicos que controlam a maneira<br />
como os organismos respondem a diferentes<br />
situações (Liang e Pardee, 1992).<br />
O déficit hídrico em plantas inicia<br />
um complexo de respostas, começando<br />
com a percepção do estresse, o qual<br />
desencadeia uma cascata de eventos<br />
moleculares que é finalizada em vários<br />
níveis de respostas fisiológicas, metabólicas<br />
e de desenvolvimento (Bray,<br />
1993). As rotas de transmissão dos sinais<br />
moleculares de percepção do estresse<br />
(signal-transduction pathways) em plantas<br />
não têm sido muito estudadas. Entretanto,<br />
os modelos propostos para<br />
animais, leveduras e bactérias assemelham-se<br />
entre si, sugerindo que, provavelmente,<br />
os sistemas vegetais de percepção<br />
de estresse também sejam semelhantes<br />
aos da maioria dos seres<br />
vivos (Shinozaki e Yamaguchi-Shinozaki,<br />
1999).<br />
Os modelos de percepção do estresse<br />
sendo estabelecidos para vegetais<br />
superiores mostram que a mudança no<br />
volume de células individuais de uma<br />
raiz ou outro órgão submetido à desidratação<br />
altera o potencial de pressão<br />
(tensão física; turgor) e o potencial<br />
osmótico (concentração) dessas células.<br />
Isso provoca alterações na membrana<br />
celular e em vários de seus componentes,<br />
assim como na concentração<br />
celular de metabólitos. Alterações na<br />
conformação da membrana celular provoca<br />
mudanças em canais de transporte<br />
ativados por pressão, modifica a conformação<br />
ou a justaposição de proteínas<br />
sensoriais críticas embebidas nas<br />
membranas celulares, e altera a continuidade<br />
entre a parede celular e a<br />
membrana celular. Essas modificações<br />
ativam complexos enzimáticos, que iniciam<br />
uma cascata de eventos moleculares<br />
e que levam à indução da expressão<br />
de várias categorias de genes (Hare et<br />
al., 1996; Shinozaki e Yamaguchi-Shinozaki,<br />
1996, 1997, 1999). Alguns dos<br />
mecanismos de percepção que estão<br />
sendo estudados hoje em plantas são: a<br />
atividade de kinases de histidina, envolvendo<br />
a proteína sensora EnvZ e o fator<br />
de transcrição OmpR (Shinozaki e Yamaguchi-Shinozaki,<br />
1999); as kinases<br />
ativadas por Mitogen, MAPK – Mitogen-<br />
Activated Protein Kinase (Jonak et al.,<br />
1996); as kinases dependentes de cálcio<br />
(Urao et al., 1994); a Fosfolipase C,<br />
atuando no metabolismo de produção<br />
de Inositol di e tri-fosfato e sua função<br />
nas liberações de cálcio no citoplasma,<br />
onde cálcio e calmodulin funcionariam<br />
como uma chave molecular na rota de<br />
transmissão do sinal de estresse (Munnik,<br />
et al., 1998); as proteínas DREB,<br />
que aderem a seqüências de ADN presentes<br />
em regiões promotoras de genes<br />
expressos durante a desidratação, as<br />
Dehydration Responsive Elements Binding<br />
proteins – DREB proteins (Kasuga<br />
et al., 1999); as seqüências promotoras<br />
responsivas ao ácido abscísico (Abscisic<br />
Acid - ABA)(Abe et al., 1997); etc.<br />
Genes induzidos pelo déficit hídrico<br />
promovem: tolerância da célula à desidratação;<br />
funções de proteção no citoplasma;<br />
alterações no potencial osmótico<br />
celular para aumentar a absorção de<br />
água; controle da acumulação de íons;<br />
regulação adicional de expressão gênica;<br />
metabolização de compostos degradados<br />
pelo estresse; etc (Bray, 1993;<br />
Bray, 1997; Nepomuceno et al., 2000).<br />
Acredita-se que muitos dos produtos de<br />
genes induzidos pelo déficit hídrico<br />
possam proteger as estruturas celulares<br />
dos efeitos da perda de água (Boyer,<br />
1996; Alvin et al., 2001). Entretanto, a<br />
expressão dos genes durante o estresse<br />
não garante que um produto gênico<br />
promova a habilidade da planta em<br />
sobreviver ao estresse (Bray, 1993). A<br />
expressão de alguns genes pode resultar<br />
de ferimento ou dano que tenha<br />
ocorrido durante o estresse. No entanto,<br />
alguns genes são necessários para a<br />
tolerância ao estresse, e a acumulação<br />
dos produtos da expressão desses genes<br />
pode tornar-se uma resposta adaptativa<br />
(Bray, 1993; Bray, 1997), assim<br />
como a desativação da expressão de um<br />
gene pode também estar ligada ao aumento<br />
da tolerância ao estresse (Nepomuceno<br />
et al., 2000).<br />
Ajuste Osmótico<br />
Uma das mais bem documentadas<br />
respostas fisiológicas/moleculares ao déficit<br />
hídrico em plantas é a habilidade de<br />
algumas espécies de ajustar osmoticamente<br />
suas células. Durante a seca,<br />
plantas superiores ativamente acumulam<br />
açúcares, ácidos orgânicos e íons<br />
no citosol para diminuir o potencial<br />
osmótico e, conseqüentemente, manter<br />
o potencial hídrico e o turgor de suas<br />
células próximo do nível ótimo (Bray,<br />
1993, 1997). Quando o turgor é mantido,<br />
processos como condutância estomática,<br />
taxa de assimilação de CO 2<br />
e<br />
expansão dos tecidos são total ou parcialmente<br />
mantidos (Ludlow, 1987; Nepomuceno<br />
et al., 1998).<br />
Mudanças no potencial osmótico<br />
causado pela concentração de solutos,<br />
resultante da perda de água e aquelas<br />
causadas pela acumulação ativa de solutos<br />
são distintas. Na ausência de acumulação<br />
de solutos o potencial osmótico<br />
é inversamente relacionado com o<br />
volume osmótico. Reduções no potencial<br />
osmótico ocorrem pelo aumento na<br />
concentração de solutos presentes na<br />
célula túrgida. O ajuste osmótico, portanto,<br />
ocorrerá somente se ocorrer a<br />
acumulação ativa de solutos, propiciando,<br />
em várias espécies (Guo e Oosterhuis,<br />
1997), o aumento na capacidade<br />
de tolerar períodos curtos de seca.<br />
Existe considerável variação, entre diferentes<br />
culturas, na capacidade de ajuste<br />
osmótico e isso deve ser considerado ao<br />
se medir a habilidade da cultura em<br />
suportar a seca. Tem sido observada<br />
alta capacidade de ajuste osmótico em<br />
espécies como o sorgo e o algodão;<br />
ajustes mais moderados são observados<br />
em girassol, enquanto o trigo e a soja<br />
normalmente apresentam baixa capacidade<br />
de ajuste (Oosterhuis e Wullschleger,<br />
1988).<br />
A capacidade de aumentar a tolerância<br />
à seca ocasionada pelo ajuste<br />
osmótico em algumas espécies tem sido<br />
relacionada com a diminuição do potencial<br />
osmótico e com a retenção de<br />
água dela decorrente (Jamaux et al.,<br />
1997). Entretanto, a geração de moléculas<br />
que buscam e destroem (scavenging)<br />
radicais livres pode, também, ser<br />
uma das causas da redução do potencial.<br />
O estresse hídrico quebra o equilíbrio<br />
oxidativo/redutivo (redox) em várias<br />
organelas celulares, como os cloroplastos.<br />
O declínio na funcionalidade<br />
dos cloroplastos, inevitavelmente, leva<br />
à geração de espécies com radicais de<br />
oxigênio altamente reativos (Hare et al.,<br />
1996). Assim, a real função do ajuste<br />
osmótico poderia estar potencialmente<br />
ligada à eliminação de radicais livres,<br />
14 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
mas gerando, como função adicional, a<br />
retenção de água (Hare e Cress, 1997).<br />
Proteínas Lea<br />
(Late embryogenesis abundant)<br />
Um grupo de genes que têm sido<br />
considerados como adaptativo à seca e<br />
que tem sido identificado em vários<br />
trabalhos que analisam respostas de<br />
plantas à falta de água, codifica as<br />
proteínas Lea. Essas proteínas foram<br />
identificadas, pela primeira vez, como<br />
genes expressos durante as fases de<br />
maturação e dessecação do desenvolvimento<br />
de sementes (Bray, 1993; Bohnert<br />
et al., 1995; Zhu et al., 1997). A<br />
maioria dos produtos dos genes Lea é<br />
predominantemente hidrofílica, básica<br />
na composição de aminoácidos, sem<br />
Cys e Trp e com localização no citoplasma<br />
(Dure, 1993). Proteínas Lea podem<br />
ser categorizadas em, no mínimo, seis<br />
subgrupos, baseados na seqüência de<br />
aminoácidos e na sua cinética da expressão<br />
(Dure, 1993). Muitos estudos<br />
sobre Lea e outras proteínas relacionadas<br />
com a desidratação mostram que<br />
proteínas similares se acumulam quando<br />
o sinal do ambiente é déficit hídrico,<br />
baixas temperaturas, pressão osmótica<br />
externa aumentada, dessecação do<br />
embrião ou aplicação do hormônio<br />
vegetal ABA (Shinozaki e Yamaguishi-<br />
Shinozaki, 1996). As prováveis funções<br />
dos genes Lea são relacionadas com<br />
seqüestro de íons, proteção de membranas<br />
e naturação de proteínas (chaperonas)<br />
e retenção de água (Bray,<br />
1993; Dure, 1993; Zhu et al., 1997).<br />
Possivelmente, esse grupo diverso de<br />
proteínas serve a mais de uma simples<br />
função (Zhu et al., 1997). Entretanto, a<br />
extrema hidrofilia apresentada por quase<br />
todas as proteínas Lea e sua expressão<br />
abundante durante a maturação e o<br />
estresse de dessecação celular (Dure,<br />
1993), certamente implica na função de<br />
proteção das estruturas celulares.<br />
Proteínas de Choque Térmico<br />
Proteínas de choque térmico (Heat-<br />
Shock Proteins – HSP) são outro grupo<br />
de produtos de genes usualmente encontrados<br />
em plantas submetidas ao<br />
déficit hídrico (Joshi e Nguyen, 1996).<br />
Como o nome sugere, HSP foram identificadas<br />
pela primeira vez como respostas<br />
ao estresse de calor. Entretanto,<br />
a habilidade de responder ao choque<br />
de temperatura moderada pela síntese<br />
de HSP, dentro de duas horas do choque,<br />
é uma resposta geral que tem sido<br />
também observada em micróbios, em<br />
animais e em plantas submetidas ao<br />
déficit hídrico (Harborne, 1997). O tratamento<br />
de plantas de soja por duas<br />
horas a 40 0 C faz com que tolerem<br />
temperaturas de 45 0 C por outras duas<br />
horas. Tipicamente, sem esse pré-tratamento,<br />
plantas de soja não sobrevivem<br />
a uma exposição direta a 45 0 C (Harborne,<br />
1997).<br />
As HSP são altamente conservadas e<br />
diversas classes têm sido descritas em<br />
eucariotos, inclusive em plantas. Elas<br />
são designadas pelos seus pesos moleculares<br />
aproximados em KDa (e.g.,<br />
HSP110, HSP90, HSP70, HSP60) (Cooper,<br />
1997). As famílias de HSP70 e<br />
HSP60 parecem ser particularmente<br />
importantes nas rotas gerais de dobramento<br />
(naturação) de proteínas em células<br />
de eucariotos e procariotos. Ambas<br />
as famílias funcionam ligando-se às<br />
regiões não dobradas das cadeias peptídicas,<br />
sugerindo que sua função possa<br />
estar relacionada com a manutenção da<br />
correta estrutura terciária de certas proteínas<br />
(Cooper, 1997).<br />
A maior parte das HSP provavelmente<br />
funcione como chaperones, que<br />
ajudam no correto dobramento ou na<br />
prevenção da desnaturação das proteínas<br />
(Zhu et al., 1993). Apesar de algumas<br />
HSP ser normalmente produzidas<br />
pela célula, durante situações de estresse<br />
há um aumento na produção de HSP.<br />
Como o estresse promove a desnaturação<br />
e a agregação de proteínas, uma<br />
maior síntese de HSP ajudaria a proteger<br />
essas proteínas durante o estresse<br />
osmótico que ocorre após a desidratação<br />
da célula (Zhu et al., 1997).<br />
Prolina<br />
Uma das mais bem estudadas respostas<br />
das plantas ao déficit hídrico é a<br />
acumulação de prolina nas células. A<br />
acumulação desse aminoácido é resultado<br />
do aumento no fluxo de glutamato,<br />
que é metabolizado pela Pirrolina-5-<br />
Carboxilato Sintetase (P5CS), enzima<br />
que regula a taxa de biossíntese de<br />
prolina (Hare e Cress, 1997), bem como<br />
de um decréscimo no catabolismo da<br />
prolina (Stewart et al., 1977). A enzima<br />
Pirrolina-5-Carboxilato Redutase (P5CR),<br />
responsável pela transformação da Pirrolina-5-Carboxilato<br />
(P5C) em prolina,<br />
tem sua expressão regulada por mudanças<br />
no potencial osmótico do citoplasma<br />
(Williamson e Slocum 1992).<br />
Um decréscimo no potencial osmótico<br />
da célula leva a um aumento na síntese<br />
de P5C e, conseqüentemente, a um<br />
aumento na síntese de prolina. A acumulação<br />
de prolina em células vegetais<br />
submetidas a estresse hídrico tem sido<br />
sugerida como um mecanismo de ajuste<br />
osmótico (Delauney e Verma, 1993).<br />
Entretanto, alguns autores sugerem<br />
outras funções para o acúmulo de prolina,<br />
como: estabilizador de estruturas<br />
sub-celulares (Schobert e Tschesche,<br />
1978); scavenger de radicais livres (Saradhi<br />
et al., 1995); depósito de energia<br />
(Hare e Cress, 1997); componente da<br />
cascata de sinalização molecular do<br />
estresse (Werner e Finkelstein, 1995); e<br />
constituinte principal de proteínas da<br />
parede celular de plantas (Nanjo et al.,<br />
1999). Enquanto vários trabalhos indicam<br />
uma alta correlação entre o acúmulo<br />
de prolina e o aumento da tolerância<br />
à seca, outros sugerem que o acúmulo<br />
é simplesmente um efeito do estresse<br />
(Delauney e Verma, 1993; Madan et al.<br />
1995).<br />
Assim como o acúmulo de prolina,<br />
o acúmulo de polióis, tais como manitol,<br />
sorbitol, inositol, mio-inositol e pinitol<br />
(e seus derivados), também tem sido<br />
correlacionado com a tolerância à seca<br />
e/ou à salinidade (Bohnert et al., 1995;<br />
Guo e Oosterhuis, 1997).<br />
Aquaporinas<br />
(Water Channel proteins)<br />
A regulação do potencial osmótico e<br />
a compartimentalização de íons ocorre<br />
à custa do gradiente eletroquímico de<br />
H+ e do controle integrado de diferentes<br />
ATPases e de outros transportadores<br />
associados com membranas celulares<br />
(Bray, 1993). Alguns desses transportadores<br />
são proteínas de estrutura semelhante<br />
à tubular, que atravessam as<br />
membranas celulares. Membros dessa<br />
família de proteínas, também chamadas<br />
de Aquaporinas, formam canais águaespecíficos<br />
para íons ou solutos (Bray,<br />
1993), como observado com a proteína<br />
y-TIP (Tonoplast Intrinsic Protein), que<br />
forma canais água-específicos quando<br />
expressa em células modelo de Xenopus<br />
oocytes. À medida que as proteínas<br />
canal acumulam-se no tonoplasto (membrana<br />
do vacúolo) durante o estresse, o<br />
movimento da água e dos solutos do<br />
vacúolo para o citoplasma é promovido<br />
alterando tanto o teor de água quanto o<br />
potencial osmótico do citoplasma (Mau-<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 15
el et al., 1993). Yamada et al. (1995)<br />
identificaram transcritos (ARNm) de proteínas,<br />
major intrinsic proteínas (MIP),<br />
cuja abundância muda sob estresse de<br />
salinidade em plantas de gelo (Mesembryanthemum<br />
crystallinum) que são<br />
adaptadas ao crescimento em altos níveis<br />
de sódio, sob seca e baixas temperaturas.<br />
Essas MIP’s mostram homologia<br />
com aquaporinas de plantas que<br />
foram encontradas, principalmente, em<br />
células envolvidas no fluxo hídrico, tais<br />
como as da epiderme da raiz, as de<br />
pontas de raiz, e as de áreas circundantes<br />
às células do xilema em raízes (Bohnert<br />
et al., 1995). Canais de água<br />
facilitam o fluxo hídrico ao longo do<br />
gradiente osmótico existente. A expressão<br />
de aquaporinas do tonoplasto e da<br />
membrana celular (plasmalema) tem<br />
sido correlacionada também com a elongação<br />
celular (Yamaguchi-Shinozaki et<br />
al., 1992; Daniels et al., 1994).<br />
Ácido Abscísico<br />
Os genes induzidos pela deficiência<br />
hídrica estudados até hoje, na sua maioria,<br />
são também induzidos pelo fitohormônio<br />
ácido abscísico (Abscisic Acid<br />
- ABA) (Bray, 1993; Wu et al., 1997).<br />
Com base nessa informação, ABA é o<br />
melhor candidato a ser visto como um<br />
segundo mensageiro na mediação entre<br />
o sinal ambiental indutivo e a resposta<br />
molecular, fisiológica e/ou morfológica<br />
(Bray, 1993). Além das evidências<br />
de que o ABA afeta as respostas à seca,<br />
à salinidade e ao estresse de frio, também<br />
foi demonstrado que está envolvido<br />
na embriogênese, na indução de<br />
proteínas de reserva da semente, na<br />
dormência, na abscisão, na germinação<br />
das sementes, no crescimento, no controle<br />
da abertura estomática e no geotropismo<br />
(Arteca, 1996).<br />
Muitas as mudanças nos níveis de<br />
ARNm observadas durante a seca refletem<br />
ativação transcripcional (Ingram e<br />
Bartels, 1996). Tratamento com ABA<br />
pode, também, induzir essas mudanças.<br />
Assim, seqüências de ADN atuando em<br />
cis ou trans (cis- / trans-acting elements)<br />
envolvidos na expressão gênica<br />
induzida pelo ABA podem agora ser<br />
estudadas (Ingram e Bartels, 1996). O<br />
elemento cis- mais bem caracterizado<br />
no contexto de resposta à aplicação de<br />
ABA é o elemento ABRE (ABA Responsive<br />
Element), que contém a seqüência<br />
palindrômica conservada ACGTGGC<br />
(Abe et al., 1997). Essa seqüência tem<br />
sido encontrada na região promotora<br />
de genes induzidos pelo ABA (Ingram e<br />
Bartels, 1996). Shinozaki e Yamaguchi-<br />
Shinozaki (1999) sugerem que genes<br />
induzidos por deficiência hídrica são<br />
ativados por duas rotas de percepção e<br />
transmissão do sinal de estresse: uma<br />
ABA-dependente e outra ABA-independente.<br />
Açúcares<br />
Açúcares solúveis têm sido também<br />
relatados como agentes protetores durante<br />
a desidratação celular (Leprince et<br />
al., 1993; Boyer, 1996). A trehalose é um<br />
dos mais efetivos osmoprotetores, em<br />
termos de concentração mínima requerida.<br />
É um disacarídio que, por várias<br />
décadas, tem sido relatado em bactérias,<br />
fungos e leveduras como um dos<br />
responsáveis pela capacidade desses<br />
organismos de tolerar altos níveis de<br />
desidratação (Müller et al., 1995). Somente<br />
no final da década passada foi<br />
identificado em plantas superiores (Goddijn<br />
et al., 1997). A dificuldade na<br />
identificação de trehalose, provavelmente,<br />
foi devido à alta atividade da<br />
enzima trehalase em plantas superiores.<br />
Trehalose liga-se às membranas celulares<br />
e diminui sua temperatura de fusão,<br />
mantendo-as, assim, na sua fase líquido-cristalina.<br />
(Crowe et al., 1993). Além<br />
disso, age como estabilizador de enzimas<br />
(Carpenter et al., 1987) e vesículas<br />
(Crowe et al., 1983) durante a desidratação,<br />
o que permite que a célula mantenha<br />
suas funções por períodos maiores.<br />
Durante déficit hídrico moderado, o<br />
potencial hídrico pode ser mantido pelo<br />
ajuste osmótico e os açúcares podem<br />
servir como solutos compatíveis baixando<br />
o potencial. Exemplos disso estão<br />
em plantas ressurectas, como Craterostigma<br />
plantagineum e plantas sensíveis<br />
à seca, como espinafre (Spinacea<br />
oleracea), que aumentam a síntese de<br />
sacarose durante o déficit hídrico (Ingram<br />
e Bartels, 1996).<br />
Outra interessante forma dos açúcares<br />
protegerem as células durante a<br />
desidratação é pela formação de estruturas<br />
vítreas. Ao invés da cristalização<br />
de solutos, através da presença de açúcares,<br />
um líquido supersaturado é produzido<br />
com propriedades mecânicas<br />
de um sólido (Koster, 1991). Esse tipo<br />
de estrutura tem sido associado com a<br />
manutenção da viabilidade de sementes<br />
de milho (Williams e Leopold, 1989).<br />
Outros Genes Expressos<br />
Durante o Déficit Hídrico<br />
Ubiquitina é um polipeptídio com<br />
76 aminoácidos e tem sido encontrado<br />
em todos os eucariotos. Sua seqüência<br />
de aminoácido é uma das mais bem<br />
conservadas na natureza. O seu papel<br />
é o de “etiquetar” proteínas que estão<br />
destinadas a ser rapidamente proteolizadas<br />
no citosol (Lam, 1997). Assim,<br />
sua expressão é usualmente observada<br />
durante o déficit hídrico (Bray, 1993;<br />
Zhu et al., 1997).<br />
Como a degradação de proteínas é<br />
geralmente alta durante a desidratação<br />
celular, seria de se esperar que sistemas<br />
de reparo sejam normalmente expressos<br />
durante situações de estresse. Um<br />
exemplo que ilustra essa situação é a<br />
observação de que a produção da enzima<br />
L-Isoaspartil metiltransferase é induzida<br />
durante a desidratação celular.<br />
Essa enzima converte resíduos modificados<br />
de L-isoaspartil em proteínas<br />
danificadas, transformando-os novamente<br />
em resíduos de L-aspartil e,<br />
assim, restabelecendo a atividade da<br />
proteína que estava danificada (Mudgett<br />
e Clarke, 1994).<br />
Considerações Finais<br />
Previsões ambientais sinalizam para<br />
um recrudescimento do aquecimento<br />
global nas próximas décadas e situações<br />
de secas, muito provavelmente,<br />
acompanharão esse evento. O desenvolvimento<br />
de novos genótipos de plantas,<br />
mais tolerantes a períodos prolongados<br />
de déficit hídrico, será essencial<br />
para que a agricultura continue alimentando<br />
e vestindo a crescente população<br />
mundial, assim como, gerando empregos<br />
e movimentando a economia mundial.<br />
O uso de técnicas agronômicas<br />
novas e tradicionais, que reduzam as<br />
perdas na agricultura e aumentem a<br />
produtividade deverá ter prioridade<br />
entre as estratégias governamentais das<br />
nações. Nesse contexto, a biotecnologia,<br />
em especial a biologia molecular,<br />
terá papel fundamental no futuro da<br />
agricultura mundial. O conhecimento<br />
nessa área ainda é incipiente. A evolução<br />
do conhecimento sobre os mecanismos<br />
de tolerância à seca em várias<br />
espécies, através do estudo de genomas<br />
funcionais e proteomas, fornecerá<br />
informações preciosas para o desenvolvimento<br />
de genótipos capazes de<br />
tolerar períodos de déficit hídrico sem<br />
16 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
que a produtividade seja prejudicada substancialmente.<br />
A difusão de novas técnicas<br />
moleculares, como os microarranjos de<br />
ADN (DNA Microarrays), está permitindo<br />
a identificação de rotas metabólicas ativadas<br />
ou desativadas, assim como, a visualização<br />
das centenas de interações que<br />
ocorrem, em âmbito transcripcional e proteômico,<br />
em resposta a eventos de estresse.<br />
Com isso, está sendo possível delinear<br />
estratégias que visem a aumentar a tolerância<br />
às condições de estresse ambiental.<br />
Essas estratégias vêm através de métodos<br />
tradicionais de melhoramento genético,<br />
facilitadas pelo uso de marcadores moleculares<br />
ligados a genes individuais ou<br />
ligados a lócus de características quantitativas<br />
(QTL) de importância, ou através do<br />
uso da engenharia genética. Genes identificados<br />
em mecanismos de tolerância<br />
têm mostrado potencial para ser usados<br />
em estudos de transformação de plantas.<br />
As primeiras plantas geneticamente modificadas<br />
para tolerância à seca já estão<br />
sendo desenvolvidas com sucesso em<br />
laboratório. Estratégias como o uso de<br />
moléculas chaperonas, que protegem<br />
componentes celulares durante a desidratação<br />
(Alvin et al., 2001), ou estratégias<br />
que amplificam o sinal molecular da percepção<br />
do estresse hídrico, permitindo a<br />
planta antecipar e acelerar os mecanismos<br />
de defesa (Kasuga et al, 1999), já são uma<br />
realidade. Entretanto, ainda devem ser<br />
testados quanto à produtividade nos campos<br />
de produção agrícola. Alcançar esse<br />
tipo de resultado e obter plantas cada vez<br />
mais eficientes na tolerância aos estresses<br />
do ambiente somente está sendo possível<br />
devido à compreensão dos mecanismos<br />
moleculares de tolerância discutidos nesta<br />
revisão e dos mecanismos que serão<br />
desvendados nas próximas décadas.<br />
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18 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
PESQUISA<br />
Plantas produtoras de<br />
ANTICORPOS<br />
Anticorpos produzidos por plantas de fumo para a detecção de poluentes ambientais<br />
Janete A. Desidério Sena<br />
Professora Doutora do Departamento de<br />
<strong>Bio</strong>logia Aplicada à Agropecuária da<br />
Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias<br />
UNESP - Campus de Jaboticabal, SP.<br />
janete@fcav.unesp.br<br />
Maria Helena S. Goldman<br />
Professora Doutora do Departamento de<br />
<strong>Bio</strong>logia da Faculdade de Filosofia,<br />
Ciências e Letras de Ribeirão Preto<br />
Universidade de São Paulo<br />
mgoldman@rge.fmrp.usp.br<br />
Fotos cedidas pelas autoras<br />
s plantas transgênicas<br />
podem ser exploradas<br />
como uma alternativa<br />
atrativa e de custo reduzido<br />
em relação aos sistemas<br />
microbianos e animais para a<br />
produção de biomoléculas. Tal sistema<br />
de produção possui várias vantagens<br />
em potencial sobre aqueles baseados<br />
em fermentação microbiológica,<br />
células animais e animais transgênicos.<br />
Os sistemas microbianos têm<br />
uma capacidade limitada para realizar,<br />
de forma acurada, as modificações<br />
pós-traducionais de proteínas<br />
eucarióticas. A fermentação bacteriana<br />
freqüentemente resulta na produção<br />
de agregados insolúveis, e custos<br />
substanciais estão envolvidos em solubilizar<br />
e remontar estes agregados<br />
em proteínas nativas. As culturas de<br />
células animais necessitam de meios<br />
de cultura caros, e o uso de animais<br />
transgênicos levanta muitas preocupações<br />
públicas e éticas. Por outro<br />
lado, plantas transgênicas são facilmente<br />
produzidas; linhagens homozigotas<br />
podem ser rapidamente obtidas,<br />
estocadas como sementes, e posteriormente,<br />
propagadas. As plantas são<br />
simples e baratas de cultivar, não<br />
requerendo recurso especializado ou<br />
meio de cultura elaborado.<br />
A produção de anticorpos em plantas<br />
transgênicas, publicada pela primeira<br />
vez em 1989, demonstrou o<br />
princípio da coexpressão de dois produtos<br />
gênicos recombinantes, que foram<br />
corretamente montados em uma<br />
molécula que era funcionalmente idêntica<br />
àquela originada do mamífero<br />
(Hiatt et al., 1989). Desde então, muitos<br />
grupos têm procurado expressar<br />
outras moléculas de anticorpos em<br />
plantas, desde moléculas de cadeia<br />
única até anticorpos secretórios multiméricos<br />
(Ma et al., 1995).<br />
Anticorpos monoclonais<br />
e suas aplicações<br />
Figura 1. Modelo da estrutura de uma molécula de anticorpo típico,<br />
composta de duas cadeias polipeptídicas leves e duas cadeias pesadas.<br />
Pontes dissulfeto inter-cadeias estão indicadas. Dois sítios ativos idênticos<br />
de ligação ao antígeno estão localizados nos braços da molécula,<br />
formados pelas regiões variáveis<br />
A resposta imune é um sistema de<br />
defesa dos vertebrados, altamente sofisticado,<br />
capaz de reconhecer substâncias<br />
estranhas ao organismo. Essas<br />
substâncias estranhas capazes de induzir<br />
uma resposta imune são chamadas<br />
de antígenos. As proteínas circulantes<br />
produzidas pelo sistema imune,<br />
e capazes de reconhecer o antígeno<br />
de forma específica são as imunoglobulinas<br />
(Ig), também denominadas<br />
anticorpos. Durante as últimas duas<br />
décadas, as pesquisas realizadas revelaram<br />
a estrutura das moléculas de<br />
anticorpos, os mecanismos complexos<br />
pelos quais essas proteínas são<br />
sintetizadas e a maneira pela qual elas<br />
se ligam aos materiais estranhos, rea-<br />
20 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Figura 2. (A) Esquema do vetor de expressão em plantas pGA748<br />
contendo o cDNA de interesse (cadeia leve ou pesada). BD e BE -<br />
bordas direita e esquerda do T-DNA de Agrobacterium tumefaciens;<br />
P35S - promotor 35S do vírus do mosaico da couve-flor; seta preta<br />
- terminador reconhecido em células vegetais; nptII - gene que<br />
confere resistência à canamicina; Tc - gene que confere resistência<br />
à tetraciclina.<br />
(B) cDNAs para as cadeias pesada (A) e leve (B) do anticorpo antidioxinas<br />
subclonados no sítio Eco RI do vetor de expressão pGA748,<br />
evidenciando as enzimas envolvidas na determinação da orientação<br />
de subclonagem. BD- Borda direita. BE- Borda esquerda da região<br />
do T-DNA. R- Gene de resistência para a Canamicina. P- Promotor<br />
35S do vírus do mosaico da couve-flor. S- Seqüência sinal de<br />
camundongo. IG- Seqüência da imunoglobulina. T- Terminador.<br />
VH e VL- Domínio variável das cadeias pesada e leve. CH e CL-<br />
Domínio constante das cadeias pesada e leve<br />
lizando a defesa bioquímica do organismo.<br />
Os anticorpos possuem um núcleo<br />
estrutural comum, um tetrâmero composto<br />
de quatro cadeias polipeptídicas,<br />
duas cadeias leves idênticas e<br />
duas cadeias pesadas idênticas. Uma<br />
cadeia leve é ligada a uma cadeia<br />
pesada por uma ligação covalente S-S<br />
(dissulfeto). Pontes dissulfeto também<br />
existem entre as duas cadeias pesadas,<br />
originando a estrutura esquematizada<br />
na Figura 1.<br />
Cada cadeia leve tem, aproximadamente,<br />
220 aminoácidos, e cada<br />
cadeia pesada possui, aproximadamente,<br />
440 aminoácidos. Essas cadeias<br />
possuem, na sua extremidade amino-terminal,<br />
uma região variável, composta<br />
de aproximadamente 110 aminoácidos,<br />
na qual a seqüência de<br />
aminoácidos varia bastante entre anticorpos<br />
específicos para diferentes antígenos.<br />
As regiões variáveis contêm<br />
regiões de variabilidade ainda maior -<br />
as regiões hipervariáveis - que correspondem<br />
ao sítio de ligação ao antígeno.<br />
A extremidade carboxi-terminal<br />
de cada cadeia é referida como região<br />
constante, visto que a seqüência de<br />
aminoácidos é bastante conservada<br />
em todos os anticorpos de uma determinada<br />
classe de imunoglobulinas.<br />
Além disso, as cadeias pesadas das<br />
imunoglobulinas contêm adições de<br />
carboidratos; portanto, os anticorpos<br />
são moléculas de glicoproteínas.<br />
Baseado na seqüência de aminoácidos<br />
da região constante, as cadeias<br />
leves podem ser classificadas em dois<br />
tipos distintos: kappa (κ) ou lambda<br />
(λ).As regiões constantes kappa e lambda<br />
possuem ao redor de 30 a 40 por<br />
cento de homologia. Existem cinco<br />
tipos principais de cadeias pesadas (α,<br />
δ, ε, γ, µ), que correspondem às cinco<br />
classes de anticorpos (IgA, IgD, IgE,<br />
IgG, e IgM). Essa classificação é baseada<br />
na seqüência de aminoácidos da<br />
região constante das cadeias pesadas.<br />
As seqüências de aminoácidos das<br />
diferentes classes possuem aproximadamente<br />
40 por cento de homologia.<br />
Os anticorpos de diferentes classes<br />
diferem em tamanho, carga e conteúdo<br />
de carboidratos, sendo que anticorpos<br />
de algumas classes são compostos<br />
de mais de um tetrâmero (Abbas<br />
et al., 1994).<br />
O uso de anticorpos como reagentes<br />
específicos na identificação de<br />
antígenos de interesse biológico e/ou<br />
médico, é uma prática indiscutivelmente<br />
essencial nos laboratórios modernos.<br />
Atualmente, talvez seja difícil<br />
apontarmos alguma linha de estudos<br />
biológicos voltada para diagnósticos<br />
que não tenha necessitado ou que<br />
necessitará do uso de anticorpos em<br />
alguma de suas fases. A própria clínica<br />
médica moderna tem planejado esquemas<br />
de tratamento oncológico en-<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 21
volvendo anticorpos, como é o caso<br />
das imunotoxinas, ou seja, moléculas<br />
híbridas anticorpo-toxinas voltadas<br />
para reconhecerem células tumorais e<br />
exercerem um efeito letal específico<br />
sobre essas células (Olnes et al., 1989).<br />
Poderíamos comentar também sobre<br />
o uso de anticorpos ligados a isótopos<br />
radioativos que permitiriam, após a<br />
associação com o tumor, sua localização<br />
por meio de imagens radiográficas.<br />
Além disso, anticorpos monoclonais<br />
são usados como vacinas para<br />
imunização passiva e são também<br />
empregados fora da clínica médica<br />
em uma ampla área de separações por<br />
afinidade e em numerosos kits de<br />
diagnóstico.<br />
Portanto, devido ao alto grau de<br />
especificidade dessas moléculas, elas<br />
podem ser utilizadas como “detectoras”,<br />
tanto para ensaios qualitativos<br />
quanto quantitativos, e o campo de<br />
aplicação para tais ensaios é quase<br />
que irrestrito, dada a grande quantidade<br />
de compostos sintéticos que podem<br />
ser usados para imunizar os animais,<br />
resultando na produção de anticorpos<br />
contra muitos compostos de<br />
interesse para a medicina e outras<br />
áreas da ciência.<br />
A maioria dos anticorpos, tais como<br />
aqueles usados em imunoensaios, são<br />
produzidos em animais e isolados a<br />
partir do soro ou fluído ascítico, ou<br />
são produzidos em cultura por células<br />
especializadas, denominadas células<br />
do hibridoma. Para isso, faz-se necessária<br />
a fusão de uma célula de mieloma<br />
de camundongo (célula tumoral<br />
de plasmócitos B) com um linfócito B<br />
normal, oriundo de um camundongo<br />
imunizado com o antígeno de interesse.<br />
A célula híbrida formada é um<br />
hibridoma, que conserva a capacidade<br />
de divisão exacerbada do mieloma<br />
juntamente com a informação para a<br />
síntese do anticorpo específico desejado.<br />
Como esse anticorpo é originário<br />
de um único clone de linfócito B,<br />
ficou sendo chamado de anticorpo<br />
monoclonal (Milstein, 1986). Vários<br />
problemas existem nessa tecnologia.<br />
Os hibridomas não são facilmente<br />
cultiváveis. É preciso manter toda a<br />
tecnologia de cultura de células de<br />
mamífero, onde os meios de cultura<br />
são caros, o pessoal técnico e o laboratório<br />
têm que ser altamente especializados.<br />
Mesmo assim, os hibridomas<br />
Figura 3. Processo de cotransformação evidenciando o co-cultivo<br />
dos discos foliares de N. tabacum com ambas as linhagens de A.<br />
tumefaciens, contendo os cDNAS para as cadeias leve e pesada do<br />
anticorpo<br />
por vezes cessam de crescer em culturas,<br />
ou as mesmas são contaminadas<br />
por micoplasma, comprometendo toda<br />
uma linha de produção.<br />
O desenvolvimento de técnicas<br />
recombinantes para a rápida clonagem<br />
de cDNAs, codificando as proteínas<br />
dos anticorpos tornou possível a<br />
expressão e a caracterização destas<br />
moléculas em sistemas heterólogos:<br />
bactérias, fungos filamentosos, leveduras,<br />
células de insetos, células de<br />
mamíferos e de plantas, com vistas à<br />
sua produção em larga escala. Esses<br />
sistemas heterólogos representam organismos<br />
muito mais fáceis de ser<br />
manipulados, e com um rendimento<br />
em termos de anticorpos funcionais,<br />
igual ou muito maior do que o dos<br />
clássicos hibridomas.<br />
Ao expandir a escolha dos sistemas<br />
de produção, as plantas oferecem<br />
alternativas únicas para os usuários de<br />
anticorpos, não só pela produção em<br />
Figura 4. (A) Calos somáticos de N. tabacum obtidos nos experimentos<br />
de transformação mediada por A. tumefaciens<br />
(B) Calos em meio de cultura para indução de parte aérea, obtidos nos<br />
três experimentos de transformação: cadeia leve, cadeia pesada e<br />
cotransformação (cadeia leve + cadeia pesada), mantidos em meio<br />
seletivo com canamicina<br />
22 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
larga escala, mas também pela capacidade<br />
de montar anticorpos multiméricos<br />
complexos completos. Apesar de<br />
o investimento inicial de tempo e<br />
esforço ser grande se comparado com<br />
outros sistemas de expressão, a produção<br />
de anticorpos em escala agrícola<br />
ou de fermentadores pode ser visualizada,<br />
e a economia dessas abordagens<br />
abre muitas novas áreas para a<br />
aplicação potencial de anticorpos.<br />
Aplicações dos anticorpos<br />
produzidos em plantas<br />
Figura 5. Plantas transformadas de N. tabacum com desenvolvimento de<br />
parte aérea e raízes<br />
Dos compostos bioativos expressos<br />
em plantas transgênicas, os anticorpos<br />
muito provavelmente são os<br />
que apresentam a maior variedade de<br />
aplicações. Plantas transgênicas têm<br />
sido geradas para produzir anticorpos<br />
monoclonais de uso terapêutico, como<br />
reagentes farmacêuticos ou para diagnósticos,<br />
ou ainda, visando a modificação<br />
de características das próprias<br />
plantas.<br />
Quanto ao uso terapêutico dos<br />
anticorpos, a similaridade entre a maquinaria<br />
da célula animal e vegetal<br />
permite que as plantas apresentem<br />
habilidade em montar cadeias leves e<br />
pesadas, formando um anticorpo completo<br />
e funcional (Ma & Hein, 1995),<br />
que as torna excelente escolha como<br />
biorreatores para a produção desses<br />
anticorpos. Esses apresentam um particular<br />
benefício na área de imunoterapia<br />
tópica. A maioria das infecções<br />
entram pelo corpo através das mucosas:<br />
gastrointestinal, respiratória ou<br />
urogenital. Portanto, a imunização passiva<br />
dessas mucosas seria uma medida<br />
profilática efetiva para um número de<br />
doenças virais, bacterianas e fúngicas.<br />
Um exemplo bastante interessante<br />
de anticorpo produzido em plantas e<br />
que apresenta aplicabilidade na imunização<br />
passiva é a imunoglobulina<br />
multimérica complexa SIgA, que é<br />
secretada nas superfícies das mucosas<br />
para fornecer proteção local contra<br />
toxinas e patógenos. Esse anticorpo é<br />
mais efetivo que a classe de anticorpos<br />
monoclonais IgG na defesa contra<br />
infecções bacterianas, em virtude de<br />
ligar-se polivalentemente ao antígeno<br />
e, portanto, ser mais eficiente na agregação,<br />
na avidez de ligação, e na<br />
resistência à proteólise (Ma & Hein,<br />
1996). A SIgA consiste de duas moléculas<br />
monoméricas de IgA unidas por<br />
um pequeno polipeptídeo J e complexada<br />
com um polipeptídeo maior, o<br />
componente secretório. Todos esses<br />
componentes foram expressados individualmente<br />
em plantas de fumo e,<br />
por sucessivos cruzamentos das plantas<br />
transgênicas e seus recombinantes<br />
filiais, houve produção de plantas nas<br />
quais todas as quatro cadeias de proteínas<br />
foram expressadas simultaneamente,<br />
resultando em uma molécula<br />
de SIgA corretamente montada e extremamente<br />
funcional (Ma et al., 1995),<br />
mostrando a flexibilidade das células<br />
vegetais na montagem de moléculas<br />
complexas.<br />
A disponibilidade de grandes quantidades<br />
de IgA secretória abre um<br />
número de novas oportunidades terapêuticas<br />
para desordens do sistema<br />
imune das mucosas, tais como terapias<br />
para patógenos intestinais (E. coli<br />
enterotoxigênica, cólera, etc.), patógenos<br />
respiratórios (rinovírus e influenza)<br />
e doenças sexualmente transmissíveis<br />
(Larrick et al., 1998).<br />
No caso de modificações causadas<br />
na própria planta, as aplicações incluem<br />
a resistência de plantas a doenças<br />
(Tavladoraki et al., 1993; van Engelen<br />
et al., 1994; Fecker et al., 1996; Voss et<br />
al., 1994; Yuan et al., 2000) e a modulação<br />
das vias metabólicas da planta<br />
para produzir novas características nutricionais<br />
e de desenvolvimento (Firek<br />
et al., 1993; Artsaenko et al., 1995).<br />
Segundo De Jaeger et al. (2000) e<br />
Conrad & Manteuffel (2001), a imunomodulação<br />
pode ser definida como<br />
uma técnica molecular que permite<br />
interferir no metabolismo celular da<br />
planta, ou na infectividade do patógeno,<br />
por meio da expressão ectópica de<br />
genes codificando anticorpos recombinantes.<br />
Além dessas aplicações, as plantas<br />
produtoras de anticorpos poderão ser<br />
empregadas em uma potencial estratégia<br />
que apresenta um significante<br />
impacto: a biorremediação. O seqüestro<br />
de poluentes ambientais por plantas<br />
expressando anticorpos recombinantes<br />
poderia formar a base de um<br />
sistema de biorremediação natural.<br />
Tal estratégia envolve a expressão de<br />
anticorpos recombinantes nas células<br />
vegetais e o uso dessas plantas para<br />
seqüestrar poluentes presentes no ambiente.<br />
Esse seqüestro seria específico<br />
para um poluente em particular, e<br />
poderia envolver interações de alta<br />
afinidade, de maneira que níveis muito<br />
baixos do poluente poderiam ser<br />
detectados (Hiatt & Mostov, 1993,<br />
Owen et al., 1996). A praticabilidade<br />
de tal estratégia é apoiada pela demonstração<br />
de que anticorpos recombinantes<br />
podem ser dirigidos para o<br />
apoplasto da planta, e que eles são<br />
estáveis e funcionais nesse local (Firek<br />
et al., 1993). O diâmetro dos poros na<br />
parede celular impõe uma restrição<br />
sobre o tamanho das moléculas que<br />
podem permeá-la livremente. Esse limite<br />
de exclusão corresponde a um<br />
peso molecular de 20 kDa para uma<br />
proteína globular. Anticorpos são moléculas<br />
muito grandes para permearem<br />
livremente a parede celular vegetal<br />
(Carpita et al., 1979). Consequentemente,<br />
a expressão de um anticorpo<br />
em uma célula vegetal equivale a<br />
produzir uma capacidade de retenção<br />
e de ligação dentro de uma membrana<br />
semi-permeável. Qualquer antígeno<br />
com um peso molecular menor que 20<br />
kDa (como alguns poluentes ambien-<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 23
tais, bioprodutos industriais, pesticidas,<br />
herbicidas) poderia ser coletado e<br />
retido por uma planta expressando<br />
um anticorpo que é funcional “in situ”<br />
e localizado no apoplasto (Firek et al.,<br />
1993).<br />
Os anticorpos produzidos pelas<br />
plantas, após purificação, poderão ainda<br />
ser utilizados na preparação de<br />
colunas de afinidade, bem como na<br />
confecção de kits de diagnósticos,<br />
tanto para uso clínico, quanto para a<br />
detecção de diversos poluentes ambientais,<br />
de forma rápida e menos onerosa.<br />
Dioxinas: Perigosos<br />
Poluentes Ambientais<br />
Figura 6. Plantas transgênicas de N. tabacum obtidas nos três experimentos<br />
independentes de transformação, com os cDNAs para o anticorpo antidioxina,<br />
mantidas em casa de vegetação<br />
Há uma extensiva poluição de nossos<br />
ambientes por pesticidas orgânicos<br />
e outros químicos industriais. Áreas<br />
afetadas incluem lagos, rios, água<br />
potável, solo, etc. A fabricação de<br />
pesticidas, a incineração de químicos<br />
contendo halógenos, a fabricação de<br />
papel e plásticos, entre outros processos<br />
de produção de clorinas, podem<br />
resultar na produção não intencional<br />
de compostos químicos que são potenciais<br />
poluentes ambientais Dentre<br />
estes poluentes ambientais destacamse<br />
as dioxinas. As dioxinas são hidrocarbonetos<br />
aromáticos clorados, que<br />
incluem o 2,3,7,8 tetraclorodibenzop-dioxina<br />
(TCDD), um dos mais potentes<br />
agentes tóxicos. São contaminantes<br />
do ecossistema, que, mesmo<br />
em baixas doses, são altamente teratogênicos<br />
e carcinogênicos (Poland &<br />
Knutson, 1982; Stanker et al., 1987,<br />
Zober et al., 1990). O fato mais impressionante<br />
sobre a TCDD, além da sua<br />
teratogenicidade, é a sua potência<br />
letal. Em cobaia, a sua LD 50<br />
, por via<br />
oral, é de, aproximadamente, 1x10 -9<br />
mol/Kg (Poland & Kende, 1976).<br />
A dioxina existia como contaminante<br />
no Agente Laranja, um desfoliante<br />
amplamente usado na guerra do<br />
Vietnã, nos anos 60, constituído da<br />
mistura de dois químicos conhecidos<br />
convencionalmente como 2,4,D e<br />
2,4,5,T. Ela é que foi apontada como<br />
o agente causal dos vários sintomas<br />
descritos pelos veteranos expostos ao<br />
desfoliante. A dioxina não é solúvel<br />
no ar ou na água, mas é atraída por<br />
óleos e gorduras, acumulando-se em<br />
níveis altíssimos nos corpos das espécies<br />
que estão no topo da cadeia<br />
alimentar, causando efeitos tóxicos<br />
que incluem anorexia, severa perda<br />
de peso, hepatotoxicidade, hepatoporfiria,<br />
lesões vasculares, atrofia do<br />
timo e supressão imune, toxicidade<br />
reprodutiva e do desenvolvimento,<br />
úlceras gástricas, teratogenicidade e<br />
morte (Langer et al., 1973).<br />
A contaminação pela dioxina tem<br />
sido um fato que ultimamente tem<br />
alarmado o mundo todo. No Brasil,<br />
por exemplo, houve o relato de que a<br />
Alemanha, Holanda e Bélgica proibiram<br />
a entrada naqueles países de<br />
farelo de casca de laranja, usado como<br />
matéria-prima na produção de alimentação<br />
animal, devido à contaminação<br />
por dioxina em dois carregamentos<br />
brasileiros destinados à Europa<br />
(Folha de São Paulo de 21/4/98).<br />
No Japão, um nível recorde de dioxinas<br />
foi detectado nas cinzas eliminadas<br />
pelo incinerador de lixos do Hospital<br />
Kasori, na cidade de Chiba. A<br />
quantidade de agentes químicos cancerígenos<br />
encontrados totalizaram 19<br />
mil picogramas/grama, o maior nível<br />
já encontrado em cinzas liberadas por<br />
incineradores (Jornal do Nikkey de<br />
15/5/98). Na Bélgica, mais de 1.100<br />
produtos alimentícios foram retirados<br />
das prateleiras por suspeita de contaminação<br />
por dioxina (Folha de São<br />
Paulo de 9/6/99). Portanto, há necessidade<br />
de se adotar um procedimento<br />
que seja específico para os congêneres<br />
mais tóxicos da dioxina e que seja<br />
relativamente simples e rápido na<br />
detecção do sítio de contaminação,<br />
dados os prejuízos que esses compostos<br />
causam ao ecossistema e à saúde<br />
humana e animal (Stanker et al., 1987).<br />
As técnicas analíticas sofisticadas<br />
usadas atualmente, tais como a cromatografia<br />
gasosa e a espectroscopia<br />
de massa (Crummett, 1983), são de<br />
alto custo, e requerem laboratórios<br />
dedicados, equipamentos especializados,<br />
pessoal altamente treinado e<br />
não são disponíveis para a aplicação<br />
“in situ”. O que se faz necessário,<br />
portanto, é o desenvolvimento de procedimentos<br />
alternativos que possam<br />
ser específicos, bastante sensíveis,<br />
adaptáveis para a análise de múltiplas<br />
amostras e simples de serem manipulados,<br />
para a rápida aplicação no sítio<br />
de contaminação, quantificação e retirada<br />
desses poluentes do ambiente.<br />
Os imunoensaios preenchem esses<br />
critérios e fornecem provas efetivas<br />
na detecção de compostos importantes.<br />
Stanker et al. (1987) selecionaram<br />
29 hibridomas originados de camundongos<br />
imunizados com 1-N-(adipamino)-2,<br />
3, 7-triCDD- ligado à proteína<br />
carreadora BSA. Desses anticorpos<br />
monoclonais, cinco clones (DD-1,<br />
-3, -4, -5 e -6) reconheceram o 2,3,7,8-<br />
TCDD e apresentaram-se como reagentes<br />
comprovados na detecção de<br />
cerca de até 0,5 ng de 2,3,7,8-TCDD e<br />
outros congêneres, utilizando-se o teste<br />
24 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
de competição por ELISA. Portanto,<br />
podem ser úteis para estudos de contaminação<br />
ambiental. Os genes para<br />
os anticorpos DD1 e DD3 tiveram suas<br />
regiões variáveis seqüenciadas por<br />
Recinos et al. (1994) e foram licenciados<br />
com o objetivo de detectar e<br />
quantificar a exposição à dioxina em<br />
populações humanas.<br />
Pelos motivos expostos acima,<br />
pode-se constatar que a produção em<br />
larga escala de anticorpos contra dioxina<br />
é altamente desejável, visto que o<br />
uso de kits de detecção produzidos<br />
com esses anticorpos purificados, a<br />
partir das plantas transgênicas, bem<br />
como o potencial uso dessas próprias<br />
plantas em um sistema de biorremediação,<br />
parecem ser estratégias bastante<br />
promissoras na tentativa de eliminar<br />
do ambiente esse perigoso poluente.<br />
Expressão de anticorpos antidioxinas<br />
em plantas de fumo<br />
Com o objetivo de expressar o<br />
anticorpo anti-dioxina completo, em<br />
plantas de fumo, desenvolveu-se, em<br />
nosso laboratório, uma estratégia de<br />
clonagem envolvendo os cDNAs para<br />
as cadeias leve e pesada do anticorpo<br />
IgG1a que reconhece o TCDD. O<br />
clone pHC2 (Hibridoma DD-3) contém<br />
um cDNA de 1600 pb, apresenta<br />
a seqüência líder completa e as regiões<br />
variável e constante da cadeia<br />
pesada γ (gamma) de camundongo,<br />
clonado como um fragmento EcoRI<br />
em pUC18 (Recinos et al., 1994). O<br />
clone pLCE (Hibridoma DD-1) contém<br />
um cDNA de 920 pb, contendo a<br />
seqüência líder completa e as regiões<br />
variável e constante da cadeia leve κ<br />
(kappa) de camundongo, clonado<br />
como um fragmento EcoRI em pUC18<br />
(Recinos et al., 1994). Ambos os clones<br />
foram gentilmente cedidos pelo<br />
Dr. Adrian Recinos III (Dept. of Internal<br />
Medicine, Univ. of TX Medical<br />
Branch, Galveston, TX.).<br />
Os cDNAs denominados DD1 e<br />
DD3, com suas seqüências sinal nativas,<br />
(Figura 2A) foram subclonados,<br />
separadamente, sob o controle do<br />
promotor constitutivo 35S do vírus do<br />
mosaico da couve-flor (P35SCaMV)<br />
no vetor de expressão em planta<br />
pGA748, cedido gentilmente pelo Dr.<br />
Alexandre S. Conceição (Figura 2B).<br />
O conhecimento das seqüências<br />
das regiões variáveis de ambos os<br />
cDNAs (Recinos et al., 1994) e a análise<br />
dos tamanhos dos fragmentos nos<br />
ensaios de restrição permitiram a seleção<br />
de clones com a orientação correta<br />
de subclonagem para ambas as<br />
cadeias. As construções resultantes<br />
foram introduzidas em plantas de fumo<br />
(Nicotiana tabacum Petit Havana SR-<br />
1), cultivadas “in vitro”, via transformação<br />
mediada por Agrobacterium<br />
tumefaciens.<br />
Primeiramente, o gene de interesse<br />
é clonado em um cassete de expressão<br />
flanqueado pelas bordas do T-<br />
DNA. Em seguida, essa montagem é<br />
introduzida em células de Agrobacterium<br />
tumefaciens, por eletroporação.<br />
As células de Agrobacterium contendo<br />
esse vetor de expressão transferem<br />
Figura 7. Vista geral das plantas transgênicas de N. tabacum mantidas<br />
em casa de vegetação<br />
o T-DNA para as células vegetais durante<br />
a co-cultivação. Três experimentos<br />
independentes de transformação<br />
foram realizados em nosso laboratório:<br />
discos foliares transformados com<br />
o vetor contendo somente o gene<br />
híbrido para a cadeia leve; discos<br />
foliares transformados com o vetor<br />
contendo o gene híbrido para a cadeia<br />
pesada; e discos foliares transformados<br />
com ambas as construções, ou<br />
seja, dupla transformação simultânea<br />
ou cotransformação, conforme esquematizada<br />
na Figura 3.<br />
Os discos foliares de todos os três<br />
experimentos foram colocados em<br />
meio de cultura contendo canamicina<br />
até o surgimento dos calos somáticos<br />
(Figura 4A), os quais foram, posteriormente,<br />
individualizados e colocados<br />
em meio de cultura contendo hormônios<br />
para indução de parte aérea (Figura<br />
4B). As plantas resistentes à canamicina<br />
foram individualizdas e transferidas<br />
para caixas Magenta, em meio<br />
apropriado para a indução de raízes<br />
(Figura 5). Finalmente, as plantas foram<br />
levadas para vasos com terra,<br />
mantidos em casa de vegetação (Figura<br />
6 e 7), em condições adequadas de<br />
luz, temperatura e umidade, até o<br />
momento da colheita das folhas para<br />
as análises moleculares e a extração<br />
de proteínas.<br />
A análise do DNA genômico por<br />
Southern blot confirmou a presença<br />
dos genes esperados, e a detecção do<br />
anticorpo nas plantas transgênicas cotransformadas,<br />
através da análise imunológica<br />
por “slot blot”, revelou claramente<br />
a presença da IgG anti-dioxina<br />
em quatro plantas testadas. A revelação<br />
foi feita por quimioluminescência,<br />
usando-se um anticorpo biotinilado<br />
específico para IgG completa de camundongo.<br />
Nos extratos da planta<br />
controle não houve reação, mostrando<br />
a ausência do anticorpo. Esse imunoensaio<br />
mostrou que as plantas transgênicas<br />
de fumo foram capazes de<br />
produzir o anticorpo anti-dioxina. Em<br />
nosso laboratório, no momento, estão<br />
sendo realizadas pesquisas para verificar<br />
os níveis de expressão do anticorpo<br />
nas diferentes plantas cotransformadas<br />
obtidas, bem como a segregação<br />
dos genes na geração T 1<br />
das<br />
mesmas.<br />
O anticorpo anti-dioxina produzido<br />
pelas plantas de fumo poderia,<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 25
então, ser utilizado na fabricação de<br />
um imunoensaio para a detecção da<br />
contaminação por dioxina, após sua<br />
purificação. Uma outra intrigante possibilidade<br />
para o uso dessas plantas<br />
transgênicas, seria a biorremediação<br />
das áreas poluídas pela dioxina.<br />
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26 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
A produção de insulina humana por<br />
Pesquisa<br />
ENGENHARIA GENÉTICA<br />
Beatriz Dolabela de Lima<br />
Professora Adjunta - Departamento de<br />
<strong>Bio</strong>logia Celular – Universidade de Brasília<br />
bdlima@unb.br<br />
Bactéria transgênica produz insulina humana<br />
A engenharia genética e a<br />
biotecnologia moderna<br />
A tecnologia do DNA recombinante<br />
possibilita a obtenção de organismos<br />
com características novas ou não encontradas<br />
na natureza, o que permite uma<br />
nova alternativa para o melhoramento<br />
genético de espécies de valor<br />
biotecnológico. Desse modo, células de<br />
bactérias, leveduras e mesmo eucariontes<br />
superiores como plantas podem ser programadas<br />
com genes exógenos, abrindo<br />
a perspectiva de produção nestes organismos<br />
de polipeptídeos de interesse,<br />
como o interferon, o hormônio de crescimento,<br />
a insulina entre outros. A utilização<br />
de microrganismos<br />
“engenheirados”, capazes de sintetizar<br />
proteínas em grande quantidade, apresenta,<br />
sob o ponto de vista econômico,<br />
Figura 1: Estrutura da insulina humana: pró-insulina<br />
(cadeias B, C e A) e insulina (cadeias B e A). Setas<br />
pretas indicam o ponto de clivagem para a retirada da<br />
cadeia C da pró-insulina, originando a insulina ativa.<br />
Cadeia B, em rosa, cadeia C, em azul, e cadeia A, em<br />
amarelo<br />
uma vantagem considerável em relação<br />
aos processos clássicos de produção.<br />
A extração de proteínas eucarióticas,<br />
como a insulina, requer grandes quantidades<br />
de matéria-prima (pâncreas suíno<br />
e bovino), que nem sempre estão disponíveis<br />
e são, geralmente, de elevado<br />
custo. Isso torna o processo extrativo<br />
cada vez mais oneroso. Nesse contexto,<br />
o emprego de técnicas mais eficientes,<br />
como a do DNA recombinante, abriu<br />
novas perspectivas de produção.<br />
Diabetes mellitus<br />
O diabetes mellitus é um grupo de<br />
doenças causadas pela deficiência na<br />
secreção ou na ação do hormônio pancreático<br />
insulina, o que produz profundas<br />
anormalidades no metabolismo. Há<br />
duas classes principais de diabetes: o<br />
juvenil e o adulto. No<br />
primeiro, a doença<br />
começa cedo, tornando-se<br />
severa e, no<br />
último, é lento para<br />
se desenvolver, moderado<br />
e,<br />
freqüentemente, não<br />
reconhecido.<br />
Os sintomas característicos<br />
do diabetes<br />
são sede excessiva<br />
e frequente micção,<br />
levando à<br />
injestão de grandes<br />
volumes de água. Essas<br />
alterações são devidas<br />
à excreção de<br />
28 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />
grandes quantidades<br />
de glicose na urina<br />
(glicosúria). O grande<br />
volume de urina<br />
no diabetes reflete a<br />
necessidade do rim<br />
de excretar uma certa<br />
quantidade de<br />
água junto com a glicose, pois a capacidade<br />
do rim de concentrar os solutos na urina<br />
tem um limite máximo. Outro sintoma é o<br />
nível da glicose sanguínea e como é a<br />
resposta à ingestão da glicose. Quando a<br />
concentração da glicose no sangue é significativamente<br />
alta é chamada de<br />
hiperglicemia.<br />
O pH do plasma sanguíneo de pessoas<br />
severamente diabéticas é freqüentemente<br />
menor que o valor normal 7,4, condição<br />
esta chamada de acidose. É causada pela<br />
superprodução de ácidos metabólicos e o<br />
pH do sangue pode cair a 6,8 ou abaixo, e<br />
levar a lesões irreparáveis nos tecidos, e à<br />
morte. Esse aumento da acidez é um<br />
indicativo de alterações profundas no balanço<br />
ácido-base do organismo. A acidez<br />
aumentada é devido à extensa formação de<br />
corpos cetônicos no fígado e à sua liberação<br />
no sangue. Como os tecidos não conseguem<br />
utilizar a glicose sanguínea, o<br />
fígado tenta compensar essa deficiência<br />
aumentando a utilização dos ácidos graxos<br />
como combustível, mas isso provoca a<br />
superprodução de corpos cetônicos, além<br />
da capacidade dos tecidos em oxidá-los. A<br />
atividade de glicoquinase está diminuída<br />
no diabetes já que é a insulina que estimula<br />
a biossíntese dessa enzima. Como conseqüência,<br />
forma-se pouco glicogênio. Como<br />
os carboidratos não estão sendo utilizados,<br />
as proteínas do organismo são usadas<br />
como combustíveis. Os aminoácidos sofrem<br />
perda dos seus grupos amino e os<br />
acetoácidos formados podem sofrer oxidação<br />
em dióxido de carbono e água, em<br />
parte pela via do ciclo do ácido cítrico.<br />
A administração de insulina para corrigir<br />
a deficiência endócrina e a administração<br />
de bicarbonato de sódio para corrigir a<br />
perda, tanto do sódio como da capacidade<br />
do tampão bicarbonato, podem trazer toda<br />
a química do organismo de volta para um<br />
balanço quase normal dentro de 12 a 24<br />
horas. Para seguir o curso de tal tratamento,<br />
as dosagens de glicose, pH e CO2 sanguí-
neos são realizadas frequentemente.<br />
Desse modo,<br />
o diabetes juvenil requer<br />
terapia com insulina e um<br />
cuidadoso controle, por<br />
toda a vida, do balanço<br />
entre a ingestão de glicose<br />
e a dose de insulina injetada<br />
(Lehninger, 1984).<br />
Insulina humana<br />
A insulina humana é<br />
produzida nas células ß<br />
pancreáticas, localizadas<br />
dentro dos conjuntos de<br />
células de 100 a 200 µm<br />
conhecidos como Ilhotas<br />
de Langerhans. Essas estão<br />
dispersas pelo pâncreas de<br />
muitos vertebrados superiores,<br />
constituindo cerca de<br />
1% da massa do orgão (Steiner et al.,<br />
1985). A insulina tem sido isolada de<br />
uma grande variedade de espécies de<br />
vertebrados, sendo que, em todas elas, a<br />
molécula é composta de duas cadeias<br />
polipeptídicas (A e B) ligadas por pontes<br />
dissulfídricas.<br />
A insulina humana, como muitos<br />
hormônios protéicos, é sintetizada como<br />
uma proteína precursora maior, seguida<br />
de uma clivagem proteolítica, para gerar<br />
o hormônio ativo (Wang & Tsou, 1991).<br />
Desse modo, a insulina é produzida sob<br />
a forma de um único polipeptídeo, a prépró-insulina,<br />
com uma cadeia de 110<br />
aminoácidos. Os vinte e quatro primeiros<br />
aminoácidos formam o peptídeo<br />
sinal ou seqüência pré da proteína e têm<br />
a função de facilitar a entrada da mesma<br />
no retículo endoperiplasmático. Durante<br />
esse processo, o peptídeo sinal é separado<br />
da proteína, resultando na formação<br />
da pró-insulina (figura 1). Essa molécula<br />
resultante, na qual as cadeias A (21<br />
aminoácidos) e B (30 aminoácidos) estão<br />
ligadas pelo peptídeo conectante C<br />
(35 aminoácidos), é a precursora da<br />
insulina. Ela adquire sua conformação<br />
com a formação de duas pontes<br />
dissulfídricas e é transportada para o<br />
aparelho de Golgi, onde vai ser empacotada<br />
em grânulos de estoque. Durante a<br />
formação e maturação dos grânulos<br />
secretórios, a pró-insulina é clivada por<br />
enzimas proteolíticas do tipo da tripsina,<br />
resultando na liberação do peptídeo C.<br />
Desse modo, as duas cadeias A e B estão<br />
ligadas entre si por pontes dissulfídricas,<br />
tendo uma outra ponte interna na cadeia<br />
A, formando a molécula de insulina<br />
(figura 1) (Steiner et al., 1985).<br />
Figura 2: Comparação entre a seqüência nucleotídica do<br />
gene sintético (Ec gene) e do cDNA para a pró-insulina<br />
humana (Hs cDNA). Protein: seqüência protéica da próinsulina<br />
Construção do gene sintético<br />
para a insulina humana<br />
Dentre as várias maneiras pelas quais<br />
um gene eucariótico pode ser obtido<br />
para a expressão em procariotos, a síntese<br />
química oferece as seguintes vantagens:<br />
fornece diretamente a seqüência<br />
exata desejada; as seqüências<br />
codificadoras e não codificadoras podem<br />
ser desenhadas para a expressão<br />
procariótica; sítios de restrição podem<br />
ser removidos ou adicionados, íntrons<br />
retirados; não há necessidade da etapa<br />
de isolamento do mRNA ou DNA<br />
genômico e permite a alteração do gene<br />
de forma mais simples.<br />
Desse modo, a construção do gene<br />
sintético para a pró-insulina humana foi<br />
iniciada a partir da seqüência de<br />
aminoácidos dessa proteína descrita por<br />
Sures et al. (1980). Utilizando-se os<br />
códons genéticos preferenciais para<br />
Escherichia coli (De Boer & Katelein,<br />
1986) para a otimização da expressão do<br />
gene nessa bactéria, foi montado um<br />
gene codificando a proteína humana. A<br />
figura 2 mostra a comparação da seqüência<br />
de bases na fase de leitura do<br />
cDNA da pró-insulina humana (Bell et<br />
al., 1979; Sures et al., 1980) com o gene<br />
sintético montado nesse trabalho. Esse<br />
gene contém 18,6 % de bases substituídas,<br />
sendo 16,27 %, na terceira base, 1,16<br />
%, na segunda base, e 1,16 %, na primeira<br />
base dos códons. Nenhuma das modificações<br />
feitas nos códons alterou o<br />
aminoácido de correspondência. Após<br />
análise computacional, a presença de<br />
seqüências repetitivas, diretas ou inversas,<br />
maiores do que oito nucleotídeos<br />
não foi encontrada, evitando assim uma<br />
possível estrutura secundária local<br />
indesejada nos mRNAs<br />
transcritos a serem produzidos<br />
a partir destes genes,<br />
o que poderia afetar sua<br />
expressão.<br />
Para facilitar a<br />
clonagem, esse gene sintético<br />
para a pró-insulina<br />
humana foi predito contendo<br />
um sítio para a<br />
enzima de restrição Eco RI<br />
no início do gene, seguido<br />
de um códon para<br />
metionina (ATG), da região<br />
codante para a cadeia<br />
B, cadeia C e cadeia A,<br />
nesta ordem, do códon de<br />
término (TAA), e finalmente,<br />
de um sítio para a enzima<br />
de restrição Bam HI. Outros<br />
sítios para enzimas de<br />
restrição foram adicionados<br />
internamente no gene de modo a<br />
facilitar modificações posteriores.<br />
Após a definição da estrutura do gene<br />
sintético, foi realizada a sua montagem<br />
conforme a estratégia mostrada na figura<br />
3. Quatro oligonucleotídeos foram sintetizados<br />
para a cadeia B, quatro para a<br />
cadeia C e dois para a cadeia A. Esses<br />
oligos foram anelados em pares para a<br />
formação da fita dupla de DNA e foram<br />
ligados entre si, em duas etapas. Na<br />
primeira, foram montadas as cadeias B e<br />
C e, na segunda, montado o gene da próinsulina,<br />
sendo que nesta ordem: cadeia<br />
B, C e A. Esse gene foi clonado em um<br />
vetor para a realização do seqüenciamento<br />
de DNA e a confirmação da seqüência<br />
nucleotídica correta do gene.<br />
Construção de um vetor de<br />
hiper-expressão para E. coli<br />
Nos últimos anos, muitos vetores para<br />
E. coli têm sido construídos com diversas<br />
finalidades, entre essas, a clonagem de<br />
cDNAs, de fragmentos de DNA amplificados<br />
por PCR, transcrição in vitro e para a<br />
expressão e produção de proteínas<br />
heterólogas. Para cada finalidade, o vetor<br />
terá que apresentar determinadas características<br />
para otimizar sua utilização. Desse<br />
modo, para a construção de um sistema<br />
de expressão de proteínas em E. coli, seis<br />
elementos básicos são necessários:<br />
- uma região necessária para replicação<br />
estável e controle do número de cópias;<br />
- um marcador seletivo, como um<br />
gene conferindo resistência a antibiótico<br />
para a hospedeira;<br />
- um promotor para iniciação da transcrição<br />
e seu controle;<br />
- uma região terminadora da transcrição;<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 29
Figura 3: Estratégia utilizada para a construção dos genes para a próinsulina<br />
humana para a expressão na bactéria E. coli<br />
- um sítio de ligação de ribossomas<br />
para a iniciação da tradução em uma<br />
trinca ATG apropriada;<br />
- e uma região de sítios apropriados<br />
para enzimas de restrição, para utilização<br />
nas clonagens dos genes a serem<br />
expressos.<br />
Seguindo esses requisitos para a construção<br />
do vetor de expressão pLMT8.5<br />
(figura 4), utilizamos a origem de<br />
replicação do plasmídeo pUC8, o gene<br />
de resistência à tetraciclina do plasmídeo<br />
RP4, o promotor pL isolado do fago<br />
Lambda, a região Shine Dalgarno sintética<br />
do fago T7, terminador de transcrição<br />
Rho-independente sintético, e uma<br />
região de múltiplos sítios únicos para<br />
enzimas de restrição (figura 4).<br />
Para a região de replicação estável e<br />
de controle do número de cópias do<br />
plasmídeo foi escolhida a origem de<br />
replicação do plasmídeo pUC8. Essa<br />
origem é derivada do plasmídeo pMB1<br />
(ou ColE1) onde mutações e deleções<br />
foram introduzidas de modo a aumentar<br />
o número de cópias do plasmídeo dentro<br />
da célula. Esses plasmídeos podem<br />
estar presentes em mais de 500 cópias<br />
por célula.<br />
O gene de resistência à tetraciclina<br />
foi escolhido e utilizado porque este<br />
permite que, além da seleção das bactérias<br />
recombinantes, o antibiótico<br />
tetraciclina estará constantemente fazendo<br />
pressão seletiva durante a fermentação.<br />
A resistência à tetraciclina consiste<br />
de uma proteína que bombeia o antibiótico<br />
para fora da célula, não permitindo<br />
sua atuação na inibição da síntese protéica<br />
no interior da bactéria. Isso tem como<br />
conseqüência, em uma fermentação industrial,<br />
que se utilizem menores quantidades<br />
do antibiótico, pois este não será<br />
inativado pela bactéria resistente e estará<br />
constantemente presente na fermentação.<br />
Assim, a produtividade no bioreator<br />
Figura 4: Mapa do<br />
vetor de expressão<br />
pLMT8.5 contruído<br />
para a produção da<br />
pró-insulina humana<br />
em E. coli.<br />
Tet R : gene de<br />
resistência a<br />
tetraciclina; ori:<br />
origem de<br />
replicação; MCS:<br />
região de sítios<br />
únicos para enzimas<br />
de restrição; pL:<br />
promotor pL; SD:<br />
seqüência Shine-<br />
Dalgarno; e TT:<br />
região de<br />
terminação de<br />
transcrição<br />
não será afetada devido ao acúmulo de<br />
bactérias sem plasmídeos. Esse fenômeno<br />
de acúmulo de bactérias sem<br />
plasmídeos foi observado por muitos<br />
pesquisadores e é responsável por dificuldades<br />
no escalonamento requerido<br />
para a comercialização de produtos<br />
recombinantes (Kumar et al., 1991).<br />
Para a iniciação da transcrição foi<br />
escolhido o promotor pL do bacteriófago<br />
Lambda. Este é um promotor forte e é<br />
regulado negativamente pelo repressor<br />
codificado pelo gene cI. A mutação<br />
cI857 tornou o repressor sensível à temperatura,<br />
funcional a 28oC e não funcional<br />
a 42oC. Assim, a expressão de<br />
seqüências codantes sob o controle desses<br />
promotores e pelo repressor cI857<br />
pode ser ativada simplesmente por uma<br />
mudança na temperatura da cultura, o<br />
que, principalmente em escala industrial,<br />
simplifica e barateia o processo.<br />
A partir de um promotor e de um<br />
início de transcrição, a RNA polimerase<br />
transcreve o RNA até o reconhecimento<br />
de um sítio de terminação, que funciona<br />
como um sinal para o término da transcrição.<br />
Dois tipos diferentes de<br />
terminadores são encontrados:<br />
terminadores simples ou Rho-independentes<br />
e terminadores Rho-dependentes<br />
(dependentes da proteína Rho). Os<br />
terminadores Rho-independentes possuem<br />
duas características: uma estrutura<br />
em forma de grampo, gerada por<br />
pareamento entre repetições invertidas,<br />
contendo uma região rica em pares G-C<br />
na base do grampo, separadas por uma<br />
curta distância, e outra, subseqüente da<br />
primeira, que contém uma região de,<br />
aproximadamente, seis resíduos de<br />
uridina no final da unidade. Esses<br />
terminadores parecem ter alguma função<br />
na proteção do mRNA, pela sua<br />
capacidade de formar uma estrutura em<br />
grampo, provavelmente fornecendo uma<br />
barreira contra a ação de uma exonuclease<br />
3' (Brawerman, 1987), e não dependem<br />
de um fator protéico, proporcionando<br />
uma efetiva finalização da transcrição no<br />
vetor de expressão.<br />
A etapa mais limitante na síntese<br />
protéica é a ligação dos ribossomas às<br />
moléculas de mRNA. Desde que o número<br />
de ribosomas na célula exceda a<br />
classe de mensageiros, uma maneira de<br />
aumentar a expressão de um gene<br />
clonado é aumentar o número dos transcritos<br />
correspondentes. Para tal, a maneira<br />
mais simples é clonar o gene de<br />
interesse em um plasmídeo com grande<br />
número de cópias.<br />
As duas características dos mRNAs<br />
de E. coli , que determinam onde e qual<br />
a eficiência do processo de reconheci-<br />
30 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
mento ribosoma-mRNA, são o códon de<br />
iniciação, geralmente AUG ou GUG, e a<br />
região Shine Dalgarno (SD), ou sítio de<br />
ligação de ribossomas (RBS). Essa região<br />
é complementar ao final 3' do RNA<br />
ribosomal 16S (Shine & Dalgarno, 1974;<br />
Shultzaberger et al., 2001). O SD tem<br />
tipicamente de três a seis nucleotídeos<br />
de tamanho e está localizado quatro a<br />
quinze nucleotídeos antes do códon de<br />
iniciação. Essa região tem a função de<br />
guiar o ribossoma para o ponto de início<br />
correto (Dreyfus, 1988). Olins et al. (1988)<br />
descreveram uma região SD a montante<br />
do gene 10 do bacteriófago T7 (g 10-L).<br />
Esse gene codifica para a proteína da<br />
capa, que é a proteína mais sintetizada<br />
após a infecção do fago T7. Essa região<br />
SD possui um grande potencial para<br />
otimizar a eficiência da tradução de<br />
genes homólogos e heterólogos clonados<br />
em E. coli.<br />
Para facilitar a clonagem de genes<br />
para a expressão no vetor, uma região<br />
apropriada de sítios únicos para enzimas<br />
de restrição foi adicionada entre a região<br />
promotora e o SD, e a região terminadora<br />
da transcrição, onde temos o sítio para a<br />
enzima de restrição NcoI contendo o<br />
códon ATG de início de tradução (figura<br />
4).<br />
Produção da<br />
pró-insulina humana<br />
Para a produção da pró-insulina, o<br />
gene sintético da pró-insulina foi<br />
subclonado no vetor de expressão<br />
pLMT8.5 e o plasmídeo recombinante foi<br />
denominado de pPTA1. Esse plasmídeo<br />
foi utilizado para a transformação da<br />
cepa E. coli N4830-1, pois essa possui o<br />
repressor cI termossensível.<br />
A cepa E. coli N4830-1 transformada<br />
Figura 5: Análise da expressão<br />
em diferentes tempos de indução<br />
da pró-insulina em E. coli. Gel<br />
desnaturante (SDS-PAGE) a 15%<br />
dos lisados protéicos totais das<br />
culturas, contendo o plasmídeo<br />
pLMT8.5 e o plasmídeo pPTA1<br />
(pLMT8.5 + gene da pró-insulina)<br />
com o plasmídeo pPTA1, foi utilizada<br />
para a indução térmica da Pró-insulina.<br />
Como controle, foi utilizadas cultura da<br />
cepa contendo o plasmídeo pLMT8.5<br />
sem o gene clonado. As proteínas<br />
induzidas estão mostradas na figura 5.<br />
Verifica-se a indução de uma proteína<br />
de, aproximadamente, 10.000 dáltons,<br />
que corresponde à Pró-insulina na cultura<br />
do recombinante pPTA1. Essa proteína<br />
corresponde a 20% das proteínas<br />
totais da bactéria. Nas amostras com o<br />
plasmídeo pLMT8.5, não observamos<br />
essa proteína induzida. Podemos concluir<br />
portanto, que ocorreu uma hiperexpressão<br />
da Pró-insulina a partir do<br />
gene clonado no plasmídeo pLMT8.5<br />
construído.<br />
Verificou-se também que ocorreu<br />
formação de corpos de inclusão da proteína<br />
recombinante produzida, o que<br />
auxilia a proteção contra proteólise e<br />
facilita sua purificação. Eles são formados<br />
como agregados citoplasmáticos que<br />
podem ser purificados após a lise da<br />
célula, centrifugação e solubilização das<br />
proteínas com, por exemplo, uréia ou<br />
guanidina.<br />
A perspectiva de produção a partir<br />
dessas bactérias recombinantes, obtidas<br />
nesse trabalho, nas condições de cultura<br />
utilizadas, é de 1 g de pró-insulina para<br />
cada 17 litros de cultura, com uma densidade<br />
celular de 10 9 células por ml.<br />
Considerações finais<br />
Esse trabalho foi realizado dentro do<br />
Projeto “Produção de insulina humana<br />
através de precursores recombinantes<br />
em Escherichia coli”, coordenado pelo<br />
Prof. Spartaco Astolfi Filho, com financiamento<br />
da <strong>Bio</strong>brás e PADCT/FINEP,<br />
dentro do Convênio UnB/<strong>Bio</strong>brás. Esse<br />
sistema de produção de insulina está<br />
patenteado nos Estados Unidos (patentes<br />
nos. 6068993, 30/05/2000, e<br />
6281329B1, 28/08/2001) e com pedido<br />
de patente no INPI, Brasil.<br />
Bibliografia<br />
Bell, G.I.; Swain, W.F.; Pictet, R.; Cordell,<br />
B.; Tischer, E. & Goodman, H.M.<br />
1979. Nucleotide sequence of a cDNA<br />
clone encoding human preproinsulin.<br />
Nature, 282, 525-7.<br />
Brawerman, G. 1987. Determinants of<br />
messenger RNA stability. Cell, 48: 5-6.<br />
De Boer, H.A. & Kastelein, R.A. 1986.<br />
Biased codon usage: an exploration<br />
of its role in optimization of translation.<br />
In: Maximizing gene expression;<br />
Reznikoff, W. & Gold, L.; eds.<br />
Butterworth Publishers, Stoneham,<br />
USA.<br />
Dreyfus, M. 1988. What constitutes the<br />
signal for the initiation of protein<br />
synthesis on Escherichia coli mRNAs?<br />
J. Mol. <strong>Bio</strong>l., 204: 79-94.<br />
Kumar, P.K.P.; Maschke, H.E.; Friehs, K.<br />
& Schugerl, K. 1991. Strategies for<br />
improving plasmid stability in<br />
genetically modified bacteria in<br />
bioreactors. Tibtech, 9: 279-84.<br />
Lehninger, A.L. 1984. Princípios de <strong>Bio</strong>química.<br />
São Paulo, Savier.<br />
Olins, P.O.; Devine, C.S.; Rangwala, S.H.<br />
& Kavka, K.S. 1988. The T7 phage<br />
gene 10 leader RNA, a ribosomebinding<br />
site that dramatically enhances<br />
the expression of foreign genes in<br />
Escherichia coli. Gene, 73: 227-35.<br />
Shine, J. & Dalgarno, L. 1974. The 3’-<br />
terminal sequence of E. coli 16S<br />
ribosomal RNA: complementarity to<br />
nonsense triplets and ribosome<br />
binding sites. Proc. Natl. Acad. Sci.<br />
USA, 71: 1342-6.<br />
Shultzaberger R.K., Bucheimer R.E., Rudd<br />
K.E. & Schneider T.D. 2001. Anatomy<br />
of Escherichia coli Ribosome Binding<br />
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313: 215-28.<br />
Steiner, D.F.; Chan, S.J.; Welsh, J.M. &<br />
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evolution of the insulin gene. Ann.<br />
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Sures, I.; Goeddel, D.V.; Gray, A. &<br />
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of human preproinsulin<br />
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57-9.<br />
Wang, C.C. & Tsou, C.-L. 1991. The<br />
insulin A and B chains contain<br />
sufficient structural information to<br />
form the native molecule. TIBS, 16:<br />
279-81.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 31
<strong>Bio</strong>tecnologia aplicada ao<br />
Pesquisa<br />
CONTROLE BIOLÓGICO<br />
O entomopatógeno Metarhizium anisopliae<br />
Grupo de <strong>Bio</strong>logia Molecular de Fungos Filamentosos do Centro de <strong>Bio</strong>tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul da UFRGS<br />
Melissa Franceschini<br />
Doutoranda em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />
UFRGS<br />
melifran@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Ana Paula Guimarães<br />
Graduanda em Ciências <strong>Bio</strong>lógicas<br />
UFRGS<br />
apgm@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Melissa Camassola<br />
Graduanda em Ciências <strong>Bio</strong>lógicas<br />
UFRGS<br />
melissa@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Ana Paula Frazzon<br />
Doutoranda em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />
UFRGS<br />
apaulagf@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
César Milton Baratto<br />
Doutorando em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />
UFRGS<br />
baratto@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Viviane Kogler<br />
Graduanda em Ciências <strong>Bio</strong>lógicas<br />
UFRGS<br />
vkogler@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Márcia Vanusa da Silva<br />
Doutoranda em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />
UFRGS<br />
marcia@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Valéria Dutra<br />
Doutoranda em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />
UFRGS<br />
valdutra@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Luciano Nakazoto<br />
Doutorando em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />
UFRGS<br />
lucnak@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Luiza Castro<br />
Mestranda em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />
UFRGS<br />
luiza@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Lucélia Santi<br />
Graduanda em Ciências <strong>Bio</strong>lógicas<br />
UFRGS<br />
lucelia@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Marilene Henning Vainstein<br />
Ph.D, Professora Adjunta do Depto. de<br />
Microbiologia e Pesquisadora do Centro de<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia<br />
C<strong>Bio</strong>t-UFRGS<br />
mhv@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Augusto Schrank (Chefe do Grupo)<br />
Ph.D, Professor Adjunto do Depto. <strong>Bio</strong>logia<br />
Molecular e <strong>Bio</strong>tecnologia e Pesquisador do Centro<br />
de <strong>Bio</strong>tecnologia<br />
C<strong>Bio</strong>t-UFRGS<br />
augusto@dna.cbiot.ufrgs.br<br />
Fotos cedidas pelos autores<br />
Controle <strong>Bio</strong>lógico<br />
Apesar de os defensivos agrícolas terem uma alta e<br />
rápida eficiência, são necessárias aplicações repetidas<br />
desses produtos, o que representa grandes quantidades<br />
lançadas no ambiente e um alto custo. Esses produtos<br />
químicos propiciam uma alta produtividade, mas têm<br />
efeitos negativos sobre o solo, o clima, a vegetação, as<br />
águas, os animais e o homem, e provocam a seleção de<br />
mutantes resistentes, resultantes da forte pressão seletiva.<br />
Além disso, seu tempo de degradação no ambiente é da<br />
ordem de décadas, o que provoca uma concentração<br />
elevada dessas substâncias na cadeia alimentar. Nesse<br />
contexto, o controle biológico é uma alternativa viável<br />
para o combate de pragas e patógenos e vantajosa em<br />
relação ao controle químico, especialmente quanto ao<br />
impacto ambiental, ao custo, à especificidade e ao desenvolvimento<br />
de resistência.<br />
Entre os microrganismos patogênicos com aplicação<br />
potencial em controle biológico destacam-se os fungos<br />
filamentosos. Quando comparados a outros sistemas<br />
utilizados em controle biológico, como bactérias produtoras<br />
de toxinas, protozoários e vírus, os fungos apresentam<br />
como vantagem um mecanismo especializado de<br />
infecção, que ocorre pela sua penetração ativa nos<br />
hospedeiros, não dependendo, assim, da sua ingestão<br />
para que se inicie o processo de infecção.<br />
O maior entrave para a utilização de fungos filamentosos<br />
no controle biológico é o grande lapso de tempo<br />
entre a sua aplicação e a morte dos hospedeiros, se<br />
comparados com os pesticidas químicos. Durante esse<br />
período de tempo, as pragas agrícolas podem causar<br />
sérias perdas na produtividade da cultura-alvo. Um dos<br />
objetivos comuns no estudo desses microrganismos em<br />
controle biológico visa a aumentar a velocidade de morte<br />
dos hospedeiros para melhorar a eficiência do biocontrolador.<br />
Têm sido feitos esforços no intuito de melhorar a<br />
produção, a estabilidade e a aplicação de inóculos desses<br />
fungos. O entendimento das características básicas da<br />
relação entre o fungo e o inseto hospedeiro tem permitido<br />
conhecer a natureza da patogenicidade, possibilitando a<br />
introdução de genes específicos, altamente expressos em<br />
condições de infectividade, com vistas a acelerar o<br />
processo de infecção e de diminuir, assim, o tempo entre<br />
o início da infecção e a morte do hospedeiro (ST. LEGER<br />
et al., 1996).<br />
O Entomopatógeno Metarhizium anisopliae<br />
O fungo Metarhizium anisopliae é um Deuteromiceto<br />
amplamente distribuído na natureza e pode ser encontrado<br />
facilmente nos solos, onde sobrevive por longos<br />
períodos (ALVES, 1998). M. anisopliae infecta mais de 300<br />
espécies de insetos das diferentes ordens, incluindo<br />
32 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Figura 1: Linhagens brasileiras do fungo Metarhizium anisopliae. A)<br />
RJc (Deois flavopicta – Rio de Janeiro); B) RJd (Deois flavopicta – Rio de<br />
Janeiro); C) M5 (Deois sp. - Pernambuco); D) AL (Mahanarva postigata -<br />
Alagoas); E) MT (Deois sp. – Mato Grosso); F) E9 (Deois flavopicta –<br />
Espírito Santo); e, G) E6S1 (Deois flavopicta – Espírito Santo). Ambas<br />
crescidas em Meio Cove sólido. Entre parênteses está descrito o<br />
hospedeiro em que a linhagem foi isolada e o Estado de origem<br />
pragas importantes (ALVES, 1998). Alguns<br />
de seus hospedeiros são pragas<br />
na agricultura, como a cigarrinha da<br />
cana-de-açúcar (Mahanarva posticata),<br />
a cigarrinha-das-pastagens (Deois<br />
sp e Zulia sp), a lagarta-da-soja (Anticarsia<br />
gemmatalis), a formiga saúva<br />
(Atta sexdens), os térmitas subterrâneos<br />
(Isoptera : Rhinotermitidae). Sua<br />
patogenicidade tem sido ainda demonstrada<br />
para carrapatos de diferentes<br />
gêneros e espécies (KAAYA et al.,<br />
1996; ZHIOUA et al., 1997; FRAZZON<br />
et al., 2000). Vários fatores têm sido<br />
apontados como possíveis determinantes<br />
de patogenicidade, entre os<br />
quais, a produção de toxinas e a produção<br />
e secreção de enzimas hidrolíticas,<br />
como quitinases, proteases e lipases<br />
(CLARKSON & CHARNLEY, 1996).<br />
Alguns autores sugerem ainda que a<br />
expressão diferenciada das superóxido<br />
dismutases (SODs), enzimas que<br />
atuam como um sistema de defesa<br />
contra radicais livres de oxigênio<br />
(SCHRANK et al., 1993), e a presença<br />
Figura 2: Detalhes morfológicos de Metarhizium anisopliae. A) O<br />
fungo M. anisopliae apresenta micélio hialino e septado e esporos<br />
de coloração verde. B) Os esporos são cilíndricos. C) Algumas<br />
linhagens de M. anisopliae são infectadas por micovírus<br />
de micovírus, com genoma de dsRNA<br />
(BOGO et al., 1996b), influenciam a<br />
patogenicidade de M. anisopliae. São<br />
necessárias, entretanto, confirmações<br />
experimentais para essas observações.<br />
Por ser considerado um dos agentes<br />
mais promissores no controle de<br />
pragas, M. anisopliae tem sido um dos<br />
modelos mais estudados em relação<br />
ao isolamento e à seleção de linhagens<br />
do ambiente, ao isolamento de<br />
mutantes com características importantes<br />
para o controle biológico, ao<br />
estudo dos mecanismos de infecção,<br />
ao desenvolvimento de metodologias<br />
de biologia molecular e a estudos<br />
alternativos para produção, manutenção<br />
da viabilidade e formulação de<br />
biopesticidas. A Figura 1 mostra algumas<br />
linhagens brasileiras do fungo M.<br />
anisopliae, e suas origens. A Figura 2<br />
mostra detalhes morfológicos do fungo<br />
M. anisopliae. O nosso grupo de<br />
pesquisa tem estudado alguns aspectos<br />
básicos da biologia molecular de<br />
M. anisopliae, em especial o desenvolvimento<br />
de sistemas de transformação<br />
para permitir a re-introdução<br />
de genes manipulados in vitro (BOGO<br />
et al., 1996a), o estudo da regulação<br />
de quitinases (PINTO et al., 1996) e a<br />
clonagem e a caracterização do gene<br />
chit1, que codifica uma dessas quitinases<br />
(BOGO et al., 1998). O grupo<br />
dedica-se, ainda, ao estudo da aplicação<br />
de M. anisopliae como biocontrolador<br />
do carrapato Boophilus microplus<br />
(FRAZZON et al., 2000).<br />
O processo de infecção<br />
O processo de infecção de M.<br />
anisopliae em seus hospedeiros ocorre<br />
em fases sucessivas de germinação,<br />
diferenciação, penetração, colonização,<br />
reprodução e disseminação<br />
(SCHRANK et al., 1993; ALVES, 1998).<br />
O processo de infecção é iniciado<br />
pela germinação dos esporos sobre a<br />
cutícula do hospedeiro. Na superfície<br />
do esporo, ainda não germinado, foi<br />
detectada a presença de enzimas (proteases,<br />
esterases e N-acetilglicosidases)<br />
que têm efeito na adesão, na<br />
aquisição preliminar de nutrientes e<br />
que também causam modificações superficiais<br />
nas camadas mais externas<br />
da cutícula do hospedeiro (ST. LEGER<br />
et al., 1990). O esporo germina e o<br />
tubo germinativo se diferencia por<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 33
dilatação da extremidade<br />
das hifas para a formação<br />
do apressório, uma estrutura<br />
especializada de penetração,<br />
estimulada pelo<br />
contato físico com a cutícula<br />
do hospedeiro (ST.<br />
LEGER et al., 1991b). Esse<br />
estímulo também é sensível<br />
a alterações da superfície,<br />
indicando um possível<br />
mecanismo pelo qual<br />
o patógeno reconhece<br />
seu hospedeiro (ST. LE-<br />
GER et al., 1990).<br />
Após a formação do<br />
apressório, ocorre o desenvolvimento<br />
de estruturas<br />
denominadas grampos<br />
de penetração, que<br />
são caracterizadas por<br />
uma alteração na parede<br />
celular da parte do apressório<br />
que está em contato<br />
com o hospedeiro, sendo<br />
mais fina e saliente (ST. LEGER et al.,<br />
1991b). Evidências obtidas por microscopia<br />
eletrônica e histoquímica<br />
sugerem que a etapa de penetração<br />
ocorre por uma combinação de degradação<br />
enzimática e pressão mecânica<br />
(ST. LEGER et al., 1988a). Nesse processo<br />
são produzidas algumas enzimas<br />
como lipases, quitinases e proteases<br />
(ST. LEGER et al., 1986a, b, 1988b,<br />
1991a; PINTO et al., 1996; ALVES,<br />
1998).<br />
Após o processo de<br />
penetração, o fungo inicia<br />
a etapa de colonização<br />
do hospedeiro. As<br />
hifas que atravessam a<br />
cutícula do hospedeiro<br />
sofrem um engrossamento<br />
e se ramificam<br />
inicialmente no tegumento<br />
e, posteriormente,<br />
na cavidade geral do<br />
corpo, liberando toxinas<br />
e ocasionando a morte<br />
do hospedeiro devido à<br />
produção de metabólitos<br />
secundários denominados<br />
destruxinas,<br />
que afetam os canais de<br />
transporte de íons, envolvidos<br />
na resposta<br />
muscular e a integridade<br />
da membrana celular.<br />
O hospedeiro exibe<br />
vários sintomas incluindo inquietação,<br />
perda de coordenação e parada<br />
da ingestão de alimento (LAVERLAM,<br />
1999).<br />
Após a morte do hospedeiro, que<br />
ocorre de 4 a 5 dias após a infecção, as<br />
hifas se desenvolvem invadindo os<br />
diversos órgãos internos. Após o esgotamento<br />
dos nutrientes, as hifas se<br />
estendem para fora do corpo do hospedeiro,<br />
formando um micélio, que<br />
Figura 4: Teleóginas do carrapato B. microplus infectadas<br />
com o fungo acaricida M. anisopliae. A) Detalhe de hifas<br />
do fungo M. anisopliae se estendendo para fora do corpo<br />
de teleógina de B. microplus completamente infectada. B)<br />
Detalhe de uma teleógina de B. microplus completamente<br />
infectada pelo fungo M. anisopliae. A cutícula da teleógina<br />
foi parcialmente retirada<br />
34 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />
Figura 3: Cutícula de teleógina<br />
de Boophilus microplus<br />
infectada com esporos de<br />
Metarhizium anisopliae. 10 8<br />
esporos do fungo foram<br />
incubados com cutícula de<br />
carrapato a 28 0 C por 24 horas.<br />
Fotos de microscopia<br />
eletrônica de varredura. A)<br />
Germinação de esporos com<br />
aumento de 100 vezes;<br />
primeiro detalhe, aumento de<br />
605 vezes; segundo detalhe,<br />
aumento de 4.900 vezes. B)<br />
Preferência dos esporos em<br />
germinar próximo a locais<br />
porosos e articulados da<br />
cutícula; no caso, pêlos;<br />
aumento de 2.000 vezes. C)<br />
Ponta de hifa do acaricida que<br />
atravessou a cutícula do<br />
carrapato. Aumento de 1.500<br />
vezes<br />
cobre a superfície do tegumento, resultando<br />
na mumificação. Sob condições<br />
ambientais apropriadas, ocorre a<br />
produção de esporos, que poderão<br />
ser disseminados pelo vento para infectar<br />
outros indivíduos (LAVERLAM,<br />
1999). As Figuras 3 e 4 mostram os<br />
estágios inicial e final do processo de<br />
infecção do fungo M. anisopliae em<br />
teleógina do carrapato B. microplus.<br />
As proteases<br />
Foi demonstrado que<br />
entre os genes expressados<br />
especificamente durante<br />
o processo de infecção<br />
de M. anisopliae<br />
no hospedeiro está o<br />
gene pr1A, originalmente<br />
pr1, que codifica uma<br />
protease do tipo subtilisina<br />
(PR1A), que tem uma<br />
participação marcante na<br />
penetração da cutícula<br />
do hospedeiro pelo fungo.<br />
ST. LEGER et al.<br />
(1992) demonstrou que<br />
a protease PR1A é mais<br />
efetiva na degradação<br />
estrutural das proteínas<br />
ligadas ‘a cutícula por<br />
ligação covalente, devido<br />
aos resíduos de carga
Tabela 1 Quitinases e genes de quitinases isolados de Metarhizium anisopliae.<br />
Quitinases Indução Ação Linhagem<br />
CHIT30 Quitina Exo / Endoquitinase E6<br />
CHIT33 Quitina Endoquitinase ME1<br />
CHIT43,5 Cutícula Endoquitinase ME1<br />
CHIT45 Cutícula Endoquitinase ME1<br />
CHIT60 Quitina Exo / Endoquitinase ATCC 20500<br />
CHIT110 Inibida por NAG Quitobiase ME1<br />
Genes Cópias N o de Aminoácidos Linhagem<br />
chit1 (42 kDa) Única 423 E6<br />
chi11 (58 kDa) Única 523 ATCC 20500<br />
chi2 (43 kDa) - 414 ME1<br />
chi3 (34 kDa) - 317 ME1<br />
positivas que se formam na superfície<br />
da molécula de PR1A em pH neutro<br />
ou alcalino. A Figura 5 mostra a capacidade<br />
do fungo M. anisopliae de<br />
alcalinizar o meio contendo substrato<br />
para proteases, confirmando pH ótimo<br />
para proteases sendo igual a 8 (ST.<br />
LEGER et al., 1999).<br />
O gene pr1A é altamente regulado<br />
e somente expressado durante a fase<br />
de penetração (ST. LEGER et al., 1992).<br />
Esse gene está sob controle duplo de<br />
expressão: i) pelo mecanismo de repressão<br />
catabólica regulado pelos níveis<br />
de carbono e nitrogênio (ST.<br />
LEGER et al., 1988b) e, ii) pela indução<br />
específica promovida pelas proteínas<br />
da cutícula (PATERSON et al., 1994). A<br />
protease PR1A hidrolisa de 25% a 30%<br />
das proteínas da cutícula dos hospedeiros<br />
liberando peptídeos que servirão<br />
de nutrientes para o fungo e<br />
substratos para a elaboração de outros<br />
determinantes da patogenicidade (ST.<br />
LEGER et al., 1986a).<br />
PR1A é a única protease de cutícula<br />
produzida em quantidade elevada<br />
em vários isolados patogênicos de M.<br />
anisopliae. Foi observado por ST. LE-<br />
GER et al. (1987) um aumento da<br />
protease PR1A durante a penetração<br />
do fungo M. anisopliae na cutícula de<br />
larvas de Manduca sexta.<br />
O gene pr1A foi clonado sob o<br />
controle de um promotor constitutivo<br />
e os transformantes, superexpressando<br />
PR1A, mostraram-se 25% mais eficientes<br />
na infecção de insetos (ST.<br />
LEGER et al., 1996). Nesse trabalho, foi<br />
definitivamente demonstrado o potencial<br />
da manipulação genética para<br />
ser efetivamente utilizada na construção<br />
de linhagens mais eficientes para<br />
o controle biológico a partir do conhecimento<br />
dos fenômenos básicos da<br />
etapa de penetração. A Figura 6 mostra<br />
a superprodução de PR1A de uma<br />
linhagem transformada de M. anisopliae<br />
em comparação com a linhagem<br />
selvagem.<br />
JOSHI et al. (1997), investigando<br />
genes envolvidos no processo de infecção<br />
de fungos entomopatogênicos,<br />
descreveram uma nova protease<br />
também do tipo subtilisina (PR1B) a<br />
partir de genes especificamente expressados<br />
por M. anisopliae durante<br />
seu desenvolvimento na cutícula de<br />
baratas (Blabarus gigantius). A dedução<br />
da seqüência de aminoácidos<br />
mostrou 54% de similaridade com a<br />
subtilisina PR1A. No entanto, a PR1B<br />
possui várias substituições na seqüência<br />
altamente conservada compreendendo<br />
o sítio ativo das subtilisinas.<br />
Essas substituições são cataliticamente<br />
críticas podendo reduzir a eficiência<br />
catalítica da protease. A função da<br />
protease PR1B na infecção de hospedeiros<br />
ainda não foi determinada.<br />
Atualmente se encontram disponíveis<br />
no GENBANK seqüências de mais<br />
oito genes de proteases da família das<br />
subtilisinas PR1 denominados de pr1D<br />
até pr1K, que foram isolados de M.<br />
anisopliae pelo grupo norte-americano<br />
liderado por St. Leger. Sua função<br />
ainda não foi estudada.<br />
Quitina e Quitinases<br />
Figura 5: Alcalinização de meio contendo substrato para proteases<br />
pelo fungo Metarhizium anisopliae. O meio utilizado apresenta como<br />
fonte de carbono apenas azocaseína. Para demonstrar em que faixa de<br />
pH o fungo cresce quando proteases são requeridas o meio foi<br />
complementado com o corante Vermelho de Bromocresol. Esse corante<br />
apresenta coloração variando do amarelo até o violeta quando o pH<br />
varia do ácido até o alcalino. O pH ótimo para proteases secretadas<br />
por M. anisopliae fica na faixa alcalina igual a 8. As setas indicam halo<br />
de degradação de azocaseína<br />
A quitina, depois da celulose, é um<br />
dos polímeros mais abundantes na<br />
natureza (FLACH et al., 1992). É encontrada<br />
como constituinte do exoesqueleto<br />
de insetos e de crustáceos, em<br />
conchas de moluscos e é o maior<br />
componente da parede celular de fungos<br />
(CABIB, 1987). As quitinases são<br />
enzimas hidrolíticas com a propriedade<br />
de hidrolisar a quitina em oligôme-<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 35
Figura 6: Halo de degradação<br />
em meio com substrato para<br />
proteases de linhagens de<br />
Metarhizium anisopliae. A faixa<br />
mais clara em cada placa<br />
demonstra a degradação de<br />
azocaseína em meio que<br />
contém apenas azocaseína<br />
como fonte de carbono, em pH<br />
ótimo para proteases igual a 8.<br />
A linhagem E 6<br />
S 1<br />
é selvagem de<br />
M. anisopliae, enquanto a<br />
linhagem T136 é uma linhagem<br />
E 6<br />
S 1<br />
selvagens que foi<br />
transformada para que<br />
superexpressasse a protease<br />
PR1A. A linhagem apresentou<br />
halo de degradação 4 vezes<br />
maior que a linhagem<br />
selvagem. Esses dados são<br />
estatisticamente significantes<br />
(teste de Tukey para α = 0,05)<br />
ros de N-acetilglicosamina (NAG), que<br />
assim podem ser absorvidos e metabolisados<br />
(GOODAY, 1990; GOODAY<br />
et al., 1992). Muitos organismos produzem<br />
quitinases, entre eles, bactérias,<br />
fungos, crustáceos, insetos e plantas<br />
superiores.<br />
Em fungos, cuja parede celular é<br />
composta basicamente por polissacarídeos<br />
como quitina e glicanas (GOO-<br />
DAY et al., 1992), as enzimas quitinolíticas<br />
estão basicamente envolvidas<br />
nos processos de crescimento e diferenciação.<br />
Os fungos filamentosos também<br />
possuem quitinases que atuam<br />
em diferentes processos fisiológicos,<br />
como dispersão de esporos, autólise e<br />
nutrição (DE LA CRUZ et al., 1992;<br />
STIRLING et al. 1979).<br />
As enzimas quitinolíticas provavelmente<br />
desempenham um papel importante<br />
na penetração de fungos filamentosos<br />
através da cutícula dos hospedeiros.<br />
Essas enzimas se encontram<br />
sob forte regulação no fungo M. anisopliae,<br />
onde o sistema quitinolítico é<br />
regulado por um mecanismo de indução-repressão,<br />
tendo a quitina como<br />
Figura 7: Análise da produção de enzimas<br />
quitinolíticas por linhagens de Metarhizium<br />
anisopliae. As linhagens foram crescidas em<br />
meio com substrato para quitinases ligado<br />
(B) ou não (A) ao corante Azul de Remazol.<br />
A faixa mais clara nas placas representa a<br />
degradação do substrato pelo fungo. 1) E9;<br />
2) RJc; 3) MT; e, 4) E6S1. A linhagem E6S1<br />
demonstrou ser a mais promissora para<br />
estudos de produção de quitinases<br />
indutor tanto da síntese como da secreção<br />
de quitinases, e a glicose como<br />
repressor da sua síntese. A concentração<br />
do monômero NAG também regula<br />
a síntese e a secreção das quitinases,<br />
sendo que, em baixas concentrações,<br />
age como indutor, enquanto em<br />
altas concentrações, apresenta papel<br />
de repressor (BARRETO, 1996; MO-<br />
REIRA, 1998; Figura 7).<br />
Foi demonstrado em géis de atividade<br />
contendo glicol-quitina como<br />
substrato que uma linhagem de M.<br />
anisopliae altamente secretora produzia<br />
uma mistura complexa de enzimas<br />
quitinolíticas quando o fungo era cultivado<br />
em condições de indução. A<br />
presença de, aproximadamente, 10<br />
isoenzimas foi sugerida (ST. LEGER et<br />
al., 1993). Inibidores catabólitos reduzem<br />
a produção de todas as isoenzimas<br />
com apenas uma exceção.<br />
Essa atividade remanescente<br />
foi sugerido<br />
ser controlada separadamente<br />
das demais (ST.<br />
LEGER et al., 1993). Estudos<br />
demostraram mais de<br />
um gene codificando quitinase<br />
em M. anisopliae<br />
(Tabela 1).<br />
Até o momento, não<br />
foi confirmada a participação<br />
das quitinases na entomopatogenicidade<br />
de M.<br />
anisopliae. Apesar dos<br />
estudos bioquímicos e do<br />
conhecimento acumulado,<br />
pouco se sabe quanto aos<br />
tipos, a regulação, a localização,<br />
as seqüências envolvidas<br />
em sua glicosilação,<br />
a secreção e a participação<br />
das quitinases nos<br />
processos fisiológicos.<br />
Agradecimentos<br />
Agradecemos ao Prof.<br />
Dr. Elliot Watanabe Kitajima,<br />
do Núcleo de Apoio à<br />
Pesquisa em Microscopia<br />
Eletrônica Aplicada à Pesquisa<br />
Agropecuária (NAP/<br />
MEPA) da USP, pelo auxílio<br />
e colaboração na obtenção<br />
das fotos por MET.<br />
Órgãos financiadores:<br />
CAPES e CNPq pelo apoio<br />
financeiro.<br />
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<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 37
Pesquisa<br />
ANTICORPOS<br />
HUMANIZADOS<br />
Andréa Queiroz Maranhão<br />
Profa. Dra. em <strong>Bio</strong>logia Molecular-UnB<br />
Marcelo de Macedo Brígido<br />
Prof. Dr. em <strong>Bio</strong>química – UnB<br />
brigido@unb.br<br />
Fotos cedidas pelos autores<br />
Humanização de anticorpos de interesse clínico<br />
sistema imune dos vertebrados<br />
é especializado<br />
no reconhecimento<br />
de substâncias e organismos<br />
estranhos e na<br />
sua posterior eliminação. Desse processo<br />
participam diversos tipos celulares<br />
e moléculas, e, dentre essas últimas,<br />
destacam-se os anticorpos ou imunoglobulinas,<br />
principais protagonistas da<br />
resposta imune humoral. A formação<br />
de imunoglobulinas em resposta a um<br />
patógeno ou a uma toxina culmina com<br />
a produção de moléculas de alta afinidade,<br />
com grande capacidade de distinção<br />
entre espécies moleculares semelhantes.<br />
Essa característica das imunoglobulinas<br />
e a possibilidade de se<br />
produzirem anticorpos específicos contra<br />
antígenos humanos em animais imunizados,<br />
levou à proposição de que<br />
essas moléculas poderiam ser utilizadas<br />
como fármacos, ou ainda para<br />
dirigir fármacos a locais específicos do<br />
corpo de pacientes.<br />
Tal proposição ganhou força com a<br />
descoberta de Milstein e Köhler acerca<br />
do processo de produção de anticorpos<br />
monoclonais 1 , o que gerou uma<br />
grande expectativa por parte da comunidade<br />
científica e da mídia. Esse processo<br />
envolve a imortalização de células<br />
produtoras de anticorpos (oriundas<br />
do animal imunizado) por fusão com<br />
células tumorais. Com essa tecnologia,<br />
que data de 26 anos, partiu-se para uma<br />
idéia de que os anticorpos monoclonais<br />
poderiam funcionar como balas<br />
mágicas, devido à sua especificidade<br />
por um dado antígeno, podendo alcançar<br />
específica e eficientemente um único<br />
tecido ou tipo celular. Esperava-se que,<br />
em pouco tempo, os anticorpos monoclonais<br />
chegassem à clínica médica<br />
como solução para diversos males,<br />
expectativa essa que foi exacerbada em<br />
1982, quando um anticorpo anti-idiótipo<br />
mostrou-se eficiente no tratamento<br />
de certo tipo de linfoma 2 . Esse período<br />
foi marcado por um investimento maciço<br />
por parte de empresas farmacêuticas.<br />
Esse entusiasmo inicial deu espaço<br />
a uma fase de ceticismo, quando nenhum<br />
outro anticorpo testado apresentava<br />
resultados clínicos significativos.<br />
Ao contrário, observava-se que alguns<br />
anticorpos podiam ser muito tóxicos,<br />
colocando em cheque a sua viabilidade<br />
clínica. Até o ano de 1994, apenas três<br />
anticorpos haviam sido aprovados para<br />
uso clínico, o Orthoclon, o Panorex e o<br />
ReoPro. Foi também na primeira metade<br />
da década de 90 que o quadro<br />
voltou a ser favorável aos anticorpos<br />
monoclonais. Dois fatores foram fundamentais<br />
nessa mudança de rumo:<br />
primeiro, foram obtidos resultados clínicos<br />
consistentes para diversos anticorpos<br />
monoclonais; o segundo fator<br />
foi o aparecimento dos anticorpos recombinantes<br />
humanizados 3 , que prometiam,<br />
com a chancela da engenharia<br />
genética, revolucionar o cenário de<br />
aplicação dos anticorpos monoclonais<br />
com uma nova especialidade de pesquisa<br />
em <strong>Bio</strong>logia Molecular, a Engenharia<br />
de Anticorpos. A flexibilidade<br />
na manipulação genética de seu arcabouço<br />
peptídico e o acúmulo de informações<br />
sobre sua estrutura e função,<br />
fez das imunoglobulinas um produto<br />
de alto valor econômico e com grandes<br />
perspectivas biotecnológicas.<br />
Figura 1.- Representação esquemática da molécula de anticorpo<br />
e seus principais fragmentos. Os fragmentos Fab e o Fc derivados<br />
da molécula inteira de imunoglobulina podem ser obtidos por<br />
clivagem proteolítica. Os fragmentos recombinantes scFv e o FvFc<br />
apresentam um peptídeo conector flexível (linha vermelha) unido o<br />
carboxi-terminal da cadeia variável pesada com o amino-terminal da<br />
cadeia variável leve e são obtidos por manipulação genética dos<br />
genes de imunoglobulinas. Ressalta-se o caráter dimérico do fragmento<br />
FvFc, apresentando dois sítios de reconhecimento antigênico,<br />
como na molécula inteira<br />
38 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Aspectos Estruturais<br />
dos Anticorpos<br />
Os anticorpos são proteínas de elevada<br />
massa molecular encontrados em<br />
abundância no soro de animais vertebrados.<br />
A molécula de imunoglobulina<br />
(figura 1) é de natureza tetramérica e<br />
pode ser caracteristicamente separada<br />
em duas cadeias pesadas e duas cadeias<br />
leves. Essas moléculas são responsáveis<br />
pelo reconhecimento de determinantes<br />
antigênicos das substâncias/invasores<br />
exógenos e também pela ativação<br />
de sistemas efetores celulares, que,<br />
em última instância, os eliminam. Devido<br />
às funções que desempenham, essas<br />
moléculas apresentam uma ambigüidade<br />
estrutural: por um lado, sua<br />
extremidade N-terminal (Fab – fração<br />
ligante ao antígeno) apresenta uma<br />
variabilidade superficial capaz de interagir<br />
com moléculas dos mais variados<br />
tipos, enquanto que a porção carboxiterminal<br />
(Fc-fração cristalizável) deve<br />
ser reconhecida por células efetoras do<br />
sistema imune, o que pressupõe uma<br />
certa constância estrutural 4 . É essa região<br />
(Fc) que se liga aos receptores de<br />
membrana citoplasmática de macrófagos,<br />
linfócitos e outras células efetoras,<br />
invocando a resposta imune a partir do<br />
reconhecimento do antígeno, o “corpo<br />
estranho”. A contribuição de cada uma<br />
das cadeias nessas funções é desigual,<br />
pois, enquanto a porção ligante ao<br />
antígeno (Fv – região formada pelos<br />
domínios variáveis de ambas as cadeias)<br />
é formada pelo domínio aminoterminal<br />
de ambas as cadeias, o Fc é<br />
formado unicamente pela cadeia pesada.<br />
As imunoglobulinas são, provavelmente,<br />
as moléculas mais bem estudadas<br />
em nível de estrutura tridimensional.<br />
5 O acúmulo de informação estrutural<br />
facilita a compreensão do funcionamento<br />
da molécula e permite estabelecer<br />
critérios para manipulação racional.<br />
Modelos tridimensionais explicam,<br />
por exemplo, como a variabilidade<br />
encontrada no amino-terminal da imunoglobulina,<br />
co-existe com uma estrutura<br />
espacial bastante conservada em<br />
todas as Fv que foram estudadas por<br />
difração de raios-X. O domínio variável<br />
apresenta uma estrutura estendida alternada<br />
com alças (“loops”). Seis dessas<br />
alças (três em cada cadeia) projetam-se<br />
para o solvente e participam<br />
com quase a totalidade dos pontos de<br />
Figura 2 – Esquematização de processos de humanização de<br />
imunoglobulinas. Um anticorpo monoclonal murino (em verde) apresenta<br />
limitações quanto ao seu uso repetitivo como fármaco, devido à<br />
resposta HAMA (human anti-mouse antibody). As primeiras tentativas<br />
de minimizar este potencial imunogênico foram feitas por meio da fusão<br />
das cadeias variáveis leve e pesada do anticorpo de camundongo<br />
(em verde escuro), com as cadeias constantes humanas (em laranja),<br />
formando moléculas quimeras. Estas moléculas eram ainda<br />
imunogênicas, assim os protocolos mais modernos de humanização<br />
preconizam o transplante das CDR murinas (linhas verdes) para cadeias<br />
variáveis humanas (em amarelo). Esta molécula teria ainda as cadeias<br />
constantes de imunoglobulinas humanas como na quimera e se apresenta<br />
de forma suficientemente invisível para o sistema imune<br />
contato, com o antígeno. Essas alças<br />
co-localizam-se com as regiões determinantes<br />
de complementariedade<br />
(CDR), onde está concentrada a diversidade<br />
entre as moléculas de imunoglobulinas<br />
6 . É nessa região que está<br />
localizado o paratopo, região complementar<br />
ao determinante antigênico (epitopo),<br />
responsável pela formação do<br />
complexo antígeno-anticorpo.<br />
Os anticorpos monoclonais são produzidos<br />
a partir de um único clone de<br />
linfócito B imortalizado. Durante a resposta<br />
imune humoral, cada clone de<br />
linfócito B produz um único tipo de<br />
molécula reativa a uma única estrutura<br />
química. Devido a isso, cada anticorpo<br />
apresenta uma única especificidade,<br />
ou seja, reage com um único tipo de<br />
molécula (antígeno). Por outro lado,<br />
durante a evolução da resposta imune,<br />
são selecionados clones cada vez mais<br />
afins por seu antígeno; dessa forma,<br />
anticorpos obtidos de animais hiperimunizados<br />
são ditos de alta afinidade,<br />
ligando-se fortemente ao antígeno e<br />
dificilmente soltando-o. Isso permite<br />
que um anticorpo reconheça e reaja<br />
com o antígeno mesmo que esse se<br />
encontre diluído em uma mistura complexa.<br />
São essas as características que<br />
tornam o anticorpo um reagente de<br />
escolha para detecção de quantidades<br />
ínfimas de antígeno dentro de um organismo.<br />
Imunoglobulinas como<br />
Medicamentos<br />
O interesse biotecnológico pelas<br />
imunoglobulinas é secular. A utilização<br />
de anticorpos para neutralizar toxinas,<br />
proposto por Behringer, gerou uma<br />
grande revolução no pensamento científico<br />
no final do século XIX. No Brasil,<br />
o pioneiro na utilização de soros foi<br />
Vital Brasil. Com ele surgiram fazendas<br />
para produção de soro anti-ofídico e<br />
contra outros venenos de animais peçonhentos,<br />
o que fez do Brasil uma<br />
referência nessa área. A segunda geração<br />
de anticorpos veio com o advento<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 39
Figura 3 - Esquema geral para humanização de anticorpos.<br />
As seqüências codificadoras das cadeias leve e pesada do<br />
anticorpo, são obtidas a partir de um clone produtor do<br />
anticorpo monoclonal de interesse. Essas seqüências são comparadas<br />
com seqüências germinais a partir de um banco de genes<br />
germinais humanos utilizando-se do programa FASTA. As seqüências<br />
são comparadas e uma seqüência humanizada é proposta.<br />
Utilizando-se de um modelo tridimensional, a seqüência<br />
proposta é verificada. Esta seqüência proposta é retro-traduzida<br />
para seqüência nucleotídica e sintetizada a partir de<br />
oligonucleotídeos sintéticos e PCR. O novo gene é clonado em<br />
vetor de expressão apropriado e expresso em células de mamíferos<br />
em cultura<br />
dos anticorpos monoclonais, em 1975,<br />
o que gerou uma grande perspectiva na<br />
comunidade científica devido à possibilidade<br />
de criação de reagentes específicos,<br />
reativos a diferentes antígenos<br />
e com possibilidade, portanto, de resolver<br />
problemas, antes de difícil solução,<br />
como o ataque a células cancerígenas,<br />
a minimização da rejeição a enxertos,<br />
entre outros. Diferentemente do soro<br />
imune, o anticorpo monoclonal consiste<br />
em uma preparação homogênea,<br />
monoespecífica, que pode reconhecer<br />
um único e específico alvo dentro do<br />
organismo do paciente. Os anticorpos<br />
monoclonais são hoje uma realidade<br />
sendo utilizados para diversos fins:<br />
como moduladores da rejeição em pacientes<br />
transplantados, para o mapeamento<br />
de tumores, desintoxicação por<br />
drogas ou mesmo na imunização preventiva.<br />
Apesar do amplo potencial de aplicação<br />
dos anticorpos monoclonais, a<br />
utilização extensiva é limitada pela sua<br />
alta toxicidade. Os anticorpos monoclonais<br />
são proteínas normalmente produzidas<br />
em laboratório a partir de células<br />
de camundongos ou ratos, e quando<br />
injetados em pacientes humanos acaba<br />
gerando uma resposta imune contra a<br />
proteína estranha ao organismo. Os<br />
anticorpos são reconhecidos como corpos<br />
estranhos e podem gerar uma forte<br />
reação imune adversa. Esse problema<br />
inviabiliza a utilização dos anticorpos<br />
de uma forma repetitiva. A produção<br />
de anticorpos pelo paciente contra a<br />
preparação de anticorpos monoclonais,<br />
conhecida como resposta HAMA (do<br />
inglês human anti-murine antibodies),<br />
normalmente provoca a neutralização<br />
da ação do anticorpo, fazendo com<br />
que o paciente fique resistente ao medicamento<br />
7 . Em casos mais severos, a<br />
administração desses anticorpos pode<br />
resultar em febre, urticárias e, em uma<br />
forma extrema, pode redundar em comprometimento<br />
renal, devido a uma deposição<br />
glomerular de imuno-complexos.<br />
Esse efeito é bem conhecido, pois<br />
também representa um entrave à utilização<br />
repetitiva de soro contra peçonhas,<br />
como o anti-ofídico. O soro imune<br />
pode ser utilizado com segurança<br />
no primeiro acidente, mas pode provocar<br />
febre e outras seqüelas mais profundas<br />
a partir da segunda utilização.<br />
Essa resposta do indivíduo contra a<br />
administração de proteína heteróloga<br />
acaba por limitar o uso desses medicamentos<br />
e vem impedindo a sua popularização<br />
na terapia.<br />
A melhor maneira de ampliar a<br />
utilização dos anticorpos monoclonais<br />
na clínica médica é fazer uso de anticorpos<br />
humanos em substituição aos<br />
derivados de roedores. Em princípio,<br />
anticorpos humanos não devem induzir<br />
resposta imune significativa por serem<br />
reconhecidos pelo sistema imune<br />
como uma proteína própria do organismo<br />
humano. O grande inconveniente é<br />
que a produção de anticorpos monoclonais<br />
a partir de células humanas é<br />
metologogicamente mais complexa que<br />
a produção a partir de roedores. Além<br />
de mais laboriosa, a imortalização de<br />
células humanas produtoras de imunoglobulinas,<br />
normalmente implica numa<br />
40 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
manipulação com vírus, o que dificulta<br />
e até inviabiliza a utilização do produto<br />
na clínica médica. Outro problema refere-se<br />
à baixa afinidade dos anticorpos<br />
gerados, além de as linhagens<br />
celulares produtoras serem muito instáveis<br />
geneticamente. Portanto, foi só a<br />
partir da década de 90, com o progresso<br />
da pesquisa em engenharia genética,<br />
que se tornou possível a síntese de<br />
anticorpos por meio de recombinação<br />
gênica in vitro. Isso permitiu a modificação<br />
proposital de suas características<br />
imunoquímicas. Através da manipulação<br />
dos genes codificadores para cada<br />
uma das cadeias do anticorpo, é possível<br />
alterar a estrutura e a função, e,<br />
inclusive, incluir um caráter humano<br />
no anticorpo murino. A última geração<br />
de fármacos inclui moléculas de anticorpos<br />
recombinantes 1 . Uma grande<br />
variedade de moléculas pode ser obtida<br />
por esse processo, que permite<br />
atender a diferentes funções. Fragmentos<br />
reduzidos, contendo apenas a porção<br />
da molécula responsável pelo reconhecimento<br />
ao antígeno, têm sido<br />
utilizados principalmente para o mapeamento<br />
de tumores ou para a desintoxicação<br />
de fármacos, quando se desejam<br />
moléculas menores, com um melhor<br />
desempenho farmacodinâmico.<br />
Esse procedimento permite ainda que<br />
anticorpos de interesse terapêutico, obtidos<br />
normalmente de camundongos,<br />
tornem-se menos imunogênicos em humanos.<br />
O processo consiste em manipulação<br />
genética para tornar a estrutura<br />
de aminoácidos mais próxima da estrutura<br />
encontrada em anticorpos humanos,<br />
reduzindo a possibilidade de reações<br />
adversas no paciente, ao mesmo<br />
tempo em que mantém a especificidade<br />
do anticorpo murino original 3 .<br />
A manipulação resolve outro grande<br />
problema com os anticorpos monoclonais<br />
murinos: a atividade efetora<br />
necessária à atividade biológica do<br />
anticorpo. Essa atividade efetora é exercida<br />
pela porção constante da molécula,<br />
e depende do seu isotipo, ou seja, do<br />
tipo de cadeia pesada que se associa à<br />
região ligante ao antígeno. Alguns anticorpos<br />
de camundongo exercem atividade<br />
efetora em humanos, mas, em<br />
muitos casos, a atividade pretendida<br />
depende de cadeias constantes humanas<br />
específicas (Fc), como a cadeia γ1,<br />
para induzir a lise da célula alvo, ou γ4,<br />
para bloquear ou reduzir uma resposta<br />
imune exacerbada ou alérgica 1 . Portanto,<br />
torna-se importante a possibilidade<br />
de redefinição da Fc de um anticorpo,<br />
a fim de torná-lo atraente para sua<br />
utilização clínica. Além disso, é possível<br />
alterar deliberadamente a atividade<br />
efetora como, por exemplo, pela alteração<br />
de resíduos no Fc responsáveis<br />
pela reciclagem (“turn-over”) da molécula.<br />
Essa mudança não natural permite<br />
que o anticorpo mutante tenha uma<br />
maior permanência no sangue aumentando<br />
a eficácia do tratamento.<br />
Tornando Humanos os<br />
Anticorpos de Camundongos<br />
Existem dois tipos básicos de modificações<br />
introduzidas em anticorpos<br />
recombinantes para que estes assumam<br />
um caráter humano. A primeira<br />
delas é a fusão gênica da porção Fv do<br />
anticorpo original (de camundongo) à<br />
porção constante de uma imunoglobulina<br />
humana, formando uma quimera<br />
(figura 2). Apesar da introdução de<br />
uma porção Fc humana, esse tipo de<br />
construção ainda mostra uma grande<br />
imunogenicidade devido à preservação<br />
da região Fv de camundongo. Para<br />
a construção de um anticorpo totalmente<br />
humanizado uma porção constante<br />
é fusionada a uma Fv desenhada<br />
de forma que sua seqüência seja a mais<br />
próxima possível de uma Fv de anticorpo<br />
humano. Nesse caso, as cadeias leve<br />
e pesada variáveis são redesenhadas<br />
baseando-se em regiões variáveis leve<br />
e pesada de imunoglobulina humana<br />
homóloga à imunoglobulina de camundongo.<br />
Uma Fv humanizada, com<br />
atividade preservada, é conseguida pelo<br />
transplante das CDR do anticorpo murino<br />
para o anticorpo humano (demais<br />
regiões da Fv e regiões constantes),<br />
obtendo-se assim uma molécula humanizada<br />
(figura 2) que preserva a capacidade<br />
de interação com o antígeno.<br />
Nessa abordagem, é possível obter um<br />
anticorpo bem próximo àquela “molécula<br />
invisível” ao sistema imune do<br />
paciente que o receberá. O limite desse<br />
processo é obter uma molécula o mais<br />
humana possível sem perder a sua<br />
atividade biológica original. Esse limite<br />
decorre do fato de que a manipulação<br />
dos resíduos de aminoácidos das CDR<br />
pode levar a uma desestabilização das<br />
alças de contato. Essas alças estão envolvidas<br />
em um grande número de<br />
interações intramoleculares que não<br />
necessariamente estarão preservadas<br />
quando da introdução de uma nova<br />
CDR. Detectar estas interações e sanálas<br />
no sentido de se obter uma afinidade<br />
pelo antígeno, a mais próxima possível<br />
daquela do anticorpo original, é o<br />
desafio desta metodologia 1,3,8 .<br />
Além da preocupação com a manutenção<br />
da afinidade original e com a<br />
eliminação da imunogenicidade da molécula<br />
em si, outro aspecto relevante é<br />
a otimização da produção do anticorpo<br />
humanizado. Os vetores utilizados para<br />
tal propósito servem para dirigir a síntese<br />
da cadeia protéica do anticorpo<br />
recombinante em um sistema heterólogo<br />
(bactérias, leveduras ou mesmo células<br />
de mamíferos). Esses vetores são<br />
normalmente plasmídios, contendo um<br />
cassete de expressão, compatíveis com<br />
o tipo celular utilizado como hospedeiro.<br />
Para vetores em células de mamíferos,<br />
o promotor imediato de Citomegalovirus<br />
é o mais popularmente utilizado<br />
9 . Esses vetores são montados contendo<br />
os genes que codificam as cadeias<br />
constantes leve e pesada humanas,<br />
flanqueadas por sítios de restrição que<br />
facilitam a introdução dos domínios<br />
variáveis recombinantes humanizados<br />
gerados. Esses vetores possibilitam também<br />
a manipulação da atividade efetora<br />
através da clonagem de cadeias constantes<br />
de isotipos específicos. A escolha<br />
do isotipo e manipulações pontuais<br />
para aumentar a meia vida desses produtos<br />
na circulação sangüínea são exemplos<br />
de modificações trabalhadas diretamente<br />
no vetor. Pela manipulação do<br />
vetor, o autor pode escolher a priori a<br />
função da molécula a ser sintetizada.<br />
Além da indicação de uma resposta<br />
efetora específica através da escolha do<br />
isotipo de cadeia pesada, durante esse<br />
processo é possível manipular a molécula<br />
de imunoglobulina para que essa<br />
se apresente na forma de fragmentos<br />
(Figura 1). A utilização de porções<br />
menores da molécula, normalmente<br />
Fab ou Fv (este último, em geral, na<br />
forma de scFv - de cadeia única, apresentando<br />
um peptídeo conector flexível<br />
unindo as cadeias variáveis leve e<br />
pesada) é a visada, quando se pretende<br />
que a molécula tenha alta penetrabilidade,<br />
como, por exemplo, na utilização<br />
para diagnósticos de marcadores<br />
tumorais. Esse tipo de mini-molécula<br />
apresenta maior capacidade de penetração;<br />
no entanto, tem meia vida reduzida<br />
no soro do paciente. Quando se<br />
busca um maior tempo de circulação<br />
na corrente sangüínea, a opção, normalmente,<br />
é fazer a molécula inteira e<br />
expressá-la em sistemas eucarióticos,<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 41
para que se consiga a montagem correta<br />
da estrutura tetramérica (com duas<br />
cadeias leves e duas cadeias pesadas)<br />
no retículo endoplasmático das células<br />
utilizadas para a expressão. Formas<br />
intermediárias, como o FvFc (Figura 2),<br />
entre o fragmento variável de cadeia<br />
única e o anticorpo inteiro, têm sido<br />
propostas mais recentemente 10 .<br />
A Experiência Brasileira<br />
No Brasil, o Instituto Butantan de<br />
São Paulo foi pioneiro na produção de<br />
anticorpos monoclonais com qualidade<br />
para utilização clínica. A utilização<br />
clínica desses anticorpos já é uma realidade<br />
no Brasil. No Centro de <strong>Bio</strong>tecnologia<br />
do Instituto Butantan os anticorpos<br />
murinos anti-CD3 e anti-CD18<br />
são produzidos pelo cultivo dos hibridomas<br />
em bioreatores de alta capacidade.<br />
As normas utilizadas para o processamento<br />
dos anticorpos permitem a<br />
obtenção de produtos com qualidade<br />
para uso injetável humano. O anticorpo<br />
anti-CD3 foi testado clinicamente,<br />
com êxito, na reversão da rejeição de<br />
transplante de rim, fígado e coração e<br />
vem sendo utilizado regularmente pelo<br />
Instituto do Coração - INCOR . Esse<br />
anticorpo já vem sendo distribuído pelo<br />
Instituto Butantan e compete hoje com<br />
o produto Orthoclone®, um anti-CD3<br />
produzido pela Ortho <strong>Bio</strong>tech. O anticorpo<br />
anti-CD18 está ainda em fase de<br />
testes clínicos, e tem uso potencial em<br />
transplante de órgãos, meningite bacteriana<br />
11 , choque séptico 12 e na recuperação<br />
de pacientes infartados.<br />
O transplante de órgãos representa<br />
uma solução clínica para uma série de<br />
doenças e diversos órgãos podem ser<br />
aproveitados para transplante. Esse<br />
procedimento, apesar de eficiente, apresenta<br />
dois problemas básicos que são a<br />
falta de doadores e a incompatibilidade<br />
entre doador e receptor. O primeiro<br />
problema deve ser reduzido com a<br />
nova lei brasileira de doação presumida<br />
de órgãos. O segundo problema<br />
depende, cada vez mais, de novos<br />
fármacos que consigam modular a resposta<br />
imune, de modo que torne o<br />
paciente tolerante ao órgão transplantado.<br />
Atualmente o tratamento é feito<br />
continuamente com corticóides e, de<br />
uma forma intermitente, com imunoglubinas<br />
policlonais anti-timócito (ATG)<br />
ou monoclonais anti-CD3. Ambas as<br />
preparações resultam em uma depleção<br />
acentuada das células T e, conseqüentemente,<br />
da resposta imune celular<br />
adversa ao enxerto. As duas preparações<br />
de anticorpos utilizadas são heterólogas<br />
e, portanto, não podem ser<br />
utilizadas de uma forma rotineira devido<br />
à perda de atividade da droga e à<br />
hipersensibilidade causada pela sua<br />
administração contínua. Ambos os efeitos<br />
são originados de uma resposta<br />
imune ao fármaco, que é visto pelo<br />
organismo como proteína estranha contra<br />
o qual são gerados anticorpos. Com<br />
o tempo esses anticorpos gerados pelo<br />
paciente acabam por diminuir o efeito<br />
do imunosupressor.<br />
Além do anti-CD3, primeiro anticorpo<br />
monoclonal introduzido na clínica<br />
médica, anticorpos alternativos contra<br />
outros marcadores celulares são<br />
também propostos como imunosupressores,<br />
entre eles o anti-CD18 e o anti-<br />
CD4. Diferentemente do marcador CD3,<br />
o CD18 é parte de um complexo protéico<br />
de adesão (LFA1) envolvido em<br />
processos de migração e infiltração<br />
linfocitária. Anticorpos anti-CD18 não<br />
necessariamente precisam depletar os<br />
linfócitos para atuar, sendo capazes de<br />
inibir processos inflamatórios em geral,<br />
processo este caracterizado por uma<br />
arregimentação de linfócitos T, que<br />
deixam a corrente sanguínea e migram<br />
através do endotélio vascular para o<br />
local do processo inflamatório. Anticorpos<br />
anti-CD18 foram testados com<br />
sucesso na inibição de diversos tipos<br />
de processos inflamatórios 13 . Ao contrário<br />
do anticorpo anti-CD3, que já tem<br />
um papel de destaque como adjuvante<br />
no tratamento de transplantados, o anticorpo<br />
anti-CD18 ainda se encontra<br />
em fase de testes clínicos. Suas aplicações<br />
são bastante amplas e incluem a<br />
redução do processo inflamatório em<br />
doenças infecciosas como a meningite.<br />
Nesse caso, a administração do anticorpo<br />
monoclonal resulta na prevenção<br />
das seqüelas neurológicas criada pelo<br />
grande afluxo de leucócitos que atravessam<br />
a membrana hemato-encefálica,<br />
que causam a resposta inflamatória,<br />
grande responsável pelos graves sintomas<br />
e mortandade da doença.<br />
Em 1997, o grupo de Imunologia<br />
Molecular da UnB 14 juntou-se ao Instituto<br />
Butantan e ao INCOR para desenvolver<br />
produtos humanizados para a<br />
Figura 4 - Reconhecimento de linfócitos humanos por fragmentos de<br />
anticorpos humanizados. O anticorpo humanizado contra o marcador<br />
de superfície de linfócitos, CD18, foi utilizado para corar linfócitos humanos<br />
fixados em lamina de microscópio e visualizado com anticorpo anti-Fc<br />
humana conjugado a fluoresceína. A imunofluorescência foi observada em<br />
microscópio de fluorescência (Ruggierro et al., em preparação). À direita<br />
os linfócitos foram corados com anticorpo anti-CD18 e à esquerda com<br />
um anticorpo irrelevante<br />
substituição dos anticorpos produzidos<br />
no I. Butantan. Na época, a idéia era<br />
criar competência nessa nova tecnologia<br />
e, ao mesmo tempo, tentar sanar<br />
problemas pontuais, que já estavam<br />
sendo alvo de pesquisa clínica no Brasil.<br />
Nesse intuito, foi montado um esquema<br />
de produção, onde se trabalha<br />
independentemente a porção variável<br />
e a cadeia constante do anticorpo. Por<br />
um lado, trabalhou-se em vetores para<br />
a produção dos anticorpos recombinantes<br />
que já continham a cadeia constante.<br />
Inicialmente foi escolhido o isotipo<br />
IgG1 humano, isotipo que tem<br />
características de fixação de complemento<br />
e arregimentação do sistema<br />
efetor (macrófagos e linfócitos T). Os<br />
vetores, plasmídios contendo um cas-<br />
42 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
sete de expressão heteróloga prevêem<br />
a fusão gênica da Fv diretamente à<br />
região constante γ1, para a cadeia pesada,<br />
e κ, para a cadeia leve. Os vetores<br />
estão sendo construídos para permitir a<br />
produção de anticorpos recombinantes<br />
completos e fragmentos de anticorpos<br />
que preservem a sua capacidade<br />
ligante. Estão sendo testados dois hospedeiros<br />
para a expressão heteróloga:<br />
a levedura metilotrófica Pichia pastoris,<br />
que vem sendo utilizada com sucesso<br />
para a expressão, em grande escala,<br />
de proteínas animais; e células de mamífero<br />
em cultura, que é uma tecnologia<br />
já dominada no Brasil e que permite<br />
uma grande produtividade, principalmente<br />
para moléculas grandes, como o<br />
caso do anticorpo completo (4 cadeias),<br />
que tem massa molecular de cerca<br />
de 150 kDa.<br />
Para o desenvolvimento da Fv, foi<br />
criado um protocolo diferente daquele<br />
utilizado por outros grupos no exterior<br />
(figura 3), onde se enfatiza a comparação<br />
entre os genes variáveis murinos<br />
(genes que codificam a Fv e que são<br />
selecionados durante a resposta a um<br />
dado antígeno) utilizados no anticorpo<br />
original, com uma biblioteca de genes<br />
variáveis germinais humanos (genes<br />
que não sofreram rearranjo, nem hipermutação).<br />
A utilização de genes variáveis<br />
(V genes) germinais (germline)<br />
tem sido proposta na literatura como<br />
uma alternativa à estratégia “best-fit”,<br />
onde o gene variável humano escolhido<br />
é aquele que possui a maior identidade<br />
com o gene murino, independente<br />
do nível de mutação acumulado em<br />
sua região codante. Thomlison e colaboradores<br />
15,16 definiram uma biblioteca<br />
de seqüências germinais de VH (cadeia<br />
variável pesada) e VL (cadeia variável<br />
leve), e vários autores vêm testando<br />
essa estratégia. No nosso laboratório,<br />
estamos desenvolvendo uma estratégia<br />
própria, que maximiza o conteúdo de<br />
resíduos humanos nas seqüências propostas.<br />
Nessa abordagem, procura-se a<br />
seqüência germinal mais próxima e<br />
inserem-se as seqüências correspondentes<br />
às CDR 1, 2 e 3 de ambas as<br />
cadeias. Através de modelagem molecular<br />
são acompanhados e revistos os<br />
possíveis impedimentos estruturais. Em<br />
um trabalho desenvolvido em nosso<br />
grupo 17, mostramos que é possível saturar<br />
a região variável pesada com resíduos<br />
humanos e manter atividade ligante<br />
compatível à do anticorpo original.<br />
Atualmente já se encontra disponível<br />
uma versão totalmente humanizada do<br />
anticorpo anti-CD18. Esse anticorpo,<br />
produzido em cultura de células animais,<br />
reconhece o antígeno especificamente<br />
e com as mesmas características<br />
de seletividade e afinidade que o anticorpo<br />
original obtido de hibridomas<br />
(Figura 4).<br />
Conclusão<br />
A utilização de fármacos à base de<br />
anticorpos recombinantes vem-se tornando<br />
uma realidade. O mercado mundial<br />
para anticorpos terapêuticos é de<br />
cerca de US$ 500 milhões. Os produtos<br />
humanizados também já ganham volume<br />
no mercado. Nos EUA vários anticorpos<br />
humanizados já foram liberados<br />
pelo FDA (Food and Drug Administration)<br />
ou outros organizações equivalentes<br />
de outros países (5 quiméricos e<br />
3 humanizados) e um grande número<br />
se encontra em fase de testes clínicos (<br />
a grande maioria humanizados) 2 . Nos<br />
próximos dez anos, o mercado deverá<br />
ser invadido por essas imunoglobulinas<br />
de última geração. A perspectiva é<br />
de que a tecnologia de anticorpos recombinantes<br />
venha a fornecer insumos<br />
para diversas áreas da medicina, desde<br />
agentes imunomoduladores até vacinas<br />
recombinantes. Essa tecnologia tem<br />
sido utilizada, inclusive, com vistas ao<br />
tratamento de doenças como o câncer,<br />
a AIDS, e na prevenção de infecções<br />
bacterianas 18 . A manipulação de anticorpos<br />
já utilizados atualmente na medicina,<br />
em sua forma murina, que vem<br />
sendo realizada por grupos nacionais,<br />
permitirá a formação de competência<br />
necessária para o domínio dessa tecnologia<br />
no país, a partir das experiências<br />
bem sucedidas; outros anticorpos de<br />
interesse clínico deverão surgir como<br />
candidatos à humanização.<br />
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<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 43
Pesquisa<br />
CIANOBACTÉRIAS<br />
TÓXICAS<br />
O uso de marcadores moleculares para avaliar a diversidade genética<br />
Maria do Carmo Bittencourt-Oliveira<br />
Profa. Dra. do Dep. Ciências <strong>Bio</strong>lógicas da UNESP,<br />
campus de Assis,SP.<br />
mbitt@assis.unesp.br<br />
Mariana Cabral de Oliveira<br />
Profa. Dra. do Dep. Botânica da USP, SP.<br />
mcoliveira@usp.br<br />
João Sarkis Yunes<br />
Prof. Dr. da Unidade de Pesquisas em Cianobactérias,<br />
FURG, RS.<br />
dqmsarks@super.furg.br<br />
Fotos cedidas pelos autores<br />
Em determinadas condições ambientais,<br />
tais como temperaturas médias<br />
diárias acima de 25 o C, concentrações de<br />
nutrientes numa razão N:P<br />
(nitrogênio:fósforo) entre 20:1 e 10:1 e<br />
pH acima de 7.5, algumas populações<br />
de cianobactérias apresentam um intenso<br />
crescimento, conhecido como florações<br />
(Figura 1), as quais podem ser<br />
fenômenos naturais regionais de ocorrência<br />
sazonal, mas que, na maior parte<br />
das vezes, estão relacionadas à eutrofização<br />
artificial causada por excesso de<br />
nutrientes vindos de efluentes domésticos<br />
e rejeitos industriais.<br />
As florações de cianobactérias podem<br />
causar gosto e odor desagradável<br />
na água, além de alterar o equilíbrio<br />
ecológico do ecossistema aquático. No<br />
entanto, o mais grave é que certas<br />
espécies são capazes de produzir toxinas<br />
que podem ser acumuladas na rede<br />
trófica e produzir diferentes sintomas de<br />
intoxicação, atingindo conjuntos de organismos<br />
muito além da comunidade<br />
aquática.<br />
Entre as cianobactérias que podem<br />
causar florações em corpos de água<br />
continentais, destacam-se aquelas que<br />
produzem as cianotoxinas (Figura 2). As<br />
cianotoxinas são liberadas para o ambiente<br />
quando as células se rompem.<br />
Essas toxinas não são retiradas da água<br />
pelos tratamentos convencionais das<br />
redes públicas de abastecimento e são<br />
resistentes à fervura. As cianotoxinas<br />
produzem efeitos especiais nos mamíferos,<br />
sendo classificadas como neurotoxinas<br />
e hepatotoxinas. Foram as hepatoxinas<br />
que ocasionaram a morte de mais<br />
de 60 pacientes em uma clínica de<br />
hemodiálise em Caruaru, estado de Pernambuco,<br />
em 1996 (Jochimsen et al.<br />
1998).<br />
Monitoramento da água<br />
Figura 1. Florações de<br />
cianobactérias potencialmente tóxicas.<br />
A. reservatório destinado ao<br />
abastecimento público, estado de<br />
Pernambuco; B. tanque de piscicultura,<br />
estado de São Paulo<br />
A Fundação Nacional da Saúde (FU-<br />
NASA), em colaboração com a Organização<br />
Panamericana da Saúde (OPAS),<br />
redigiu uma atualização da portaria 36/<br />
MS/90, que definiu as normas e os<br />
padrões de potabilidade da água para<br />
consumo humano no Brasil, incluindo a<br />
obrigatoriedade do monitoramento da<br />
ocorrência de cianobactérias potencialmente<br />
nocivas, testes de toxicidade e<br />
análises de algumas cianotoxinas (microcistina,<br />
cilindrospermopsina, saxitoxina)<br />
tanto na água bruta do manancial<br />
utilizado para a captação de água, como<br />
na água tratada para consumo doméstico<br />
(Portaria MS/1.469, de 29 de dezembro<br />
de 2000).<br />
O monitoramento dos mananciais e<br />
reservatórios de água pode incluir a<br />
identificação das espécies potencialmente<br />
tóxicas e o acompanhamento de sua<br />
densidade, através de contagem. No<br />
entanto, a identificação desses microrganismos<br />
baseada em características<br />
morfológicas, apesar de amplamente<br />
utilizada e recomendada (Chorus &<br />
Bartram 1999), tem-se mostrado inadequada,<br />
devido à extensa plasticidade<br />
fenotípica de algumas espécies (Figura<br />
3) (Otsuka et al. 2000; Bittencourt-Oliveira<br />
2000). Além disso, o uso de características<br />
morfológicas é inadequado,<br />
visto que a toxicidade é uma característica<br />
intra-populacional (Bittencourt-Oliveira<br />
& Yunes 2001). Por isso, outras<br />
técnicas também podem ser empregadas,<br />
e são recomendadas como padrões:<br />
bioensaios com camundongos,<br />
detecção de toxinas através de Cromatografia<br />
Líquida de Alta Performance<br />
(HPLC) ou análises imunoenzimáticas<br />
específicas. Porém nenhuma destas análises<br />
são preditivas, ou seja, elas só são<br />
efetuadas quando a floração tóxica já se<br />
estabeleceu.<br />
A predição desses fenômenos, porém,<br />
torna-se extremamente importante,<br />
tendo em vista o aumento da ocorrência<br />
de florações tóxicas em grandes<br />
sistemas de abastecimento de água e o<br />
alto custo da tecnologia atual para remover<br />
as toxinas quando implementada<br />
na rotina do monitoramento. Portanto,<br />
uma das alternativas seria buscar marcadores<br />
moleculares que identificassem a<br />
presença de cepas de cianobactérias<br />
potencialmente tóxicas antes da ocorrência<br />
da floração.<br />
Diversidade genética de<br />
Microcystis aeruginosa<br />
Para entender a dinâmica das florações<br />
de cianobactérias em ecossistemas<br />
eutrofizados, é importante entender sua<br />
diversidade genética a fim de monitorar<br />
essas populações. Microcystis aeruginosa<br />
é uma das espécies potencialmente<br />
tóxicas capazes de produzir a microcistina<br />
e uma das responsáveis por grande<br />
parte dos relatos de intoxicação<br />
(CETESB 1997).<br />
44 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Tabela 1. Cepas clonais de Microcystis estudadas indicando a presença do marcador molecular (+) para o gene que codifica<br />
para microcistina sintetase e a constatação da toxicidade através da análise de imunoensaio. Cepas pertencentes ao mesmo<br />
local e data foram isoladas a partir da mesma população coletada em um único ponto do corpo d´água.<br />
LG-SP: Lagoa das Garças, Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, São Paulo, SP; CT-SP: Reservatório do Sistema Cantareira,<br />
Mairiporã, SP; LJ-RJ: Lagoa de Jacarepaguá, Rio de Janeiro, RJ; TB-PE: Reservatório de Tabocas, São Lourenço da Mata, PE;<br />
TP: Reservatório de Tapacurá, Vitória de Santo Antão, PE; LS-MG: Lagoa Santa, MG; BB-SP: Reservatório de Barra Bonita, Barra<br />
Bonita, SP; TM: Reservatório de Três Marias, BA.<br />
FCLA: Coleção de Microrganismos da Faculdade de Ciências e Letras de Assis-UNESP. NPPN: Coleção do Núcleo de Pesquisa<br />
em Produtos Naturais-UFRJ.<br />
NA: não analisada.<br />
Cepa Espécie Localidade Data de Coleta Marcador Toxicidade<br />
Molecular<br />
FCLA30 M. aeruginosa LG-SP Nov.96 - Não tóxica<br />
FCLA158 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Não tóxica<br />
FCLA175 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Não tóxica<br />
FCLA174 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Tóxica<br />
FCLA199 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Não tóxica<br />
FCLA03 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Não tóxica<br />
FCLA154 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Não tóxica<br />
FCLA155 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 + Tóxica<br />
FCLA255 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 + Tóxica<br />
FCLA258 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 + Tóxica<br />
FCLA299 M. aeruginosa LG-SP Fev. 97 + Tóxica<br />
FCLA236 M. aeruginosa LG-SP Mar.97 + Tóxica<br />
FCLA232 M. aeruginosa LG-SP Mar.97 + NA<br />
FCLA262 M. aeruginosa LG-SP Mar.97 + Tóxica<br />
FCLA235 M. aeruginosa LG-SP Abr.97 + Tóxica<br />
FCLA310 M. aeruginosa LG-SP Abr.97 - Não tóxica<br />
FCLA298 M. aeruginosa LG-SP Mai.97 + Tóxica<br />
FCLA450 M. aeruginosa LG-SP Jul.97 - Tóxica<br />
NPPN-JB1 M. aeruginosa LG-SP 1990 + Tóxica<br />
FCLA225 M. aeruginosa CT-SP Març.97 + NA<br />
FCLA296 M. aeruginosa CT-SP Març.97 - Não tóxica<br />
FCLA16 M. cf. “panniformis” BB-SP Nov.99 - Tóxica<br />
FCLA 97 M. cf. “panniformis” BB-SP Abr.00 - NA<br />
FCLA 98 M. cf. “panniformis” BB-SP Abr.00 - NA<br />
FCLA 99 M. cf. “panniformis” BB-SP Abr.00 - NA<br />
FCLA 100 M. cf. “panniformis” BB-SP Abr.00 + NA<br />
NPPN-LJ4 M. aeruginosa LJ-RJ 1995 + Tóxica<br />
NPPN-LJ47 M. aeruginosa LJ-RJ 1996 + Tóxica<br />
NPPN-LS1 Microcystis sp. LS-MG 1993 + NA<br />
FCLA07 Microcystis sp. TB-PE 1997 - Não tóxica<br />
FCLA17 Microcystis sp. TP-PE Set.99 - Não tóxica<br />
FCLA08 Microcystis sp. TB-PE Fev.99 - Não tóxica<br />
FCLA18 Microcystis sp. TM-AL ____ + Tóxica<br />
Bittencourt-Oliveira et al. (2001)<br />
analisaram 15 linhagens clonais e não<br />
axênicas da cianobactéria M. aeruginosa,<br />
coletadas em diversas localidades e<br />
em diferentes datas (amostras coletadas<br />
por C. Sant´Anna, C. Bicudo e D. Bicudo).<br />
Para isso, utilizaram como marcador<br />
molecular um fragmento de cerca<br />
de 580 pares de bases do operon da<br />
ficocianina (cpcBA), que se mostrou<br />
adequado em estudos comparativos utilizando<br />
espécies e populações. O cpc-<br />
BA é específico de cianobactérias; dessa<br />
forma, é possível utilizar culturas contaminadas<br />
com outras bactérias não-fotossintetizantes,<br />
fungos, microalgas verdes<br />
ou qualquer outro microrganismo,<br />
desde que não possua esse pigmento, e<br />
até mesmo em amostras coletadas diretamente<br />
da natureza.<br />
Constatou-se que as seqüências de<br />
DNA do cpcBA nas populações brasileiras<br />
de M. aeruginosa são mais diversificadas<br />
do que aquelas disponíveis em<br />
bancos de dados. A diversidade de<br />
populações brasileiras de Microcystis<br />
também foi confirmada com outras 18<br />
cepas utilizando RFLP-PCR (Figura 4)<br />
(Cunha 2000).<br />
Em uma pequena lagoa ornamental<br />
no município de São Paulo, estado de<br />
São Paulo, foram detectados 6 genótipos<br />
distintos (Figura 5), em coletas<br />
realizadas mensalmente em um único<br />
ponto amostrado (Bittencourt-Oliveira<br />
et al. 2000). Essas alterações nos genótipos<br />
podem ocorrer sem alteração correspondente<br />
dos fenótipos predominantes.<br />
Da mesma forma, fenótipos diferen-<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 45
tes, ou seja, de distintas morfologias<br />
de colônias, podem<br />
ter genótipos semelhantes<br />
(Figura 3).<br />
Marcadores moleculares<br />
para microcistina<br />
Nos procariotos e em<br />
algumas linhagens de eucariotos<br />
primitivos, pequenos<br />
polipeptídeos de origem<br />
não-ribossomal podem ser<br />
sintetizados por enzimas denominadas<br />
peptídeos sintetases.<br />
A maioria dos genes<br />
de peptídeos sintetases tem<br />
uma estrutura modular, onde<br />
cada módulo codifica uma<br />
sintetase específica. A inativação<br />
de um gene de peptídio<br />
sintetase (mcyB) de uma<br />
cepa hepatotóxica resultou<br />
na perda da produção de<br />
microcistina, demonstrando<br />
que o gene mcyB codifica<br />
para a microcistina sintetase<br />
(Dittmann et al. 1997). Dessa<br />
forma, a diferença básica<br />
entre as populações tóxicas<br />
e não-tóxicas de Microcystis<br />
estaria na presença de um<br />
ou mais genes que codificam<br />
para a microcistina sintetase<br />
(Nishizawa et al 1999,<br />
2000). Sendo assim, as linhagens<br />
tóxicas poderiam<br />
ser localizadas através de<br />
marcadores moleculares<br />
para genes que codificam<br />
para essas enzimas.<br />
Iniciou-se, então, um estudo<br />
abordando a possibilidade<br />
de utilização de marcadores<br />
moleculares para cianobactérias<br />
tóxicas ou potencialmente<br />
tóxicas, objetivando a detecção<br />
de linhagens cultivadas e de<br />
populações naturais capazes de expressar<br />
a microcistina, independentemente<br />
de sua categoria taxonômica e da produção<br />
dessa toxina no momento da<br />
Figura 2. Cianobactérias potencialmente tóxicas. A.<br />
Microcystis aeruginosa; B. Planktothrix agardii; C.<br />
Cylindrospermopsis raciborskii (tricoma espiralado). D.<br />
Anabaena circinalis<br />
Figura 3. Colônias de Microcystis aeruginosa mantidas<br />
sob cultivo e isoladas de uma mesma população. A identificação<br />
tradicional de cianobactérias baseia-se em características<br />
morfológicas, como a forma da colônia, diâmetro<br />
celular, espessura da mucilagem, etc. Através da<br />
morfologia, essas duas colônias (A e B) seriam<br />
identificadas como duas espécies distintas. O<br />
seqüenciamento de DNA utilizando o operon cpcBA-IGS<br />
e regiões adjacentes indica que essas duas cepas pertencem<br />
à mesma espécie<br />
análise. Tais esforços também foram<br />
iniciados em outros centros de pesquisa<br />
no exterior (Del Campo et al. 2001,<br />
Rouhiainen et al. 2001, Song et al. 2001).<br />
Linhagens pertencentes ao gênero<br />
Microcystis pertencentes à Coleção de<br />
Microrganismos da Faculdade<br />
de Ciências e Letras de Assis<br />
(FCLA), da Universidade Estadual<br />
Paulista (UNESP) estão<br />
sendo analisadas em relação à<br />
produção de microcistina, utilizando<br />
o método imunoenzimático,<br />
com o kit EnviroLogix,<br />
correlacionadas com a presença<br />
ou a ausência do gene<br />
que codifica para a microcistina<br />
sintetase, o mcyB.<br />
Utilizando-se a técnica de<br />
PCR (Polymerase Chain Reaction)<br />
com DNA iniciadores<br />
(“primers”) específicos para o<br />
gene que codifica para a microcistina<br />
sintetase, observouse<br />
que, em cepas que apresentaram<br />
diferentes níveis de<br />
concentração de microcistina<br />
(µg de toxina/mg de células),<br />
também foi detectada a presença<br />
de único produto amplificado<br />
com, aproximadamente,<br />
780bp (Figura 6), indicando<br />
a presença do gene<br />
para produção de microcistina<br />
(Tabela 1).<br />
Isolados de uma mesma<br />
população apresentaram genótipos<br />
distintos em relação à<br />
presença ou não do gene que<br />
codifica para a microcistina<br />
sintetase. Isso confirma nossa<br />
hipótese de que a população<br />
é formada por um mosaico de<br />
genótipos e a toxicidade é<br />
uma característica intra-populacional.<br />
A composição desse mosaico,<br />
com indivíduos geneticamente<br />
diferentes dentro da<br />
mesma população, cada qual<br />
possivelmente com sua tolerância<br />
a fatores ambientais e<br />
potencialidade diferenciada de toxicidade,<br />
poderia explicar as alterações de<br />
microcistinas em florações já investigadas<br />
(Bittencourt-Oliveira & Yunes 2001)<br />
e a não correlação entre conteúdo de<br />
microcistina e número de células (Kotak<br />
Figura 4. Perfil eletroforético em gel de agarose mostrando 6<br />
genótipos de Microcystis aeruginosa (1-11 e 14-18) coletadas nos<br />
estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco<br />
e 1 genótipo de Microcystis wesenbergii. Genótipo A corresponde<br />
às canaletas: 1, 3, 7, 10, 11. Genótipo B: 2. Genótipo C: 4, 5, 8,<br />
14. Genótipo D: 6, 9, 15. Genótipo E: 17. Genótipo F: 18. O fragmento,<br />
correspondente a um trecho do cpcBA foi digerido com a<br />
enzima de restrição MspI. M: marcador molecular (Gibco BRL).<br />
Microcystis wesenbergii (12 e 13)<br />
46 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Figura 5. Ocorrência (quadros<br />
negros) de seis genótipos distintos<br />
(G1 a G6) de Microcystis<br />
aeruginosa em uma lagoa eutrófica<br />
do Parque Estadual das Fontes do<br />
Ipiranga, no município de São Paulo-SP,<br />
constatados através do<br />
seqüenciamento do cpcBA-IGS. As<br />
coletas foram realizadas em um<br />
único ponto do corpo d´água. Várias<br />
cepas foram isoladas de uma<br />
mesma amostra<br />
et al 1995).<br />
Nem sempre houve correspondência<br />
entre as técnicas de imunoensaio e a<br />
de marcadores moleculares para a microcistina<br />
sintetase (Tabela 1), indicando<br />
que outros genes poderiam estar<br />
envolvidos na produção de microcistina.<br />
Em vista da potencialidade dos recursos<br />
genéticos associados à diversidade<br />
biológica das cianobactérias no Brasil,<br />
faz-se necessário ampliar o estudo<br />
da variabilidade genética, bem como<br />
zelar pela sua conservação, através da<br />
implantação de bancos de germoplasmas<br />
de cianobactérias. Essas coleções<br />
de germoplasma permitirão assegurar a<br />
procura e conservação de novos genes<br />
de interesse biotecnológico, como aqueles<br />
associados à síntese de substâncias<br />
bioativas, tais como as cianotoxinas.<br />
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molecular mcyB em cepas de<br />
Microcystis aeruginosa. M: Marcador<br />
molecular (Gibco BRL). 1, 3 e 5:<br />
Cepa tóxica (FCLA236) mostrando o<br />
produto amplificado, correspondente<br />
ao mcyB (setas), utilizando, respectivamente,<br />
100, 20 e 200ng de DNA. 2<br />
e 4: Cepa não tóxica (FCLA30)<br />
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<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 47
Pesquisa<br />
PEPTÍDEOS<br />
ANTIBIÓTICOS<br />
Peptídeos antibióticos produzidos por aracnídeos<br />
Sirlei Daffre<br />
Doutora em <strong>Bio</strong>química<br />
Professora Assistente Doutora do Departamento<br />
de Parasitologia, ICB, USP<br />
sidaffre@icb.usp.br<br />
Antônio Miranda<br />
Doutor em Ciências<br />
Professor Adjunto do Departamento de<br />
<strong>Bio</strong>física, UNIFESP<br />
miranda.biof@epm.br<br />
M. Teresa M. Miranda<br />
Doutora em <strong>Bio</strong>química<br />
Professora Livre-Docente do Departamento de<br />
<strong>Bio</strong>química, IQ, USP<br />
mtmirand@iq.usp.br<br />
Philippe Bulet<br />
Doutor em <strong>Bio</strong>logia e Fisiologia<br />
Diretor de Pesquisa do Intitut <strong>Bio</strong>logie<br />
Moleculaire et Cellulaire, Centre National de<br />
la Recherche Scientifique (CNRS),<br />
Estrasburgo, França<br />
P.Bulet@ibmc.u-strasbg.fr<br />
Pedro I. da Silva Jr.<br />
Doutor em Ciências<br />
Pesquisador do Instituto Butantan<br />
pisjr@usp.br<br />
Alessandra Machado<br />
Doutora em Química Orgânica<br />
Pós-Doutora do Departamento de <strong>Bio</strong>química,<br />
IQ, USP<br />
Amachado@iq.usp.br<br />
Andréa C. Fogaça<br />
Doutoranda em <strong>Bio</strong>logia da Relação<br />
Patógeno-Hospedeiro, ICB, USP<br />
deafog@usp.br<br />
Daniel M. Lorenzini<br />
Doutorando em <strong>Bio</strong>logia da Relação<br />
Patógeno-Hospedeiro, ICB, USP<br />
dloren@usp.br<br />
Lourivaldo S. Pereira<br />
Doutorando em <strong>Bio</strong>logia da Relação<br />
Patógeno-Hospedeiro, ICB, USP<br />
lourival@usp.br<br />
Marcos A. Fázio<br />
Doutorando em <strong>Bio</strong>logia Molecular, UNIFESP<br />
fazio.biof@infar.epm.br<br />
Eliane Esteves<br />
Mestranda em <strong>Bio</strong>logia da Relação Patógeno-<br />
Hospedeiro, ICB, USP<br />
eli_esteves@hotmail.com<br />
s doenças infecciosas estão<br />
entre as principais causas de<br />
morte da população humana.<br />
Esse fato é devido, em<br />
grande parte, ao surgimento de microorganismos<br />
multi-resistentes aos antibióticos.<br />
Portanto, apesar da disponibilidade<br />
de um grande número de antibióticos<br />
de última geração, torna-se ainda<br />
fundamental buscar compostos que<br />
possam atuar como novas drogas a<br />
serem utilizadas no combate as doenças<br />
infecciosas (Lohner & Staudegger,<br />
2001).<br />
O surgimento do grande número<br />
atual de cepas bacterianas resistentes<br />
pode ter várias origens, sendo uma<br />
delas decorrente do próprio tipo de<br />
vida do ser humano. O principal fator é,<br />
sem dúvida, o consumo excessivo e<br />
inapropriado dos antibióticos por homens,<br />
outros animais e na agricultura.<br />
A prescrição do antibiótico é geralmente<br />
empírica e sem a identificação prévia<br />
do agente patogênico através de exames<br />
laboratoriais. Além disso, a sua<br />
venda sem exigência de uma prescrição<br />
médica em alguns países, associada<br />
ao suprimento irregular desse medicamento,,<br />
à baixa qualidade da medicação<br />
e ao seu mal uso pelos pacientes<br />
(que muitas vezes não completam o<br />
tratamento), contribuem para a seleção<br />
de novos microorganismos multiresistentes.<br />
Associada a isso, uma grande<br />
quantidade de agentes antimicrobianos<br />
vem sendo usado na agropecuária<br />
para promover o crescimento de plantas<br />
e animais, o que ocasiona um aumento<br />
da resistência de microorganismos<br />
que são transmitidos para o homem.<br />
Ao mesmo tempo, o aumento da<br />
migração da população e o transporte<br />
de animais ou de produtos de origem<br />
animal trazem doenças para áreas onde<br />
nunca haviam se instalado, resultando<br />
no espalhamento de microorganismos<br />
resistentes aos antibióticos. Mudanças<br />
Marcelo R. Burgierman<br />
Mestrando em <strong>Bio</strong>logia da Relação Patógeno-<br />
Hospedeiro, ICB, USP<br />
marusso@zipmail.com.br<br />
Fotos cedidas pelos autores<br />
Figura 1. Possíveis mecanismos de ação dos peptídeos antimicrobianos<br />
(Lohner, 2001)<br />
48 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
ambientais, tais como desmatamento<br />
e alterações climáticas<br />
também proporcionam contato<br />
mais íntimo dos homens com<br />
animais e insetos que transmitem<br />
doenças muitas vezes desconhecidas<br />
(Lohner & Staudegger,<br />
2001).<br />
Assim sendo, várias medidas<br />
sócio-político-econômicas deveriam<br />
ser tomadas para a contenção<br />
do desenvolvimento e de<br />
transmissão de resistência antimicrobiana.<br />
Redução do uso inapropriado<br />
e excessivo dos antibióticos<br />
no tratamento de doenças<br />
em geral, tanto humanas<br />
quanto de animais domésticos e<br />
da própria agricultura, poderia<br />
ser uma dessas medidas. Paralelamente,<br />
para que se consiga um<br />
efetivo controle das doenças infecciosas,<br />
tornou-se vital investir<br />
em pesquisa e em pesquisadores<br />
que possam se dedicar à<br />
busca de substâncias naturais ou<br />
sintéticas que exibam atividades antimicrobianas<br />
específicas e, acima de<br />
tudo, que as exerçam através de mecanismos<br />
de ação alternativos daqueles<br />
dos antibióticos disponíveis.<br />
Nesse contexto, a pesquisa, a purificação,<br />
e a caracterização química,<br />
biológica e estrutural de novas substâncias<br />
antimicrobianas provenientes da<br />
fauna e da flora brasileira são valiosas,<br />
uma vez que a própria evolução tratou<br />
de selecionar um vastíssimo espectro<br />
de substâncias eficientes que defendem<br />
contra infecções.<br />
Diariamente, nós humanos estamos<br />
expostos a muitos patógenos em potencial<br />
através da ingestão, inalação e<br />
contato com superfícies infectadas.<br />
Como a resposta humoral e celular<br />
adaptativa requer a expansão clonal<br />
dos linfócitos B e T, e leva até 7 dias<br />
para poder realmente ficar ativa contra<br />
as infecções, ela não é a responsável<br />
pelo impedimento inicial da instalação<br />
desses organismos. Portanto, dependemos<br />
da resposta imune inata para nos<br />
defender de infecção (Janeway, 1998).<br />
Os efetores da resposta imune inata<br />
incluem as células fagocíticas, tais como<br />
neutrófilos e macrófagos, de outros<br />
leucócitos, incluindo mastócitos, das<br />
proteínas do soro, tais como as do<br />
sistema de complemento, e dos peptídeos<br />
antimicrobianos (Hancock & Diamond,<br />
2000). Esses últimos são elementos<br />
primitivos da resposta imune<br />
Figura 2. Estruturas tridimensionais da<br />
magainina (Hara et al., 2001). indolicidina<br />
(Rozek et al., 2000), drosomicina (Landon<br />
et al., 1997) e teta-defensina (Trabi et al.,<br />
2001). Representadas, em amarelo, a<br />
estrutura folha β-pregueada e, em rosa, a<br />
estrutura α-hélice)<br />
de todas as espécies de ser vivo, cujas<br />
vias de indução são relativamente conservadas<br />
em vertebrados, insetos e plantas<br />
(Hoffman et al., 1999, Dangl &<br />
Jones, 2001). Recentemente, foi demonstrada<br />
a participação deles na<br />
modulação do processo inflamatório<br />
de mamíferos (Hancock & Diamond,<br />
2000).<br />
Mais de 700 peptídeos antimicrobianos<br />
já foram identificados em todas as<br />
espécies vivas, incluindo bactérias, fungos,<br />
insetos, moluscos, crustáceos, aracnídeos,<br />
plantas, pássaros, anfíbios, peixes,<br />
mamíferos, entre outros (http://<br />
bbcm1.univ.trieste.it/~tossi/pag1.htm).<br />
Em geral, são moléculas pequenas de<br />
até 5 kDa que exibem um alto teor de<br />
aminoácidos básicos e, pelo menos,<br />
50% de aminoácidos hidrofóbicos<br />
(ver revisões em Andreu &<br />
Rivas, 1998; Bulet et al., 1999;<br />
Hancock & Diamond, 2000).<br />
Apresentam um amplo espectro<br />
de atividade contra bactérias,<br />
fungos, vírus e parasitas. O mecanismo<br />
de ação mais bem conhecido<br />
é através da sua inserção<br />
na membrana celular que<br />
causa a destruição ou a permeabilização<br />
da mesma, levando o<br />
microorganismo à morte (Figura<br />
1). Alternativamente, os peptídeos<br />
antimicrobianos podem se<br />
ligar a um receptor da membrana,<br />
levando a uma perda específica<br />
de sua função. Além disso,<br />
ao se translocarem através da<br />
membrana, essas moléculas podem<br />
atuar intracelularmente, impedindo<br />
a síntese de metabólitos<br />
importantes para o microorganismo.<br />
Por atuarem em diferentes<br />
compartimentos celulares,<br />
esses compostos tornam-se<br />
candidatos promissores para o desenvolvimento<br />
de drogas importantes no<br />
combate a patógenos resistentes aos<br />
antibióticos convencionais (Lohner,<br />
2001).<br />
Os peptídeos antimicrobianos podem<br />
ser agrupados de acordo com suas<br />
propriedades químicas e estruturais em<br />
2 classes: lineares e cíclicos. Os lineares,<br />
não apresentam o aminoácido cisteína<br />
em sua composição, e podem ser<br />
subdivididos nos que formam uma α-<br />
hélice anfipática após contato com a<br />
membrana celular (por exemplo, magainina<br />
de sapo, Hara et al., 2001) e os<br />
ricos em um determinado tipo de aminoácido,<br />
tais como prolina, histidina e<br />
triptofano (por exemplo, indolicidina<br />
de bovino, Rozek et al., 2000). Os<br />
Figura 3. Alinhamento da gomesina com outros peptídeos antimicrobianos:<br />
taquiplesina e polifemusina de límulos, androctonina de escorpião e<br />
protegrina de suíno (Silva, Jr. et al., 2000)<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 49
Tabela 1. Peptídeos antimicrobianos isolados da hemolinfa da aranha Acanthoscurria gomesiana<br />
cíclicos são peptídeos que apresentam<br />
resíduos de cisteína em sua estrutura,<br />
podendo ter as extremidades aminoterminal<br />
abertas (por exemplo, drosomicina<br />
da mosca Drosophila melanogaster,<br />
Landon et al.1997) ou as extremidades<br />
fechadas (por exemplo, tetadefensina<br />
de macaco, Trabi et al. 2001)<br />
(Figura 2).<br />
Gomesina e outros peptídeos antimicrobianos<br />
da aranha<br />
caranguejeira<br />
Entre os invertebrados, os estudos<br />
que visam caracterizar a estrutura e a<br />
atividade dos peptídeos antimicrobianos,<br />
assim como a regulação gênica<br />
deles concentram-se, principalmente,<br />
no grupo dos insetos (Bullet et al.,<br />
Figura 4. Estrutura tridimensional da gomesina determinada por<br />
ressonância magnética nuclear (RMN). À direita, a representação<br />
esquemática da molécula (Mandard et al., 2001)<br />
1999). Já há alguns anos, o grupo de<br />
pesquisa da Dra. Sirlei Daffre (Departamento<br />
de Parasitologia, ICB-USP) vem<br />
trabalhando ativamente na identificação<br />
e caracterização de peptídeos em<br />
duas espécies de aracnídeos: a aranha<br />
caranguejeira Acanthoscurria gomesiana<br />
e o carrapato de boi Boophilus<br />
microplus. Esses peptídeos são importantes<br />
para a defesa desses animais<br />
contra infecções e, como tal,<br />
poderão ser usados no desenvolvimento<br />
de novas drogas<br />
para uso na medicina e<br />
na agricultura. Nos últimos<br />
anos, o referido grupo passou<br />
a contar com a colaboração<br />
de outros três grupos de<br />
pesquisa: o da Dra. M. Teresa<br />
M. Miranda (Departamento<br />
de <strong>Bio</strong>química, IQ-USP),<br />
o do Dr Philippe Bulet (Centre<br />
National de la Recherche<br />
Scientifique, CNRS, Estrasburgo,<br />
França) e o do Dr.<br />
Antonio Miranda (Departamento<br />
de <strong>Bio</strong>física, UNI-<br />
FESP). Quatro peptídeos foram<br />
isolados da hemolinfa<br />
(sangue) da aranha caranguejeira<br />
(Tabela I; Silva Jr.,<br />
2000). Um deles, denominado<br />
gomesina, apresentou um<br />
amplo espectro de atividade<br />
contra bactérias, fungos e o<br />
parasita causador da leishmaniose<br />
(Silva Jr., 2000; Sil-<br />
50 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Figura 5. Atividades<br />
antimicrobianas dos análogos<br />
sintéticos de gomesina (Gm).<br />
As atividades são expressas<br />
através da concentração mínima<br />
do peptídeo que causa<br />
100% de inibição de crescimento.<br />
PB 1 = 217 mOsM; 1.0<br />
g de Peptona + 86 mM NaCl<br />
em 100 mL de H 2<br />
0. PB 2 = 367<br />
mOsM; 1.0 g de Peptona +<br />
137 mM NaCl em 100 mL de<br />
H 2<br />
0. ½ PDB 3 = 79 mOsM; 1.2<br />
g de dextrose de batata em<br />
100 mL de H 2<br />
O). ½ PDB 4 =<br />
333 mOsM; 1.2 g de dextrose<br />
de batata em 100 mL de H 2<br />
O<br />
+ 137 mM NaCl<br />
va Jr. et al., 2000). É um octadecapeptídeo<br />
de massa molecular equivalente a<br />
2270,4 Da apresentando quatro resíduos<br />
de cisteína envolvidos em duas pontes<br />
dissulfeto (2-15 e 6-11), um ácido<br />
piroglutâmico na extremidade N-terminal<br />
e uma arginina α-amidada como<br />
resíduo C-terminal. Sua estrutura cíclica<br />
com terminação aberta apresentando<br />
um ácido piroglutâmico N-terminal<br />
e a amidação C-terminal possivelmente<br />
protegem o peptídeo contra degradação<br />
por proteases. A gomesina é um<br />
peptídeo altamente básico (pI calculado<br />
de 12,7), pois contém seis resíduos<br />
de aminoácidos carregados positivamente<br />
(cinco argininas e<br />
uma lisina). Apresenta<br />
um alto grau de similaridade<br />
com a família dos<br />
peptídeos básicos dos límulos:<br />
taquiplesinas e<br />
polifemusinas (50%;<br />
Nakamura et al., 1988;<br />
Miyata et al., 1989), da<br />
androctonina isolada do<br />
escorpião (23%; Ehret-<br />
Sebatier et al, 1996) e da<br />
protegrina presente em<br />
leucócitos de suínos<br />
(17%; Kokryakov et al.,<br />
1993) (Figura 3). A disposição<br />
das pontes dissulfeto,<br />
Cys1-Cys4 e<br />
Cys2-Cys3, é idêntica<br />
para todos estes peptídeos,<br />
sugerindo que a<br />
gomesina pode adotar<br />
uma estrutura “β-hairpin”<br />
como a encontrada<br />
nas taquiplesinas (Kawano<br />
et al., 1990; Tamamura<br />
et al., 1993), protegrinas<br />
(Aumelas et al., 1996;<br />
Fahrner et al., 1996), e<br />
androctonina (Mandard<br />
et al., 1999). Resultados<br />
recentes da análise da<br />
gomesina por ressonância<br />
magnética nuclear<br />
(RMN) em solução comprovam<br />
a ocorrência<br />
dessa estrutura na molécula<br />
(Mandard et al.,<br />
2001; Figura 4). A gomesina<br />
forma uma estrutura<br />
do tipo “β-hairpin”<br />
com folhas beta pregueadas<br />
anti-paralelas ligadas<br />
por uma volta β estabilizada<br />
por duas pontes<br />
dissulfeto. Ela ainda<br />
apresenta uma característica<br />
anfipática bem definida,<br />
de forma similar<br />
às estruturas determinadas<br />
para seus análogos<br />
taquiplesina e protegrina.<br />
Esse tipo de estrutura<br />
foi observado também<br />
em vários outros peptídeos antimicrobianos,<br />
cujos aminoácidos básicos<br />
(carregados positivamente em pH<br />
fisiológico) seriam responsáveis pela<br />
interação inicial eletrostática com os<br />
grupos carregados negativamente dos<br />
lipídeos das membranas dos microorganismos.<br />
Posteriormente, ocorreria a<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 51
inserção da porção hidrofóbica dos<br />
peptídeos na membrana, promovendo<br />
a sua uma desestabilização (Oren &<br />
Shai, 1998).<br />
A gomesina mostrou uma forte ação<br />
antimicrobiana contra 14 bactérias<br />
Gram-positivas, 10 bactérias Gram-negativas,<br />
9 fungos filamentosos e 5 leveduras<br />
(Silva Jr. et al., 2000). Entre esses<br />
microorganismos, existem várias bactérias<br />
causadoras de infecções hospitalares,<br />
tais como a Staphylococcus aureus,<br />
a Staphilococcus saprophiticus, a<br />
Streptococcus pyogenes e a Pseudomonas<br />
aeruginosa. Além de causadoras<br />
de infecções hospitalares, a Staphylococcus<br />
aureus causa meningite e furúnculos,<br />
a Staphilococcus saprophiticus<br />
provoca infecção no trato urinário e a<br />
Streptococcus pyogenes, a febre reumática.<br />
Ainda como patogênicas aparecem<br />
a Klebsiella pneumoniae, causadora<br />
da pneumonia, a Listeria monocytogenes,<br />
associada à meningite e<br />
pneumonia, a Candida albicans, responsável<br />
pela candidíase, a Cryptococcus<br />
neoformans, causadora da meningite,<br />
a Salmonella thyphimurium, responsável<br />
pela salmonelose e a Tricophyton<br />
mentagrophytes, causadora da<br />
micose superficial.<br />
Embora apresente uma certa atividade<br />
hemolítica (Silva Jr. et al., 2000), a<br />
gomesina tem-se mostrado um antimicrobiano<br />
com um grande potencial<br />
para aplicações terapêuticas em humanos,<br />
outros animais e em plantas. Essa<br />
afirmação decorre da combinação das<br />
seguintes propriedades: amplo espectro<br />
de atividade, rápida ação antimicrobiana<br />
e características estruturais que<br />
conferem alta estabilidade à molécula.<br />
Gomesina: importância das<br />
pontes dissulfeto para<br />
sua atividade<br />
Com o objetivo de elucidar a importância<br />
das pontes dissulfeto na expressão<br />
da atividade biológica desse peptídeo<br />
e, ao mesmo tempo, buscar análogos<br />
mais seletivos e/ou mais estáveis à<br />
degradação enzimática que ele, foram<br />
sintetizados manualmente pelo método<br />
da fase sólida, os compostos listados<br />
na Figura 5. Esses compostos foram<br />
purificados por cromatografia líquida<br />
de fase reversa (RP-HPLC) e caracterizados<br />
por RP-HPLC e cromatografia<br />
liquida acoplada a um espectrômetro<br />
de massa do tipo electrospray (LC/MS).<br />
As atividades antimicrobianas foram<br />
Figura 6. Processamento da Gomesina. O transcrito do gene da<br />
gomesina é traduzido em uma proteína precursora de 9,7kDa. Essa<br />
proteína apresenta um peptídeo sinal (amarelo) e uma região carboxi<br />
terminal carregada negativamente (azul). A proteína precursora é processada<br />
pela remoção do peptídeo sinal e da região carboxiterminal,<br />
a glutamina da extremidade amino-terminal é modificada em ácido<br />
piroglutâmico e a arginina carboxi-terminal é amidada<br />
determinadas pelo ensaio líquido de<br />
inibição de crescimento contra Micrococcus<br />
luteus (bactéria Gram-positiva),<br />
Escherichia coli (bactéria Gram-negativa)<br />
e Cândida albicans (levedura),<br />
sendo expressas através da concentração<br />
mínima do peptídeo que causa<br />
100% de inibição de crescimento (Silva<br />
Jr et al., 2000). Como pode ser observado<br />
na Figura 5, os análogos que apresentam<br />
somente uma das pontes dissulfeto,<br />
os monocíclicos {[Cys(Acm)6,<br />
11], [Cys (Acm) 2,15], [Ser6,11] e [Ser2,15]<br />
- Gomesina}, foram de 2 a 4 vezes<br />
menos ativos que a gomesina nativa<br />
Figura 7. Possível mecanismo de processamento da cadeia α da<br />
hemoglobina bovina no intestino do carrapato de boi B. microplus e<br />
geração do fragmento antimicrobiano 33-61. A cadeia α é clivada<br />
entre os resíduos de metionina (32) e de fenilalanina (33) pela<br />
enzima 1 e entre os resíduos de lisina (61) e valina (62) pela<br />
enzima 2, gerando o peptídeo antimicrobiano<br />
para os três microorganismos testados,<br />
tanto nos meios com baixa concentração<br />
de NaCl (86 mM; PB 1 ) ou sem sal<br />
(PDB 3 ), como naqueles com uma concentração<br />
fisiológica de NaCl comparável<br />
ao do soro humano (137 mM NaCl;<br />
PB 2 e PDB 4 ). Já os análogos sem as duas<br />
pontes dissulfeto, os lineares<br />
{[Ser2,6,11,15] e [Cys(Acm)2,6,11,15]<br />
Gm} foram de 2 a 16 vezes menos ativos<br />
que a gomesina nativa, na ausência e<br />
em baixa concentração de NaCl, sendo<br />
essa atividade reduzida mais ainda nos<br />
meios com uma concentração de 137<br />
mM de NaCl (cerca de 4 a 64 vezes).<br />
52 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Observamos que há uma variação nesta<br />
redução dependendo do microorganismo,<br />
sendo significativamente maior<br />
para E.coli (32 a 64 vezes). A influência<br />
do sal na atividade da gomesina pode<br />
ser explicada pelo fato de o sódio estar<br />
competindo com os grupos carregados<br />
positivamente da gomesina durante a<br />
interação inicial eletrostática entre estes<br />
e os grupos carregados negativamente<br />
da membrana celular do microorganismo<br />
(Fázio et al., 2001).<br />
É extremamente importante esclarecer<br />
que embora os análogos sintetizados<br />
tenham apresentado atividades<br />
antimicrobianas mais baixas do que a<br />
gomesina nativa, eles exibiram atividades<br />
hemolíticas reduzidas em relação à<br />
dela: de 2 a 11 vezes na concentração<br />
de 100 µM. Esses resultados sugerem<br />
que ambas as pontes dissulfeto são<br />
importantes para a expressão da atividade<br />
antimicrobiana da gomesina e<br />
que os análogos estudados apresentam<br />
uma especificidade de ação diferenciada<br />
contra certos microorganismos. Isso<br />
ocorre, muito provavelmente, devido<br />
às variações da composição da membrana<br />
de cada microoorganismo, afetando<br />
na interação inicial eletrostática<br />
entre os grupos carregados positivamente<br />
da gomesina com os grupos<br />
negativos da membrana, e/ou na inserção<br />
da gomesina na porção hidrofóbica<br />
da membrana. Estudos envolvendo<br />
modificações adicionais da gomesina<br />
estão sendo realizados com o objetivo<br />
de se obter em análogos mais ativos e<br />
seletivos não hemolíticos.<br />
Precursor da gomesina<br />
Através da clonagem do cDNA da<br />
gomesina, verificamos que esse peptídeo<br />
é traduzido na forma de uma<br />
proteína precursora de 9,7 kDA (Figura<br />
6, Lorenzini et al., 2001). Essa proteína<br />
apresenta um peptídeo sinal, indicando<br />
que o precursor da gomesina é<br />
direcionado ao retículo endoplasmático,<br />
que está provavelmente ligado à via<br />
de transporte para vesículas exocíticas<br />
para a liberação do peptídeo no meio<br />
extracelular. A região carboxi-terminal<br />
da proteína precursora é composta de<br />
aminoácidos ácidos, enquanto que a<br />
região que corresponde ao peptídeo<br />
maduro é composta de aminoácidos<br />
básicos. A porção carboxi-terminal carregada<br />
negativamente pode interagir<br />
com a parte catiônica do peptídeo para<br />
estabilizar a conformação do precursor<br />
e permitir o processamento proteolítico<br />
ou ainda proteger a célula produtora<br />
de interações de suas membranas com<br />
a região básica do peptídeo, evitando<br />
assim a atividade tóxica contra a mesma.<br />
A gomesina encontra-se armazenada<br />
nos grânulos dos hemócitos, como<br />
evidenciado por técnicas de imunofluorescência<br />
usando o anticorpo antigomesina,<br />
sendo secretada para o plasma<br />
da aranha pelo menos 2 horas após<br />
uma infecção experimental. Verificouse<br />
que o gene que codifica para o<br />
peptídeo é transcrito predominantemente<br />
nos hemócitos de animais não<br />
infectados experimentalmente, tendo<br />
uma baixa expressão nos outros tecidos<br />
analisados: coração, intestino, hepatopâncreas,<br />
ovários, músculos e glândula<br />
de veneno (Lorenzini et al., 2001).<br />
Fragmento da hemoglobina<br />
bovina com atividade antimicrobiana<br />
no intestino do carrapato<br />
A investigação da produção de peptídeos<br />
antimicrobianos em outro aracnídeo,<br />
o carrapato de boi Boophilus<br />
microplus, feito no nosso laboratório,<br />
forneceu-nos um resultado surpreendente.<br />
Foi identificado um fragmento<br />
da cadeia α da hemoglobina bovina<br />
referente à região compreendida entre<br />
os resíduos 33 ao 61, com propriedades<br />
antimicrobianas (Fogaça et al., 1999).<br />
Esse peptídeo, com massa molecular<br />
de 3.205,6 Da, foi inicialmente isolado<br />
Aranha caranguejeira<br />
Acanthoscurria gomesiana<br />
do intestino do carrapato. Para determinar<br />
seu espectro de ação, sintetizou-se<br />
quimicamente o mesmo que, após caracterização<br />
apropriada, foi testado<br />
contra várias cepas de bactérias e de<br />
fungos. Observou-se que o fragmento<br />
da cadeia α da hemoglobina bovina<br />
age em concentrações micromolares<br />
apenas contra bactérias Gram-positivas<br />
e contra fungos, não tendo sido ativo<br />
contra bactérias Gram-negativas. No<br />
entanto, a molécula da hemoglobina<br />
intacta não apresenta atividade antimicrobiana<br />
quando testada em concentrações<br />
superiores à do fragmento 33-<br />
61 da cadeia α da hemoglobina bovina.<br />
Verificou-se também que esse fragmento<br />
apresenta atividade hemolítica<br />
baixa, descartando uma possível função<br />
digestiva.<br />
Dados na literatura mostram que a<br />
hemoglobina é digerida dentro dos<br />
eritrócitos de mamíferos gerando fragmentos<br />
com diferentes atividades biológicas,<br />
tais como liberação de corticropina<br />
in vitro e a marcação das doenças<br />
Alzhzeimer e isquemia, entre outras<br />
(Ivanov et al., 1997). Recentemente, foi<br />
descrita a geração de fragmentos de<br />
hemoglobina com atividade antimicrobiana<br />
após seu tratamento in vitro com<br />
enzimas comerciais (Mak et al., 2000;<br />
Froidevaux et al., 2001). No entanto,<br />
até o momento, o único fragmento<br />
antimicrobiano da hemoglobina que é<br />
gerado fisiologicamente é o 33-61 da<br />
cadeia α da hemoglobina bovina, detectado<br />
no intestino do carrapato B.<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 53
microplus (Fogaça et al., 1999). Com<br />
base nessas informações, foi analisado<br />
se os eritrócitos bovinos rompidos in<br />
vitro apresentavam atividade antimicrobiana.<br />
Nenhuma atividade foi detectada,<br />
sugerindo que a hemoglobina<br />
dever estar sendo processada no intestino<br />
do carrapato por enzimas produzidas<br />
neste órgão, gerando assim o fragmento<br />
33-61 com propriedades antimicrobianas<br />
(Figura 7). Iniciou-se a investigação<br />
das enzimas intestinais de<br />
B. microplus responsáveis pela clivagem<br />
da hemoglobina e a geração do<br />
fragmento ativo. Após a incubação da<br />
hemoglobina bovina com um extrato<br />
de intestino de carrapatos, foi observada<br />
a expressão de atividade antimicrobina.<br />
Essa foi inibida pela incubação<br />
simultânea com um inibidor de áspartico-proteinase<br />
(pepstatina) e um inibidor<br />
de cisteino-proteinase (E-64). Esse<br />
resultado sugere que, pelo menos, duas<br />
enzimas - uma áspartico e uma cisteíno-proteinase<br />
- estejam envolvidas na<br />
geração do fragmento antimicrobiano a<br />
partir da proteólise da hemoglobina. A<br />
purificação e caracterização dessas enzimas<br />
estão sendo realizadas.<br />
A presença de uma atividade antimicrobiana<br />
no intestino dos carrapatos<br />
é de extrema importância para a defesa<br />
contra infecções desses animais, uma<br />
vez que as fêmeas podem ingerir bactérias<br />
do couro do hospedeiro durante<br />
a alimentação. Além disso, após a alimentação,<br />
as fêmeas se desprendem<br />
do couro do bovino caindo ao solo,<br />
colocando seus ovos em um ambiente<br />
muitas vezes bastante contaminado por<br />
microorganismos. No entanto, não só o<br />
intestino dos carrapatos é susceptível<br />
às infecções. A presença de outros três<br />
peptídeos antibacterianos, contendo<br />
cisteína, na hemolinfa desses animais<br />
foi também detectada (Fogaça et al.,<br />
2001). A presença de vários peptídeos<br />
antimicrobianos em um mesmo animal<br />
é importante para garantir um espectro<br />
de ação amplo contra vários tipos de<br />
patógenos, garantindo assim a sobrevivência<br />
do animal alvo. Além disso, os<br />
peptídeos podem atuar sinergisticamente<br />
durante o combate às infecções.<br />
Conclusão<br />
Além de vitais para o entendimento<br />
da ação antimicrobiana fisiológica desempenhada<br />
nos aracnídeos estudados,<br />
os peptídeos detectados também<br />
poderão ser usados como moléculasbase<br />
para o desenvolvimento de novas<br />
drogas antibióticas. Como já descrito<br />
acima, não há dúvida de que, com o<br />
surgimento de novos microorganismos<br />
resistentes à antibióticos, existe a necessidade<br />
urgente de se desenvolverem<br />
novas classes de antibióticos. Peptídeos<br />
antimicrobianos purificados, de<br />
diversas espécies de animais, apresentam<br />
características desejáveis a uma<br />
nova classe de antibióticos: um largo<br />
espectro de atividade, incluindo isolados<br />
resistentes a antibióticos convencionais;<br />
matam rapidamente, evitando a<br />
seleção de mutantes resistentes; apresentam<br />
sinergia com outros antibióticos;<br />
neutralizam endotoxinas e, portanto,<br />
bloqueiam a resposta septicêmica;<br />
e podem matar microorganismos<br />
em animais modelos. No entanto, vários<br />
problemas precisam ser resolvidos<br />
para serem produzidos em escala industrial.<br />
Um deles é por apresentarem<br />
uma massa molecular relativamente<br />
grande em relação aos antibióticos usados<br />
comercialmente; terão então, que<br />
ser produzidos por técnicas de biologia<br />
molecular, de modo a obter-se moléculas<br />
recombinantes, com um custo mais<br />
baixo. Apesar de várias metodologias<br />
terem sido descritas, nenhuma delas<br />
até agora foi usada em escala industrial<br />
(Hancock & Scott, 2000). Uma alternativa<br />
seria a produção por recombinação<br />
em genética em plantas (Parizotto<br />
et al., 2000). Outro problema é a toxicidade<br />
que alguns desses peptídeos<br />
apresentam contra células de mamíferos.<br />
Como citado anteriormente, isso<br />
poderá ser conseguido por meio de<br />
modificações químicas na estrutura<br />
dessas moléculas. Outro aspecto a ser<br />
considerado é a resistência desses peptídeos<br />
à ação proteolítica do nosso<br />
organismo. No entanto, existem estratégias<br />
para proteger os peptídeos contra<br />
proteases, tais como a de incorporálos<br />
em lipossomos ou a de usar modificações<br />
químicas (Hancock & Scott,<br />
2000). Já existem, pelo menos, cinco<br />
empresas no mundo trabalhando na<br />
produção e estabelecimento de peptídeos<br />
antimicrobianos como novos antibióticos:<br />
Magainin (EUA), PPL Therapeutics<br />
(Inglaterra), Intrabiotics (EUA),<br />
Micrologix (Canadá) e Entomed (França),<br />
o que indica ser esse um campo<br />
bastante promissor. Portanto, os peptídeos<br />
antimicrobianos não são somente<br />
importantes como componentes do sistema<br />
imune inato participando do combate<br />
às infecções, mas seus análogos<br />
químicos ou recombinantes apresentam<br />
um grande potencial para serem<br />
aplicados como antibióticos no combate<br />
contra microorganismos resistentes a<br />
antibióticos conhecidos ou mesmo contra<br />
novos alvos.<br />
Agradecimentos<br />
Os autores agradecem o suporte<br />
técnico dado por Susana Pessoa de<br />
Lima e o trabalho dos alunos de Iniciação<br />
Científica Ernesto S. Nakayasu,<br />
Aline H. Fukuzawa e Luciana M. Kaku.<br />
Sirlei Daffre, M. Teresa M. Miranda e<br />
Antônio Miranda recebem bolsa produtividade<br />
do CNPq. Alessandra Machado,<br />
Andréa C. Fogaça, Daniel M. Lorenzini,<br />
Eliane Esteves, Lourivaldo dos<br />
Santos Pereira são bolsistas da FAPESP.<br />
Marcelo Russo Burgierman recebe bolsa<br />
da CAPES. Marcos Antônio Fázio é<br />
bolsista do CNPq. Este trabalho recebe<br />
apoio financeiro da FAPESP através do<br />
projeto Temático 98/11372-4 e do projeto<br />
individual 00/03642-3.<br />
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<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 55
Pesquisa<br />
Novas perspectivas para adaptação de<br />
Culturas ao Cerrado<br />
Contribuição da biologia molecular na compreensão e solução dos efeitos tóxicos do alumínio em plantas<br />
Geraldo M. A. Cançado,<br />
Eng o Agrônomo, M.S., EPAMIG.<br />
cancado@epamigcaldas.gov.br<br />
Newton Portilho Carneiro,<br />
Biólogo, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS<br />
newtonc@cnpms.embrapa.br<br />
Andréa Almeida Carneiro,<br />
Bióloga. Ph.D. EMBRAPA/CNPMS<br />
andreac@cnpms.embrapa.br<br />
Antônio Álvaro Corsetti Purcino,<br />
Eng o Agrônomo, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS<br />
corsetti@cnpms.embrapa.br<br />
Claudia Teixeira Guimarães,<br />
Eng a Agrônoma, D.S. EMBRAPA/CNPMS<br />
claudia@cnpms.embrapa.br<br />
Vera Maria Carvalho Alves,<br />
Eng a Agrônoma, D.S. EMBRAPA/CNPMS<br />
vera@cnpms.embrapa.br<br />
Sidney Netto Parentoni,<br />
Eng o Agrônomo, M.S. EMBRAPA/CNPMS<br />
sidney@cnpms.embrapa.br<br />
Isabel Regina Prazeres de Souza,<br />
Eng a Agrônoma, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS<br />
isabel@cnpms.embrapa.br<br />
Edilson Paiva,<br />
Eng o Agrônomo, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS<br />
edilson@cnpms.embrapa.br<br />
Fotos e ilustrações cedidas pelos autores<br />
acidez do solo é um dos<br />
principais fatores que limitam<br />
a produção agrícola<br />
nos trópicos. O Cerrado<br />
brasileiro ocupa 205<br />
milhões de hectares do território nacional<br />
(fig. 1) e, apesar de apresentar<br />
excelentes qualidades no que se refere<br />
à topografia, luminosidade, temperatura<br />
e estrutura física do solo, se caracteriza<br />
por possuir baixa fertilidade, pH<br />
ácido e elevada saturação de alumínio<br />
(Al) (Embrapa/CNPAC, 2000). O Al é<br />
tóxico para a grande maioria das espécies<br />
de plantas cultivadas, promovendo<br />
a paralisação do crescimento radicular<br />
e, conseqüentemente, prejudicando o<br />
desenvolvimento das plantas. O Cerrado<br />
tem sido considerado como uma das<br />
últimas grandes fronteiras mundiais disponíveis<br />
para a expansão agropecuária,<br />
assumindo importância estratégica para<br />
o Brasil. Entretanto, para que seu uso<br />
possa ocorrer de forma cada vez mais<br />
eficiente e racional, é imprescindível<br />
que juntamente com as atuais práticas<br />
utilizadas na exploração agrícola dessa<br />
região, novas alternativas sejam criadas<br />
para amenizar ou mesmo eliminar as<br />
adversidades impostas por aquele ambiente.<br />
As alternativas de manejo mais utilizadas<br />
para contornar a toxidez provocada<br />
pelo Al fundamentam-se no uso<br />
de duas práticas. Uma delas é o processo<br />
da calagem, que consiste na precipitação<br />
do Al solúvel pela adição de<br />
calcário ao solo. Embora seja uma prática<br />
corriqueira na agricultura, sua eficiência<br />
limita-se à camada superficial do<br />
solo, já que a incorporação do calcário<br />
em profundidades maiores é economicamente<br />
inviável. Assim, a calagem favorece<br />
o desenvolvimento radicular<br />
apenas na camada superficial do solo, o<br />
que torna a planta mais susceptível aos<br />
períodos de veranicos, muito comuns<br />
na região. Além disso, os efeitos da<br />
calagem nas camadas superficiais são<br />
ainda mais reduzidos sob “plantio direto”,<br />
onde não se utiliza implementos<br />
agrícolas para revolver o solo.<br />
Outra prática que vem sendo bastante<br />
enfatizada é a utilização de cultivares<br />
mais tolerantes ao Al. Hoje a<br />
Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas-MG,<br />
tem identificado e caracterizado,<br />
em seu germoplasma, milho e sorgo<br />
tolerantes a níveis que variam de 40% a<br />
60% de saturação de Al no solo. Os<br />
níveis de saturação são calculados em<br />
função da concentração de cátions no<br />
solo. Métodos de seleção e variabilidade<br />
genética em milho são mostrados na<br />
Figura. 1 - Área do Cerrado brasileiro. Fonte: Embrapa Cerrados (2000)<br />
56 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Figura 2 – Métodos de seleção de milho tolerante a Al e variabilidade genética em milho.<br />
A = Comprimento da raiz seminal; B = Ensaio em casa de vegetação de uma variedade tolerante e uma susceptível<br />
ao Al; C =. Variabilidade genética em milho<br />
figura 2. A idéia desse artigo é descrever<br />
sucintamente como a biologia molecular<br />
tem contribuído para aumentar os<br />
conhecimentos relacionados com os<br />
mecanismos de tolerância das plantas<br />
ao estresse de Al. Além do que, com a<br />
integração de técnicas da biologia molecular<br />
nos programas de melhoramento<br />
genético, espera-se que o desenvolvimento<br />
de cultivares com melhor adaptação<br />
aos ambientes desfavoráveis seja<br />
mais rápido e eficiente. Dessa forma, a<br />
utilização da prática de calagem, associada<br />
ao uso de genótipos mais adaptados<br />
às condições de solo ácido com<br />
elevada saturação de Al serão estratégias<br />
de maior potencial para a utilização<br />
sustentável do Cerrado.<br />
Figura 3 - Mecanismo proposto para explicar tolerância ao Al<br />
baseado na exudação de ácido orgânico pela raiz: plantas de milho<br />
tolerantes ao Al exudam suficiente ácido orgânico para quelatizar o<br />
Al e impedir sua penetração na raiz. As raízes demonstradas nas<br />
fotos foram coradas com hematoxilina para detecção do Al (Cançado<br />
et al., 1999)<br />
Efeitos do Al em plantas - O Al,<br />
terceiro elemento mais abundante na<br />
crosta terrestre, quando em soluções<br />
ácidas (pH
Figura 4 – Trabalhos de modificação da expressão do gene da citrato sintase em planta.<br />
A: Mapa do plasmídio pCAMBIA C2 (1303); B: Construção gênica Citrato Sintase (CS); Promotores CAMV35S e<br />
ToRB7; AC: CS de Dauca carota com peptideo sinal de mitocôndria; AD: CS de Dauca carota sem peptídeo sinal<br />
de mitocôndria; AE: CS de Escherichia coli ; NOS: Sítio de poliadenilação NOS ; E: EcoRI; B: BamHI; H: HindIII<br />
pode ainda promover alterações na<br />
permeabilidade da membrana plasmática<br />
devido a alterações na fluidez e na<br />
densidade do empacotamento dos fosfolipídeos,<br />
aumento na síntese de lignina,<br />
prejudicando o processo de elongação<br />
celular, inibição da absorção de O 2<br />
nos ápices radiculares devido a interferência<br />
no fluxo de elétrons na mitocôndria<br />
e a danos ao fotossistema II, reduzindo<br />
a taxa fotossintética (Jones e<br />
Kochian, 1995).<br />
A elucidação dos processos bioquímicos<br />
e fisiológicos que atuam no processo<br />
da tolerância ao Al, principalmente<br />
no que se refere à identificação e à<br />
compreensão da regulação dos genes<br />
envolvidos a partir de técnicas moleculares<br />
é de fundamental importância<br />
para o melhoramento genético.<br />
Mecanismos de tolerância ao Al -<br />
Nem todas as espécies de plantas<br />
respondem de forma semelhante ao<br />
estresse causado pelo Al. Ao que parece,<br />
as plantas utilizam-se de vários mecanismos<br />
para contornarem os efeitos<br />
tóxicos do Al. Os mecanismos de tolerância<br />
ao Al propostos na literatura<br />
podem ser classificados em dois grupos:<br />
i) mecanismos de exclusão ou<br />
apoplásticos, com a imobilização ou<br />
neutralização do Al externamente à<br />
célula, e ii) mecanismos simplásticos,<br />
decorrentes da imobilização ou neutralização<br />
do Al dentro da célula (Taylor,<br />
1991; Kochian, 1995). Várias formas de<br />
ação, distribuídas entre estes dois mecanismos,<br />
têm sido propostas, na tentativa<br />
de explicar como as plantas podem se<br />
desenvolver na presença do Al, sendo a<br />
maioria delas apenas especulativa. Entretanto,<br />
alguns dos mecanismos citados<br />
com maior freqüência na literatura<br />
serão descritos sucintamente a seguir.<br />
A baixa Capacidade de Troca Catiônica<br />
(CTC) da parede celular da raiz tem<br />
sido associada à tolerância ao Al. Segundo<br />
este modelo, plantas com elevada<br />
CTC radicular adsorvem mais Al, elevando<br />
a concentração desse metal próximo<br />
às células. No entanto, para algumas<br />
espécies de plantas, não há nenhuma<br />
relação entre a CTC radicular e a<br />
tolerância ao Al. Embora a membrana<br />
plasmática seja considerada como um<br />
dos alvos do Al, em alguns casos, ela<br />
pode atuar como uma barreira à absorção<br />
deste elemento para o interior da<br />
célula. Foi observado que a densidade<br />
de cargas elétricas negativas presentes<br />
em membranas das células do ápices<br />
radiculares de trigo eram, em média,<br />
26% superior no genótipo sensível em<br />
relação ao tolerante (Yermiyahu et al.<br />
1997). Assim, alterações na composição<br />
de fosfolipídeos da membrana plasmática<br />
podem contribuir para a tolerância<br />
ao Al, por dificultar a interação deste<br />
com a membrana plasmática.<br />
O aumento de pH na região da<br />
58 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />
rizosfera também é uma forma de exclusão<br />
do Al, pois leva à formação de uma<br />
zona de precipitação deste elemento.<br />
Certas plantas absorvem nitrogênio preferencialmente<br />
na forma de NO 3-<br />
, em<br />
relação à forma de NH 4<br />
+<br />
e, como conseqüência<br />
dessa absorção diferencial, há<br />
um maior efluxo de íons OH - pela raiz,<br />
o que promove a elevação do pH na<br />
rizosfera. Outra barreira que o Al pode<br />
enfrentar para atingir as regiões sensíveis<br />
do meristema radicular é a mucilagem,<br />
substância formada por polissacarídeos,<br />
que reveste a superfície radicular.<br />
Em plantas de trigo tolerantes ao Al,<br />
a síntese contínua de mucilagem nos<br />
ápices radiculares dificulta a penetração<br />
do Al, protegendo as regiões de crescimento<br />
da raiz. Já foi demonstrado que a<br />
mucilagem pode ser responsável por<br />
reter até 35% do Al presente no apoplasto<br />
(Archambault et al., 1996).<br />
A síntese de calose, um poliglicosídeo<br />
formado por unidades de 1,3-βglucano<br />
que se acumula na parede<br />
celular, também é uma resposta das<br />
plantas aos diversos tipos de estresses<br />
(Simmons et al., 1992). Genótipos de<br />
trigo sensíveis ao Al produzem mais<br />
calose do que genótipos tolerantes quando<br />
expostos a este elemento (Horst et<br />
al., 1997; Zhang et al., 1994; Llugancy et<br />
al., 1994). A enzima 1,3-β-glucanase<br />
está incluída na família das proteínas PR<br />
(pathogenesis related), já que muitas de<br />
suas isoformas são induzidas durante
infecções fúngicas. Análises do padrão<br />
de síntese do mRNA da 1,3-β-glucanase,<br />
isolado de ápices radiculares de<br />
trigo, demonstram que a expressão deste<br />
gene é fortemente regulada pela presença<br />
de Al (Cruz-Ortega et al., 1997).<br />
Desta forma, o padrão de síntese de<br />
calose pode ser um bom indicativo do<br />
grau de injúria que o Al causa nas raízes,<br />
podendo, inclusive, ser utilizado como<br />
um parâmetro de seleção.<br />
Dentre os mecanismos de exclusão,<br />
a exudação de moléculas quelantes que<br />
complexam o Al tem sido o mais estudado.<br />
Tais quelantes são liberados no<br />
apoplasto e/ou na rizosfera, impedindo<br />
que o Al alcance seus sítios de toxidez.<br />
O Al, uma vez complexado com a<br />
molécula exudada pela raiz, perde seu<br />
efeito fitotóxico. Uma importante classe<br />
desses quelantes são os ácidos orgânicos<br />
de baixo peso molecular provenientes<br />
do ciclo dos ácidos tricarboxílicos.<br />
Um modelo do mecanismo de<br />
como ácidos orgânicos podem se complexar<br />
com íons de Al no solo é descrito<br />
na figura 3. Em trigo, o Al pode estimular<br />
a exudação do ácido málico e succínico<br />
(Delhaize et al. 1993a; 1993b), já<br />
em milho, foi observada a exudação de<br />
ácido cítrico, málico e trans-aconítico<br />
(Pellet et al., 1995, Jorge e Arruda,<br />
1997). Trabalhos semelhantes na Embrapa<br />
Milho e Sorgo observaram que<br />
plântulas de milho tolerantes ao Al<br />
exudavam ácido cítrico e ácido málico<br />
em concentrações superiores às plântulas<br />
sensíveis ao Al. Parece que nos<br />
genótipos tolerantes à<br />
presença do Al regula o<br />
surgimento de canais aniônicos<br />
que facilitam a<br />
exudação destes ácidos<br />
das células do tecido<br />
apical (Piñeros e Kochian,<br />
2001). Uma das evidências<br />
mais convincentes<br />
sobre o envolvimento<br />
da exudação de ácidos<br />
orgânicos na tolerância<br />
ao Al foi apresentado<br />
por Fuente-Martínez<br />
et al. (1997), com a produção<br />
de plantas de tabaco<br />
e mamão, superexpressando<br />
a enzima citrato<br />
sintase. Em função<br />
dessa super produção e<br />
exudação de citrato, as<br />
plantas transgênicas<br />
apresentaram aumento<br />
significativo na tolerância<br />
ao Al. A atividade da<br />
enzima citrato sintase foi também aumentada<br />
pela exposição de plantas de<br />
centeio ao Al (Li et al. 2000). Por outro<br />
lado, evidências recentes indicam que<br />
as enzimas envolvidas na síntese dos<br />
ácidos orgânicos, como malato desidrogenase<br />
e citrato sintase não são induzidas<br />
pelo Al em cultivares de milho mais<br />
tolerantes (Alves et al., dados não publicados,<br />
Embrapa Milho e Sorgo).<br />
A indução da síntese de proteínas<br />
específicas pode também estar relacionada<br />
com a resposta de plantas ao<br />
estresse causado pelo Al. Basu et al.<br />
(1994) observaram o acúmulo significativo<br />
de proteínas em solução nutritiva<br />
contendo Al, onde um genótipo tolerante<br />
de trigo havia sido cultivado, em<br />
comparação com o sensível. Segundo<br />
os autores, tais proteínas poderiam ter<br />
uma ação semelhante aos ácidos orgânicos,<br />
quelando o Al solúvel. Vários<br />
trabalhos demonstram alterações na síntese<br />
de proteínas em ápices radiculares<br />
para diferentes espécies de plantas,<br />
quando expostas ao Al (Cançado e<br />
Paiva, 1999). Tais alterações vão desde<br />
a indução até a inibição completa de<br />
determinados polipeptídeos, sendo que,<br />
na maioria das vezes, apresentam padrões<br />
de expressão diferenciados entre<br />
os genótipos tolerantes e sensíveis.<br />
Genética da tolerância ao Al - O<br />
uso de cultivares mais tolerantes à toxidez<br />
do Al apresenta-se como uma solução<br />
sustentável, propiciando ganhos<br />
permanentes de produtividade em solos<br />
sob vegetação de cerrado. Para tal,<br />
diversos estudos têm sido conduzidos<br />
no intuito de elucidar a genética da<br />
tolerância ao Al em milho, trigo, sorgo<br />
e soja, espécies cultivadas, de grande<br />
interesse econômico para o Cerrado.<br />
Trabalhos sobre genética da tolerância<br />
a Al abrangem alguns tópicos envolvendo<br />
a identificação de fontes de tolerância<br />
e a avaliação de populações<br />
segregantes em cruzamentos contrastantes,<br />
que culminam em estudos de<br />
herança e do tipo de ação gênica associada<br />
com a tolerância (Cançado e Paiva,<br />
1999).<br />
A grande maioria dos estudos de<br />
herança da tolerância ao Al tem sido<br />
conduzida em trigo, onde os resultados<br />
sugerem que um pequeno número de<br />
genes controlariam esta característica.<br />
Em milho, os resultados quanto ao<br />
número de genes e ao tipo de ação<br />
gênica são conflitantes, mas parece existir<br />
um consenso quanto à existência de<br />
poucos genes envolvidos na expressão<br />
da tolerância. No entanto, a tolerância<br />
ao Al em sorgo parece ser uma característica<br />
dominante e monogênica, enquanto<br />
que, em arroz, tem sido considerada<br />
como herança poligênica, com<br />
efeitos aditivos significativos. Adicionalmente<br />
à existência de genes maiores<br />
explicando grande parte da variação<br />
para tolerância ao Al, existem evidências<br />
sugerindo que genes modificadores<br />
podem ter papel importante na modulação<br />
do efeito desses genes maiores.<br />
Quanto ao modo de ação gênica, em<br />
Figura 5 – Atividade do GUS em plantas transgênicas de tabaco (A); plantas<br />
de tabaco transformadas (B); Gradiente de Al (0 and 6 ppm) Placa (C):, Tubo<br />
(D); Plantas transgênicas de tabaco crescendo em 6 ppm, em teste de hematoxilina<br />
(E); Southern blot de algumas plantas transformadas; sonda higromicina<br />
(F), sonda factor de elongamento 1 alfa (G)<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 59
geral, a tolerância ao Al tem sido reportada<br />
como característica dominante,<br />
podendo variar de acordo com o nível<br />
de Al utilizado na solução nutritiva.<br />
Com o advento dos marcadores moleculares,<br />
tornou-se possível identificar<br />
e mapear regiões genômicas associadas<br />
com a tolerância, o que pode ser utilizado<br />
como estratégia alternativa para clonagem<br />
dos genes de interesse e para dar<br />
suporte aos estudos sobre os mecanismos<br />
envolvidos nos processo da tolerância.<br />
Dentre os cinco QTLs explicando<br />
60% da tolerância ao alumínio em<br />
milho, dois deles estavam mapeados<br />
próximos aos genes da isocitrato desidrogenase<br />
e malato desidrogenase (Ninamango-Cárdenas,<br />
2000), enzimas que<br />
atuam na via metabólica dos ácidos<br />
orgânicos, um dos principais mecanismos<br />
propostos para a tolerância ao<br />
alumínio em plantas (Kochian, 1995).<br />
Outro QTL, identificado por Ninamango-Cárdenas<br />
(2000) foi mapeado próximo<br />
ao Alm2, um QTL também associado<br />
com a tolerância ao alumínio, em<br />
milho (Sibov et al., 1999). O desenvolvimento<br />
da raiz seminal de plântulas<br />
crescidas em solução nutritiva na presença<br />
de níveis tóxicos de Al tem sido<br />
um índice fenotípico bastante utilizado<br />
na avaliação da tolerância ao Al, em<br />
milho, por apresentar alta herdabilidade<br />
e baixo coeficiente de variação ambiental<br />
(Martins et al., 1999).<br />
O mapeamento comparativo pode<br />
também fornecer informações complementares<br />
sobre a conservação de genes<br />
e de mecanismos de tolerância ao alumínio<br />
entre espécies relacionadas. Existem,<br />
hoje, evidências de uma possível<br />
conservação de alguns genes de tolerância<br />
ao alumínio entre gramíneas correlacionadas<br />
como trigo, aveia e cevada.<br />
Prospecção de genes induzidos<br />
pelo Al - Alterações na expressão de<br />
genes induzidos por estresses ambientais<br />
vêm sendo relatadas para várias<br />
espécies vegetais. Projetos de seqüenciamento<br />
genômico e técnicas de análise<br />
de expressão diferencial de genes como<br />
microarrays e RT-PCR têm auxiliado a<br />
identificação de genes cuja expressão é<br />
alterada por estresses ambientais. Recentemente,<br />
com o uso de mutantes de<br />
Arabdopsis thaliana tolerantes e sensíveis<br />
ao Al, tem sido possível identificar<br />
genes que têm sua expressão alterada<br />
pelo Al, como é o caso do mutante<br />
tolerante ao Al (alr-104), cuja tolerância<br />
baseia-se na elevação do pH da rizosfera.<br />
Muitos destes genes poderão ser<br />
utilizados em transformação genética de<br />
plantas, na tentativa de tornar culturas<br />
de interesse agronômico mais tolerantes<br />
ao Al, ou ainda, serem utilizados como<br />
marcadores moleculares em programas<br />
de seleção genética. Recentemente, sete<br />
clones de cDNA induzidos pelo Al foram<br />
isolados em ápices radiculares de trigo<br />
cultivado, sendo que alguns dos clones<br />
apresentavam elevado grau de homologia<br />
com genes que codificam para inibidores<br />
de proteinases, fenilamonioliases<br />
(PAL) e proteínas do tipo PR (Snowden<br />
et al., 1995, Richards et al., 1994, Snowden<br />
et al., 1993). Em tabaco, foi isolado<br />
um clone (pAl 201), induzido pela presença<br />
do Al e pela supressão de fósforo<br />
inorgânico (Pi), cuja seqüência completa<br />
demonstrou homologia com genes<br />
que codificam para peroxidases (Ezaki<br />
et al. 1996). Estudos com as linhagens de<br />
milho L-36 (sensível) e a Cateto 237<br />
(tolerante) mostraram que o Al diminuiu<br />
a atividade da peroxidase somente no<br />
ápice das raízes da linhagem sensível.<br />
Independente da presença de Al, observou-se<br />
ainda que as duas linhagens<br />
apresentavam polimorfismo para duas<br />
isoenzimas aniônicas da peroxidase no<br />
ápice radicular. Tais observações sugerem<br />
que a peroxidase faça parte de um<br />
mecanismo constitutivo que confere proteção<br />
ao tecido radicular da cultivar<br />
tolerante quando exposta ao Al (Souza<br />
et al., dados não publicados).<br />
Em Arabidopsis thaliana, observouse<br />
a indução transiente de cinco genes<br />
nos ápices radiculares, poucas horas<br />
após sua exposição ao Al. Outros quatro<br />
genes, cuja transcrição aumentou por<br />
períodos de tempo mais longos, também<br />
foram isolados, enquanto outros<br />
dois genes apresentaram níveis de expressão<br />
reduzido ao longo do tratamento<br />
com Al (Richards et al. 1998). Alguns<br />
desses genes mostram homologia com<br />
genes induzidos pela presença de ozônio,<br />
um forte oxidante, assim como com<br />
peroxidases, BCB (Blue Copper Binding<br />
Protein) e GST (Gluthatione-S-transferase),<br />
sugerindo uma relação entre a<br />
toxidez por Al e o estresse oxidativo. Na<br />
linhagem de milho Cateto 237 (tolerante),<br />
o Al induziu a expressão dos genes<br />
da ascorbato peroxidase, da metionina<br />
sintase, de uma hemoglobina, do gene<br />
vivíparo 3, de uma proteína associada<br />
com a senescência e de uma invertase da<br />
parede celular (Purcino et al., dados não<br />
publicados, Embrapa Milho e Sorgo). É<br />
interessante notar que, como observado<br />
em Arabidopsis, alguns dos genes estão<br />
também ligados a mecanismos fisiológicos<br />
que conferem proteção contra o<br />
60 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />
estresse oxidativo, confirmando uma<br />
possível participação deste mecanismo<br />
como um componente importante da<br />
reação das plantas a níveis tóxicos de Al<br />
(Richards et al., 1998).<br />
Em trigo, genes induzidos por Al<br />
possuem elevada homologia com genes<br />
de peroxidases (war4.2), proteinases de<br />
cisteína (war5.2), fenil-amonia liase<br />
(war7.2) e oxalato oxidases (war13.2)<br />
(Hamel et al. 1998).<br />
Estratégias moleculares para aumento<br />
da tolerância ao Al em plantas<br />
- As técnicas de DNA recombinante têm<br />
permitido a identificação de genes relacionados<br />
com a tolerância à toxidez de Al<br />
de uma série de espécies vegetais. Esses<br />
genes são os primeiros candidatos para<br />
serem mapeados em populações segregantes<br />
para a tolerância ao Al, assim<br />
como fontes para construções gênicas<br />
em teste com transgênicos. Baseando na<br />
estratégia proposta por Fuente-Martinez<br />
et al. (1997), onde plantas transgênicas<br />
superexpressando o gene da citrato sintase<br />
(CS) isolado da bactéria Pseudomonas<br />
aeruginosa, aumentaram os níveis<br />
de tolerância ao Al, trabalhos vêm sendo<br />
desenvolvidos na Embrapa Milho e Sorgo.<br />
Plantas de tabaco estão sendo transformadas<br />
com o gene da citrato sintase<br />
isolado de Escherichia coli e de cenoura<br />
(Daucus carota), regulados por promotores<br />
constitutivos (CaMV 35S) e raizespecíficos.<br />
O grande objetivo da pesquisa<br />
é gerar uma tecnologia que possa ser<br />
transferida para culturas de maior importância<br />
para a região do Cerrado, tais<br />
como o milho e a soja (Fig. 3 e 4).<br />
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<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 61
Pesquisa<br />
Laranja<br />
TRANSGÊNICA<br />
Transformação de laranja visando resistência ao cancro cítrico usando genes de peptídeos antibacterianos<br />
Brasil é o maior produtor<br />
mundial de laranja,<br />
com 355 milhões de caixas<br />
produzidas em 2000/<br />
01, o que corresponde a<br />
cerca de 30 % da produção mundial.<br />
Além disso, o país é responsável por,<br />
aproximadamente, metade da produção<br />
mundial de suco concentrado (61 o<br />
Brix), um dos principais produtos agrícolas<br />
exportados pelo Brasil. O volume<br />
de recursos movimentados pelo<br />
agronegócio citrícola supera R$ 5 bilhões<br />
por ano, gerando cerca de 400<br />
mil empregos diretos, somente no estado<br />
de São Paulo, o maior produtor do<br />
Brasil.<br />
A citricultura nacional apresenta<br />
vários problemas fitossanitários, entre<br />
os quais se destacam a larva minadora<br />
dos citros (Phyllocnistis citrella), a pinta<br />
preta (doença fúngica provocada<br />
por Guignardia citricarpa), a clorose<br />
variegada dos citros (CVC, causada<br />
pela bactéria Xyllela fastidiosa) e o<br />
cancro cítrico (causada pela bactéria<br />
Xanthomonas axonopodis pv. citri).<br />
Cancro cítrico<br />
O cancro cítrico tem provocado<br />
grandes prejuízos tanto no Brasil como<br />
em outros países produtores de citros.<br />
Essa doença afeta toda a parte aérea da<br />
planta, causando lesões em frutos, folhas<br />
e ramos (Figura 1). Os frutos ficam<br />
depreciados e caem precocemente, reduzindo<br />
a produção da planta. As<br />
portas de entrada para a bactéria do<br />
cancro são ferimentos em folhas causados<br />
pelo vento ou pelo ataque da larva<br />
minadora dos citros.<br />
O controle do cancro cítrico tem<br />
sido realizado através de medidas para<br />
prevenir a introdução da bactéria e da<br />
erradicação das plantas contaminadas.<br />
Para isso, são realizadas por agências<br />
fiscalizadoras, inspeções periódicas em<br />
pomares comerciais e domésticos. As<br />
plantas cítricas contaminadas, bem<br />
João Carlos Bespalhok Filho<br />
IAPAR, Laboratório de <strong>Bio</strong>tecnologia,<br />
bespa@hotmail.com<br />
Adilson Kenji Kobayashi<br />
IAPAR, Laboratório de <strong>Bio</strong>tecnologia,<br />
adilson@sercomtel.com.br<br />
Luiz Filipe Protásio Pereira<br />
IAPAR, Laboratório de <strong>Bio</strong>tecnologia,<br />
lpereira@pr.gov.br<br />
Luiz Gonzaga Esteves Vieira<br />
IAPAR, Laboratório de <strong>Bio</strong>tecnologia,<br />
lvieira@pr.gov.br<br />
Fotos cedidas pelos autores<br />
Figura 1. Frutos de laranja apresentando sintomas de cancro<br />
cítrico (Foto gentilmente cedida pelo Dr. Rui Pereira Leite)<br />
62 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Figura 2. Expressão do gene marcador gus em plantas<br />
transgênicas de laranja Pêra<br />
como as não contaminadas, num raio<br />
de 30 metros, são cortadas e incineradas.<br />
Somente no ano de 1999, foram<br />
gastos cerca de R$ 33 milhões na<br />
erradicação de pomares infectados nos<br />
Estados de São Paulo e Minas Gerais.<br />
Entretanto, a presença e o progresso<br />
epidêmico do cancro cítrico em<br />
diversas regiões produtoras de citros<br />
ao redor do mundo, e a sua recente<br />
introdução e reintrodução em vários<br />
países têm levantado dúvidas quanto à<br />
eficiência da adoção exclusiva de medidas<br />
para impedir a sua introdução<br />
em novas áreas e para a erradicação<br />
completa da doença em regiões onde<br />
ela foi introduzida (Leite, 1990).<br />
O desenvolvimento de variedades<br />
cítricas agronomicamente aceitáveis<br />
com adequado nível de resistência, é<br />
ainda a forma mais econômica e eficiente<br />
de controlar o cancro cítrico.<br />
Entretanto, o melhoramento de citros é<br />
um processo longo, principalmente<br />
pelos aspectos botânicos desse gênero.<br />
Grande parte das espécies apresenta<br />
poliembrionia e longo período juvenil,<br />
o que dificulta a seleção de genótipos<br />
por hibridação. A obtenção de<br />
uma nova variedade é um processo<br />
que leva em média 30 anos. Os principais<br />
avanços têm sido obtidos pela<br />
seleção de mutações naturais.<br />
Frente a esses problemas, a transformação<br />
genética da laranjeira mostra-se<br />
como uma estratégia de melhoramento<br />
muito promissora, podendo<br />
ser utilizada para a introdução de novas<br />
características em variedades elite,<br />
reduzindo o tempo necessário para o<br />
lançamento de novos cultivares.<br />
Transformação genética de citros<br />
Plantas transgênicas de citros já<br />
foram obtidas por meio da introdução<br />
direta de DNA em protoplastos (Vardi<br />
et al., 1990); por co-cultivo de segmentos<br />
internodais ou de epicótilo com<br />
Agrobacterium (Moore et al., 1992;<br />
Kaneyoshi et al., 1994; Peña et al.,<br />
1995; Gutiérrez et al., 1997; Cervera et<br />
al., 1998), e por bombardeamento de<br />
partículas em suspensões embriogênicas<br />
de nucelo (Yao et al., 1996). Atualmente,<br />
o método mais utilizado de<br />
transformação genética em citros é a<br />
transformação mediada por Agrobacterium,<br />
utilizando-se segmentos de<br />
epicótilo de 1 cm como explantes.<br />
Usando esse sistema, já foram obtidas<br />
plantas transgênicas de laranja doce<br />
(C. sinensis;) (Peña et al., 1995; Bond &<br />
Roose, 1998), C. aurantifolia (Peña et<br />
al., 1997), C. aurantium (Gutiérrez et<br />
al., 1997), Carrizo citrange (C. sinensis<br />
X Poncirus trifoliata; Moore et al.,<br />
1992), P. trifoliata (Kaneyoshi et al.,<br />
1994) e grapefruit (C. paradisi; Luth &<br />
Moore, 1999.<br />
Figura 3. Construção usada nos experimentos de transformação<br />
Entretanto, a eficiência de transformação<br />
utilizando esse protocolo de<br />
regeneração ainda é baixa. Isso se<br />
deve, principalmente, ao pequeno<br />
número de brotos obtidos por explante<br />
e ao grande número de escapes.<br />
Além disso, as plantas transgênicas<br />
obtidas por esse sistema são juvenis,<br />
sendo necessário vários anos para que<br />
se possa avaliar algumas de suas características<br />
comerciais (produtividade,<br />
qualidade de fruto etc). Com vistas a<br />
contornar esse problema, Cervera et al.<br />
(1998) utilizaram internódios de plantas<br />
maduras de laranja doce cultivar<br />
Pineapple como explantes para transformação,<br />
conseguindo que as plantas<br />
transgênicas florescessem após 14<br />
meses.<br />
A falta de técnicas adequadas de<br />
cultura de tecidos de cultivares de<br />
laranja doce adaptados às nossas condições<br />
agroecológicas tem dificultado<br />
o uso da tecnologia de transformação<br />
de plantas nessa cultura. Visando a<br />
minimizar esse problema, o Laboratório<br />
de <strong>Bio</strong>tecnologia Vegetal do IAPAR<br />
desenvolveu novos protocolos de regeneração<br />
de laranja doce Pêra, usando<br />
segmentos finos transversais tanto<br />
de tecidos juvenis (Bespalhok et al.,<br />
2001) quanto de maduros (Kobayashi<br />
et al., 2001). Esses novos protocolos<br />
permitem a transformação de laranja,<br />
tanto através de Agrobacterium tumefaciens<br />
como também via biobalística.<br />
Essa metodologia foi utilizada em experimentos<br />
preliminares para a otimização<br />
do sistema de transformação,<br />
utilizando o plasmídeo pBE2113, que<br />
contém o gene gus sob controle de<br />
promotores constitutivos (Figura 2).<br />
Uso de peptídeos antibacterianos<br />
Várias estratégias têm sido utilizadas<br />
para aumentar a resistência de<br />
plantas a doenças bacterianas através<br />
da engenharia genética. Entre essas<br />
estratégias destacam-se: a produção de<br />
peptídeos antibacterianos, a inibição<br />
de fatores de virulência e o aumento<br />
das defesas naturais e morte celular<br />
programada no local da infecção (Mourgues<br />
et al., 1998).<br />
Todos os organismos superiores<br />
possuem sistemas de proteção contra<br />
infecções por microorganismos. Os insetos<br />
possuem um eficiente sistema de<br />
defesa contra bactérias e outros parasitas.<br />
Esse sistema, que foi bastante estu-<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 63
dado em Hyalophora cecropia, é responsável<br />
pela produção de peptídeos<br />
com potente atividade antitibacteriana,<br />
tais como as cecropinas.<br />
Cecropinas pertencem a uma família<br />
de pequenos peptídeos, isolados da<br />
hemolinfa de insetos, que exibem atividade<br />
lítica e antibactericida contra<br />
muitas bactérias gram-positivas e gramnegativas<br />
(Boman & Hultmark, 1987).<br />
Estruturalmente, esses peptídeos têm<br />
uma região N-terminal bastante básica<br />
e uma longa seqüência hidrofóbica na<br />
região C-terminal. Essas características<br />
são necessárias para a ação antibacteriana<br />
das cecropinas através da formação<br />
de canais nas membranas, provocando<br />
o vazamento de componentes<br />
celulares e, conseqüentemente, a morte<br />
da bactéria (Christensen et al., 1988).<br />
Vários trabalhos de transformação<br />
de espécies vegetais com peptídeos<br />
antibacterianos foram publicados nos<br />
últimos anos. Batata e fumo foram as<br />
espécies mais utilizadas, principalmente<br />
pela facilidade de cultura de tecidos e<br />
a importância das bacterioses. Montanelli<br />
& Nascari (1991) transformaram<br />
batata com um gene responsável pela<br />
produção de cecropina e encontraram<br />
resultados positivos contra Ralstonia<br />
solanacearum em testes preliminares<br />
in vitro com extratos de plantas transgênicas.<br />
Jaynes et al. (1993), utilizando<br />
o gene Shiva-1 (um análogo sintético<br />
da cecropina), controlado pelo promotor<br />
do inibidor de proteinase II de<br />
batata, obtiveram alta expressão em<br />
plantas transgênicas de fumo que mostraram<br />
um aumento de resistência a R.<br />
solanacearum. Por outro lado, Florack<br />
et al. (1995) transformaram fumo com<br />
genes de cecropina B, mas não conseguiram<br />
aumentar a resistência dessa<br />
espécie contra R. solanacearum e P.<br />
syringae pv. tabaci. A rápida degradação<br />
da cecropina por proteases endógenas<br />
foi apontada como responsável<br />
pela baixa detecção do peptídeo nas<br />
plantas transgênicas, apesar da correta<br />
transcrição do gene inserido. Também,<br />
Hightower et al. (1994) não conseguiram<br />
aumentar a resistência de plantas<br />
de fumo a P. syringae pv. tabaci com<br />
a introdução de um gene quimérico de<br />
cecropina A/B.<br />
Além das cecropinas, outros tipos<br />
de peptídeos têm sido utilizados em<br />
plantas com vistas a controlar doenças<br />
bacterianas. Norelli et al. (1994) observaram<br />
que plantas transgênicas de maça<br />
Figure 4. Análise de PCR de plantas transgênicas de laranja Pêra. O<br />
DNA foi isolado de folhas e amplificado com primers específicos<br />
para o gene da sarcotoxina dando um produto de 268 pb. Coluna<br />
M, marcador 100 pb; coluna C, controle negativo, laranja Pêra não<br />
transformada; colunas 1-10, plantas transgênicas; coluna P, plasmídeo<br />
pST10<br />
expressando o gene da atacina E mostraram<br />
maior resistência a Erwinia<br />
amylovora. Plantas transgênicas de<br />
batatas com resistência a Erwinia<br />
amylovora foram obtidas por Düring et<br />
al. (1993) através da inserção do gene<br />
da lisozima do bacteriófago T4.<br />
Os resultados até agora relatados<br />
na literatura indicam que a transformação<br />
com peptídeos antibacterianos tem<br />
grande potencial para ser usada no<br />
melhoramento vegetal, principalmente<br />
através do uso de construções gênicas<br />
capazes de expressar esses peptídeos<br />
extracelularmente e, também, pela<br />
modificação desses peptídeos visando<br />
a conseguir a sua maior estabilidade<br />
frente à degradação por proteases endógenas.<br />
Sarcotoxina<br />
A sarcotoxina é um peptídeo antibacteriano<br />
isolado de larvas de Sarcophaga<br />
peregrina pelo grupo do Dr.<br />
Natori, Universidade de Tókio (Japão).<br />
Figura 5. Processo de obtenção de plantas transgênicas de laranja Pêra a<br />
partir de tecido maduro<br />
64 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Esse peptídeo possui 39 aminoácidos e<br />
pertence ao grupo das cecropinas. Em<br />
estudos in vitro, a sarcotoxina mostrou-se<br />
altamente eficiente na inibição<br />
do crescimento de algumas bactérias<br />
causadoras de doenças em plantas,<br />
especialmente para X. axonopodis pv.<br />
citri (Ohshima et al., 1999).<br />
A expressão da sarcotoxina em plantas<br />
de tabaco sob controle de um<br />
promotor constitutivo aumentou a resistência<br />
a duas bactérias fitopatogênicas:<br />
P. syringae pv. tabaci e E. carotovora<br />
subsp. carotovora (Ohshima et<br />
al., 1999). Também, plantas de tabaco<br />
transformadas com o gene da sarcotoxina<br />
sob o controle de um promotor<br />
induzido por ácido salicílico (PR1a)<br />
apresentaram um aumento na resistência<br />
tanto a bactérias fitopatogênicas<br />
como a fungos Rhizoctonia solani e<br />
Pythium aphanidermatum (Mitsuhara<br />
et al., 2000).<br />
Apesar de ainda serem necessários<br />
mais estudos sobre a segurança alimentar<br />
da sarcotoxina, resultados recentes<br />
mostram que a sarcotoxina tem<br />
pouca ação sobre microrganismos benéficos<br />
que fazem parte da flora intestinal<br />
humana (Mitsuhara et al., 2001).<br />
Transformação de citros<br />
com o gene da sarcotoxina<br />
Figura 6. Plantas inoculadas com isolado de X. axonopodis pv. citri (10 4<br />
cfu/ml) após 26 dias. Planta não transgênica utilizada como controle (esquerda)<br />
e planta transgênica expressando sarcotoxina (direita)<br />
A obtenção de plantas transgênicas<br />
de laranja doce de cultivares plantados<br />
no Brasil com o gene da sarcotoxina é<br />
uma estratégia muito promissora para<br />
aumentar a tolerância à bactéria do<br />
cancro cítrico. Assim, foram realizados<br />
trabalhos de transformação de plantas<br />
de laranja com o gene da sarcotoxina<br />
no Labotatório de <strong>Bio</strong>tecnologia Vegetal<br />
do IAPAR. O plasmídeo utilizado<br />
para transformação (pST10) contém o<br />
gene da sarcotoxina (stx IA) ligado a<br />
um peptídeo sinal que tem a função de<br />
exportar o peptídeo para o espaço<br />
intercelular sob controle do promotor<br />
constitutivo 35S, do vírus do mosaico<br />
da couve-flor e o gene da neomicina<br />
fosfotransferase (npt II), que confere<br />
resistência ao antibiótico canamicina<br />
(Figura 3). Esse plasmídeo foi cedido<br />
ao IAPAR através de um convênio<br />
científico com o Instituto Nacional de<br />
Recursos Agrobiológicos (NIAR, Japão).<br />
A metodologia de transformação<br />
de laranja usou a estirpe EHA-105 de<br />
Agrobacterium tumefaciens como vetor<br />
para inserção do gene da sarcotoxina.<br />
Um aspecto inovador da metodologia<br />
é a utilização de segmentos finos de<br />
material vegetal maduro para a transformação,<br />
o que reduz em, pelo menos,<br />
cinco anos o início de produção e<br />
avaliação das plantas transgênicas. Em<br />
experimentos preliminares, plantas de<br />
laranja Pêra regeneradas a partir de<br />
tecido maduro floresceram após 12<br />
meses em casa de vegetação.<br />
Internódios de mudas de laranja<br />
Pêra mantidas em casa de vegetação<br />
foram utilizados como explantes iniciais.<br />
Esses internódios foram desinfestados,<br />
cortados transversalmente em segmentos<br />
de 1-2 mm e imersos em meio<br />
contendo Agrobacterium. Os explantes<br />
foram então co-cultivados por 72<br />
horas e transferidos para meio de indução<br />
de gemas com 200 mg/l cefotaxima,<br />
200 mg/l timetina e 25 mg/l canamicina.<br />
Após três semanas no escuro,<br />
os segmentos que apresentavam gemas<br />
foram transferidos para meio de<br />
alongamento ainda com a presença de<br />
antibióticos. Após 3-4 semanas no meio<br />
de alongamento, as gemas regeneradas<br />
maiores que 1 mm foram microenxertadas<br />
em plântulas de Carrizo citrange<br />
germinadas in vitro. Quando os<br />
enxertos apresentavam de 3 a 4 folhas,<br />
pequenos segmentos de tecido foliar<br />
foram utilizados para detecção da presença<br />
do gene da sarcotoxina através<br />
de PCR. Enxertos apresentando a banda<br />
correspondente ao gene da sarcotoxina<br />
(Figura 4) foram então transplantados<br />
diretamente em solo ou<br />
novamente enxertados em plantas de<br />
limão cravo em casa de vegetação<br />
(Figura 5).<br />
Foram obtidos diversos eventos de<br />
laranja Pêra transgênica contendo o<br />
gene da sarcotoxina. As plantas transgênicas<br />
foram clonadas através de<br />
enxertia em porta-enxertos de limão<br />
cravo para serem inoculadas com a<br />
cepa 306 da bactéria de X. axonopodis<br />
pv citri.<br />
A inoculação das plantas transgênicas<br />
com a bactéria do cancro cítrico<br />
é feita pelo método de infiltração em<br />
folhas novas utilizando-se seringas hipodérmicas.<br />
A avaliação da resistência<br />
é feita após três semanas através da<br />
contagem de lesões por área foliar e<br />
do re-isolamento da bactéria.<br />
A análise de Western blot em folhas<br />
mostrou que há uma variação na<br />
expressão da sarcotoxina nos diferentes<br />
eventos. Os resultados da inoculação<br />
das plantas transgênicas com a<br />
bactéria do cancro cítrico mostraram<br />
que as plantas apresentando maiores<br />
quantidades de sarcotoxina foram mais<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 65
esistentes ao cancro cítrico (Figura 6).<br />
Considerações finais<br />
O projeto para o desenvolvimento<br />
da laranja transgênica foi iniciado em<br />
1999 e tem sido financiado pelo CNPq,<br />
através do programa RHAE, e pela<br />
Fundação Araucária (Governo do Estado<br />
do Paraná). Deverão ser feitos ainda,<br />
estudos necessários para se conhecer<br />
o efeito da introdução do gene da<br />
sarcotoxina nas plantas, na segurança<br />
alimentar e o seu impacto no ambiente,<br />
antes que essa tecnologia possa ser<br />
utilizada de maneira mais ampla. A<br />
grande eficiência do protocolo de transformação<br />
de laranja desenvolvido torna<br />
possível a inserção de novos genes<br />
que podem contribuir para minimizar<br />
outros problemas da citricultura, tais<br />
como o ataque de pragas e a resistência<br />
a estresses abióticos.<br />
Além do Instituto Agronômico do<br />
Paraná, através do Laboratório de <strong>Bio</strong>tecnologia,<br />
outras instituições brasileiras<br />
que atuam no desenvolvimento de<br />
plantas transgênicas de laranja são: o<br />
Centro de Citricultura do Instituto Agronômico<br />
de Campinas (IAC), em Cordeirópolis<br />
(SP), a Escola Superior de<br />
Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) e<br />
o Centro de Energia Nuclear (CENA),<br />
da USP, em Piracicaba (SP).<br />
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66 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Pesquisa<br />
Vacinas de DNA<br />
MULTIVALENTES<br />
Pesquisas abrem caminho para a vacina ideal<br />
Marcio de Oliveira Lásaro<br />
Aluno de doutorado do curso de Pós-graduação<br />
do Instituto de <strong>Bio</strong>física Carlos Chagas Filho -<br />
UFRJ<br />
molasaro@biof.ufrj.br<br />
Carolina Tereza Cequalini Rohr<br />
Aluna de <strong>Bio</strong>logia - Universidade Presbiteriana<br />
Mackenzie<br />
carolzinhar@hotmail.com<br />
Luís Carlos de Souza Ferreira<br />
Professor Titular Departamento de Microbiologia,<br />
Instituto de Ciências <strong>Bio</strong>médicas- USP<br />
lcsf@usp.br<br />
Figura 1: Estratégia para a geração<br />
de vacinas de DNA multivalente<br />
baseada em mistura de plasmídeos<br />
que codificam para antígenos<br />
diferentes. Cada um dos genes x e<br />
y são clonados em diferentes<br />
plasmídeos e inoculados juntos na<br />
mesma formulação. As proteínas<br />
expressas são processadas individualmente<br />
e apresentadas ao sistema<br />
imune por moléculas de MHC<br />
pós cerca de 180 anos<br />
da descoberta e aplicação<br />
da vacina contra a<br />
varíola, feita pelo Dr.<br />
Edward Jenner, em<br />
Gloucestershire, um pequeno<br />
município a oeste de Londres, a<br />
doença foi considerada erradicada do<br />
planeta, em 1977. Esse evento celebrou<br />
de forma definitiva o papel das vacinas<br />
como um dos principais instrumentos<br />
na prevenção de doenças infecciosas e<br />
consagrou-as como uma das mais importantes<br />
descobertas na área médica<br />
de todos os tempos. Entretanto, a vitória<br />
contra a varíola representou apenas<br />
uma batalha vencida em uma guerra, na<br />
qual, a cada ano, milhões de vidas ainda<br />
são perdidas, sobretudo de crianças,<br />
vítimas de doenças que poderiam<br />
ser evitadas caso dispuséssemos<br />
de formulações vacinais<br />
contra diversos patógenos que<br />
afligem a humanidade.<br />
Em 1974, a Organização<br />
Mundial da Saúde estabeleceu<br />
como prioridade a implantação<br />
do Programa Ampliado de<br />
Imunização com vistas a permitir<br />
à população infantil ter acesso<br />
a vacinas eficazes contra algumas<br />
das principais doenças infecciosas<br />
(pólio, tuberculose, difteria,<br />
tétano, coqueluche, sarampo,<br />
cachumba, rubéola, hepatite). Outras<br />
vacinas capazes de prevenir doenças<br />
que ainda apresentam elevados índices<br />
de mortalidade e morbidade são<br />
aquelas desenvolvidas para o controle<br />
das meningites bacterianas (meningocócica<br />
e a causada pelo H. influenza do<br />
tipo B), a catapora (varicela), a pneunonia<br />
bacteriana e a gripe. A maioria<br />
dessas vacinas são administradas em<br />
regime de múltiplas doses, com intervalos<br />
definidos e em diferentes momentos<br />
da vida do indivíduo, o que aumenta os<br />
custos e pode levá-lo à desistência durante<br />
os programas de imunização. Uma<br />
alternativa para esse problema são vacinas<br />
multivalentes, isto é, formulações<br />
que contenham em sua composição<br />
antígenos capazes de gerar proteção<br />
contra diversas doenças. O sucesso dessa<br />
abordagem foi demonstrado por exemplos<br />
como a vacina tríplice viral (sarampo,<br />
cachumba e rubéola), a tríplice<br />
bacteriana (difteria, coqueluche e tétano),<br />
ou ainda as vacinas multivalentes<br />
contra meningites meningocócicas e<br />
pneumonia pneumocócica, todas utilizadas<br />
com sucesso há vários anos. Infelizmente<br />
a estratégia não é universal e<br />
algumas limitações não puderam ser<br />
superadas. Restrições relacionadas com<br />
a solubilidade dos antígenos vacinais e<br />
a competição antigênica, quando a presença<br />
de um antígeno suprime ou diminui<br />
as respostas imunológicas induzidas<br />
contra outro antígeno co-administrado,<br />
impediram o desenvolvimento<br />
de novas formulações multivalentes ativas<br />
contra um maior número de doenças.<br />
Recentes descobertas na área de<br />
pesquisa vacinal reacenderam as esperanças<br />
que novas formulações multivalentes,<br />
ativas contra um número ilimitado<br />
de doenças, possam ser criadas em<br />
um breve futuro. Dentre essas novas<br />
tecnologias, destacam-se as vacinas<br />
genéticas, ou vacinas de DNA. Essas<br />
vacinas são formadas por plasmídeos<br />
capazes de induzir respostas imunológicas<br />
em indivíduos inoculados com<br />
DNA purificado, reflexo da transfecção<br />
de células que passam a produzir os<br />
antígenos responsáveis pela proteção<br />
contra um patógeno específico (Azevedo<br />
& Oliveira, 1997; Silva, 1997; Lásaro<br />
& Ferreira, 1999). Ao contrário das vacinas<br />
convencionais, que se baseiam na<br />
inoculação de microrganismos mortos,<br />
atenuados ou de frações acelulares<br />
purificadas para induzir uma resposta<br />
imunológica, as vacinas de DNA empre-<br />
68 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
Figura 2: Estratégia para geração<br />
de vacinas de DNA multivalente<br />
baseada em minigenes ou<br />
politopos. Regiões de genes que<br />
codificam epitopos específicos<br />
para linfócitos T citotóxicos, B ou<br />
T auxiliares (T, B, Th; na figura)<br />
são clonados na mesma fase de<br />
leitura em um único plasmídeo.<br />
Após a inoculação do plasmídeo<br />
no hospedeiro, o minigene<br />
expresso é processado e os<br />
epitopos são apresentados ao<br />
sistema imune por moléculas de<br />
MHC<br />
gam um protocolo único para sua produção,<br />
o que resulta em considerável<br />
redução de custos, além de evitar o<br />
contato direto com o patógeno ou com<br />
produtos dele extraídos.<br />
Pela própria composição e mecanismo<br />
de ação, as vacinas de DNA mostram<br />
grande potencial para a elaboração<br />
de formulações multivalentes. Como<br />
não se trabalha com os microrganismos<br />
ou com produtos deles isolados, as<br />
limitações ficam eliminadas quanto à<br />
solubilidade antigênica. Com o auxílio<br />
de técnicas de clonagem gênica, é possível<br />
inserir em um mesmo plasmídeo,<br />
ou em plasmídeos diferentes, vários<br />
genes que codifiquem para antígenos<br />
oriundos de um mesmo patógeno ou de<br />
patógenos diferentes. Por outro lado,<br />
como as células transfectadas do próprio<br />
indivíduo se encarregam de produzir<br />
os antígenos codificados pelos genes<br />
nelas introduzidos, espera-se que sejam<br />
minimizados problemas relacionados<br />
com a competição antigênica. As pesquisas<br />
para o desenvolvimento de vacinas<br />
de DNA multivalentes avançam em<br />
ritmo acelerado e três estratégias principais<br />
são investigadas por grupos de<br />
pesquisa que trabalham nessa área: (i)<br />
vacinas baseadas em mistura de plasmídeos,<br />
(ii) vacinas baseadas em politopos<br />
ou minigenes e (iii) vacinas que<br />
codificam proteínas híbridas.<br />
Vacinas de DNA multivalentes baseadas<br />
em mistura de plasmídeos<br />
Nesse tipo de estratégia, dois ou<br />
mais plasmídeos, cada um deles codificando<br />
para um antígeno específico, são<br />
combinados em uma única formulação<br />
(Figura 1). Animais inoculados com a<br />
mistura de plasmídeos desenvolveram<br />
resposta imunológica e/ou proteção tão<br />
eficientemente ou melhor do que aqueles<br />
indivíduos imunizados com apenas<br />
um plasmídeo que dirige a expressão<br />
de um único antígeno. Vacinas baseadas<br />
nessa metodologia podem empregar<br />
um mesmo tipo de vetor plasmidial<br />
ou plasmídeos diferentes, desde que<br />
estes sejam capazes de promover a<br />
expressão dos antígenos necessários à<br />
indução da resposta imunológica. Por<br />
exemplo, uma vacina de DNA composta<br />
por plasmídeos diferentes que codificavam<br />
para as proteínas ESAT-16, MPT-<br />
64, MPT-63 e KatG do<br />
Mycobacterium tuberculosis, resultou<br />
na indução de respostas imunológicas<br />
específicas a cada um dos antígenos em<br />
níveis semelhantes aos observados em<br />
animais imunizados com cada um dos<br />
plasmídeos isoladamente (Morris et al.,<br />
2000).<br />
Outro estudo baseado no vírus influenza<br />
mostrou que a mistura de dois<br />
plasmídeos, que codificavam para a<br />
hemaglutinina (HA) e a neuroaminidase<br />
(NA) virais conferiu maior proteção<br />
em camundongos do que aquela obtida<br />
com os mesmos plasmídeos aplicados<br />
isoladamente (Chen et al., 1999). Além<br />
disso, a adição de um terceiro plasmídeo<br />
que codificava para outra proteína<br />
viral não interferiu nas respostas imunológicas<br />
obtidas para as proteínas HA<br />
e NA. Essas observações demonstram<br />
que vacinas de DNA multivalentes baseadas<br />
na mistura de plasmídeos podem<br />
ser feitas sem o comprometimento<br />
da resposta induzida por cada um dos<br />
antígenos codificados.<br />
Entretanto, o uso de plasmídeos que<br />
possuem promotores com atividade<br />
muito diferente pode acarretar diferença<br />
nas quantidades de antígenos e resultar<br />
em resposta imune induzida diferenciada<br />
frente aos respectivos antígenos<br />
codificados. A produção de um<br />
determinado antígeno sob o controle<br />
de um promotor forte pode gerar um<br />
quadro semelhante à competição antigênica<br />
em função do maior recrutamento<br />
de células apresentadoras de<br />
antígenos (APC, do inglês antigen-presenting<br />
cells). Essa competição pelas<br />
APCs pode resultar em resposta imunológica<br />
maior e mais rápida em relação<br />
ao(s) antígeno(s) presente(s) em maior<br />
quantidade. Talvez um reflexo de um<br />
microambiente induzido pela produção<br />
de mediadores químicos da resposta<br />
imune (citocinas), que, por sua vez,<br />
influenciam a resposta imune tanto em<br />
magnitude (produção de anticorpos)<br />
como em população de linfócitos T<br />
ativados (padrão Th1/Th2). Tais desdobramentos<br />
indicam que as vacinas de<br />
DNA multivalentes baseadas em mistura<br />
de plasmídeos devem, sempre que<br />
possível, utilizar um mesmo plasmídeo<br />
para a construção das formas recombinantes,<br />
presentes na formulação final.<br />
A inoculação de vacinas de DNA<br />
pode ser feita de várias maneiras: a<br />
biobalística emprega partículas de ouro<br />
revestidas com DNA introduzidas através<br />
da pele por gases sob pressão. O<br />
DNA pode ser encapsulado em partículas<br />
lipídicas (lipossomos) e administrado<br />
por via intranasal, ou, ainda, bactérias<br />
atenuadas, como Salmonella ou<br />
Shigella, que podem ser administradas<br />
por via oral e, após destruição por<br />
células fagocitárias, acabam por liberar<br />
o DNA, que conduzirá a expressão do<br />
antígeno pelas células do hospedeiro<br />
(Azevedo & Oliveira, 1997, Lásaro &<br />
Ferreira, 2000). No entanto, a inoculação<br />
intramuscular ainda representa a<br />
forma mais usual de aplicação de vacinas<br />
de DNA, tanto em animais como em<br />
humanos, e a quantidade mínima de<br />
DNA capaz de induzir resposta imune<br />
protetora representa uma grande preocupação<br />
para aqueles que trabalham no<br />
desenvolvimento de formulações multivalentes.<br />
A dose de DNA a ser inoculada<br />
não pode ser tão baixa a ponto de<br />
mostrar-se incapaz de induzir resposta<br />
imune no hospedeiro mamífero, nem<br />
tão alta a ponto de saturar a capacidade<br />
do indivíduo em responder ao estímulo,<br />
o que acarretaria desperdício do<br />
material vacinal. Alguns pesquisadores,<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 69
Figura 3: Estratégia baseada na<br />
expressão de proteínas híbridas.<br />
Genes que codificam para<br />
proteínas inteiras ou somente<br />
domínios imunologicamente<br />
importantes são clonados na<br />
mesma fase de leitura, em um<br />
único plasmídeo. Após a<br />
inoculação do plamídeo no<br />
hospedeiro, a proteína híbrida é<br />
processada e apresentada ao<br />
sistema imune por moléculas de<br />
MHC<br />
preocupados com essa questão, demonstraram<br />
que cobaias imunizadas<br />
com pequenas quantidades (13 µg) de<br />
uma mistura de plasmídeos que codificavam<br />
para glicoproteínas do vírus herpes<br />
simplex do tipo 2 (HSV-2), agente<br />
causador do herpes genital, obtiveram<br />
uma proteção tão boa quanto aquelas<br />
observadas em animais imunizados com<br />
doses maiores (McClements et al., 1996).<br />
Estes resultados, assim como outros<br />
trabalhos baseados em diferentes vacinas<br />
de DNA, demonstram que formulações<br />
multivalentes podem ser aplicadas<br />
em quantidades relativamente pequenas<br />
sem o comprometimento das respostas<br />
imunológicas induzidas.<br />
Vacinas de DNA multivalentes<br />
baseadas em minigenes<br />
Vacinas de DNA multivalentes também<br />
podem ser geradas a partir da<br />
construção de minigenes ou politopos.<br />
Essa estratégia consiste na utilização de<br />
oligonucleotídeos que, uma vez clonados<br />
em ordem contígua e no mesmo<br />
referencial de tradução em um mesmo<br />
plasmídeo, codificam para epitopos derivados<br />
de antígenos oriundos de um<br />
ou mais patógenos (Figura 2). Uma<br />
vantagem inerente a essa estratégia<br />
é o fato de ser possível expressar<br />
epitopos específicos para<br />
linfócitos B, T ou citotóxicos<br />
e excluir seqüências<br />
não relevantes para gerar<br />
resposta imunológica,<br />
ou mesmo seqüências<br />
responsáveis pela<br />
indução de respostas cruzadas<br />
com antígenos do<br />
próprio indivíduo, o que<br />
poderia resultar em doença<br />
auto-imune.<br />
Em um estudo baseado<br />
em uma vacina que continha<br />
dez epitopos oriundos de antígenos<br />
do vírus influenza, citomegalovírus<br />
murino, vírus da coriomeningite<br />
linfocitária, adenovírus e vírus Sendai,<br />
mostrou que essa estratégia é capaz de<br />
ativar resposta citotóxica e de memória<br />
até um ano após a imunização de camundongos<br />
(Thomson et al., 1998). Em<br />
outro estudo, uma vacina de minigenes<br />
composta por seis epitopos específicos<br />
para linfócitos B, T citotóxicos e T<br />
auxiliadores, derivados dos vírus da<br />
estomatite vesicular, sincicial respiratório,<br />
coriomeningite linfocitária, mengovírus<br />
e vírus Sendai, além de antígeno<br />
da<br />
bactéria<br />
Mycobacterium tuberculosis, foi capaz<br />
de gerar resposta imunológica em todos<br />
os camundongos imunizados, sem indícios<br />
de competição antigênica. Além<br />
disso, os animais imunizados com a<br />
vacina de DNA multivalente desenvolveram<br />
resposta protetora para o mengovírus<br />
e o vírus da coriomeningite<br />
linfocitária (Ling Ling & Whitton, 1996).<br />
Na estratégia de minigenes podem<br />
ser incorporados aminoácidos que atuem<br />
como espaçadores para os diferentes<br />
epitopos expressos pela vacina de<br />
DNA, de modo que lhe confira uma<br />
maior flexibilidade estrutural do produto<br />
e permita sua apresentação mais<br />
eficiente pelas APCs. Essa hipótese foi<br />
testada com plasmídeos que expressavam<br />
vários epitopos de diferentes proteínas<br />
do vírus do papiloma humano<br />
(HPV), o principal agente etiológico do<br />
câncer cervical uterino (Velders et al.,<br />
2001). Tais plasmídeos diferiam entre si<br />
70 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />
quanto à presença de nucleotídeos que<br />
ladeavam os minigenes e codificavam<br />
para a seqüência de aminoácidos Ala-<br />
Ala-Tyr. A incorporação dessas seqüências<br />
espaçadoras melhorou o processamento<br />
e a apresentação dos epitopos<br />
pelas APCs, e aumentou a proteção<br />
conferida pela vacina de 50% para 100%<br />
dos animais imunizados quanto ao desenvolvimento<br />
de tumores ainda não<br />
estabelecidos. Para animais que já tinham<br />
um tumor estabelecido, a vacina<br />
com os minigenes e os espaçadores<br />
resultou na cura de 90% dos animais<br />
imunizados. Esses resultados atestam o<br />
potencial profilático e terapêutico das<br />
vacinas de DNA multivalentes e ressaltam<br />
a importância dessa estratégia vacinal,<br />
tanto para o controle de doenças<br />
infecciosas como para a erradicação de<br />
certos tipos de câncer.<br />
No entanto, para que seja possível<br />
empregar a estratégia vacinal multivalente<br />
baseada em minigenes, é imprescindível<br />
que os diferentes epitopos tenham<br />
sido previamente definidos e caracterizados<br />
quanto ao seu potencial<br />
imunogênico. Além disso, o polimorfismo<br />
natural das populações humanas<br />
para moléculas do sistema de histocompatibilidade<br />
principal (MHC), responsável<br />
pela apresentação de epitopos processados<br />
na superfície de APCs, representa<br />
uma potencial limitação capaz de<br />
influir negativamente na eficácia dessas<br />
vacinas. Entretanto, essas dificuldades<br />
podem ser contornadas com a expressão<br />
de um maior número de epitopos<br />
ou pelo emprego de seqüências protéicas<br />
maiores que englobem vários epitopos.<br />
Vacinas de DNA multivalentes baseadas<br />
em proteínas híbridas<br />
Nessa estratégia, genes que codificam<br />
para proteínas inteiras, ou para<br />
domínios estruturais importantes, de<br />
um ou mais patógenos, são clonados<br />
em um único plasmídeo (Figura 3).<br />
Desaa forma, não há necessidade de<br />
localizar ou caracterizar os epitopos<br />
presentes e, dependendo da construção<br />
a ser feita, torna-se possível preservar,<br />
pelo menos em parte, epitopos não<br />
contíguos ou conformacionais. Nessas<br />
construções, a restrição imposta pela<br />
variabilidade natural do MHC é minimizada,<br />
pois, a partir de seqüências protéicas<br />
maiores, o processamento e a<br />
apresentação pelas APCs ocorrerá na<br />
grande maioria dos indivíduos imunizados.
Uma vacina de DNA multivalente<br />
capaz de conferir proteção contra diferentes<br />
sorotipos do vírus da raiva exemplifica<br />
a estratégia baseada na expressão<br />
de proteínas híbridas (Jallet et al., 1999).<br />
Nesse trabalho, foram construídos plasmídeos<br />
capazes de codificar proteínas<br />
híbridas oriundas da fusão de diferentes<br />
regiões de proteínas G do envelope de<br />
diferentes sorotipos virais. Algumas dessas<br />
construções foram capazes de induzir<br />
respostas imunológicas contra as diferentes<br />
proteínas G e conferir proteção a<br />
vários sorotipos virais em camundongos<br />
imunizados.<br />
Em nosso laboratório trabalhamos<br />
com um protótipo de vacina de DNA<br />
bivalente baseada na expressão de uma<br />
proteína híbrida, resultado da fusão da<br />
glicoproteína D (gD) do vírus herpes<br />
simplex tipo 1 (HSV-1) e uma adesina<br />
fimbrial (CFA/I), responsável pela aderência<br />
ao epitélio intestinal humano da<br />
Escherichia coli enterotoxigênica<br />
(ETEC), um dos principais agentes causadores<br />
da diarréia dos viajantes. A estratégia<br />
empregada consistiu na substituição<br />
de uma seqüência central da proteína<br />
gD do HSV-1 pela seqüência do<br />
antígeno CFA/I de ETEC. A administração<br />
intramuscular dessa vacina de DNA<br />
bivalente em camundongos foi capaz de<br />
gerar anticorpos contra os dois antígenos<br />
(Figura 4). Experimentos adicionais indicaram<br />
que os anticorpos anti-gD gerados<br />
nos animais imunizados com a vacina<br />
bivalente foram capazes de bloquear a<br />
infecção viral enquanto os anticorpos<br />
contra a porção CFA/I reconheciam a<br />
proteína expressa pela ETEC. Além disso,<br />
a utilização dessa vacina bivalente em<br />
consórcio com uma outra vacina baseada<br />
em linhagem atenuada de Salmonella,<br />
capaz de expressar o antígeno CFA/<br />
I, ocasionou em marcante efeito sinérgico,<br />
tanto para a resposta de anticorpos<br />
sistêmicos, mas, sobretudo, para a resposta<br />
local, com a produção de anticorpos<br />
do isotipo IgA, específicos para o<br />
CFA/I, resposta essencial para uma efetiva<br />
proteção contra patógenos entéricos,<br />
como a ETEC (Lásaro & Ferreira,<br />
2000). Esses resultados abrem perspectivas<br />
interessantes para o desenvolvimento<br />
de vacinas de DNA multivalentes<br />
contra patógenos que possuam estratégias<br />
de virulência distintas e exigem,<br />
portanto, a indução de uma ampla gama<br />
de respostas imunológicas.<br />
Conclusões e perspectivas<br />
O principal objetivo da pesquisa em<br />
Figura 4: Resposta de anticorpos<br />
séricos em camundongos imunizados<br />
com vacina de DNA<br />
bivalente baseada na fusão da<br />
proteína gD de HSV-1 e a proteína<br />
CFA/I, de ETEC. O soro de<br />
animais imunizados com duas<br />
doses (100mg) da vacina por via<br />
intramuscular, foram testados em<br />
reações em que a proteína CFA/I,<br />
isolada de ETEC, ou a proteína<br />
gD, do HSV, foram submetidas à<br />
eletroforese em gel de<br />
poliacrilamida e, posteriormente,<br />
transferidas para membranas de<br />
nitrocelulose. A presença de<br />
bandas reativas, após a ligação<br />
dos anticorpos, foi demonstrada<br />
com o uso de anticorpos de<br />
coelho conjugados com a<br />
peroxidase, capazes de reconhecer<br />
imunoglobulinas de camundongos<br />
vacinas é criar uma formulação multivalente<br />
ideal que seja segura mesmo para<br />
indivíduos imunocomprometidos, e<br />
capaz de induzir níveis de proteção<br />
elevados e duradouros contra um grande<br />
número de doenças infecciosas, em<br />
uma única dose. Embora a vacina ideal<br />
ainda não possa ser obtida com a tecnologia<br />
atualmente disponível, o impressionante<br />
avanço das pesquisas nesse campo,<br />
como a descoberta das vacinas de<br />
DNA, nos levam a crer que esse sonho<br />
está cada vez mais próximo da realidade.<br />
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<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 71
Pesquisadores identificam fruta riquíssima<br />
em vitamina C<br />
Imagine uma frutinha que tenha uma concentração<br />
de vitamina C cem vezes maior que a da<br />
laranja e quatro vezes maior que a da acerola.<br />
Esse fruto é o camu-camu (Myrciaria dubia),<br />
pertencente à família Myrtaceae e é encontrado<br />
às margens dos rios e lagos de águas pretas, na<br />
região amazônica.<br />
Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa<br />
da Amazônia (INPA/MCT) demonstraram que o<br />
camu-camu tem a maior concentração de vitamina<br />
C encontrada na natureza: 6.000 miligramas<br />
em 100 gramas do fruto.<br />
Segundo o coordenador de Pesquisa do INPA,<br />
Wanderli Pedro Tadei, com o trabalho de engenharia<br />
genética, seria possível transferir o complexo<br />
gênico do camu-camu para a laranja, por<br />
exemplo, proporcionando uma rica e acessível<br />
fonte desta vitamina, principalmente para as populações<br />
mais carentes. “Este efeito na saúde<br />
pública é incalculável, uma vez que a vitamina C<br />
reforça o sistema imunológico e torna o organismo<br />
humano mais resistente à contaminações por<br />
vírus e bactérias’, diz o pesquisador.<br />
Tadei ressalta, ainda, os resultados econômicos<br />
que o camu-camu pode gerar, seja por meio da<br />
exportação do produto geneticamente modificado<br />
ou do desenvolvimento de novas tecnologias,<br />
gerando divisas para o País.<br />
Esse é apenas um dos muitos produtos da Amazônia<br />
cuja pesquisa pode resolver uma série de<br />
problemas nacionais, de áreas tão diversas quanto<br />
saúde e nutrição, desemprego ou balança<br />
comercial.<br />
O potencial do camu-camu foi apresentado pro<br />
Wanderli Pedro Tadei, na reunião de dirigentes<br />
das Unidades de Pesquisa ligadas ao MCT, realizada<br />
nos dias 20 e 21 últimos e no debate Ciência<br />
Amazônica, na Câmara dos Deputados, no<br />
dia 22.<br />
Nos dois eventos, ele afirmou que a<br />
<strong>Bio</strong>diversidade da Amazônia é nosso ouro verde.<br />
Estima-se que o Brasil possua entre 15% e 20%<br />
de toda a biodiversidade mundial e o maior número<br />
de espécies endêmicas (que só ocorrem<br />
naquele local) do planeta.<br />
São 55 mil espécies vegetais ou 22% do total no<br />
planeta, 524 mamíferos (sendo 131 endêmicos),<br />
517 anfíbios (294 endêmicos), 1.622 aves (191<br />
endêmicas) e 468 répteis (172 endêmicos), além<br />
de 3 mil espécies de peixes de água doce (três vezes maior<br />
que em qualquer outro país) e provavelmente entre 10<br />
e 15 milhões de insetos. Somente a Amazônia responde<br />
por cerca de 26% das florestas tropicais remanescentes no<br />
planeta.<br />
Somos o primeiro mundo em biodiversidade, comenta<br />
Tadei, temos que ser também na exploração dessa<br />
biodiversidade.<br />
Hoje, o conhecimento faz a diferença; temos que investir<br />
e formar competências locais. Esse investimento, em sua<br />
análise, dará retorno ecológico, econômico e social imprescindíveis<br />
para região e para o país.<br />
Tadei explicou que a demanda por alta competência<br />
ocorre em conseqüência de trabalhos que vêm sendo<br />
desenvolvidos na região, nos últimos 47 anos. O INPA,<br />
juntamente com outras Instituições, realizou o<br />
mapeamento da biodiversidade amazônica e, mesmo que<br />
60% da área ainda não tenham sido visitados por um pesquisador,<br />
está cientificamente comprovada uma evidência:<br />
seu enorme potencial.<br />
Elaina Daher<br />
Fonte: MCT<br />
www.tulane.edu/~dmsander/Big_Virology/<br />
BVHomePage.html Book Pictutres of Virus tem<br />
várias imagens e informações sobre o mundo dos<br />
vírus que podem ser úteis na preparação de aulas e<br />
apresentações.<br />
www.microbelibrary.org/Visual/page1.htm<br />
Visual Resources é oferecido pala Sociedade<br />
Americana de Microbiologia (ASM) e dispõe de<br />
imagens, animações e vídeos de vários<br />
microrganismos.<br />
vector.cshl.org/resources/<br />
<strong>Bio</strong>logyAnimationLibrary.htm Gene Almanac<br />
tem animações de reações de PCR, Southern blot e<br />
seqüenciamento, muito úteis para alunos e<br />
professores.<br />
Fique Atento! O uso educacional de imagens,<br />
animações e vídeos é geralmente permitido, mas<br />
fique atento aos direitos autorais.<br />
<strong>Bio</strong>Dicas é assinada por Marcio O. Lasaro<br />
marciolasaro@hotmail.com<br />
72 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001
EMBRAPA<br />
(Repete Fotolito 3º capa última edição)<br />
<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 73