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Bio pdf - Biotecnologia

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A Produção na<br />

Far-Manguinhos<br />

ENTREVISTA<br />

Entrevista concedida a<br />

Edmilson Silva<br />

A Indústria Farmacêutica no Setor Público<br />

Carioca da Penha, Eloan dos Santos Pinheiro, 56 anos, é um dos casos raros<br />

em que uma profissional bem-sucedida na iniciativa privada multinacional<br />

decide dar uma guinada na carreira e se entregar de corpo e alma ao setor<br />

público. E ela fez isso, há 11 anos, por acreditar que, na área em que decidiu<br />

trabalhar, a dos medicamentos, a função social devia sempre prevalecer sobre<br />

a ânsia por lucratividade a todo custo.<br />

Eloan já colhe, há algum tempo, os louros da troca acertada que fez ao deixar<br />

uma empresa multinacional pelo Instituto de Tecnologia de Fármacos, mais<br />

conhecido por Far-Manguinhos, um complexo que conjuga pesquisa básica,<br />

indústria e desenvolvimento tecnológico no campus de Manguinhos, Zona<br />

Norte do Rio de Janeiro, onde funciona a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).<br />

Nesta entrevista que ela deu a <strong>Bio</strong>tecnologia, entre uma reunião com um<br />

executivo indiano e um outro compromisso tão importante quanto este em sua<br />

agenda sempre apertada, Eloan demonstra estar feliz com as vitórias obtidas<br />

pelo Brasil na última reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), em<br />

Doha, capital do Catar, na Arábia Saudita, mas faz questão de chamar atenção<br />

para a necessidade de serem criados instrumentos de regulamentação para o<br />

setor farmacêutico. “Seria necessário vincular uma cota do lucro da indústria<br />

farmacêutica para investimento em saneamento básico, por exemplo”, diz ela,<br />

ao citar proposta que já encaminhou ao Congresso Nacional com essa intenção.<br />

Embora comande uma das unidades da Fiocruz que tem funcionado como<br />

holofote para os sonhos do Ministro da Saúde, José Serra, Eloan reclama das<br />

amarras e dificuldades que tem de enfrentar no setor público para administrar<br />

por resultados, razão pela qual defende “flexibilidade com responsabilidade”,<br />

única forma de avançar mais do que já conquistou na administração de iniciativa<br />

pública no setor de medicamentos.<br />

Neste momento, Far-Manguinhos, cuja carteira de produção envolve 68<br />

medicamentos e último faturamento foi de R$ 140 milhões, desenvolverá sete<br />

produtos contra a Aids dos 12 que estão no mercado. No final de 2002, a Far-<br />

Manguinhos perderá Eloan para a área de consultoria.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Você tem pautado a<br />

sua administração em padrões privados.<br />

Porque o faz dessa forma? Isso é<br />

bom para o Brasil?<br />

Eloan – É bom para o Brasil porque, na<br />

verdade, não é uma visão empresarial<br />

que busca transformar Far-Manguinhos<br />

em uma indústria de alta lucratividade.<br />

É bom para a saúde pública porque o<br />

setor público tem obrigação de trabalhar<br />

pela promoção da saúde do povo<br />

brasileiro porque está sendo financiado<br />

por essa mesma população. Tenho que<br />

buscar resultados benéficos para essa<br />

população que nos paga.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Resultados benéficos<br />

em que?<br />

Eloan – O setor público tem responsabilidade<br />

de fazer drogas novas, medicamentos<br />

com qualidade e a preços<br />

absolutamente acessíveis, que possam<br />

ser bancados pelo que se recolhe de<br />

imposto da população, e que tenham<br />

altíssima eficácia. Isto pressupõe responsabilidade<br />

de missão, visão de futuro,<br />

foco nas doenças que atingem a<br />

maior parte da população brasileira,<br />

decorrentes da pobreza que afeta o<br />

nosso povo; tais como malária, tuberculose,<br />

Aids. Temos que dar uma solução<br />

de qualidade, mesmo estando em<br />

uma instituição pública.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Mas pautar-se dessa<br />

forma não é fácil, já que sabemos que<br />

existem muitas dificuldades no setor<br />

público.<br />

Eloan – Sim, há as amarras e elas não<br />

são poucas. Mas, apesar das amarras<br />

existentes que o tornam altamente atrasado<br />

em seus processos licitatórios, por<br />

exemplo, temos que estar atentos para<br />

o que precisa ser mudado.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Apesar dessas amarras,<br />

você tem obtido um sucesso atrás<br />

do outro. Qual deles você destacaria ?<br />

Eloan – Os sucessos fundamentais foram:<br />

haver criado um grupo de pesquisa<br />

em Far-Manguinhos, altamente qualificado;<br />

haver conseguido trazer para<br />

cá profissionais com conhecimento tecnológico<br />

muito bom. Também haver<br />

conseguido que todo o conjunto de<br />

PHDs que trabalha aqui dentro esteja<br />

mais intencionado em produzir qualidade<br />

para a sociedade muito mais do<br />

que desenvolver papers e, dessa forma,<br />

estar mais centrado em sua projeção<br />

nacional e internacional nesse mercado<br />

competitivo; haver conseguido organizar<br />

uma produção direcionada a<br />

doenças endêmicas e a medicamentos<br />

de uso contínuo e trabalhar em formulação<br />

que aumentem a adesão dos<br />

pacientes aos medicamentos de uso<br />

contínuo. Enfim, haver conseguido projetar<br />

a Fiocruz internacionalmente, a<br />

qual atualmente está participando de<br />

dois comitês internacionais, a Global<br />

Alliance, para o desenvolvimento de<br />

novas drogas que reduzam de seis<br />

meses para quatro meses o tratamento<br />

da tuberculose – área em que há 40<br />

4 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - - nº nº 23 23 - novembro/dezembro - 2001 2001


anos não se desenvolve uma droga<br />

nova porque não é uma área lucrativa<br />

– e em outro comitê, este em conjunto<br />

com os Médicos Sem Fronteira e também<br />

para o desenvolvimento de novas<br />

drogas contra malária, Leishmaniose e<br />

Trypanossoma Bergei, que atinge mais<br />

a população africana e provoca a doença<br />

do sono.<br />

Além disso, o que considero uma grande<br />

vitória foi a sensibilização em torno<br />

da Aids e o fato de mostrarmos que,<br />

mesmo em um país considerado em<br />

desenvolvimento, de Terceiro Mundo,<br />

podem-se fazer medicamentos eficazes,<br />

monitorar o processo de produção<br />

e revelar que os preços cobrados pelos<br />

medicamentos anti-retrovirais estavam<br />

muito altos se já se tem patente para<br />

novas drogas.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – São quantas essas<br />

patentes?<br />

Eloan – É uma família de patentes: a<br />

dos medicamentos que compõem o<br />

chamado coquetel anti-Aids. O melhor<br />

disso é não sermos acusados de copiadores<br />

simplesmente, uma vez que tivemos<br />

que reengenheirar para chegar às<br />

drogas, visto que não havia monografias,<br />

e isto teve que ser feito por nós,<br />

assim como o desenvolvimento dos<br />

padrões com esses inibidores de protease.<br />

Algumas dessas drogas chegarão<br />

ao mercado com a grife de desenvolvimento<br />

de pesquisadores genuinamente<br />

brasileiros. Nesse trabalho, contamos<br />

com a parceria com um grupo de<br />

químicos da Universidade Federal do<br />

Rio de Janeiro (UFRJ).<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – O caminho para o<br />

desenvolvimento de novos produtos<br />

de biotecnologia é esse da aproximação<br />

de lideranças, ou é possível fazer<br />

tudo sozinho?<br />

Eloan – Tudo o que você tenha que<br />

fazer, tem que seguir um esquema<br />

matricial, multidisciplinar. Para você<br />

chegar ao produto final, partindo de<br />

uma pesquisa básica, você, necessariamente,<br />

precisará passar por etapas que<br />

serão multidisciplinares. É indispensável<br />

conhecer bem o seu inimigo, seja<br />

ele o vírus HIV, da Aids, seja a micobactéria,<br />

da Tuberculose, ou o Plasmódio,<br />

da Malária, para, daí, escolher a melhor<br />

forma de ataque; uma molécula que<br />

pode ser obtida de uma planta, ou<br />

desenvolvida através de processos de<br />

biotecnologia, de DNA recombinante<br />

ou pelo método de análise combinatória<br />

de modelagem molecular, processos<br />

que a Far-Manguinhos faz, para que<br />

você tenha eficácia, atinja o seu alvo e<br />

o elimine. Essa molécula terá que ser<br />

criada de tal forma a penetrar dentro de<br />

uma célula Esse é o desenvolvimento<br />

tecnológico; compreende você trabalhar<br />

dentro dos guidlines internacionais,<br />

tendo em vista a reprodução da<br />

eficácia em ensaios repetitivos, mas<br />

necessários. Só assim, você determina<br />

os parâmetros. Depois disso, temos<br />

que ir para a parte da Farmacologia,<br />

estágio em que precisa também ficar<br />

demonstrado, de forma inequívoca, que<br />

a sua molécula consegue atingir o seu<br />

alvo, seja vírus, bactéria ou protozoário,<br />

etc. Temos Farmacologia aqui, mas<br />

nos sentimos na obrigação de submeter<br />

nossas experiências a outros grupos<br />

bons nessa ciência. O que nós não<br />

estamos bem é na área dos testes toxicológicos,<br />

em que temos um gap profundo,<br />

uma vez que não dispomos, no<br />

Brasil, de áreas de desenvolvimento de<br />

ensaios com animais roedores e nãoroedores.<br />

E esse é um definidor para a<br />

continuidade da pesquisa. Depois de<br />

ficar descartada a toxicidade, a carcinogenicidade,<br />

é que você pode patentear<br />

e partir para estabelecer uma parceria<br />

com o setor privado, de forma que<br />

produza a droga em larga escala. O<br />

passo seguinte é o screening clínico.<br />

Trabalha-se com interações, acordos,<br />

sigilo, investimento, para se chegar a<br />

um produto inovador.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – O gap que você aponta<br />

na área dos testes de toxicidade aqui no<br />

Brasil seria um dos principais problemas<br />

contra o desenvolvimento de novas<br />

drogas?<br />

Eloan – Esse gap é crucial, porque só<br />

temos um laboratório certificado, credenciado,<br />

para trabalhar com guidelines,<br />

que é o Unitox, de São Paulo.<br />

Temos outros laboratórios no País, mas<br />

esses estão capacitados apenas para<br />

fazer ensaios de toxicologia sub-aguda<br />

e aguda. Você não consegue chegar a<br />

um produto novo sem necessariamente<br />

passar por essas análises, que chegam<br />

a durar um ano. Enquanto tivermos<br />

esse gap, seremos obrigados a<br />

fazer interações com laboratórios internacionais,<br />

como os da Malásia, todos<br />

credenciados pela Organização Mundial<br />

de Saúde (OMS). Contamos também<br />

com o apoio de um ex-presidente da<br />

Fiocruz, Carlos Morel, atual presidente<br />

do TDR, um comitê voltado para as<br />

doenças infecto-contagiosas.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – E o apoio interno, por<br />

parte do Governo Federal, como está<br />

especificamente nessa área da toxicologia?<br />

Eloan – Estamos batalhando junto ao<br />

Ministério da Ciência e Tecnologia a<br />

fim de fazer ver ao Ministério da Saúde<br />

a necessidade de que seja criada uma<br />

área de serviços que seja ágil, competente,<br />

que forme mais toxicólogos para<br />

o ensaio de drogas, e que tenha flexibilidade,<br />

porque não pode ser uma coisa<br />

muito amarrada a processos. Só assim,<br />

se chegará lá. Do contrário, não dá.<br />

Particularmente, estou muito feliz com<br />

a proposta da Lei de Empresas de<br />

Inovação Tecnológica, que pressupõe<br />

a criação de empresas com toda a<br />

flexibilidade possível. Também devo<br />

lembrar que, pelo fato de o Brasil ser<br />

um país continental, será fundamental<br />

criar, ao mínimo, um laboratório desses<br />

em cada região.<br />

E a criação desses laboratórios será<br />

indispensável para que o Brasil pare de<br />

enviar essa quantidade absurda de dinheiro<br />

para o exterior com a compra de<br />

insumos farmacêuticos.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Quanto é que o Brasil<br />

gasta com a compra desses insumos?<br />

Eloan – Mais de US$ 2 bilhões.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Soma esta que poderia<br />

ser destinada para a pesquisa, para<br />

a formação de recursos humanos para<br />

o setor de toxicologia, por exemplo ?<br />

Eloan – Sim, mas é óbvio que perdemos<br />

muito tempo e agora teremos que<br />

eleger prioridades dentro do orçamento<br />

do Ministério da Ciência e da Tecnologia<br />

e precisamos estar atentos a isso.<br />

O que ainda me surpreende até a<br />

década de 80, é o fato de que as<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - - nº nº 23 23 - novembro/dezembro - 2001 2001 5


multinacionais ainda fabricavam os insumos<br />

aqui no país, mas quando entramos<br />

na década de 90, com a abertura<br />

total da globalização, elas simplesmente<br />

retiraram daqui a produção de antibiótico.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Então, quer dizer que<br />

a globalização foi ruim para o Brasil na<br />

área da indústria farmacêutica?<br />

Eloan – A globalização na área de<br />

medicamentos foi extremamente maléfica<br />

para os países que não tinham<br />

nenhum mecanismo de produção local,<br />

fossem essas fábricas próprias ou<br />

multinacionais. E isso fez com que<br />

tivéssemos que nos organizar em um<br />

comitê para traçar e propor ao Conselho<br />

Nacional de Saúde a necessidade<br />

de criar uma política para reverter esse<br />

quadro. Mas se isso vai acontecer ou<br />

não...<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Vai depender dos<br />

atores envolvidos no processo e que<br />

compreendam a necessidade estratégica<br />

proposta por vocês do comitê.<br />

Eloan – Isso. Dos atores governamentais,<br />

mais precisamente do Congresso<br />

Nacional, porque é lá que as definições<br />

de tarifa, de política, enfim, se decidem.<br />

A nossa proposta abrange todas as<br />

áreas, com atenção para a necessidade<br />

de definição de uma estratégia tecnológica<br />

para o setor.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Quais são as principais<br />

dificuldade para se levar em frente<br />

um trabalho sério como o que você e<br />

sua equipe desenvolvem em Far-Manguinhos?<br />

Eloan – A dificuldade que considero<br />

maior é a ausência de flexibilidade, que<br />

não tem possibilitado resultados mais<br />

rápidos. Disponho apenas de 50 funcionários<br />

públicos e tenho 600 pessoas<br />

trabalhando diretamente aqui dentro<br />

porque não posso contratar diretamente<br />

pela CLT (Consolidação das Leis<br />

Trabalhistas).<br />

Eu considero que quando um instituto<br />

como o nosso consegue propiciar uma<br />

economia de mais de R$ 400 milhões<br />

em internações para o Ministério da<br />

Saúde é incompreensível que você tenha<br />

que trabalhar com um orçamento<br />

por rubricas, algo incrivelmente entravador.<br />

Outro grande problema é uma unidade<br />

como esta não dispor de uma Procuradoria<br />

que possa julgar, com agilidade,<br />

os seus processos, o que faz perder<br />

tempo. O Governo teria que estudar<br />

como flexibilizar estruturas produtoras<br />

como a Far-Manguinhos e <strong>Bio</strong>-Manguinhos<br />

(unidade produtora de vacinas).<br />

Falo em flexibilidade com responsabilidade,<br />

mesmo que tenha que se colocar<br />

para fora gerentes que não correspondam,<br />

mas que se possa contratar e<br />

pagar salários dignos aos bons profissionais.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Não há como falar em<br />

dificuldades, sem se pensar nas prioridades<br />

para setor tão estratégico quanto<br />

o de medicamentos. Quais devem ser<br />

essas prioridades neste momento mundial?<br />

“...a criação desses laboratórios<br />

será indispensável para que o<br />

Brasil pare de enviar essa quantidade<br />

absurda de dinheiro para<br />

o exterior com a compra de<br />

insumos farmacêuticos”<br />

Eloan – Produção de antibióticos, porque<br />

não tê-los significa estar em uma<br />

situação de gargalo estratégico. Sempre.<br />

É só olhar para a situação dos<br />

Estados Unidos com a questão do antraz,<br />

e o que teve que ser feito? A<br />

quebra de patente, porque apenas os<br />

alemães da Bayer é que a detinham.<br />

Quando eu comecei na indústria, a<br />

Beecham fabricava no Brasil amoxilina,<br />

outros faziam ampicilina, outros<br />

ainda penicilina G, mas hoje quem é<br />

que está fabricando, aqui no Brasil, os<br />

antibióticos de uso em larga escala ?<br />

Não me pergunte que eu não sei.<br />

Praticamente, ninguém.<br />

Eu também daria prioridade aos insumos<br />

para os medicamentos de uso<br />

contínuo (hipertensão, diabetes, etc).<br />

Temos que ter a produção aqui no<br />

Brasil porque não se pode deixar uma<br />

população à mercê da falta desses<br />

produtos. Ainda falando em fármacos,<br />

trabalharia para garantir a oferta de<br />

medicamentos das chamadas doenças<br />

negligenciadas (malária, tuberculose,<br />

as hepatites) e os anti-retrovirais, que,<br />

graças à nova lei de patentes, são<br />

obrigados a produzir aqui, após três<br />

anos da concessão.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Já seria possível pensar<br />

em produção com vistas ao mercado<br />

externo?<br />

Eloan – O forte do mercado farmacêutico,<br />

ou seja 82% do faturamento, está<br />

nas mãos de Europa, Japão, Estados<br />

Unidos e Canadá. Mas temos 18% desse<br />

faturamento, o que representa US$ 400<br />

bilhões, em que o Brasil é o líder de<br />

faturamento e é um país cujo mercado<br />

interno é capaz de movimentar US$ 10<br />

bilhões. América Latina, Caribe e África<br />

não é um mercado para um grande<br />

produtor, mas, para uma empresa tecnológica<br />

como a Far-Manguinhos, é<br />

desenvolver e transferir a fim de que<br />

eles possam fazer a mesma coisa que<br />

conseguimos aqui. Para o empresário<br />

social, o foco é o do acesso à população<br />

e ser referência para outros países com<br />

características sócio-econômicas semelhantes<br />

às nossas.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Os grandes laboratórios<br />

estão se fundindo. Qual é a sua<br />

opinião sobre esse processo?<br />

Eloan – Isso é péssimo para a democratização<br />

do acesso aos medicamentos.<br />

A indústria farmacêutica tem por<br />

característica a excessiva concentração<br />

por especialidades. Há grandes fabricantes<br />

por classes terapêuticas. Hoje,<br />

todos os derivados das penicilinas V e<br />

G estão concentrados nas mãos de uma<br />

única empresa em todo o mundo. Quem<br />

tem a maior força potencial no campo<br />

dos beta-lactâmicos é um outro conglomerado.<br />

O que isso significa? Um domínio<br />

absoluto sobre a disponibilização<br />

do conhecimento, porque se eles decidirem<br />

não fornecer e se não forem<br />

obrigados por uma ONU (Organização<br />

das Nações Unidas), eles deixam morrer<br />

quem eles quiserem. Nós tínhamos<br />

oligopólios e hoje são grandiosíssimos<br />

monopólios por classe terapêutica.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – A ONU teria um instrumento<br />

com poder suficiente para<br />

rearrumar essa concentração de empresas<br />

para o bem da saúde pública ou<br />

seria necessária a criação dessa instância?<br />

Eloan – Eu não sei. A ONU, pela<br />

primeira vez, fez algo fundamental que<br />

foi a reunião sobre os medicamentos da<br />

Aids. Acho que o caminho é criar, em<br />

contraponto ao G7, um G dos outros<br />

países em favor dos excluídos, para<br />

promoção de direitos a uma vida digna.<br />

A ONU está começando a ter uma<br />

reflexão maior sobre isso e espero que<br />

aumente, que avance. Em termos mun-<br />

6 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - - nº nº 23 23 - novembro/dezembro - 2001 2001


diais, a cidadania precisa ser mais e<br />

mais difundida, mas a tomada de consciência<br />

mundial nessa área de democratização<br />

aos medicamentos só vai se<br />

ampliar com o trabalho direcionado<br />

das organizações não-governamentais.<br />

Elas têm liberdade para falar o que<br />

pensam e de fazer movimentos.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – É caro desenvolver<br />

um medicamento? Quanto tempo leva<br />

esse processo?<br />

Eloan – Uma formulação que obedeça<br />

a todos os critérios, tais como estudo de<br />

estabilidade, biodisponibilidade e bioequivalência<br />

leva um ano. O desenvolvimento<br />

da formulação não é cara,<br />

chega a custar em torno de R$ 400 mil<br />

reais, dependendo do valor do insumo<br />

empregado. O princípio ativo é que é<br />

responsável por cerca de 50% a 80% da<br />

formulação e depende da concentração<br />

em que ele entra no produto.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – E o desenvolvimento<br />

tecnológico completo, indo da pesquisa<br />

básica até o produto final, quanto<br />

custa?<br />

Eloan – Aqui no Brasil, estimamos que<br />

ele custe em torno de US$ 20 milhões<br />

a US$ 25 milhões; e temos um parâmetro<br />

para chegar a esse valor: um economista<br />

de uma organização não-governamental<br />

americana, James Lowe, calculou<br />

em US$ 58 milhões, para os<br />

países da OECD (Organização para<br />

Cooperação do Desenvolvimento Econômico),<br />

versus aqueles US$ 580 milhões<br />

apregoados pela indústria farmacêutica<br />

. Outro economista, um italiano,<br />

Dimasi, calcula que essa soma seja<br />

de US$ 100 milhões, isso já incluídos os<br />

salários, as perdas e as falhas.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Você é uma personalidade<br />

brasileira do setor farmacêutico,<br />

uma mulher realizada, reconhecida.<br />

Mesmo assim, você acalenta algum<br />

sonho para esse setor, algo que você<br />

ainda gostaria de realizar?<br />

Eloan – Meu grande sonho para a<br />

indústria farmacêutica, aqui no Brasil, é<br />

o de que ela produzisse, pelo menos,<br />

aquilo que fosse absolutamente necessário<br />

e fundamental para a saúde das<br />

pessoas e agisse naquelas patologias<br />

que são absolutamente crônicas. Ela<br />

precisa refletir para abdicar desse faturamento<br />

astronômico, da indústria mais<br />

lucrativa de todo o mundo. Isso é<br />

resultado de que se consomem medicamentos<br />

em demasia, sinal de que não<br />

há prevenção. É preciso lembrar que<br />

medicamentos são drogas que curam,<br />

mas também que trazem efeitos colaterais.<br />

“...e a criação desses laboratórios<br />

será indispensável<br />

para que o Brasil pare de<br />

enviar essa quantidade<br />

absurda de dinheiro para<br />

o exterior com a compra<br />

de insumos farmacêuticos”<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – A tecnologia aponta<br />

para fórmulas criadas em computador.<br />

E sobre isso o que temos de novo?<br />

Eloan – A ponta é a pessoa conseguir<br />

ter uma boa prospecção computacional,<br />

conhecer bem o DNA do agente<br />

causador da doença, e então utilizar as<br />

possibilidades de DNA recombinante.<br />

É o biofármaco, tecnologia em que se<br />

usa uma quantidade pequena de fármaco,<br />

mas que vai atingir diretamente o<br />

vírus ou bactéria ou protozoário. Caminhamos<br />

para o uso da dose única e não<br />

mais obrigar o paciente a ficar tomando<br />

várias pílulas durante o dia.<br />

“...o setor público tem obrigação<br />

de trabalhar pela promoção da<br />

saúde do povo brasileiro porque<br />

está sendo financiado por essa<br />

mesma população”<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Alguns anti-retrovirais<br />

já se incorporam em apenas uma<br />

pílula. As associações prometem aumentar?<br />

Eloan – Sim. Na área de tuberculose,<br />

por exemplo, isso já vem sendo feito<br />

também com a associação das drogas<br />

existentes em apenas um comprimido<br />

para aumentar a adesão. Em malária,<br />

também há iniciativas nesse sentido,<br />

com realização de estudos cinéticos e<br />

screening clínico, de forma que se<br />

avalie se estamos no caminho certo. As<br />

pessoas costumam abandonar o tratamento<br />

se são obrigadas a tomar várias<br />

pílulas por dia. Outra tendência é a do<br />

microencapsulamento das drogas quase<br />

de forma nanométrica, para otimizar<br />

a absorção das substâncias, o que<br />

pode significar, em futuro próximo,<br />

menor teor de dosagem.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Medicamento ou vacina?<br />

Eloan – Sou mais as vacinas, que são<br />

pouco desenvolvidas porque isso não<br />

interessa à indústria farmacêutica. Eles<br />

retardam o quanto podem o desenvolvimento<br />

das vacinas. A prevenção é a<br />

coisa mais fundamental, se bem que<br />

depois de uma certa idade, os medicamentos<br />

passem a ser indispensáveis. E<br />

alguns desses medicamentos são extremamente<br />

eficazes no crescimento<br />

do bem-estar e no prolongamento da<br />

vida das pessoas, uma benesse que<br />

temos que reconhecer na indústria<br />

farmacêutica. O problema é que essa<br />

mesma indústria vê medicamento como<br />

comércio e não como um bem social,<br />

razão pela qual ela precisa ser regulada,<br />

uma vez que medicamento não é<br />

algo da livre escolha do cidadão, mas<br />

sim da necessidade dele. O que tem<br />

que ser feito é saneamento, um programa<br />

alimentar para as crianças e nutrizes,<br />

com incentivo ao aleitamento,<br />

com vistas ao fortalecimento imunológico<br />

da população. Não consigo dissociar<br />

saúde de educação, de alimentação<br />

e de saneamento, enfim de condições<br />

dignas de vida, o que é obrigação<br />

do Estado.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia – Que benefícios poderiam<br />

ser obtidos com a regulação da<br />

indústria farmacêutica?<br />

Eloan – Sou da opinião de que, para<br />

conceder patente a uma empresa que<br />

desenvolveu um medicamento, o que<br />

significa a exploração daquele direito<br />

comercial durante 20 anos, deveria ser<br />

pré-requisito que essa indústria ficasse<br />

obrigada a aplicar um percentual daquele<br />

lucro em um fundo de investimento<br />

para desenvolvimento. Hoje o<br />

que acontece, apesar de algumas políticas<br />

equivocadas na área tributária, é<br />

que o Estado acaba sendo mais benéfico<br />

aos empresários, à medida que<br />

perdoa dívidas, renegocia. A indústria<br />

precisa ter responsabilidade social e<br />

não apenas ganhar mais e mais dinheiro.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - - nº nº 23 23 - novembro/dezembro - 2001 2001 7 7


Carta ao Leitor<br />

BIOTECNOLOGIA Ciência & Desenvolvimento<br />

KL3 Publicações<br />

Fundador<br />

Henrique da Silva Castro<br />

Direção Geral e Edição<br />

Ana Lúcia de Almeida<br />

Diretor de Arte<br />

Henrique S. Castro Fº<br />

Projeto Gráfico<br />

Agência de Comunicação IRIS<br />

www.agenciairis.com.br<br />

iris@agenciairis.com.br<br />

Gerente Administrativo<br />

Luiz Dourado Bezerra<br />

Secretária<br />

Vilma da Silva Duarte<br />

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A Revista <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento,<br />

traz nesta edição, importante entrevista com a Dra. Eloan dos<br />

Santos Pinheiro, do Instituto de Tecnologia de Fármacos, mais<br />

conhecido por Far-Manguinhos, um complexo que conjuga<br />

pesquisa básica, indústria e desenvolvimento tecnológico.<br />

Nesta oportunidade a Dra. Eloan Pinheiro chama a nossa<br />

atenção para a necessidade de serem criados instrumentos de<br />

regulamentação para o setor farmacêutico.<br />

Acreditamos que essa é a melhor forma para alcançarmos<br />

auto suficiência para a produção dos principais fármacos,<br />

notadamente os mais imprescindíveis para a população.<br />

Dr. Henrique da Silva Castro<br />

Departamento Comercial,<br />

Redação e Edição:<br />

SRTV/Sul - Quadra 701<br />

Ed. Palácio do Rádio II<br />

Sala 215 - CEP 70340-902<br />

Brasília - DF<br />

Tel.: (061) 225-1512 (061) 225-0976<br />

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Impressão: Gráfica São Francisco<br />

Fotolito: Ribelito<br />

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Os artigos assinados são de inteira<br />

responsabilidade de seus autores.<br />

10 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />

ISSN 1414-4522


Conselho Científico<br />

Dr. Aluízio Borém - Genética e Melhoramento Vegetal<br />

Dr. Henrique da Silva Castro - Saúde;<br />

Dr. Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia;<br />

Dr. João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal;<br />

Dr. Maçao Tadano - Agricultura;<br />

Dr. Naftale Katz - Saúde;<br />

Dr. Pedro Jurberg - Ciências;<br />

Dr. Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas;<br />

Dr. Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos;<br />

Dr. William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental.<br />

Conselho Brasileiro de Fitossanidade - Cobrafi<br />

Dr. Luís Carlos Bhering Nasser - Fitopatologia<br />

Fundação Dalmo Catauli Giacometti<br />

Dr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética;<br />

Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle <strong>Bio</strong>lógico;<br />

Dra. Marisa de Goes - Recursos Genéticos<br />

Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPEN<br />

Dr. José Roberto Rogero<br />

Sociedade Brasileira de <strong>Bio</strong>tecnologia - SB<strong>Bio</strong>tec<br />

Dr. Luiz Antonio Barreto de Castro - EMBRAPA<br />

Dr. Diógenes Santiago Santos - UFRGS<br />

Dr. José Luiz Lima Filho - UFPE<br />

Dra. Elba P. S. Bon - UFRJ<br />

Colaboraram nesta edição:<br />

Adilson Kenji Kobayashi, Alessandra Machado,<br />

Alexandre Lima Nepomuceno, Ana Paula Frazzon,<br />

Ana Paula Guimarães, Andréa Almeida Carneiro,<br />

Andréa C. Fogaça, Andréa Queiroz Maranhão,<br />

Antônio Álvaro Corsetti Purcino, Antônio Miranda,<br />

Augusto Schrank, Beatriz Dolabela de Lima, Carolina<br />

Tereza Cequalini Rohr, César Milton Baratto, Claudia<br />

Teixeira Guimarães, Daniel M. Lorenzini, Edmilson<br />

Silva, Edilson Paiva, Elaina Daher, Eliane Esteves,<br />

Eloan dos Santos Pinheiro, Geraldo M. A. Cançado,<br />

Isabel Regina Prazeres de Souza, Janete A. Desidério<br />

Sena, João Carlos Bespalhok Filho, João Sarkis<br />

Yunes, José Renato Bouças Farias, Lourivaldo S.<br />

Pereira, Lucélia Santi, Luciano Nakazoto, Luís Carlos<br />

de Souza Ferreira, Luiz Filipe Protásio Pereira, Luiz<br />

Gonzaga Esteves Vieira, Luiza Castro, M. Teresa M.<br />

Miranda, Marcelo de Macedo Brígido, Marcelo R.<br />

Burgierman, Márcia Vanusa da Silva, Marcio de<br />

Oliveira Lásaro, Marcio O. Lasaro, Marcos A. Fázio,<br />

Maria do Carmo Bittencourt-Oliveira, Maria Helena S.<br />

Goldman, Mariana Cabral de Oliveira, Marilene<br />

Henning Vainstein, Melissa Camassola, Melissa<br />

Franceschini, Newton Portilho Carneiro, Norman<br />

Neumaier, Pedro I. da Silva Jr., Philippe Bulet, Sidney<br />

Netto Parentoni, Sirlei Daffre, Tetsuji Oya, Valéria<br />

Dutra, Vera Maria Carvalho Alves, Viviane Kogler.<br />

Entrevista<br />

Eloan dos Santos Pinheiro pág. 04<br />

Pesquisa<br />

Tolerância à seca em plantas pág 12<br />

Plantas produtoras de anticorpos pág 20<br />

A produção de insulina humana por engenharia genética pág 28<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia aplicada ao controle biológico pág 32<br />

Anticorpos humanizados pág 38<br />

Cianobactérias tóxicas pág 44<br />

Peptídeos antibióticos pág 48<br />

Novas perspectivas para adaptação de culturas ao Cerrado pág 56<br />

Laranja transgênica pág 62<br />

Vacinas de DNA multivalentes pág 68<br />

<strong>Bio</strong> Notícias pág. 72<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 11


PESQUISA<br />

TOLERÂNCIA À SECA EM<br />

PLANTAS<br />

Mecanismos fisiológicos e moleculares<br />

Alexandre Lima<br />

Nepomuceno<br />

Pesquisador da Embrapa Soja<br />

Ph.D. pela University of Arkansas<br />

em <strong>Bio</strong>logia Molecular e Fisiologia<br />

Vegetal<br />

anepo@cnpso.embrapa.br<br />

Norman Neumaier<br />

Pesquisador da Embrapa Soja<br />

Ph.D., pela University of Missouri em<br />

Fisiologia Vegetal<br />

José Renato Bouças Farias<br />

Pesquisador da Embrapa Soja<br />

Doutorado Pela Universidade Federal<br />

do Rio Grande do Sul em<br />

Agrometeorologia<br />

Tetsuji Oya<br />

Pesquisador do Jircas (Japan<br />

International Research Center for<br />

Agricultural Sciences)<br />

Doutorado pela University of Tokyo<br />

em Agronomy<br />

stresses abióticos, como a<br />

seca, podem reduzir significativamente<br />

os rendimentos<br />

das lavouras e restringir as<br />

latitudes e os solos onde<br />

espécies comercialmente importantes<br />

podem ser cultivadas.<br />

As implicações são enormes, uma<br />

vez que não somente produtores mas<br />

toda a sociedade é afetada. Desemprego,<br />

aumento no preço de alimentos e<br />

instabilidade no mercado financeiro são<br />

somente algumas das conseqüências.<br />

Previsões ambientais sinalizam para o<br />

aumento do aquecimento global nas<br />

próximas décadas. Um aumento dos<br />

períodos de seca certamente acompanharão<br />

esse fenômeno. O desenvolvimento<br />

de cultivares mais tolerantes a<br />

períodos de déficit hídrico, bem como<br />

o desenvolvimento de tecnologias que<br />

auxiliem as plantas a tolerar períodos<br />

prolongados de estiagem, serão essenciais<br />

na manutenção da produção agrícola<br />

brasileira e mundial em níveis que<br />

possam alimentar uma população em<br />

constante crescimento.<br />

A fisiologia das plantas e a biologia<br />

molecular desempenharão um papel<br />

chave nesse processo. Portanto, entender<br />

a tolerância das plantas à seca e<br />

como explorá-las, devem ser julgados<br />

não só como problemas de ordem agronômica,<br />

fisiológica ou ecológica, mas<br />

também como importante meta internacional<br />

de significância humanitária, econômica<br />

e política (van Rensburg, 1994).<br />

A identificação e a compreensão<br />

dos mecanismos de tolerância à seca<br />

são fundamentais no desenvolvimento<br />

de novas cultivares comerciais mais<br />

tolerantes ao déficit hídrico. A expressão<br />

de genes (ainda não caracterizados)<br />

em genótipos tolerantes a esse fator<br />

pode ser usada no estudo de mecanismos<br />

de tolerância à seca e para identificar<br />

outros genótipos com características<br />

similares. Tolerância das plantas à<br />

seca, claramente, não é uma característica<br />

simples, mas uma característica onde<br />

mecanismos trabalham isoladamente ou<br />

em conjunto para evitar ou tolerar períodos<br />

de déficit hídrico. Todas as mudanças<br />

fisiológicas, morfológicas e de<br />

desenvolvimento em plantas têm uma<br />

base molecular/genética. Portanto, genótipos<br />

que diferem em tolerância ao<br />

déficit hídrico devem apresentar diferenças<br />

qualitativas e quantitativas em<br />

expressão gênica. Uma resposta fisiológica<br />

específica ao déficit hídrico representa,<br />

na realidade, a combinação de<br />

eventos moleculares prévios, que foram<br />

ativados pela percepção do sinal de<br />

estresse. Compreender como esses eventos<br />

são ativados/desativados e como<br />

interagem entre si será essencial no<br />

desenvolvimento de novas variedades<br />

mais tolerantes a períodos de seca.<br />

Evolução: da água para a terra<br />

No início da sua evolução, há cerca<br />

de 1,5 bilhão de anos (Lehninger et al.,<br />

1993), as plantas passaram por inúmeras<br />

mudanças na sua estrutura e no<br />

processo fisiológico, que as capacitaram<br />

para sobreviver em ambientes relativamente<br />

secos. Essas mudanças resultaram<br />

de mutações genéticas e recombinações,<br />

que, através da seleção natural,<br />

permitiram às plantas sobreviverem<br />

e a se reproduzirem em ambientes com<br />

limitação de água. Evidências baseadas<br />

em microfósseis mostram que plantas<br />

adaptadas à terra originaram-se no início<br />

da era Paleozóica, possivelmente<br />

cerca de 450 a 470 milhões de anos<br />

(Pearson, 1995). É interessante mencionar<br />

que, das primeiras plantas terrestres<br />

às primeiras plantas com flores, transcorreram<br />

mais de 450 milhões de anos<br />

(Ingrouille, 1992). Isso é um exemplo<br />

dos imensos intervalos de tempo que<br />

separam os grandes passos de diferenciação.<br />

Esses intervalos possibilitaram a<br />

atuação conjunta das mutações genômicas<br />

e da seleção natural na constru-<br />

12 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


ção da atual diversidade da flora.<br />

Modificações drásticas no clima da<br />

terra dirigiram a seleção de plantas para<br />

uma maior tolerância à deficiência hídrica.<br />

Com o clima da terra tornando-se<br />

mais severo à medida que os continentes<br />

se moviam e que grandes massas de<br />

terra se tornavam expostas, desenvolveram-se<br />

adaptações estruturais e funcionais<br />

entre as plantas. Essas adaptações<br />

incluíram raízes, que permitiam a<br />

absorção de água e de minerais a partir<br />

de grandes volumes de solo; um sistema<br />

vascular, que permitia um rápido<br />

transporte da água e de produtos da<br />

fotossíntese; e uma cutícula bem desenvolvida,<br />

com estômatos, que permitia a<br />

entrada de dióxido de carbono, mas<br />

controlava a perda de água dos tecidos<br />

(Kramer e Boyer, 1995). O desenvolvimento<br />

de folhas, raízes e de outras<br />

estruturas adaptadas ajudou a aumentar<br />

a diversidade florística em diferentes<br />

ambientes terrestres. Plantas que mostram<br />

crescimento continuado ou melhorado<br />

sob condições hídricas limitadas<br />

são consideradas tolerantes à seca.<br />

Algumas espécies podem evitar a seca<br />

amadurecendo rapidamente antes que<br />

ela se inicie ou reproduzindo-se somente<br />

após a chuva (Alvim, 1985). Outras<br />

plantas toleram a desidratação, adiando-a<br />

através do desenvolvimento de<br />

raízes profundas ou fechando-se fortemente<br />

contra a transpiração ou acumulando<br />

grandes reservas de água em<br />

tecidos carnosos (Ingrouille, 1992). Ainda,<br />

outras espécies permitem a desidratação<br />

dos tecidos e toleram a falta de<br />

água, apresentando crescimento continuado<br />

mesmo quando desidratadas ou<br />

sobrevivendo a desidratações severas.<br />

Durante períodos de déficit hídrico,<br />

muitas mudanças ocorrem na planta.<br />

Essas mudanças dependem da severidade<br />

e da duração do estresse, do<br />

genótipo, do estádio de desenvolvimento<br />

e da natureza do estresse (Kramer,<br />

1983). A maioria dessas modificações<br />

visa a manter o crescimento e a<br />

reprodução da planta em ambientes<br />

com limitações na disponibilidade de<br />

água.<br />

Melhoramento Genético<br />

Do ponto de vista prático é muito<br />

difícil a imposição de estresse de seca,<br />

de forma controlada e reproduzível, às<br />

grandes populações de plantas normalmente<br />

usadas em programas de melhoramento.<br />

Monitoramentos abrangentes<br />

Figura 1. A perda de água pela célula altera o potencial de pressão<br />

(tensão física; turgor) e o potencial osmótico (concentração) dessas<br />

células. Isso provoca alterações na membrana celular e em vários de<br />

seus componentes assim como na concentração celular de<br />

metabólitos. Alterações na conformação da membrana celular<br />

provocam mudanças em canais de transporte ativados por pressão,<br />

modificam a conformação ou a justaposição de proteínas sensoriais<br />

críticas embebidas nas membranas celulares, e alteram a continuidade<br />

entre a parede celular e membrana celular. Estas modificações ativam<br />

complexos enzimáticos, que iniciam uma cascata de eventos<br />

moleculares que levam à indução da expressão de várias categorias de<br />

genes<br />

do crescimento e de parâmetros fisiológicos<br />

raramente têm sido usados para<br />

selecionar plantas mais produtivas em<br />

ambientes com déficit hídrico (Basnayake<br />

et al., 1995). Melhoristas de<br />

plantas têm tentado selecionar plantas<br />

com tolerância à seca a partir de grandes<br />

populações, entretanto, altos rendimentos<br />

e resistência a doenças têm sido<br />

os alvos finais das análises. Esse enfoque<br />

experimental na seleção de plantas<br />

para tolerância ao estresse hídrico tem<br />

sido o método escolhido na quase totalidade<br />

dos casos (Simpson, 1981). A<br />

maioria dos enfoques, meramente identifica<br />

plantas com altos ou baixos rendimentos,<br />

porque o critério final de seleção<br />

é um simples índice, tal como<br />

rendimento de grãos ou produção de<br />

biomassa na época da colheita.<br />

Tais enfoques geralmente têm falhado<br />

em revelar as características genéticas<br />

individuais que afetam a tolerância<br />

à seca e que poderiam ser seletivamente<br />

orientadas para recombinação<br />

adicional. Características genômicas de<br />

uma planta que apresenta, por exemplo,<br />

tolerância ao estresse de seca na<br />

antese, ou escape ao estresse de seca no<br />

enchimento dos grãos, combinado com<br />

tolerância a períodos curtos de estresse<br />

de pequena magnitude, podem ser perdidas<br />

(Simpson, 1981). Um enfoque<br />

reducionista terá sucesso limitado porque<br />

o balanço ótimo da conservação de<br />

água e a absorção de carbono são<br />

alcançados, não pela variação de uma<br />

única resposta, mas pela combinação<br />

de diversas respostas diferentes a um<br />

nível que equivale à severidade e à<br />

duração do déficit hídrico (McCree e<br />

Fernandez, 1989). A maior limitação<br />

para o melhoramento genético da tolerância<br />

ao déficit hídrico em plantas é o<br />

conhecimento insuficiente sobre as bases<br />

fisiológicas, moleculares e genéticas<br />

das respostas das plantas ao déficit.<br />

Essas considerações reforçam a necessidade<br />

de um enfoque sistemático nos<br />

estudos de estresse hídrico, com maior<br />

ênfase nas diferenças genéticas entre os<br />

genótipos (van Rensburg, 1994).<br />

Respostas Moleculares<br />

As plantas contêm cerca de 10 10 a<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 13


10 11 pares de bases de nucleotídeos nas<br />

suas moléculas de ADN, os quais podem<br />

representar de 50.000 a 100.000<br />

genes (Lehninger et al., 1993). Entretanto,<br />

assim como em outros organismos<br />

superiores, somente uma pequena porção<br />

desses genes é expressa, num dado<br />

momento, pelas células da planta. É a<br />

escolha de quais genes serão expressos<br />

que determina todos os processos vitais.<br />

A comparação da expressão gênica<br />

em diferentes células e organismos poderia<br />

fornecer a informação básica necessária<br />

para a análise dos processos<br />

biológicos que controlam a maneira<br />

como os organismos respondem a diferentes<br />

situações (Liang e Pardee, 1992).<br />

O déficit hídrico em plantas inicia<br />

um complexo de respostas, começando<br />

com a percepção do estresse, o qual<br />

desencadeia uma cascata de eventos<br />

moleculares que é finalizada em vários<br />

níveis de respostas fisiológicas, metabólicas<br />

e de desenvolvimento (Bray,<br />

1993). As rotas de transmissão dos sinais<br />

moleculares de percepção do estresse<br />

(signal-transduction pathways) em plantas<br />

não têm sido muito estudadas. Entretanto,<br />

os modelos propostos para<br />

animais, leveduras e bactérias assemelham-se<br />

entre si, sugerindo que, provavelmente,<br />

os sistemas vegetais de percepção<br />

de estresse também sejam semelhantes<br />

aos da maioria dos seres<br />

vivos (Shinozaki e Yamaguchi-Shinozaki,<br />

1999).<br />

Os modelos de percepção do estresse<br />

sendo estabelecidos para vegetais<br />

superiores mostram que a mudança no<br />

volume de células individuais de uma<br />

raiz ou outro órgão submetido à desidratação<br />

altera o potencial de pressão<br />

(tensão física; turgor) e o potencial<br />

osmótico (concentração) dessas células.<br />

Isso provoca alterações na membrana<br />

celular e em vários de seus componentes,<br />

assim como na concentração<br />

celular de metabólitos. Alterações na<br />

conformação da membrana celular provoca<br />

mudanças em canais de transporte<br />

ativados por pressão, modifica a conformação<br />

ou a justaposição de proteínas<br />

sensoriais críticas embebidas nas<br />

membranas celulares, e altera a continuidade<br />

entre a parede celular e a<br />

membrana celular. Essas modificações<br />

ativam complexos enzimáticos, que iniciam<br />

uma cascata de eventos moleculares<br />

e que levam à indução da expressão<br />

de várias categorias de genes (Hare et<br />

al., 1996; Shinozaki e Yamaguchi-Shinozaki,<br />

1996, 1997, 1999). Alguns dos<br />

mecanismos de percepção que estão<br />

sendo estudados hoje em plantas são: a<br />

atividade de kinases de histidina, envolvendo<br />

a proteína sensora EnvZ e o fator<br />

de transcrição OmpR (Shinozaki e Yamaguchi-Shinozaki,<br />

1999); as kinases<br />

ativadas por Mitogen, MAPK – Mitogen-<br />

Activated Protein Kinase (Jonak et al.,<br />

1996); as kinases dependentes de cálcio<br />

(Urao et al., 1994); a Fosfolipase C,<br />

atuando no metabolismo de produção<br />

de Inositol di e tri-fosfato e sua função<br />

nas liberações de cálcio no citoplasma,<br />

onde cálcio e calmodulin funcionariam<br />

como uma chave molecular na rota de<br />

transmissão do sinal de estresse (Munnik,<br />

et al., 1998); as proteínas DREB,<br />

que aderem a seqüências de ADN presentes<br />

em regiões promotoras de genes<br />

expressos durante a desidratação, as<br />

Dehydration Responsive Elements Binding<br />

proteins – DREB proteins (Kasuga<br />

et al., 1999); as seqüências promotoras<br />

responsivas ao ácido abscísico (Abscisic<br />

Acid - ABA)(Abe et al., 1997); etc.<br />

Genes induzidos pelo déficit hídrico<br />

promovem: tolerância da célula à desidratação;<br />

funções de proteção no citoplasma;<br />

alterações no potencial osmótico<br />

celular para aumentar a absorção de<br />

água; controle da acumulação de íons;<br />

regulação adicional de expressão gênica;<br />

metabolização de compostos degradados<br />

pelo estresse; etc (Bray, 1993;<br />

Bray, 1997; Nepomuceno et al., 2000).<br />

Acredita-se que muitos dos produtos de<br />

genes induzidos pelo déficit hídrico<br />

possam proteger as estruturas celulares<br />

dos efeitos da perda de água (Boyer,<br />

1996; Alvin et al., 2001). Entretanto, a<br />

expressão dos genes durante o estresse<br />

não garante que um produto gênico<br />

promova a habilidade da planta em<br />

sobreviver ao estresse (Bray, 1993). A<br />

expressão de alguns genes pode resultar<br />

de ferimento ou dano que tenha<br />

ocorrido durante o estresse. No entanto,<br />

alguns genes são necessários para a<br />

tolerância ao estresse, e a acumulação<br />

dos produtos da expressão desses genes<br />

pode tornar-se uma resposta adaptativa<br />

(Bray, 1993; Bray, 1997), assim<br />

como a desativação da expressão de um<br />

gene pode também estar ligada ao aumento<br />

da tolerância ao estresse (Nepomuceno<br />

et al., 2000).<br />

Ajuste Osmótico<br />

Uma das mais bem documentadas<br />

respostas fisiológicas/moleculares ao déficit<br />

hídrico em plantas é a habilidade de<br />

algumas espécies de ajustar osmoticamente<br />

suas células. Durante a seca,<br />

plantas superiores ativamente acumulam<br />

açúcares, ácidos orgânicos e íons<br />

no citosol para diminuir o potencial<br />

osmótico e, conseqüentemente, manter<br />

o potencial hídrico e o turgor de suas<br />

células próximo do nível ótimo (Bray,<br />

1993, 1997). Quando o turgor é mantido,<br />

processos como condutância estomática,<br />

taxa de assimilação de CO 2<br />

e<br />

expansão dos tecidos são total ou parcialmente<br />

mantidos (Ludlow, 1987; Nepomuceno<br />

et al., 1998).<br />

Mudanças no potencial osmótico<br />

causado pela concentração de solutos,<br />

resultante da perda de água e aquelas<br />

causadas pela acumulação ativa de solutos<br />

são distintas. Na ausência de acumulação<br />

de solutos o potencial osmótico<br />

é inversamente relacionado com o<br />

volume osmótico. Reduções no potencial<br />

osmótico ocorrem pelo aumento na<br />

concentração de solutos presentes na<br />

célula túrgida. O ajuste osmótico, portanto,<br />

ocorrerá somente se ocorrer a<br />

acumulação ativa de solutos, propiciando,<br />

em várias espécies (Guo e Oosterhuis,<br />

1997), o aumento na capacidade<br />

de tolerar períodos curtos de seca.<br />

Existe considerável variação, entre diferentes<br />

culturas, na capacidade de ajuste<br />

osmótico e isso deve ser considerado ao<br />

se medir a habilidade da cultura em<br />

suportar a seca. Tem sido observada<br />

alta capacidade de ajuste osmótico em<br />

espécies como o sorgo e o algodão;<br />

ajustes mais moderados são observados<br />

em girassol, enquanto o trigo e a soja<br />

normalmente apresentam baixa capacidade<br />

de ajuste (Oosterhuis e Wullschleger,<br />

1988).<br />

A capacidade de aumentar a tolerância<br />

à seca ocasionada pelo ajuste<br />

osmótico em algumas espécies tem sido<br />

relacionada com a diminuição do potencial<br />

osmótico e com a retenção de<br />

água dela decorrente (Jamaux et al.,<br />

1997). Entretanto, a geração de moléculas<br />

que buscam e destroem (scavenging)<br />

radicais livres pode, também, ser<br />

uma das causas da redução do potencial.<br />

O estresse hídrico quebra o equilíbrio<br />

oxidativo/redutivo (redox) em várias<br />

organelas celulares, como os cloroplastos.<br />

O declínio na funcionalidade<br />

dos cloroplastos, inevitavelmente, leva<br />

à geração de espécies com radicais de<br />

oxigênio altamente reativos (Hare et al.,<br />

1996). Assim, a real função do ajuste<br />

osmótico poderia estar potencialmente<br />

ligada à eliminação de radicais livres,<br />

14 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


mas gerando, como função adicional, a<br />

retenção de água (Hare e Cress, 1997).<br />

Proteínas Lea<br />

(Late embryogenesis abundant)<br />

Um grupo de genes que têm sido<br />

considerados como adaptativo à seca e<br />

que tem sido identificado em vários<br />

trabalhos que analisam respostas de<br />

plantas à falta de água, codifica as<br />

proteínas Lea. Essas proteínas foram<br />

identificadas, pela primeira vez, como<br />

genes expressos durante as fases de<br />

maturação e dessecação do desenvolvimento<br />

de sementes (Bray, 1993; Bohnert<br />

et al., 1995; Zhu et al., 1997). A<br />

maioria dos produtos dos genes Lea é<br />

predominantemente hidrofílica, básica<br />

na composição de aminoácidos, sem<br />

Cys e Trp e com localização no citoplasma<br />

(Dure, 1993). Proteínas Lea podem<br />

ser categorizadas em, no mínimo, seis<br />

subgrupos, baseados na seqüência de<br />

aminoácidos e na sua cinética da expressão<br />

(Dure, 1993). Muitos estudos<br />

sobre Lea e outras proteínas relacionadas<br />

com a desidratação mostram que<br />

proteínas similares se acumulam quando<br />

o sinal do ambiente é déficit hídrico,<br />

baixas temperaturas, pressão osmótica<br />

externa aumentada, dessecação do<br />

embrião ou aplicação do hormônio<br />

vegetal ABA (Shinozaki e Yamaguishi-<br />

Shinozaki, 1996). As prováveis funções<br />

dos genes Lea são relacionadas com<br />

seqüestro de íons, proteção de membranas<br />

e naturação de proteínas (chaperonas)<br />

e retenção de água (Bray,<br />

1993; Dure, 1993; Zhu et al., 1997).<br />

Possivelmente, esse grupo diverso de<br />

proteínas serve a mais de uma simples<br />

função (Zhu et al., 1997). Entretanto, a<br />

extrema hidrofilia apresentada por quase<br />

todas as proteínas Lea e sua expressão<br />

abundante durante a maturação e o<br />

estresse de dessecação celular (Dure,<br />

1993), certamente implica na função de<br />

proteção das estruturas celulares.<br />

Proteínas de Choque Térmico<br />

Proteínas de choque térmico (Heat-<br />

Shock Proteins – HSP) são outro grupo<br />

de produtos de genes usualmente encontrados<br />

em plantas submetidas ao<br />

déficit hídrico (Joshi e Nguyen, 1996).<br />

Como o nome sugere, HSP foram identificadas<br />

pela primeira vez como respostas<br />

ao estresse de calor. Entretanto,<br />

a habilidade de responder ao choque<br />

de temperatura moderada pela síntese<br />

de HSP, dentro de duas horas do choque,<br />

é uma resposta geral que tem sido<br />

também observada em micróbios, em<br />

animais e em plantas submetidas ao<br />

déficit hídrico (Harborne, 1997). O tratamento<br />

de plantas de soja por duas<br />

horas a 40 0 C faz com que tolerem<br />

temperaturas de 45 0 C por outras duas<br />

horas. Tipicamente, sem esse pré-tratamento,<br />

plantas de soja não sobrevivem<br />

a uma exposição direta a 45 0 C (Harborne,<br />

1997).<br />

As HSP são altamente conservadas e<br />

diversas classes têm sido descritas em<br />

eucariotos, inclusive em plantas. Elas<br />

são designadas pelos seus pesos moleculares<br />

aproximados em KDa (e.g.,<br />

HSP110, HSP90, HSP70, HSP60) (Cooper,<br />

1997). As famílias de HSP70 e<br />

HSP60 parecem ser particularmente<br />

importantes nas rotas gerais de dobramento<br />

(naturação) de proteínas em células<br />

de eucariotos e procariotos. Ambas<br />

as famílias funcionam ligando-se às<br />

regiões não dobradas das cadeias peptídicas,<br />

sugerindo que sua função possa<br />

estar relacionada com a manutenção da<br />

correta estrutura terciária de certas proteínas<br />

(Cooper, 1997).<br />

A maior parte das HSP provavelmente<br />

funcione como chaperones, que<br />

ajudam no correto dobramento ou na<br />

prevenção da desnaturação das proteínas<br />

(Zhu et al., 1993). Apesar de algumas<br />

HSP ser normalmente produzidas<br />

pela célula, durante situações de estresse<br />

há um aumento na produção de HSP.<br />

Como o estresse promove a desnaturação<br />

e a agregação de proteínas, uma<br />

maior síntese de HSP ajudaria a proteger<br />

essas proteínas durante o estresse<br />

osmótico que ocorre após a desidratação<br />

da célula (Zhu et al., 1997).<br />

Prolina<br />

Uma das mais bem estudadas respostas<br />

das plantas ao déficit hídrico é a<br />

acumulação de prolina nas células. A<br />

acumulação desse aminoácido é resultado<br />

do aumento no fluxo de glutamato,<br />

que é metabolizado pela Pirrolina-5-<br />

Carboxilato Sintetase (P5CS), enzima<br />

que regula a taxa de biossíntese de<br />

prolina (Hare e Cress, 1997), bem como<br />

de um decréscimo no catabolismo da<br />

prolina (Stewart et al., 1977). A enzima<br />

Pirrolina-5-Carboxilato Redutase (P5CR),<br />

responsável pela transformação da Pirrolina-5-Carboxilato<br />

(P5C) em prolina,<br />

tem sua expressão regulada por mudanças<br />

no potencial osmótico do citoplasma<br />

(Williamson e Slocum 1992).<br />

Um decréscimo no potencial osmótico<br />

da célula leva a um aumento na síntese<br />

de P5C e, conseqüentemente, a um<br />

aumento na síntese de prolina. A acumulação<br />

de prolina em células vegetais<br />

submetidas a estresse hídrico tem sido<br />

sugerida como um mecanismo de ajuste<br />

osmótico (Delauney e Verma, 1993).<br />

Entretanto, alguns autores sugerem<br />

outras funções para o acúmulo de prolina,<br />

como: estabilizador de estruturas<br />

sub-celulares (Schobert e Tschesche,<br />

1978); scavenger de radicais livres (Saradhi<br />

et al., 1995); depósito de energia<br />

(Hare e Cress, 1997); componente da<br />

cascata de sinalização molecular do<br />

estresse (Werner e Finkelstein, 1995); e<br />

constituinte principal de proteínas da<br />

parede celular de plantas (Nanjo et al.,<br />

1999). Enquanto vários trabalhos indicam<br />

uma alta correlação entre o acúmulo<br />

de prolina e o aumento da tolerância<br />

à seca, outros sugerem que o acúmulo<br />

é simplesmente um efeito do estresse<br />

(Delauney e Verma, 1993; Madan et al.<br />

1995).<br />

Assim como o acúmulo de prolina,<br />

o acúmulo de polióis, tais como manitol,<br />

sorbitol, inositol, mio-inositol e pinitol<br />

(e seus derivados), também tem sido<br />

correlacionado com a tolerância à seca<br />

e/ou à salinidade (Bohnert et al., 1995;<br />

Guo e Oosterhuis, 1997).<br />

Aquaporinas<br />

(Water Channel proteins)<br />

A regulação do potencial osmótico e<br />

a compartimentalização de íons ocorre<br />

à custa do gradiente eletroquímico de<br />

H+ e do controle integrado de diferentes<br />

ATPases e de outros transportadores<br />

associados com membranas celulares<br />

(Bray, 1993). Alguns desses transportadores<br />

são proteínas de estrutura semelhante<br />

à tubular, que atravessam as<br />

membranas celulares. Membros dessa<br />

família de proteínas, também chamadas<br />

de Aquaporinas, formam canais águaespecíficos<br />

para íons ou solutos (Bray,<br />

1993), como observado com a proteína<br />

y-TIP (Tonoplast Intrinsic Protein), que<br />

forma canais água-específicos quando<br />

expressa em células modelo de Xenopus<br />

oocytes. À medida que as proteínas<br />

canal acumulam-se no tonoplasto (membrana<br />

do vacúolo) durante o estresse, o<br />

movimento da água e dos solutos do<br />

vacúolo para o citoplasma é promovido<br />

alterando tanto o teor de água quanto o<br />

potencial osmótico do citoplasma (Mau-<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 15


el et al., 1993). Yamada et al. (1995)<br />

identificaram transcritos (ARNm) de proteínas,<br />

major intrinsic proteínas (MIP),<br />

cuja abundância muda sob estresse de<br />

salinidade em plantas de gelo (Mesembryanthemum<br />

crystallinum) que são<br />

adaptadas ao crescimento em altos níveis<br />

de sódio, sob seca e baixas temperaturas.<br />

Essas MIP’s mostram homologia<br />

com aquaporinas de plantas que<br />

foram encontradas, principalmente, em<br />

células envolvidas no fluxo hídrico, tais<br />

como as da epiderme da raiz, as de<br />

pontas de raiz, e as de áreas circundantes<br />

às células do xilema em raízes (Bohnert<br />

et al., 1995). Canais de água<br />

facilitam o fluxo hídrico ao longo do<br />

gradiente osmótico existente. A expressão<br />

de aquaporinas do tonoplasto e da<br />

membrana celular (plasmalema) tem<br />

sido correlacionada também com a elongação<br />

celular (Yamaguchi-Shinozaki et<br />

al., 1992; Daniels et al., 1994).<br />

Ácido Abscísico<br />

Os genes induzidos pela deficiência<br />

hídrica estudados até hoje, na sua maioria,<br />

são também induzidos pelo fitohormônio<br />

ácido abscísico (Abscisic Acid<br />

- ABA) (Bray, 1993; Wu et al., 1997).<br />

Com base nessa informação, ABA é o<br />

melhor candidato a ser visto como um<br />

segundo mensageiro na mediação entre<br />

o sinal ambiental indutivo e a resposta<br />

molecular, fisiológica e/ou morfológica<br />

(Bray, 1993). Além das evidências<br />

de que o ABA afeta as respostas à seca,<br />

à salinidade e ao estresse de frio, também<br />

foi demonstrado que está envolvido<br />

na embriogênese, na indução de<br />

proteínas de reserva da semente, na<br />

dormência, na abscisão, na germinação<br />

das sementes, no crescimento, no controle<br />

da abertura estomática e no geotropismo<br />

(Arteca, 1996).<br />

Muitas as mudanças nos níveis de<br />

ARNm observadas durante a seca refletem<br />

ativação transcripcional (Ingram e<br />

Bartels, 1996). Tratamento com ABA<br />

pode, também, induzir essas mudanças.<br />

Assim, seqüências de ADN atuando em<br />

cis ou trans (cis- / trans-acting elements)<br />

envolvidos na expressão gênica<br />

induzida pelo ABA podem agora ser<br />

estudadas (Ingram e Bartels, 1996). O<br />

elemento cis- mais bem caracterizado<br />

no contexto de resposta à aplicação de<br />

ABA é o elemento ABRE (ABA Responsive<br />

Element), que contém a seqüência<br />

palindrômica conservada ACGTGGC<br />

(Abe et al., 1997). Essa seqüência tem<br />

sido encontrada na região promotora<br />

de genes induzidos pelo ABA (Ingram e<br />

Bartels, 1996). Shinozaki e Yamaguchi-<br />

Shinozaki (1999) sugerem que genes<br />

induzidos por deficiência hídrica são<br />

ativados por duas rotas de percepção e<br />

transmissão do sinal de estresse: uma<br />

ABA-dependente e outra ABA-independente.<br />

Açúcares<br />

Açúcares solúveis têm sido também<br />

relatados como agentes protetores durante<br />

a desidratação celular (Leprince et<br />

al., 1993; Boyer, 1996). A trehalose é um<br />

dos mais efetivos osmoprotetores, em<br />

termos de concentração mínima requerida.<br />

É um disacarídio que, por várias<br />

décadas, tem sido relatado em bactérias,<br />

fungos e leveduras como um dos<br />

responsáveis pela capacidade desses<br />

organismos de tolerar altos níveis de<br />

desidratação (Müller et al., 1995). Somente<br />

no final da década passada foi<br />

identificado em plantas superiores (Goddijn<br />

et al., 1997). A dificuldade na<br />

identificação de trehalose, provavelmente,<br />

foi devido à alta atividade da<br />

enzima trehalase em plantas superiores.<br />

Trehalose liga-se às membranas celulares<br />

e diminui sua temperatura de fusão,<br />

mantendo-as, assim, na sua fase líquido-cristalina.<br />

(Crowe et al., 1993). Além<br />

disso, age como estabilizador de enzimas<br />

(Carpenter et al., 1987) e vesículas<br />

(Crowe et al., 1983) durante a desidratação,<br />

o que permite que a célula mantenha<br />

suas funções por períodos maiores.<br />

Durante déficit hídrico moderado, o<br />

potencial hídrico pode ser mantido pelo<br />

ajuste osmótico e os açúcares podem<br />

servir como solutos compatíveis baixando<br />

o potencial. Exemplos disso estão<br />

em plantas ressurectas, como Craterostigma<br />

plantagineum e plantas sensíveis<br />

à seca, como espinafre (Spinacea<br />

oleracea), que aumentam a síntese de<br />

sacarose durante o déficit hídrico (Ingram<br />

e Bartels, 1996).<br />

Outra interessante forma dos açúcares<br />

protegerem as células durante a<br />

desidratação é pela formação de estruturas<br />

vítreas. Ao invés da cristalização<br />

de solutos, através da presença de açúcares,<br />

um líquido supersaturado é produzido<br />

com propriedades mecânicas<br />

de um sólido (Koster, 1991). Esse tipo<br />

de estrutura tem sido associado com a<br />

manutenção da viabilidade de sementes<br />

de milho (Williams e Leopold, 1989).<br />

Outros Genes Expressos<br />

Durante o Déficit Hídrico<br />

Ubiquitina é um polipeptídio com<br />

76 aminoácidos e tem sido encontrado<br />

em todos os eucariotos. Sua seqüência<br />

de aminoácido é uma das mais bem<br />

conservadas na natureza. O seu papel<br />

é o de “etiquetar” proteínas que estão<br />

destinadas a ser rapidamente proteolizadas<br />

no citosol (Lam, 1997). Assim,<br />

sua expressão é usualmente observada<br />

durante o déficit hídrico (Bray, 1993;<br />

Zhu et al., 1997).<br />

Como a degradação de proteínas é<br />

geralmente alta durante a desidratação<br />

celular, seria de se esperar que sistemas<br />

de reparo sejam normalmente expressos<br />

durante situações de estresse. Um<br />

exemplo que ilustra essa situação é a<br />

observação de que a produção da enzima<br />

L-Isoaspartil metiltransferase é induzida<br />

durante a desidratação celular.<br />

Essa enzima converte resíduos modificados<br />

de L-isoaspartil em proteínas<br />

danificadas, transformando-os novamente<br />

em resíduos de L-aspartil e,<br />

assim, restabelecendo a atividade da<br />

proteína que estava danificada (Mudgett<br />

e Clarke, 1994).<br />

Considerações Finais<br />

Previsões ambientais sinalizam para<br />

um recrudescimento do aquecimento<br />

global nas próximas décadas e situações<br />

de secas, muito provavelmente,<br />

acompanharão esse evento. O desenvolvimento<br />

de novos genótipos de plantas,<br />

mais tolerantes a períodos prolongados<br />

de déficit hídrico, será essencial<br />

para que a agricultura continue alimentando<br />

e vestindo a crescente população<br />

mundial, assim como, gerando empregos<br />

e movimentando a economia mundial.<br />

O uso de técnicas agronômicas<br />

novas e tradicionais, que reduzam as<br />

perdas na agricultura e aumentem a<br />

produtividade deverá ter prioridade<br />

entre as estratégias governamentais das<br />

nações. Nesse contexto, a biotecnologia,<br />

em especial a biologia molecular,<br />

terá papel fundamental no futuro da<br />

agricultura mundial. O conhecimento<br />

nessa área ainda é incipiente. A evolução<br />

do conhecimento sobre os mecanismos<br />

de tolerância à seca em várias<br />

espécies, através do estudo de genomas<br />

funcionais e proteomas, fornecerá<br />

informações preciosas para o desenvolvimento<br />

de genótipos capazes de<br />

tolerar períodos de déficit hídrico sem<br />

16 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


que a produtividade seja prejudicada substancialmente.<br />

A difusão de novas técnicas<br />

moleculares, como os microarranjos de<br />

ADN (DNA Microarrays), está permitindo<br />

a identificação de rotas metabólicas ativadas<br />

ou desativadas, assim como, a visualização<br />

das centenas de interações que<br />

ocorrem, em âmbito transcripcional e proteômico,<br />

em resposta a eventos de estresse.<br />

Com isso, está sendo possível delinear<br />

estratégias que visem a aumentar a tolerância<br />

às condições de estresse ambiental.<br />

Essas estratégias vêm através de métodos<br />

tradicionais de melhoramento genético,<br />

facilitadas pelo uso de marcadores moleculares<br />

ligados a genes individuais ou<br />

ligados a lócus de características quantitativas<br />

(QTL) de importância, ou através do<br />

uso da engenharia genética. Genes identificados<br />

em mecanismos de tolerância<br />

têm mostrado potencial para ser usados<br />

em estudos de transformação de plantas.<br />

As primeiras plantas geneticamente modificadas<br />

para tolerância à seca já estão<br />

sendo desenvolvidas com sucesso em<br />

laboratório. Estratégias como o uso de<br />

moléculas chaperonas, que protegem<br />

componentes celulares durante a desidratação<br />

(Alvin et al., 2001), ou estratégias<br />

que amplificam o sinal molecular da percepção<br />

do estresse hídrico, permitindo a<br />

planta antecipar e acelerar os mecanismos<br />

de defesa (Kasuga et al, 1999), já são uma<br />

realidade. Entretanto, ainda devem ser<br />

testados quanto à produtividade nos campos<br />

de produção agrícola. Alcançar esse<br />

tipo de resultado e obter plantas cada vez<br />

mais eficientes na tolerância aos estresses<br />

do ambiente somente está sendo possível<br />

devido à compreensão dos mecanismos<br />

moleculares de tolerância discutidos nesta<br />

revisão e dos mecanismos que serão<br />

desvendados nas próximas décadas.<br />

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18 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


PESQUISA<br />

Plantas produtoras de<br />

ANTICORPOS<br />

Anticorpos produzidos por plantas de fumo para a detecção de poluentes ambientais<br />

Janete A. Desidério Sena<br />

Professora Doutora do Departamento de<br />

<strong>Bio</strong>logia Aplicada à Agropecuária da<br />

Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias<br />

UNESP - Campus de Jaboticabal, SP.<br />

janete@fcav.unesp.br<br />

Maria Helena S. Goldman<br />

Professora Doutora do Departamento de<br />

<strong>Bio</strong>logia da Faculdade de Filosofia,<br />

Ciências e Letras de Ribeirão Preto<br />

Universidade de São Paulo<br />

mgoldman@rge.fmrp.usp.br<br />

Fotos cedidas pelas autoras<br />

s plantas transgênicas<br />

podem ser exploradas<br />

como uma alternativa<br />

atrativa e de custo reduzido<br />

em relação aos sistemas<br />

microbianos e animais para a<br />

produção de biomoléculas. Tal sistema<br />

de produção possui várias vantagens<br />

em potencial sobre aqueles baseados<br />

em fermentação microbiológica,<br />

células animais e animais transgênicos.<br />

Os sistemas microbianos têm<br />

uma capacidade limitada para realizar,<br />

de forma acurada, as modificações<br />

pós-traducionais de proteínas<br />

eucarióticas. A fermentação bacteriana<br />

freqüentemente resulta na produção<br />

de agregados insolúveis, e custos<br />

substanciais estão envolvidos em solubilizar<br />

e remontar estes agregados<br />

em proteínas nativas. As culturas de<br />

células animais necessitam de meios<br />

de cultura caros, e o uso de animais<br />

transgênicos levanta muitas preocupações<br />

públicas e éticas. Por outro<br />

lado, plantas transgênicas são facilmente<br />

produzidas; linhagens homozigotas<br />

podem ser rapidamente obtidas,<br />

estocadas como sementes, e posteriormente,<br />

propagadas. As plantas são<br />

simples e baratas de cultivar, não<br />

requerendo recurso especializado ou<br />

meio de cultura elaborado.<br />

A produção de anticorpos em plantas<br />

transgênicas, publicada pela primeira<br />

vez em 1989, demonstrou o<br />

princípio da coexpressão de dois produtos<br />

gênicos recombinantes, que foram<br />

corretamente montados em uma<br />

molécula que era funcionalmente idêntica<br />

àquela originada do mamífero<br />

(Hiatt et al., 1989). Desde então, muitos<br />

grupos têm procurado expressar<br />

outras moléculas de anticorpos em<br />

plantas, desde moléculas de cadeia<br />

única até anticorpos secretórios multiméricos<br />

(Ma et al., 1995).<br />

Anticorpos monoclonais<br />

e suas aplicações<br />

Figura 1. Modelo da estrutura de uma molécula de anticorpo típico,<br />

composta de duas cadeias polipeptídicas leves e duas cadeias pesadas.<br />

Pontes dissulfeto inter-cadeias estão indicadas. Dois sítios ativos idênticos<br />

de ligação ao antígeno estão localizados nos braços da molécula,<br />

formados pelas regiões variáveis<br />

A resposta imune é um sistema de<br />

defesa dos vertebrados, altamente sofisticado,<br />

capaz de reconhecer substâncias<br />

estranhas ao organismo. Essas<br />

substâncias estranhas capazes de induzir<br />

uma resposta imune são chamadas<br />

de antígenos. As proteínas circulantes<br />

produzidas pelo sistema imune,<br />

e capazes de reconhecer o antígeno<br />

de forma específica são as imunoglobulinas<br />

(Ig), também denominadas<br />

anticorpos. Durante as últimas duas<br />

décadas, as pesquisas realizadas revelaram<br />

a estrutura das moléculas de<br />

anticorpos, os mecanismos complexos<br />

pelos quais essas proteínas são<br />

sintetizadas e a maneira pela qual elas<br />

se ligam aos materiais estranhos, rea-<br />

20 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Figura 2. (A) Esquema do vetor de expressão em plantas pGA748<br />

contendo o cDNA de interesse (cadeia leve ou pesada). BD e BE -<br />

bordas direita e esquerda do T-DNA de Agrobacterium tumefaciens;<br />

P35S - promotor 35S do vírus do mosaico da couve-flor; seta preta<br />

- terminador reconhecido em células vegetais; nptII - gene que<br />

confere resistência à canamicina; Tc - gene que confere resistência<br />

à tetraciclina.<br />

(B) cDNAs para as cadeias pesada (A) e leve (B) do anticorpo antidioxinas<br />

subclonados no sítio Eco RI do vetor de expressão pGA748,<br />

evidenciando as enzimas envolvidas na determinação da orientação<br />

de subclonagem. BD- Borda direita. BE- Borda esquerda da região<br />

do T-DNA. R- Gene de resistência para a Canamicina. P- Promotor<br />

35S do vírus do mosaico da couve-flor. S- Seqüência sinal de<br />

camundongo. IG- Seqüência da imunoglobulina. T- Terminador.<br />

VH e VL- Domínio variável das cadeias pesada e leve. CH e CL-<br />

Domínio constante das cadeias pesada e leve<br />

lizando a defesa bioquímica do organismo.<br />

Os anticorpos possuem um núcleo<br />

estrutural comum, um tetrâmero composto<br />

de quatro cadeias polipeptídicas,<br />

duas cadeias leves idênticas e<br />

duas cadeias pesadas idênticas. Uma<br />

cadeia leve é ligada a uma cadeia<br />

pesada por uma ligação covalente S-S<br />

(dissulfeto). Pontes dissulfeto também<br />

existem entre as duas cadeias pesadas,<br />

originando a estrutura esquematizada<br />

na Figura 1.<br />

Cada cadeia leve tem, aproximadamente,<br />

220 aminoácidos, e cada<br />

cadeia pesada possui, aproximadamente,<br />

440 aminoácidos. Essas cadeias<br />

possuem, na sua extremidade amino-terminal,<br />

uma região variável, composta<br />

de aproximadamente 110 aminoácidos,<br />

na qual a seqüência de<br />

aminoácidos varia bastante entre anticorpos<br />

específicos para diferentes antígenos.<br />

As regiões variáveis contêm<br />

regiões de variabilidade ainda maior -<br />

as regiões hipervariáveis - que correspondem<br />

ao sítio de ligação ao antígeno.<br />

A extremidade carboxi-terminal<br />

de cada cadeia é referida como região<br />

constante, visto que a seqüência de<br />

aminoácidos é bastante conservada<br />

em todos os anticorpos de uma determinada<br />

classe de imunoglobulinas.<br />

Além disso, as cadeias pesadas das<br />

imunoglobulinas contêm adições de<br />

carboidratos; portanto, os anticorpos<br />

são moléculas de glicoproteínas.<br />

Baseado na seqüência de aminoácidos<br />

da região constante, as cadeias<br />

leves podem ser classificadas em dois<br />

tipos distintos: kappa (κ) ou lambda<br />

(λ).As regiões constantes kappa e lambda<br />

possuem ao redor de 30 a 40 por<br />

cento de homologia. Existem cinco<br />

tipos principais de cadeias pesadas (α,<br />

δ, ε, γ, µ), que correspondem às cinco<br />

classes de anticorpos (IgA, IgD, IgE,<br />

IgG, e IgM). Essa classificação é baseada<br />

na seqüência de aminoácidos da<br />

região constante das cadeias pesadas.<br />

As seqüências de aminoácidos das<br />

diferentes classes possuem aproximadamente<br />

40 por cento de homologia.<br />

Os anticorpos de diferentes classes<br />

diferem em tamanho, carga e conteúdo<br />

de carboidratos, sendo que anticorpos<br />

de algumas classes são compostos<br />

de mais de um tetrâmero (Abbas<br />

et al., 1994).<br />

O uso de anticorpos como reagentes<br />

específicos na identificação de<br />

antígenos de interesse biológico e/ou<br />

médico, é uma prática indiscutivelmente<br />

essencial nos laboratórios modernos.<br />

Atualmente, talvez seja difícil<br />

apontarmos alguma linha de estudos<br />

biológicos voltada para diagnósticos<br />

que não tenha necessitado ou que<br />

necessitará do uso de anticorpos em<br />

alguma de suas fases. A própria clínica<br />

médica moderna tem planejado esquemas<br />

de tratamento oncológico en-<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 21


volvendo anticorpos, como é o caso<br />

das imunotoxinas, ou seja, moléculas<br />

híbridas anticorpo-toxinas voltadas<br />

para reconhecerem células tumorais e<br />

exercerem um efeito letal específico<br />

sobre essas células (Olnes et al., 1989).<br />

Poderíamos comentar também sobre<br />

o uso de anticorpos ligados a isótopos<br />

radioativos que permitiriam, após a<br />

associação com o tumor, sua localização<br />

por meio de imagens radiográficas.<br />

Além disso, anticorpos monoclonais<br />

são usados como vacinas para<br />

imunização passiva e são também<br />

empregados fora da clínica médica<br />

em uma ampla área de separações por<br />

afinidade e em numerosos kits de<br />

diagnóstico.<br />

Portanto, devido ao alto grau de<br />

especificidade dessas moléculas, elas<br />

podem ser utilizadas como “detectoras”,<br />

tanto para ensaios qualitativos<br />

quanto quantitativos, e o campo de<br />

aplicação para tais ensaios é quase<br />

que irrestrito, dada a grande quantidade<br />

de compostos sintéticos que podem<br />

ser usados para imunizar os animais,<br />

resultando na produção de anticorpos<br />

contra muitos compostos de<br />

interesse para a medicina e outras<br />

áreas da ciência.<br />

A maioria dos anticorpos, tais como<br />

aqueles usados em imunoensaios, são<br />

produzidos em animais e isolados a<br />

partir do soro ou fluído ascítico, ou<br />

são produzidos em cultura por células<br />

especializadas, denominadas células<br />

do hibridoma. Para isso, faz-se necessária<br />

a fusão de uma célula de mieloma<br />

de camundongo (célula tumoral<br />

de plasmócitos B) com um linfócito B<br />

normal, oriundo de um camundongo<br />

imunizado com o antígeno de interesse.<br />

A célula híbrida formada é um<br />

hibridoma, que conserva a capacidade<br />

de divisão exacerbada do mieloma<br />

juntamente com a informação para a<br />

síntese do anticorpo específico desejado.<br />

Como esse anticorpo é originário<br />

de um único clone de linfócito B,<br />

ficou sendo chamado de anticorpo<br />

monoclonal (Milstein, 1986). Vários<br />

problemas existem nessa tecnologia.<br />

Os hibridomas não são facilmente<br />

cultiváveis. É preciso manter toda a<br />

tecnologia de cultura de células de<br />

mamífero, onde os meios de cultura<br />

são caros, o pessoal técnico e o laboratório<br />

têm que ser altamente especializados.<br />

Mesmo assim, os hibridomas<br />

Figura 3. Processo de cotransformação evidenciando o co-cultivo<br />

dos discos foliares de N. tabacum com ambas as linhagens de A.<br />

tumefaciens, contendo os cDNAS para as cadeias leve e pesada do<br />

anticorpo<br />

por vezes cessam de crescer em culturas,<br />

ou as mesmas são contaminadas<br />

por micoplasma, comprometendo toda<br />

uma linha de produção.<br />

O desenvolvimento de técnicas<br />

recombinantes para a rápida clonagem<br />

de cDNAs, codificando as proteínas<br />

dos anticorpos tornou possível a<br />

expressão e a caracterização destas<br />

moléculas em sistemas heterólogos:<br />

bactérias, fungos filamentosos, leveduras,<br />

células de insetos, células de<br />

mamíferos e de plantas, com vistas à<br />

sua produção em larga escala. Esses<br />

sistemas heterólogos representam organismos<br />

muito mais fáceis de ser<br />

manipulados, e com um rendimento<br />

em termos de anticorpos funcionais,<br />

igual ou muito maior do que o dos<br />

clássicos hibridomas.<br />

Ao expandir a escolha dos sistemas<br />

de produção, as plantas oferecem<br />

alternativas únicas para os usuários de<br />

anticorpos, não só pela produção em<br />

Figura 4. (A) Calos somáticos de N. tabacum obtidos nos experimentos<br />

de transformação mediada por A. tumefaciens<br />

(B) Calos em meio de cultura para indução de parte aérea, obtidos nos<br />

três experimentos de transformação: cadeia leve, cadeia pesada e<br />

cotransformação (cadeia leve + cadeia pesada), mantidos em meio<br />

seletivo com canamicina<br />

22 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


larga escala, mas também pela capacidade<br />

de montar anticorpos multiméricos<br />

complexos completos. Apesar de<br />

o investimento inicial de tempo e<br />

esforço ser grande se comparado com<br />

outros sistemas de expressão, a produção<br />

de anticorpos em escala agrícola<br />

ou de fermentadores pode ser visualizada,<br />

e a economia dessas abordagens<br />

abre muitas novas áreas para a<br />

aplicação potencial de anticorpos.<br />

Aplicações dos anticorpos<br />

produzidos em plantas<br />

Figura 5. Plantas transformadas de N. tabacum com desenvolvimento de<br />

parte aérea e raízes<br />

Dos compostos bioativos expressos<br />

em plantas transgênicas, os anticorpos<br />

muito provavelmente são os<br />

que apresentam a maior variedade de<br />

aplicações. Plantas transgênicas têm<br />

sido geradas para produzir anticorpos<br />

monoclonais de uso terapêutico, como<br />

reagentes farmacêuticos ou para diagnósticos,<br />

ou ainda, visando a modificação<br />

de características das próprias<br />

plantas.<br />

Quanto ao uso terapêutico dos<br />

anticorpos, a similaridade entre a maquinaria<br />

da célula animal e vegetal<br />

permite que as plantas apresentem<br />

habilidade em montar cadeias leves e<br />

pesadas, formando um anticorpo completo<br />

e funcional (Ma & Hein, 1995),<br />

que as torna excelente escolha como<br />

biorreatores para a produção desses<br />

anticorpos. Esses apresentam um particular<br />

benefício na área de imunoterapia<br />

tópica. A maioria das infecções<br />

entram pelo corpo através das mucosas:<br />

gastrointestinal, respiratória ou<br />

urogenital. Portanto, a imunização passiva<br />

dessas mucosas seria uma medida<br />

profilática efetiva para um número de<br />

doenças virais, bacterianas e fúngicas.<br />

Um exemplo bastante interessante<br />

de anticorpo produzido em plantas e<br />

que apresenta aplicabilidade na imunização<br />

passiva é a imunoglobulina<br />

multimérica complexa SIgA, que é<br />

secretada nas superfícies das mucosas<br />

para fornecer proteção local contra<br />

toxinas e patógenos. Esse anticorpo é<br />

mais efetivo que a classe de anticorpos<br />

monoclonais IgG na defesa contra<br />

infecções bacterianas, em virtude de<br />

ligar-se polivalentemente ao antígeno<br />

e, portanto, ser mais eficiente na agregação,<br />

na avidez de ligação, e na<br />

resistência à proteólise (Ma & Hein,<br />

1996). A SIgA consiste de duas moléculas<br />

monoméricas de IgA unidas por<br />

um pequeno polipeptídeo J e complexada<br />

com um polipeptídeo maior, o<br />

componente secretório. Todos esses<br />

componentes foram expressados individualmente<br />

em plantas de fumo e,<br />

por sucessivos cruzamentos das plantas<br />

transgênicas e seus recombinantes<br />

filiais, houve produção de plantas nas<br />

quais todas as quatro cadeias de proteínas<br />

foram expressadas simultaneamente,<br />

resultando em uma molécula<br />

de SIgA corretamente montada e extremamente<br />

funcional (Ma et al., 1995),<br />

mostrando a flexibilidade das células<br />

vegetais na montagem de moléculas<br />

complexas.<br />

A disponibilidade de grandes quantidades<br />

de IgA secretória abre um<br />

número de novas oportunidades terapêuticas<br />

para desordens do sistema<br />

imune das mucosas, tais como terapias<br />

para patógenos intestinais (E. coli<br />

enterotoxigênica, cólera, etc.), patógenos<br />

respiratórios (rinovírus e influenza)<br />

e doenças sexualmente transmissíveis<br />

(Larrick et al., 1998).<br />

No caso de modificações causadas<br />

na própria planta, as aplicações incluem<br />

a resistência de plantas a doenças<br />

(Tavladoraki et al., 1993; van Engelen<br />

et al., 1994; Fecker et al., 1996; Voss et<br />

al., 1994; Yuan et al., 2000) e a modulação<br />

das vias metabólicas da planta<br />

para produzir novas características nutricionais<br />

e de desenvolvimento (Firek<br />

et al., 1993; Artsaenko et al., 1995).<br />

Segundo De Jaeger et al. (2000) e<br />

Conrad & Manteuffel (2001), a imunomodulação<br />

pode ser definida como<br />

uma técnica molecular que permite<br />

interferir no metabolismo celular da<br />

planta, ou na infectividade do patógeno,<br />

por meio da expressão ectópica de<br />

genes codificando anticorpos recombinantes.<br />

Além dessas aplicações, as plantas<br />

produtoras de anticorpos poderão ser<br />

empregadas em uma potencial estratégia<br />

que apresenta um significante<br />

impacto: a biorremediação. O seqüestro<br />

de poluentes ambientais por plantas<br />

expressando anticorpos recombinantes<br />

poderia formar a base de um<br />

sistema de biorremediação natural.<br />

Tal estratégia envolve a expressão de<br />

anticorpos recombinantes nas células<br />

vegetais e o uso dessas plantas para<br />

seqüestrar poluentes presentes no ambiente.<br />

Esse seqüestro seria específico<br />

para um poluente em particular, e<br />

poderia envolver interações de alta<br />

afinidade, de maneira que níveis muito<br />

baixos do poluente poderiam ser<br />

detectados (Hiatt & Mostov, 1993,<br />

Owen et al., 1996). A praticabilidade<br />

de tal estratégia é apoiada pela demonstração<br />

de que anticorpos recombinantes<br />

podem ser dirigidos para o<br />

apoplasto da planta, e que eles são<br />

estáveis e funcionais nesse local (Firek<br />

et al., 1993). O diâmetro dos poros na<br />

parede celular impõe uma restrição<br />

sobre o tamanho das moléculas que<br />

podem permeá-la livremente. Esse limite<br />

de exclusão corresponde a um<br />

peso molecular de 20 kDa para uma<br />

proteína globular. Anticorpos são moléculas<br />

muito grandes para permearem<br />

livremente a parede celular vegetal<br />

(Carpita et al., 1979). Consequentemente,<br />

a expressão de um anticorpo<br />

em uma célula vegetal equivale a<br />

produzir uma capacidade de retenção<br />

e de ligação dentro de uma membrana<br />

semi-permeável. Qualquer antígeno<br />

com um peso molecular menor que 20<br />

kDa (como alguns poluentes ambien-<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 23


tais, bioprodutos industriais, pesticidas,<br />

herbicidas) poderia ser coletado e<br />

retido por uma planta expressando<br />

um anticorpo que é funcional “in situ”<br />

e localizado no apoplasto (Firek et al.,<br />

1993).<br />

Os anticorpos produzidos pelas<br />

plantas, após purificação, poderão ainda<br />

ser utilizados na preparação de<br />

colunas de afinidade, bem como na<br />

confecção de kits de diagnósticos,<br />

tanto para uso clínico, quanto para a<br />

detecção de diversos poluentes ambientais,<br />

de forma rápida e menos onerosa.<br />

Dioxinas: Perigosos<br />

Poluentes Ambientais<br />

Figura 6. Plantas transgênicas de N. tabacum obtidas nos três experimentos<br />

independentes de transformação, com os cDNAs para o anticorpo antidioxina,<br />

mantidas em casa de vegetação<br />

Há uma extensiva poluição de nossos<br />

ambientes por pesticidas orgânicos<br />

e outros químicos industriais. Áreas<br />

afetadas incluem lagos, rios, água<br />

potável, solo, etc. A fabricação de<br />

pesticidas, a incineração de químicos<br />

contendo halógenos, a fabricação de<br />

papel e plásticos, entre outros processos<br />

de produção de clorinas, podem<br />

resultar na produção não intencional<br />

de compostos químicos que são potenciais<br />

poluentes ambientais Dentre<br />

estes poluentes ambientais destacamse<br />

as dioxinas. As dioxinas são hidrocarbonetos<br />

aromáticos clorados, que<br />

incluem o 2,3,7,8 tetraclorodibenzop-dioxina<br />

(TCDD), um dos mais potentes<br />

agentes tóxicos. São contaminantes<br />

do ecossistema, que, mesmo<br />

em baixas doses, são altamente teratogênicos<br />

e carcinogênicos (Poland &<br />

Knutson, 1982; Stanker et al., 1987,<br />

Zober et al., 1990). O fato mais impressionante<br />

sobre a TCDD, além da sua<br />

teratogenicidade, é a sua potência<br />

letal. Em cobaia, a sua LD 50<br />

, por via<br />

oral, é de, aproximadamente, 1x10 -9<br />

mol/Kg (Poland & Kende, 1976).<br />

A dioxina existia como contaminante<br />

no Agente Laranja, um desfoliante<br />

amplamente usado na guerra do<br />

Vietnã, nos anos 60, constituído da<br />

mistura de dois químicos conhecidos<br />

convencionalmente como 2,4,D e<br />

2,4,5,T. Ela é que foi apontada como<br />

o agente causal dos vários sintomas<br />

descritos pelos veteranos expostos ao<br />

desfoliante. A dioxina não é solúvel<br />

no ar ou na água, mas é atraída por<br />

óleos e gorduras, acumulando-se em<br />

níveis altíssimos nos corpos das espécies<br />

que estão no topo da cadeia<br />

alimentar, causando efeitos tóxicos<br />

que incluem anorexia, severa perda<br />

de peso, hepatotoxicidade, hepatoporfiria,<br />

lesões vasculares, atrofia do<br />

timo e supressão imune, toxicidade<br />

reprodutiva e do desenvolvimento,<br />

úlceras gástricas, teratogenicidade e<br />

morte (Langer et al., 1973).<br />

A contaminação pela dioxina tem<br />

sido um fato que ultimamente tem<br />

alarmado o mundo todo. No Brasil,<br />

por exemplo, houve o relato de que a<br />

Alemanha, Holanda e Bélgica proibiram<br />

a entrada naqueles países de<br />

farelo de casca de laranja, usado como<br />

matéria-prima na produção de alimentação<br />

animal, devido à contaminação<br />

por dioxina em dois carregamentos<br />

brasileiros destinados à Europa<br />

(Folha de São Paulo de 21/4/98).<br />

No Japão, um nível recorde de dioxinas<br />

foi detectado nas cinzas eliminadas<br />

pelo incinerador de lixos do Hospital<br />

Kasori, na cidade de Chiba. A<br />

quantidade de agentes químicos cancerígenos<br />

encontrados totalizaram 19<br />

mil picogramas/grama, o maior nível<br />

já encontrado em cinzas liberadas por<br />

incineradores (Jornal do Nikkey de<br />

15/5/98). Na Bélgica, mais de 1.100<br />

produtos alimentícios foram retirados<br />

das prateleiras por suspeita de contaminação<br />

por dioxina (Folha de São<br />

Paulo de 9/6/99). Portanto, há necessidade<br />

de se adotar um procedimento<br />

que seja específico para os congêneres<br />

mais tóxicos da dioxina e que seja<br />

relativamente simples e rápido na<br />

detecção do sítio de contaminação,<br />

dados os prejuízos que esses compostos<br />

causam ao ecossistema e à saúde<br />

humana e animal (Stanker et al., 1987).<br />

As técnicas analíticas sofisticadas<br />

usadas atualmente, tais como a cromatografia<br />

gasosa e a espectroscopia<br />

de massa (Crummett, 1983), são de<br />

alto custo, e requerem laboratórios<br />

dedicados, equipamentos especializados,<br />

pessoal altamente treinado e<br />

não são disponíveis para a aplicação<br />

“in situ”. O que se faz necessário,<br />

portanto, é o desenvolvimento de procedimentos<br />

alternativos que possam<br />

ser específicos, bastante sensíveis,<br />

adaptáveis para a análise de múltiplas<br />

amostras e simples de serem manipulados,<br />

para a rápida aplicação no sítio<br />

de contaminação, quantificação e retirada<br />

desses poluentes do ambiente.<br />

Os imunoensaios preenchem esses<br />

critérios e fornecem provas efetivas<br />

na detecção de compostos importantes.<br />

Stanker et al. (1987) selecionaram<br />

29 hibridomas originados de camundongos<br />

imunizados com 1-N-(adipamino)-2,<br />

3, 7-triCDD- ligado à proteína<br />

carreadora BSA. Desses anticorpos<br />

monoclonais, cinco clones (DD-1,<br />

-3, -4, -5 e -6) reconheceram o 2,3,7,8-<br />

TCDD e apresentaram-se como reagentes<br />

comprovados na detecção de<br />

cerca de até 0,5 ng de 2,3,7,8-TCDD e<br />

outros congêneres, utilizando-se o teste<br />

24 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


de competição por ELISA. Portanto,<br />

podem ser úteis para estudos de contaminação<br />

ambiental. Os genes para<br />

os anticorpos DD1 e DD3 tiveram suas<br />

regiões variáveis seqüenciadas por<br />

Recinos et al. (1994) e foram licenciados<br />

com o objetivo de detectar e<br />

quantificar a exposição à dioxina em<br />

populações humanas.<br />

Pelos motivos expostos acima,<br />

pode-se constatar que a produção em<br />

larga escala de anticorpos contra dioxina<br />

é altamente desejável, visto que o<br />

uso de kits de detecção produzidos<br />

com esses anticorpos purificados, a<br />

partir das plantas transgênicas, bem<br />

como o potencial uso dessas próprias<br />

plantas em um sistema de biorremediação,<br />

parecem ser estratégias bastante<br />

promissoras na tentativa de eliminar<br />

do ambiente esse perigoso poluente.<br />

Expressão de anticorpos antidioxinas<br />

em plantas de fumo<br />

Com o objetivo de expressar o<br />

anticorpo anti-dioxina completo, em<br />

plantas de fumo, desenvolveu-se, em<br />

nosso laboratório, uma estratégia de<br />

clonagem envolvendo os cDNAs para<br />

as cadeias leve e pesada do anticorpo<br />

IgG1a que reconhece o TCDD. O<br />

clone pHC2 (Hibridoma DD-3) contém<br />

um cDNA de 1600 pb, apresenta<br />

a seqüência líder completa e as regiões<br />

variável e constante da cadeia<br />

pesada γ (gamma) de camundongo,<br />

clonado como um fragmento EcoRI<br />

em pUC18 (Recinos et al., 1994). O<br />

clone pLCE (Hibridoma DD-1) contém<br />

um cDNA de 920 pb, contendo a<br />

seqüência líder completa e as regiões<br />

variável e constante da cadeia leve κ<br />

(kappa) de camundongo, clonado<br />

como um fragmento EcoRI em pUC18<br />

(Recinos et al., 1994). Ambos os clones<br />

foram gentilmente cedidos pelo<br />

Dr. Adrian Recinos III (Dept. of Internal<br />

Medicine, Univ. of TX Medical<br />

Branch, Galveston, TX.).<br />

Os cDNAs denominados DD1 e<br />

DD3, com suas seqüências sinal nativas,<br />

(Figura 2A) foram subclonados,<br />

separadamente, sob o controle do<br />

promotor constitutivo 35S do vírus do<br />

mosaico da couve-flor (P35SCaMV)<br />

no vetor de expressão em planta<br />

pGA748, cedido gentilmente pelo Dr.<br />

Alexandre S. Conceição (Figura 2B).<br />

O conhecimento das seqüências<br />

das regiões variáveis de ambos os<br />

cDNAs (Recinos et al., 1994) e a análise<br />

dos tamanhos dos fragmentos nos<br />

ensaios de restrição permitiram a seleção<br />

de clones com a orientação correta<br />

de subclonagem para ambas as<br />

cadeias. As construções resultantes<br />

foram introduzidas em plantas de fumo<br />

(Nicotiana tabacum Petit Havana SR-<br />

1), cultivadas “in vitro”, via transformação<br />

mediada por Agrobacterium<br />

tumefaciens.<br />

Primeiramente, o gene de interesse<br />

é clonado em um cassete de expressão<br />

flanqueado pelas bordas do T-<br />

DNA. Em seguida, essa montagem é<br />

introduzida em células de Agrobacterium<br />

tumefaciens, por eletroporação.<br />

As células de Agrobacterium contendo<br />

esse vetor de expressão transferem<br />

Figura 7. Vista geral das plantas transgênicas de N. tabacum mantidas<br />

em casa de vegetação<br />

o T-DNA para as células vegetais durante<br />

a co-cultivação. Três experimentos<br />

independentes de transformação<br />

foram realizados em nosso laboratório:<br />

discos foliares transformados com<br />

o vetor contendo somente o gene<br />

híbrido para a cadeia leve; discos<br />

foliares transformados com o vetor<br />

contendo o gene híbrido para a cadeia<br />

pesada; e discos foliares transformados<br />

com ambas as construções, ou<br />

seja, dupla transformação simultânea<br />

ou cotransformação, conforme esquematizada<br />

na Figura 3.<br />

Os discos foliares de todos os três<br />

experimentos foram colocados em<br />

meio de cultura contendo canamicina<br />

até o surgimento dos calos somáticos<br />

(Figura 4A), os quais foram, posteriormente,<br />

individualizados e colocados<br />

em meio de cultura contendo hormônios<br />

para indução de parte aérea (Figura<br />

4B). As plantas resistentes à canamicina<br />

foram individualizdas e transferidas<br />

para caixas Magenta, em meio<br />

apropriado para a indução de raízes<br />

(Figura 5). Finalmente, as plantas foram<br />

levadas para vasos com terra,<br />

mantidos em casa de vegetação (Figura<br />

6 e 7), em condições adequadas de<br />

luz, temperatura e umidade, até o<br />

momento da colheita das folhas para<br />

as análises moleculares e a extração<br />

de proteínas.<br />

A análise do DNA genômico por<br />

Southern blot confirmou a presença<br />

dos genes esperados, e a detecção do<br />

anticorpo nas plantas transgênicas cotransformadas,<br />

através da análise imunológica<br />

por “slot blot”, revelou claramente<br />

a presença da IgG anti-dioxina<br />

em quatro plantas testadas. A revelação<br />

foi feita por quimioluminescência,<br />

usando-se um anticorpo biotinilado<br />

específico para IgG completa de camundongo.<br />

Nos extratos da planta<br />

controle não houve reação, mostrando<br />

a ausência do anticorpo. Esse imunoensaio<br />

mostrou que as plantas transgênicas<br />

de fumo foram capazes de<br />

produzir o anticorpo anti-dioxina. Em<br />

nosso laboratório, no momento, estão<br />

sendo realizadas pesquisas para verificar<br />

os níveis de expressão do anticorpo<br />

nas diferentes plantas cotransformadas<br />

obtidas, bem como a segregação<br />

dos genes na geração T 1<br />

das<br />

mesmas.<br />

O anticorpo anti-dioxina produzido<br />

pelas plantas de fumo poderia,<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 25


então, ser utilizado na fabricação de<br />

um imunoensaio para a detecção da<br />

contaminação por dioxina, após sua<br />

purificação. Uma outra intrigante possibilidade<br />

para o uso dessas plantas<br />

transgênicas, seria a biorremediação<br />

das áreas poluídas pela dioxina.<br />

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26 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


A produção de insulina humana por<br />

Pesquisa<br />

ENGENHARIA GENÉTICA<br />

Beatriz Dolabela de Lima<br />

Professora Adjunta - Departamento de<br />

<strong>Bio</strong>logia Celular – Universidade de Brasília<br />

bdlima@unb.br<br />

Bactéria transgênica produz insulina humana<br />

A engenharia genética e a<br />

biotecnologia moderna<br />

A tecnologia do DNA recombinante<br />

possibilita a obtenção de organismos<br />

com características novas ou não encontradas<br />

na natureza, o que permite uma<br />

nova alternativa para o melhoramento<br />

genético de espécies de valor<br />

biotecnológico. Desse modo, células de<br />

bactérias, leveduras e mesmo eucariontes<br />

superiores como plantas podem ser programadas<br />

com genes exógenos, abrindo<br />

a perspectiva de produção nestes organismos<br />

de polipeptídeos de interesse,<br />

como o interferon, o hormônio de crescimento,<br />

a insulina entre outros. A utilização<br />

de microrganismos<br />

“engenheirados”, capazes de sintetizar<br />

proteínas em grande quantidade, apresenta,<br />

sob o ponto de vista econômico,<br />

Figura 1: Estrutura da insulina humana: pró-insulina<br />

(cadeias B, C e A) e insulina (cadeias B e A). Setas<br />

pretas indicam o ponto de clivagem para a retirada da<br />

cadeia C da pró-insulina, originando a insulina ativa.<br />

Cadeia B, em rosa, cadeia C, em azul, e cadeia A, em<br />

amarelo<br />

uma vantagem considerável em relação<br />

aos processos clássicos de produção.<br />

A extração de proteínas eucarióticas,<br />

como a insulina, requer grandes quantidades<br />

de matéria-prima (pâncreas suíno<br />

e bovino), que nem sempre estão disponíveis<br />

e são, geralmente, de elevado<br />

custo. Isso torna o processo extrativo<br />

cada vez mais oneroso. Nesse contexto,<br />

o emprego de técnicas mais eficientes,<br />

como a do DNA recombinante, abriu<br />

novas perspectivas de produção.<br />

Diabetes mellitus<br />

O diabetes mellitus é um grupo de<br />

doenças causadas pela deficiência na<br />

secreção ou na ação do hormônio pancreático<br />

insulina, o que produz profundas<br />

anormalidades no metabolismo. Há<br />

duas classes principais de diabetes: o<br />

juvenil e o adulto. No<br />

primeiro, a doença<br />

começa cedo, tornando-se<br />

severa e, no<br />

último, é lento para<br />

se desenvolver, moderado<br />

e,<br />

freqüentemente, não<br />

reconhecido.<br />

Os sintomas característicos<br />

do diabetes<br />

são sede excessiva<br />

e frequente micção,<br />

levando à<br />

injestão de grandes<br />

volumes de água. Essas<br />

alterações são devidas<br />

à excreção de<br />

28 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />

grandes quantidades<br />

de glicose na urina<br />

(glicosúria). O grande<br />

volume de urina<br />

no diabetes reflete a<br />

necessidade do rim<br />

de excretar uma certa<br />

quantidade de<br />

água junto com a glicose, pois a capacidade<br />

do rim de concentrar os solutos na urina<br />

tem um limite máximo. Outro sintoma é o<br />

nível da glicose sanguínea e como é a<br />

resposta à ingestão da glicose. Quando a<br />

concentração da glicose no sangue é significativamente<br />

alta é chamada de<br />

hiperglicemia.<br />

O pH do plasma sanguíneo de pessoas<br />

severamente diabéticas é freqüentemente<br />

menor que o valor normal 7,4, condição<br />

esta chamada de acidose. É causada pela<br />

superprodução de ácidos metabólicos e o<br />

pH do sangue pode cair a 6,8 ou abaixo, e<br />

levar a lesões irreparáveis nos tecidos, e à<br />

morte. Esse aumento da acidez é um<br />

indicativo de alterações profundas no balanço<br />

ácido-base do organismo. A acidez<br />

aumentada é devido à extensa formação de<br />

corpos cetônicos no fígado e à sua liberação<br />

no sangue. Como os tecidos não conseguem<br />

utilizar a glicose sanguínea, o<br />

fígado tenta compensar essa deficiência<br />

aumentando a utilização dos ácidos graxos<br />

como combustível, mas isso provoca a<br />

superprodução de corpos cetônicos, além<br />

da capacidade dos tecidos em oxidá-los. A<br />

atividade de glicoquinase está diminuída<br />

no diabetes já que é a insulina que estimula<br />

a biossíntese dessa enzima. Como conseqüência,<br />

forma-se pouco glicogênio. Como<br />

os carboidratos não estão sendo utilizados,<br />

as proteínas do organismo são usadas<br />

como combustíveis. Os aminoácidos sofrem<br />

perda dos seus grupos amino e os<br />

acetoácidos formados podem sofrer oxidação<br />

em dióxido de carbono e água, em<br />

parte pela via do ciclo do ácido cítrico.<br />

A administração de insulina para corrigir<br />

a deficiência endócrina e a administração<br />

de bicarbonato de sódio para corrigir a<br />

perda, tanto do sódio como da capacidade<br />

do tampão bicarbonato, podem trazer toda<br />

a química do organismo de volta para um<br />

balanço quase normal dentro de 12 a 24<br />

horas. Para seguir o curso de tal tratamento,<br />

as dosagens de glicose, pH e CO2 sanguí-


neos são realizadas frequentemente.<br />

Desse modo,<br />

o diabetes juvenil requer<br />

terapia com insulina e um<br />

cuidadoso controle, por<br />

toda a vida, do balanço<br />

entre a ingestão de glicose<br />

e a dose de insulina injetada<br />

(Lehninger, 1984).<br />

Insulina humana<br />

A insulina humana é<br />

produzida nas células ß<br />

pancreáticas, localizadas<br />

dentro dos conjuntos de<br />

células de 100 a 200 µm<br />

conhecidos como Ilhotas<br />

de Langerhans. Essas estão<br />

dispersas pelo pâncreas de<br />

muitos vertebrados superiores,<br />

constituindo cerca de<br />

1% da massa do orgão (Steiner et al.,<br />

1985). A insulina tem sido isolada de<br />

uma grande variedade de espécies de<br />

vertebrados, sendo que, em todas elas, a<br />

molécula é composta de duas cadeias<br />

polipeptídicas (A e B) ligadas por pontes<br />

dissulfídricas.<br />

A insulina humana, como muitos<br />

hormônios protéicos, é sintetizada como<br />

uma proteína precursora maior, seguida<br />

de uma clivagem proteolítica, para gerar<br />

o hormônio ativo (Wang & Tsou, 1991).<br />

Desse modo, a insulina é produzida sob<br />

a forma de um único polipeptídeo, a prépró-insulina,<br />

com uma cadeia de 110<br />

aminoácidos. Os vinte e quatro primeiros<br />

aminoácidos formam o peptídeo<br />

sinal ou seqüência pré da proteína e têm<br />

a função de facilitar a entrada da mesma<br />

no retículo endoperiplasmático. Durante<br />

esse processo, o peptídeo sinal é separado<br />

da proteína, resultando na formação<br />

da pró-insulina (figura 1). Essa molécula<br />

resultante, na qual as cadeias A (21<br />

aminoácidos) e B (30 aminoácidos) estão<br />

ligadas pelo peptídeo conectante C<br />

(35 aminoácidos), é a precursora da<br />

insulina. Ela adquire sua conformação<br />

com a formação de duas pontes<br />

dissulfídricas e é transportada para o<br />

aparelho de Golgi, onde vai ser empacotada<br />

em grânulos de estoque. Durante a<br />

formação e maturação dos grânulos<br />

secretórios, a pró-insulina é clivada por<br />

enzimas proteolíticas do tipo da tripsina,<br />

resultando na liberação do peptídeo C.<br />

Desse modo, as duas cadeias A e B estão<br />

ligadas entre si por pontes dissulfídricas,<br />

tendo uma outra ponte interna na cadeia<br />

A, formando a molécula de insulina<br />

(figura 1) (Steiner et al., 1985).<br />

Figura 2: Comparação entre a seqüência nucleotídica do<br />

gene sintético (Ec gene) e do cDNA para a pró-insulina<br />

humana (Hs cDNA). Protein: seqüência protéica da próinsulina<br />

Construção do gene sintético<br />

para a insulina humana<br />

Dentre as várias maneiras pelas quais<br />

um gene eucariótico pode ser obtido<br />

para a expressão em procariotos, a síntese<br />

química oferece as seguintes vantagens:<br />

fornece diretamente a seqüência<br />

exata desejada; as seqüências<br />

codificadoras e não codificadoras podem<br />

ser desenhadas para a expressão<br />

procariótica; sítios de restrição podem<br />

ser removidos ou adicionados, íntrons<br />

retirados; não há necessidade da etapa<br />

de isolamento do mRNA ou DNA<br />

genômico e permite a alteração do gene<br />

de forma mais simples.<br />

Desse modo, a construção do gene<br />

sintético para a pró-insulina humana foi<br />

iniciada a partir da seqüência de<br />

aminoácidos dessa proteína descrita por<br />

Sures et al. (1980). Utilizando-se os<br />

códons genéticos preferenciais para<br />

Escherichia coli (De Boer & Katelein,<br />

1986) para a otimização da expressão do<br />

gene nessa bactéria, foi montado um<br />

gene codificando a proteína humana. A<br />

figura 2 mostra a comparação da seqüência<br />

de bases na fase de leitura do<br />

cDNA da pró-insulina humana (Bell et<br />

al., 1979; Sures et al., 1980) com o gene<br />

sintético montado nesse trabalho. Esse<br />

gene contém 18,6 % de bases substituídas,<br />

sendo 16,27 %, na terceira base, 1,16<br />

%, na segunda base, e 1,16 %, na primeira<br />

base dos códons. Nenhuma das modificações<br />

feitas nos códons alterou o<br />

aminoácido de correspondência. Após<br />

análise computacional, a presença de<br />

seqüências repetitivas, diretas ou inversas,<br />

maiores do que oito nucleotídeos<br />

não foi encontrada, evitando assim uma<br />

possível estrutura secundária local<br />

indesejada nos mRNAs<br />

transcritos a serem produzidos<br />

a partir destes genes,<br />

o que poderia afetar sua<br />

expressão.<br />

Para facilitar a<br />

clonagem, esse gene sintético<br />

para a pró-insulina<br />

humana foi predito contendo<br />

um sítio para a<br />

enzima de restrição Eco RI<br />

no início do gene, seguido<br />

de um códon para<br />

metionina (ATG), da região<br />

codante para a cadeia<br />

B, cadeia C e cadeia A,<br />

nesta ordem, do códon de<br />

término (TAA), e finalmente,<br />

de um sítio para a enzima<br />

de restrição Bam HI. Outros<br />

sítios para enzimas de<br />

restrição foram adicionados<br />

internamente no gene de modo a<br />

facilitar modificações posteriores.<br />

Após a definição da estrutura do gene<br />

sintético, foi realizada a sua montagem<br />

conforme a estratégia mostrada na figura<br />

3. Quatro oligonucleotídeos foram sintetizados<br />

para a cadeia B, quatro para a<br />

cadeia C e dois para a cadeia A. Esses<br />

oligos foram anelados em pares para a<br />

formação da fita dupla de DNA e foram<br />

ligados entre si, em duas etapas. Na<br />

primeira, foram montadas as cadeias B e<br />

C e, na segunda, montado o gene da próinsulina,<br />

sendo que nesta ordem: cadeia<br />

B, C e A. Esse gene foi clonado em um<br />

vetor para a realização do seqüenciamento<br />

de DNA e a confirmação da seqüência<br />

nucleotídica correta do gene.<br />

Construção de um vetor de<br />

hiper-expressão para E. coli<br />

Nos últimos anos, muitos vetores para<br />

E. coli têm sido construídos com diversas<br />

finalidades, entre essas, a clonagem de<br />

cDNAs, de fragmentos de DNA amplificados<br />

por PCR, transcrição in vitro e para a<br />

expressão e produção de proteínas<br />

heterólogas. Para cada finalidade, o vetor<br />

terá que apresentar determinadas características<br />

para otimizar sua utilização. Desse<br />

modo, para a construção de um sistema<br />

de expressão de proteínas em E. coli, seis<br />

elementos básicos são necessários:<br />

- uma região necessária para replicação<br />

estável e controle do número de cópias;<br />

- um marcador seletivo, como um<br />

gene conferindo resistência a antibiótico<br />

para a hospedeira;<br />

- um promotor para iniciação da transcrição<br />

e seu controle;<br />

- uma região terminadora da transcrição;<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 29


Figura 3: Estratégia utilizada para a construção dos genes para a próinsulina<br />

humana para a expressão na bactéria E. coli<br />

- um sítio de ligação de ribossomas<br />

para a iniciação da tradução em uma<br />

trinca ATG apropriada;<br />

- e uma região de sítios apropriados<br />

para enzimas de restrição, para utilização<br />

nas clonagens dos genes a serem<br />

expressos.<br />

Seguindo esses requisitos para a construção<br />

do vetor de expressão pLMT8.5<br />

(figura 4), utilizamos a origem de<br />

replicação do plasmídeo pUC8, o gene<br />

de resistência à tetraciclina do plasmídeo<br />

RP4, o promotor pL isolado do fago<br />

Lambda, a região Shine Dalgarno sintética<br />

do fago T7, terminador de transcrição<br />

Rho-independente sintético, e uma<br />

região de múltiplos sítios únicos para<br />

enzimas de restrição (figura 4).<br />

Para a região de replicação estável e<br />

de controle do número de cópias do<br />

plasmídeo foi escolhida a origem de<br />

replicação do plasmídeo pUC8. Essa<br />

origem é derivada do plasmídeo pMB1<br />

(ou ColE1) onde mutações e deleções<br />

foram introduzidas de modo a aumentar<br />

o número de cópias do plasmídeo dentro<br />

da célula. Esses plasmídeos podem<br />

estar presentes em mais de 500 cópias<br />

por célula.<br />

O gene de resistência à tetraciclina<br />

foi escolhido e utilizado porque este<br />

permite que, além da seleção das bactérias<br />

recombinantes, o antibiótico<br />

tetraciclina estará constantemente fazendo<br />

pressão seletiva durante a fermentação.<br />

A resistência à tetraciclina consiste<br />

de uma proteína que bombeia o antibiótico<br />

para fora da célula, não permitindo<br />

sua atuação na inibição da síntese protéica<br />

no interior da bactéria. Isso tem como<br />

conseqüência, em uma fermentação industrial,<br />

que se utilizem menores quantidades<br />

do antibiótico, pois este não será<br />

inativado pela bactéria resistente e estará<br />

constantemente presente na fermentação.<br />

Assim, a produtividade no bioreator<br />

Figura 4: Mapa do<br />

vetor de expressão<br />

pLMT8.5 contruído<br />

para a produção da<br />

pró-insulina humana<br />

em E. coli.<br />

Tet R : gene de<br />

resistência a<br />

tetraciclina; ori:<br />

origem de<br />

replicação; MCS:<br />

região de sítios<br />

únicos para enzimas<br />

de restrição; pL:<br />

promotor pL; SD:<br />

seqüência Shine-<br />

Dalgarno; e TT:<br />

região de<br />

terminação de<br />

transcrição<br />

não será afetada devido ao acúmulo de<br />

bactérias sem plasmídeos. Esse fenômeno<br />

de acúmulo de bactérias sem<br />

plasmídeos foi observado por muitos<br />

pesquisadores e é responsável por dificuldades<br />

no escalonamento requerido<br />

para a comercialização de produtos<br />

recombinantes (Kumar et al., 1991).<br />

Para a iniciação da transcrição foi<br />

escolhido o promotor pL do bacteriófago<br />

Lambda. Este é um promotor forte e é<br />

regulado negativamente pelo repressor<br />

codificado pelo gene cI. A mutação<br />

cI857 tornou o repressor sensível à temperatura,<br />

funcional a 28oC e não funcional<br />

a 42oC. Assim, a expressão de<br />

seqüências codantes sob o controle desses<br />

promotores e pelo repressor cI857<br />

pode ser ativada simplesmente por uma<br />

mudança na temperatura da cultura, o<br />

que, principalmente em escala industrial,<br />

simplifica e barateia o processo.<br />

A partir de um promotor e de um<br />

início de transcrição, a RNA polimerase<br />

transcreve o RNA até o reconhecimento<br />

de um sítio de terminação, que funciona<br />

como um sinal para o término da transcrição.<br />

Dois tipos diferentes de<br />

terminadores são encontrados:<br />

terminadores simples ou Rho-independentes<br />

e terminadores Rho-dependentes<br />

(dependentes da proteína Rho). Os<br />

terminadores Rho-independentes possuem<br />

duas características: uma estrutura<br />

em forma de grampo, gerada por<br />

pareamento entre repetições invertidas,<br />

contendo uma região rica em pares G-C<br />

na base do grampo, separadas por uma<br />

curta distância, e outra, subseqüente da<br />

primeira, que contém uma região de,<br />

aproximadamente, seis resíduos de<br />

uridina no final da unidade. Esses<br />

terminadores parecem ter alguma função<br />

na proteção do mRNA, pela sua<br />

capacidade de formar uma estrutura em<br />

grampo, provavelmente fornecendo uma<br />

barreira contra a ação de uma exonuclease<br />

3' (Brawerman, 1987), e não dependem<br />

de um fator protéico, proporcionando<br />

uma efetiva finalização da transcrição no<br />

vetor de expressão.<br />

A etapa mais limitante na síntese<br />

protéica é a ligação dos ribossomas às<br />

moléculas de mRNA. Desde que o número<br />

de ribosomas na célula exceda a<br />

classe de mensageiros, uma maneira de<br />

aumentar a expressão de um gene<br />

clonado é aumentar o número dos transcritos<br />

correspondentes. Para tal, a maneira<br />

mais simples é clonar o gene de<br />

interesse em um plasmídeo com grande<br />

número de cópias.<br />

As duas características dos mRNAs<br />

de E. coli , que determinam onde e qual<br />

a eficiência do processo de reconheci-<br />

30 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


mento ribosoma-mRNA, são o códon de<br />

iniciação, geralmente AUG ou GUG, e a<br />

região Shine Dalgarno (SD), ou sítio de<br />

ligação de ribossomas (RBS). Essa região<br />

é complementar ao final 3' do RNA<br />

ribosomal 16S (Shine & Dalgarno, 1974;<br />

Shultzaberger et al., 2001). O SD tem<br />

tipicamente de três a seis nucleotídeos<br />

de tamanho e está localizado quatro a<br />

quinze nucleotídeos antes do códon de<br />

iniciação. Essa região tem a função de<br />

guiar o ribossoma para o ponto de início<br />

correto (Dreyfus, 1988). Olins et al. (1988)<br />

descreveram uma região SD a montante<br />

do gene 10 do bacteriófago T7 (g 10-L).<br />

Esse gene codifica para a proteína da<br />

capa, que é a proteína mais sintetizada<br />

após a infecção do fago T7. Essa região<br />

SD possui um grande potencial para<br />

otimizar a eficiência da tradução de<br />

genes homólogos e heterólogos clonados<br />

em E. coli.<br />

Para facilitar a clonagem de genes<br />

para a expressão no vetor, uma região<br />

apropriada de sítios únicos para enzimas<br />

de restrição foi adicionada entre a região<br />

promotora e o SD, e a região terminadora<br />

da transcrição, onde temos o sítio para a<br />

enzima de restrição NcoI contendo o<br />

códon ATG de início de tradução (figura<br />

4).<br />

Produção da<br />

pró-insulina humana<br />

Para a produção da pró-insulina, o<br />

gene sintético da pró-insulina foi<br />

subclonado no vetor de expressão<br />

pLMT8.5 e o plasmídeo recombinante foi<br />

denominado de pPTA1. Esse plasmídeo<br />

foi utilizado para a transformação da<br />

cepa E. coli N4830-1, pois essa possui o<br />

repressor cI termossensível.<br />

A cepa E. coli N4830-1 transformada<br />

Figura 5: Análise da expressão<br />

em diferentes tempos de indução<br />

da pró-insulina em E. coli. Gel<br />

desnaturante (SDS-PAGE) a 15%<br />

dos lisados protéicos totais das<br />

culturas, contendo o plasmídeo<br />

pLMT8.5 e o plasmídeo pPTA1<br />

(pLMT8.5 + gene da pró-insulina)<br />

com o plasmídeo pPTA1, foi utilizada<br />

para a indução térmica da Pró-insulina.<br />

Como controle, foi utilizadas cultura da<br />

cepa contendo o plasmídeo pLMT8.5<br />

sem o gene clonado. As proteínas<br />

induzidas estão mostradas na figura 5.<br />

Verifica-se a indução de uma proteína<br />

de, aproximadamente, 10.000 dáltons,<br />

que corresponde à Pró-insulina na cultura<br />

do recombinante pPTA1. Essa proteína<br />

corresponde a 20% das proteínas<br />

totais da bactéria. Nas amostras com o<br />

plasmídeo pLMT8.5, não observamos<br />

essa proteína induzida. Podemos concluir<br />

portanto, que ocorreu uma hiperexpressão<br />

da Pró-insulina a partir do<br />

gene clonado no plasmídeo pLMT8.5<br />

construído.<br />

Verificou-se também que ocorreu<br />

formação de corpos de inclusão da proteína<br />

recombinante produzida, o que<br />

auxilia a proteção contra proteólise e<br />

facilita sua purificação. Eles são formados<br />

como agregados citoplasmáticos que<br />

podem ser purificados após a lise da<br />

célula, centrifugação e solubilização das<br />

proteínas com, por exemplo, uréia ou<br />

guanidina.<br />

A perspectiva de produção a partir<br />

dessas bactérias recombinantes, obtidas<br />

nesse trabalho, nas condições de cultura<br />

utilizadas, é de 1 g de pró-insulina para<br />

cada 17 litros de cultura, com uma densidade<br />

celular de 10 9 células por ml.<br />

Considerações finais<br />

Esse trabalho foi realizado dentro do<br />

Projeto “Produção de insulina humana<br />

através de precursores recombinantes<br />

em Escherichia coli”, coordenado pelo<br />

Prof. Spartaco Astolfi Filho, com financiamento<br />

da <strong>Bio</strong>brás e PADCT/FINEP,<br />

dentro do Convênio UnB/<strong>Bio</strong>brás. Esse<br />

sistema de produção de insulina está<br />

patenteado nos Estados Unidos (patentes<br />

nos. 6068993, 30/05/2000, e<br />

6281329B1, 28/08/2001) e com pedido<br />

de patente no INPI, Brasil.<br />

Bibliografia<br />

Bell, G.I.; Swain, W.F.; Pictet, R.; Cordell,<br />

B.; Tischer, E. & Goodman, H.M.<br />

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messenger RNA stability. Cell, 48: 5-6.<br />

De Boer, H.A. & Kastelein, R.A. 1986.<br />

Biased codon usage: an exploration<br />

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& Schugerl, K. 1991. Strategies for<br />

improving plasmid stability in<br />

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Lehninger, A.L. 1984. Princípios de <strong>Bio</strong>química.<br />

São Paulo, Savier.<br />

Olins, P.O.; Devine, C.S.; Rangwala, S.H.<br />

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gene 10 leader RNA, a ribosomebinding<br />

site that dramatically enhances<br />

the expression of foreign genes in<br />

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Shine, J. & Dalgarno, L. 1974. The 3’-<br />

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57-9.<br />

Wang, C.C. & Tsou, C.-L. 1991. The<br />

insulin A and B chains contain<br />

sufficient structural information to<br />

form the native molecule. TIBS, 16:<br />

279-81.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 31


<strong>Bio</strong>tecnologia aplicada ao<br />

Pesquisa<br />

CONTROLE BIOLÓGICO<br />

O entomopatógeno Metarhizium anisopliae<br />

Grupo de <strong>Bio</strong>logia Molecular de Fungos Filamentosos do Centro de <strong>Bio</strong>tecnologia do Estado do Rio Grande do Sul da UFRGS<br />

Melissa Franceschini<br />

Doutoranda em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />

UFRGS<br />

melifran@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Ana Paula Guimarães<br />

Graduanda em Ciências <strong>Bio</strong>lógicas<br />

UFRGS<br />

apgm@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Melissa Camassola<br />

Graduanda em Ciências <strong>Bio</strong>lógicas<br />

UFRGS<br />

melissa@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Ana Paula Frazzon<br />

Doutoranda em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />

UFRGS<br />

apaulagf@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

César Milton Baratto<br />

Doutorando em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />

UFRGS<br />

baratto@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Viviane Kogler<br />

Graduanda em Ciências <strong>Bio</strong>lógicas<br />

UFRGS<br />

vkogler@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Márcia Vanusa da Silva<br />

Doutoranda em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />

UFRGS<br />

marcia@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Valéria Dutra<br />

Doutoranda em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />

UFRGS<br />

valdutra@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Luciano Nakazoto<br />

Doutorando em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />

UFRGS<br />

lucnak@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Luiza Castro<br />

Mestranda em <strong>Bio</strong>logia Celular e Molecular<br />

UFRGS<br />

luiza@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Lucélia Santi<br />

Graduanda em Ciências <strong>Bio</strong>lógicas<br />

UFRGS<br />

lucelia@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Marilene Henning Vainstein<br />

Ph.D, Professora Adjunta do Depto. de<br />

Microbiologia e Pesquisadora do Centro de<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia<br />

C<strong>Bio</strong>t-UFRGS<br />

mhv@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Augusto Schrank (Chefe do Grupo)<br />

Ph.D, Professor Adjunto do Depto. <strong>Bio</strong>logia<br />

Molecular e <strong>Bio</strong>tecnologia e Pesquisador do Centro<br />

de <strong>Bio</strong>tecnologia<br />

C<strong>Bio</strong>t-UFRGS<br />

augusto@dna.cbiot.ufrgs.br<br />

Fotos cedidas pelos autores<br />

Controle <strong>Bio</strong>lógico<br />

Apesar de os defensivos agrícolas terem uma alta e<br />

rápida eficiência, são necessárias aplicações repetidas<br />

desses produtos, o que representa grandes quantidades<br />

lançadas no ambiente e um alto custo. Esses produtos<br />

químicos propiciam uma alta produtividade, mas têm<br />

efeitos negativos sobre o solo, o clima, a vegetação, as<br />

águas, os animais e o homem, e provocam a seleção de<br />

mutantes resistentes, resultantes da forte pressão seletiva.<br />

Além disso, seu tempo de degradação no ambiente é da<br />

ordem de décadas, o que provoca uma concentração<br />

elevada dessas substâncias na cadeia alimentar. Nesse<br />

contexto, o controle biológico é uma alternativa viável<br />

para o combate de pragas e patógenos e vantajosa em<br />

relação ao controle químico, especialmente quanto ao<br />

impacto ambiental, ao custo, à especificidade e ao desenvolvimento<br />

de resistência.<br />

Entre os microrganismos patogênicos com aplicação<br />

potencial em controle biológico destacam-se os fungos<br />

filamentosos. Quando comparados a outros sistemas<br />

utilizados em controle biológico, como bactérias produtoras<br />

de toxinas, protozoários e vírus, os fungos apresentam<br />

como vantagem um mecanismo especializado de<br />

infecção, que ocorre pela sua penetração ativa nos<br />

hospedeiros, não dependendo, assim, da sua ingestão<br />

para que se inicie o processo de infecção.<br />

O maior entrave para a utilização de fungos filamentosos<br />

no controle biológico é o grande lapso de tempo<br />

entre a sua aplicação e a morte dos hospedeiros, se<br />

comparados com os pesticidas químicos. Durante esse<br />

período de tempo, as pragas agrícolas podem causar<br />

sérias perdas na produtividade da cultura-alvo. Um dos<br />

objetivos comuns no estudo desses microrganismos em<br />

controle biológico visa a aumentar a velocidade de morte<br />

dos hospedeiros para melhorar a eficiência do biocontrolador.<br />

Têm sido feitos esforços no intuito de melhorar a<br />

produção, a estabilidade e a aplicação de inóculos desses<br />

fungos. O entendimento das características básicas da<br />

relação entre o fungo e o inseto hospedeiro tem permitido<br />

conhecer a natureza da patogenicidade, possibilitando a<br />

introdução de genes específicos, altamente expressos em<br />

condições de infectividade, com vistas a acelerar o<br />

processo de infecção e de diminuir, assim, o tempo entre<br />

o início da infecção e a morte do hospedeiro (ST. LEGER<br />

et al., 1996).<br />

O Entomopatógeno Metarhizium anisopliae<br />

O fungo Metarhizium anisopliae é um Deuteromiceto<br />

amplamente distribuído na natureza e pode ser encontrado<br />

facilmente nos solos, onde sobrevive por longos<br />

períodos (ALVES, 1998). M. anisopliae infecta mais de 300<br />

espécies de insetos das diferentes ordens, incluindo<br />

32 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Figura 1: Linhagens brasileiras do fungo Metarhizium anisopliae. A)<br />

RJc (Deois flavopicta – Rio de Janeiro); B) RJd (Deois flavopicta – Rio de<br />

Janeiro); C) M5 (Deois sp. - Pernambuco); D) AL (Mahanarva postigata -<br />

Alagoas); E) MT (Deois sp. – Mato Grosso); F) E9 (Deois flavopicta –<br />

Espírito Santo); e, G) E6S1 (Deois flavopicta – Espírito Santo). Ambas<br />

crescidas em Meio Cove sólido. Entre parênteses está descrito o<br />

hospedeiro em que a linhagem foi isolada e o Estado de origem<br />

pragas importantes (ALVES, 1998). Alguns<br />

de seus hospedeiros são pragas<br />

na agricultura, como a cigarrinha da<br />

cana-de-açúcar (Mahanarva posticata),<br />

a cigarrinha-das-pastagens (Deois<br />

sp e Zulia sp), a lagarta-da-soja (Anticarsia<br />

gemmatalis), a formiga saúva<br />

(Atta sexdens), os térmitas subterrâneos<br />

(Isoptera : Rhinotermitidae). Sua<br />

patogenicidade tem sido ainda demonstrada<br />

para carrapatos de diferentes<br />

gêneros e espécies (KAAYA et al.,<br />

1996; ZHIOUA et al., 1997; FRAZZON<br />

et al., 2000). Vários fatores têm sido<br />

apontados como possíveis determinantes<br />

de patogenicidade, entre os<br />

quais, a produção de toxinas e a produção<br />

e secreção de enzimas hidrolíticas,<br />

como quitinases, proteases e lipases<br />

(CLARKSON & CHARNLEY, 1996).<br />

Alguns autores sugerem ainda que a<br />

expressão diferenciada das superóxido<br />

dismutases (SODs), enzimas que<br />

atuam como um sistema de defesa<br />

contra radicais livres de oxigênio<br />

(SCHRANK et al., 1993), e a presença<br />

Figura 2: Detalhes morfológicos de Metarhizium anisopliae. A) O<br />

fungo M. anisopliae apresenta micélio hialino e septado e esporos<br />

de coloração verde. B) Os esporos são cilíndricos. C) Algumas<br />

linhagens de M. anisopliae são infectadas por micovírus<br />

de micovírus, com genoma de dsRNA<br />

(BOGO et al., 1996b), influenciam a<br />

patogenicidade de M. anisopliae. São<br />

necessárias, entretanto, confirmações<br />

experimentais para essas observações.<br />

Por ser considerado um dos agentes<br />

mais promissores no controle de<br />

pragas, M. anisopliae tem sido um dos<br />

modelos mais estudados em relação<br />

ao isolamento e à seleção de linhagens<br />

do ambiente, ao isolamento de<br />

mutantes com características importantes<br />

para o controle biológico, ao<br />

estudo dos mecanismos de infecção,<br />

ao desenvolvimento de metodologias<br />

de biologia molecular e a estudos<br />

alternativos para produção, manutenção<br />

da viabilidade e formulação de<br />

biopesticidas. A Figura 1 mostra algumas<br />

linhagens brasileiras do fungo M.<br />

anisopliae, e suas origens. A Figura 2<br />

mostra detalhes morfológicos do fungo<br />

M. anisopliae. O nosso grupo de<br />

pesquisa tem estudado alguns aspectos<br />

básicos da biologia molecular de<br />

M. anisopliae, em especial o desenvolvimento<br />

de sistemas de transformação<br />

para permitir a re-introdução<br />

de genes manipulados in vitro (BOGO<br />

et al., 1996a), o estudo da regulação<br />

de quitinases (PINTO et al., 1996) e a<br />

clonagem e a caracterização do gene<br />

chit1, que codifica uma dessas quitinases<br />

(BOGO et al., 1998). O grupo<br />

dedica-se, ainda, ao estudo da aplicação<br />

de M. anisopliae como biocontrolador<br />

do carrapato Boophilus microplus<br />

(FRAZZON et al., 2000).<br />

O processo de infecção<br />

O processo de infecção de M.<br />

anisopliae em seus hospedeiros ocorre<br />

em fases sucessivas de germinação,<br />

diferenciação, penetração, colonização,<br />

reprodução e disseminação<br />

(SCHRANK et al., 1993; ALVES, 1998).<br />

O processo de infecção é iniciado<br />

pela germinação dos esporos sobre a<br />

cutícula do hospedeiro. Na superfície<br />

do esporo, ainda não germinado, foi<br />

detectada a presença de enzimas (proteases,<br />

esterases e N-acetilglicosidases)<br />

que têm efeito na adesão, na<br />

aquisição preliminar de nutrientes e<br />

que também causam modificações superficiais<br />

nas camadas mais externas<br />

da cutícula do hospedeiro (ST. LEGER<br />

et al., 1990). O esporo germina e o<br />

tubo germinativo se diferencia por<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 33


dilatação da extremidade<br />

das hifas para a formação<br />

do apressório, uma estrutura<br />

especializada de penetração,<br />

estimulada pelo<br />

contato físico com a cutícula<br />

do hospedeiro (ST.<br />

LEGER et al., 1991b). Esse<br />

estímulo também é sensível<br />

a alterações da superfície,<br />

indicando um possível<br />

mecanismo pelo qual<br />

o patógeno reconhece<br />

seu hospedeiro (ST. LE-<br />

GER et al., 1990).<br />

Após a formação do<br />

apressório, ocorre o desenvolvimento<br />

de estruturas<br />

denominadas grampos<br />

de penetração, que<br />

são caracterizadas por<br />

uma alteração na parede<br />

celular da parte do apressório<br />

que está em contato<br />

com o hospedeiro, sendo<br />

mais fina e saliente (ST. LEGER et al.,<br />

1991b). Evidências obtidas por microscopia<br />

eletrônica e histoquímica<br />

sugerem que a etapa de penetração<br />

ocorre por uma combinação de degradação<br />

enzimática e pressão mecânica<br />

(ST. LEGER et al., 1988a). Nesse processo<br />

são produzidas algumas enzimas<br />

como lipases, quitinases e proteases<br />

(ST. LEGER et al., 1986a, b, 1988b,<br />

1991a; PINTO et al., 1996; ALVES,<br />

1998).<br />

Após o processo de<br />

penetração, o fungo inicia<br />

a etapa de colonização<br />

do hospedeiro. As<br />

hifas que atravessam a<br />

cutícula do hospedeiro<br />

sofrem um engrossamento<br />

e se ramificam<br />

inicialmente no tegumento<br />

e, posteriormente,<br />

na cavidade geral do<br />

corpo, liberando toxinas<br />

e ocasionando a morte<br />

do hospedeiro devido à<br />

produção de metabólitos<br />

secundários denominados<br />

destruxinas,<br />

que afetam os canais de<br />

transporte de íons, envolvidos<br />

na resposta<br />

muscular e a integridade<br />

da membrana celular.<br />

O hospedeiro exibe<br />

vários sintomas incluindo inquietação,<br />

perda de coordenação e parada<br />

da ingestão de alimento (LAVERLAM,<br />

1999).<br />

Após a morte do hospedeiro, que<br />

ocorre de 4 a 5 dias após a infecção, as<br />

hifas se desenvolvem invadindo os<br />

diversos órgãos internos. Após o esgotamento<br />

dos nutrientes, as hifas se<br />

estendem para fora do corpo do hospedeiro,<br />

formando um micélio, que<br />

Figura 4: Teleóginas do carrapato B. microplus infectadas<br />

com o fungo acaricida M. anisopliae. A) Detalhe de hifas<br />

do fungo M. anisopliae se estendendo para fora do corpo<br />

de teleógina de B. microplus completamente infectada. B)<br />

Detalhe de uma teleógina de B. microplus completamente<br />

infectada pelo fungo M. anisopliae. A cutícula da teleógina<br />

foi parcialmente retirada<br />

34 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />

Figura 3: Cutícula de teleógina<br />

de Boophilus microplus<br />

infectada com esporos de<br />

Metarhizium anisopliae. 10 8<br />

esporos do fungo foram<br />

incubados com cutícula de<br />

carrapato a 28 0 C por 24 horas.<br />

Fotos de microscopia<br />

eletrônica de varredura. A)<br />

Germinação de esporos com<br />

aumento de 100 vezes;<br />

primeiro detalhe, aumento de<br />

605 vezes; segundo detalhe,<br />

aumento de 4.900 vezes. B)<br />

Preferência dos esporos em<br />

germinar próximo a locais<br />

porosos e articulados da<br />

cutícula; no caso, pêlos;<br />

aumento de 2.000 vezes. C)<br />

Ponta de hifa do acaricida que<br />

atravessou a cutícula do<br />

carrapato. Aumento de 1.500<br />

vezes<br />

cobre a superfície do tegumento, resultando<br />

na mumificação. Sob condições<br />

ambientais apropriadas, ocorre a<br />

produção de esporos, que poderão<br />

ser disseminados pelo vento para infectar<br />

outros indivíduos (LAVERLAM,<br />

1999). As Figuras 3 e 4 mostram os<br />

estágios inicial e final do processo de<br />

infecção do fungo M. anisopliae em<br />

teleógina do carrapato B. microplus.<br />

As proteases<br />

Foi demonstrado que<br />

entre os genes expressados<br />

especificamente durante<br />

o processo de infecção<br />

de M. anisopliae<br />

no hospedeiro está o<br />

gene pr1A, originalmente<br />

pr1, que codifica uma<br />

protease do tipo subtilisina<br />

(PR1A), que tem uma<br />

participação marcante na<br />

penetração da cutícula<br />

do hospedeiro pelo fungo.<br />

ST. LEGER et al.<br />

(1992) demonstrou que<br />

a protease PR1A é mais<br />

efetiva na degradação<br />

estrutural das proteínas<br />

ligadas ‘a cutícula por<br />

ligação covalente, devido<br />

aos resíduos de carga


Tabela 1 Quitinases e genes de quitinases isolados de Metarhizium anisopliae.<br />

Quitinases Indução Ação Linhagem<br />

CHIT30 Quitina Exo / Endoquitinase E6<br />

CHIT33 Quitina Endoquitinase ME1<br />

CHIT43,5 Cutícula Endoquitinase ME1<br />

CHIT45 Cutícula Endoquitinase ME1<br />

CHIT60 Quitina Exo / Endoquitinase ATCC 20500<br />

CHIT110 Inibida por NAG Quitobiase ME1<br />

Genes Cópias N o de Aminoácidos Linhagem<br />

chit1 (42 kDa) Única 423 E6<br />

chi11 (58 kDa) Única 523 ATCC 20500<br />

chi2 (43 kDa) - 414 ME1<br />

chi3 (34 kDa) - 317 ME1<br />

positivas que se formam na superfície<br />

da molécula de PR1A em pH neutro<br />

ou alcalino. A Figura 5 mostra a capacidade<br />

do fungo M. anisopliae de<br />

alcalinizar o meio contendo substrato<br />

para proteases, confirmando pH ótimo<br />

para proteases sendo igual a 8 (ST.<br />

LEGER et al., 1999).<br />

O gene pr1A é altamente regulado<br />

e somente expressado durante a fase<br />

de penetração (ST. LEGER et al., 1992).<br />

Esse gene está sob controle duplo de<br />

expressão: i) pelo mecanismo de repressão<br />

catabólica regulado pelos níveis<br />

de carbono e nitrogênio (ST.<br />

LEGER et al., 1988b) e, ii) pela indução<br />

específica promovida pelas proteínas<br />

da cutícula (PATERSON et al., 1994). A<br />

protease PR1A hidrolisa de 25% a 30%<br />

das proteínas da cutícula dos hospedeiros<br />

liberando peptídeos que servirão<br />

de nutrientes para o fungo e<br />

substratos para a elaboração de outros<br />

determinantes da patogenicidade (ST.<br />

LEGER et al., 1986a).<br />

PR1A é a única protease de cutícula<br />

produzida em quantidade elevada<br />

em vários isolados patogênicos de M.<br />

anisopliae. Foi observado por ST. LE-<br />

GER et al. (1987) um aumento da<br />

protease PR1A durante a penetração<br />

do fungo M. anisopliae na cutícula de<br />

larvas de Manduca sexta.<br />

O gene pr1A foi clonado sob o<br />

controle de um promotor constitutivo<br />

e os transformantes, superexpressando<br />

PR1A, mostraram-se 25% mais eficientes<br />

na infecção de insetos (ST.<br />

LEGER et al., 1996). Nesse trabalho, foi<br />

definitivamente demonstrado o potencial<br />

da manipulação genética para<br />

ser efetivamente utilizada na construção<br />

de linhagens mais eficientes para<br />

o controle biológico a partir do conhecimento<br />

dos fenômenos básicos da<br />

etapa de penetração. A Figura 6 mostra<br />

a superprodução de PR1A de uma<br />

linhagem transformada de M. anisopliae<br />

em comparação com a linhagem<br />

selvagem.<br />

JOSHI et al. (1997), investigando<br />

genes envolvidos no processo de infecção<br />

de fungos entomopatogênicos,<br />

descreveram uma nova protease<br />

também do tipo subtilisina (PR1B) a<br />

partir de genes especificamente expressados<br />

por M. anisopliae durante<br />

seu desenvolvimento na cutícula de<br />

baratas (Blabarus gigantius). A dedução<br />

da seqüência de aminoácidos<br />

mostrou 54% de similaridade com a<br />

subtilisina PR1A. No entanto, a PR1B<br />

possui várias substituições na seqüência<br />

altamente conservada compreendendo<br />

o sítio ativo das subtilisinas.<br />

Essas substituições são cataliticamente<br />

críticas podendo reduzir a eficiência<br />

catalítica da protease. A função da<br />

protease PR1B na infecção de hospedeiros<br />

ainda não foi determinada.<br />

Atualmente se encontram disponíveis<br />

no GENBANK seqüências de mais<br />

oito genes de proteases da família das<br />

subtilisinas PR1 denominados de pr1D<br />

até pr1K, que foram isolados de M.<br />

anisopliae pelo grupo norte-americano<br />

liderado por St. Leger. Sua função<br />

ainda não foi estudada.<br />

Quitina e Quitinases<br />

Figura 5: Alcalinização de meio contendo substrato para proteases<br />

pelo fungo Metarhizium anisopliae. O meio utilizado apresenta como<br />

fonte de carbono apenas azocaseína. Para demonstrar em que faixa de<br />

pH o fungo cresce quando proteases são requeridas o meio foi<br />

complementado com o corante Vermelho de Bromocresol. Esse corante<br />

apresenta coloração variando do amarelo até o violeta quando o pH<br />

varia do ácido até o alcalino. O pH ótimo para proteases secretadas<br />

por M. anisopliae fica na faixa alcalina igual a 8. As setas indicam halo<br />

de degradação de azocaseína<br />

A quitina, depois da celulose, é um<br />

dos polímeros mais abundantes na<br />

natureza (FLACH et al., 1992). É encontrada<br />

como constituinte do exoesqueleto<br />

de insetos e de crustáceos, em<br />

conchas de moluscos e é o maior<br />

componente da parede celular de fungos<br />

(CABIB, 1987). As quitinases são<br />

enzimas hidrolíticas com a propriedade<br />

de hidrolisar a quitina em oligôme-<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 35


Figura 6: Halo de degradação<br />

em meio com substrato para<br />

proteases de linhagens de<br />

Metarhizium anisopliae. A faixa<br />

mais clara em cada placa<br />

demonstra a degradação de<br />

azocaseína em meio que<br />

contém apenas azocaseína<br />

como fonte de carbono, em pH<br />

ótimo para proteases igual a 8.<br />

A linhagem E 6<br />

S 1<br />

é selvagem de<br />

M. anisopliae, enquanto a<br />

linhagem T136 é uma linhagem<br />

E 6<br />

S 1<br />

selvagens que foi<br />

transformada para que<br />

superexpressasse a protease<br />

PR1A. A linhagem apresentou<br />

halo de degradação 4 vezes<br />

maior que a linhagem<br />

selvagem. Esses dados são<br />

estatisticamente significantes<br />

(teste de Tukey para α = 0,05)<br />

ros de N-acetilglicosamina (NAG), que<br />

assim podem ser absorvidos e metabolisados<br />

(GOODAY, 1990; GOODAY<br />

et al., 1992). Muitos organismos produzem<br />

quitinases, entre eles, bactérias,<br />

fungos, crustáceos, insetos e plantas<br />

superiores.<br />

Em fungos, cuja parede celular é<br />

composta basicamente por polissacarídeos<br />

como quitina e glicanas (GOO-<br />

DAY et al., 1992), as enzimas quitinolíticas<br />

estão basicamente envolvidas<br />

nos processos de crescimento e diferenciação.<br />

Os fungos filamentosos também<br />

possuem quitinases que atuam<br />

em diferentes processos fisiológicos,<br />

como dispersão de esporos, autólise e<br />

nutrição (DE LA CRUZ et al., 1992;<br />

STIRLING et al. 1979).<br />

As enzimas quitinolíticas provavelmente<br />

desempenham um papel importante<br />

na penetração de fungos filamentosos<br />

através da cutícula dos hospedeiros.<br />

Essas enzimas se encontram<br />

sob forte regulação no fungo M. anisopliae,<br />

onde o sistema quitinolítico é<br />

regulado por um mecanismo de indução-repressão,<br />

tendo a quitina como<br />

Figura 7: Análise da produção de enzimas<br />

quitinolíticas por linhagens de Metarhizium<br />

anisopliae. As linhagens foram crescidas em<br />

meio com substrato para quitinases ligado<br />

(B) ou não (A) ao corante Azul de Remazol.<br />

A faixa mais clara nas placas representa a<br />

degradação do substrato pelo fungo. 1) E9;<br />

2) RJc; 3) MT; e, 4) E6S1. A linhagem E6S1<br />

demonstrou ser a mais promissora para<br />

estudos de produção de quitinases<br />

indutor tanto da síntese como da secreção<br />

de quitinases, e a glicose como<br />

repressor da sua síntese. A concentração<br />

do monômero NAG também regula<br />

a síntese e a secreção das quitinases,<br />

sendo que, em baixas concentrações,<br />

age como indutor, enquanto em<br />

altas concentrações, apresenta papel<br />

de repressor (BARRETO, 1996; MO-<br />

REIRA, 1998; Figura 7).<br />

Foi demonstrado em géis de atividade<br />

contendo glicol-quitina como<br />

substrato que uma linhagem de M.<br />

anisopliae altamente secretora produzia<br />

uma mistura complexa de enzimas<br />

quitinolíticas quando o fungo era cultivado<br />

em condições de indução. A<br />

presença de, aproximadamente, 10<br />

isoenzimas foi sugerida (ST. LEGER et<br />

al., 1993). Inibidores catabólitos reduzem<br />

a produção de todas as isoenzimas<br />

com apenas uma exceção.<br />

Essa atividade remanescente<br />

foi sugerido<br />

ser controlada separadamente<br />

das demais (ST.<br />

LEGER et al., 1993). Estudos<br />

demostraram mais de<br />

um gene codificando quitinase<br />

em M. anisopliae<br />

(Tabela 1).<br />

Até o momento, não<br />

foi confirmada a participação<br />

das quitinases na entomopatogenicidade<br />

de M.<br />

anisopliae. Apesar dos<br />

estudos bioquímicos e do<br />

conhecimento acumulado,<br />

pouco se sabe quanto aos<br />

tipos, a regulação, a localização,<br />

as seqüências envolvidas<br />

em sua glicosilação,<br />

a secreção e a participação<br />

das quitinases nos<br />

processos fisiológicos.<br />

Agradecimentos<br />

Agradecemos ao Prof.<br />

Dr. Elliot Watanabe Kitajima,<br />

do Núcleo de Apoio à<br />

Pesquisa em Microscopia<br />

Eletrônica Aplicada à Pesquisa<br />

Agropecuária (NAP/<br />

MEPA) da USP, pelo auxílio<br />

e colaboração na obtenção<br />

das fotos por MET.<br />

Órgãos financiadores:<br />

CAPES e CNPq pelo apoio<br />

financeiro.<br />

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<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 37


Pesquisa<br />

ANTICORPOS<br />

HUMANIZADOS<br />

Andréa Queiroz Maranhão<br />

Profa. Dra. em <strong>Bio</strong>logia Molecular-UnB<br />

Marcelo de Macedo Brígido<br />

Prof. Dr. em <strong>Bio</strong>química – UnB<br />

brigido@unb.br<br />

Fotos cedidas pelos autores<br />

Humanização de anticorpos de interesse clínico<br />

sistema imune dos vertebrados<br />

é especializado<br />

no reconhecimento<br />

de substâncias e organismos<br />

estranhos e na<br />

sua posterior eliminação. Desse processo<br />

participam diversos tipos celulares<br />

e moléculas, e, dentre essas últimas,<br />

destacam-se os anticorpos ou imunoglobulinas,<br />

principais protagonistas da<br />

resposta imune humoral. A formação<br />

de imunoglobulinas em resposta a um<br />

patógeno ou a uma toxina culmina com<br />

a produção de moléculas de alta afinidade,<br />

com grande capacidade de distinção<br />

entre espécies moleculares semelhantes.<br />

Essa característica das imunoglobulinas<br />

e a possibilidade de se<br />

produzirem anticorpos específicos contra<br />

antígenos humanos em animais imunizados,<br />

levou à proposição de que<br />

essas moléculas poderiam ser utilizadas<br />

como fármacos, ou ainda para<br />

dirigir fármacos a locais específicos do<br />

corpo de pacientes.<br />

Tal proposição ganhou força com a<br />

descoberta de Milstein e Köhler acerca<br />

do processo de produção de anticorpos<br />

monoclonais 1 , o que gerou uma<br />

grande expectativa por parte da comunidade<br />

científica e da mídia. Esse processo<br />

envolve a imortalização de células<br />

produtoras de anticorpos (oriundas<br />

do animal imunizado) por fusão com<br />

células tumorais. Com essa tecnologia,<br />

que data de 26 anos, partiu-se para uma<br />

idéia de que os anticorpos monoclonais<br />

poderiam funcionar como balas<br />

mágicas, devido à sua especificidade<br />

por um dado antígeno, podendo alcançar<br />

específica e eficientemente um único<br />

tecido ou tipo celular. Esperava-se que,<br />

em pouco tempo, os anticorpos monoclonais<br />

chegassem à clínica médica<br />

como solução para diversos males,<br />

expectativa essa que foi exacerbada em<br />

1982, quando um anticorpo anti-idiótipo<br />

mostrou-se eficiente no tratamento<br />

de certo tipo de linfoma 2 . Esse período<br />

foi marcado por um investimento maciço<br />

por parte de empresas farmacêuticas.<br />

Esse entusiasmo inicial deu espaço<br />

a uma fase de ceticismo, quando nenhum<br />

outro anticorpo testado apresentava<br />

resultados clínicos significativos.<br />

Ao contrário, observava-se que alguns<br />

anticorpos podiam ser muito tóxicos,<br />

colocando em cheque a sua viabilidade<br />

clínica. Até o ano de 1994, apenas três<br />

anticorpos haviam sido aprovados para<br />

uso clínico, o Orthoclon, o Panorex e o<br />

ReoPro. Foi também na primeira metade<br />

da década de 90 que o quadro<br />

voltou a ser favorável aos anticorpos<br />

monoclonais. Dois fatores foram fundamentais<br />

nessa mudança de rumo:<br />

primeiro, foram obtidos resultados clínicos<br />

consistentes para diversos anticorpos<br />

monoclonais; o segundo fator<br />

foi o aparecimento dos anticorpos recombinantes<br />

humanizados 3 , que prometiam,<br />

com a chancela da engenharia<br />

genética, revolucionar o cenário de<br />

aplicação dos anticorpos monoclonais<br />

com uma nova especialidade de pesquisa<br />

em <strong>Bio</strong>logia Molecular, a Engenharia<br />

de Anticorpos. A flexibilidade<br />

na manipulação genética de seu arcabouço<br />

peptídico e o acúmulo de informações<br />

sobre sua estrutura e função,<br />

fez das imunoglobulinas um produto<br />

de alto valor econômico e com grandes<br />

perspectivas biotecnológicas.<br />

Figura 1.- Representação esquemática da molécula de anticorpo<br />

e seus principais fragmentos. Os fragmentos Fab e o Fc derivados<br />

da molécula inteira de imunoglobulina podem ser obtidos por<br />

clivagem proteolítica. Os fragmentos recombinantes scFv e o FvFc<br />

apresentam um peptídeo conector flexível (linha vermelha) unido o<br />

carboxi-terminal da cadeia variável pesada com o amino-terminal da<br />

cadeia variável leve e são obtidos por manipulação genética dos<br />

genes de imunoglobulinas. Ressalta-se o caráter dimérico do fragmento<br />

FvFc, apresentando dois sítios de reconhecimento antigênico,<br />

como na molécula inteira<br />

38 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Aspectos Estruturais<br />

dos Anticorpos<br />

Os anticorpos são proteínas de elevada<br />

massa molecular encontrados em<br />

abundância no soro de animais vertebrados.<br />

A molécula de imunoglobulina<br />

(figura 1) é de natureza tetramérica e<br />

pode ser caracteristicamente separada<br />

em duas cadeias pesadas e duas cadeias<br />

leves. Essas moléculas são responsáveis<br />

pelo reconhecimento de determinantes<br />

antigênicos das substâncias/invasores<br />

exógenos e também pela ativação<br />

de sistemas efetores celulares, que,<br />

em última instância, os eliminam. Devido<br />

às funções que desempenham, essas<br />

moléculas apresentam uma ambigüidade<br />

estrutural: por um lado, sua<br />

extremidade N-terminal (Fab – fração<br />

ligante ao antígeno) apresenta uma<br />

variabilidade superficial capaz de interagir<br />

com moléculas dos mais variados<br />

tipos, enquanto que a porção carboxiterminal<br />

(Fc-fração cristalizável) deve<br />

ser reconhecida por células efetoras do<br />

sistema imune, o que pressupõe uma<br />

certa constância estrutural 4 . É essa região<br />

(Fc) que se liga aos receptores de<br />

membrana citoplasmática de macrófagos,<br />

linfócitos e outras células efetoras,<br />

invocando a resposta imune a partir do<br />

reconhecimento do antígeno, o “corpo<br />

estranho”. A contribuição de cada uma<br />

das cadeias nessas funções é desigual,<br />

pois, enquanto a porção ligante ao<br />

antígeno (Fv – região formada pelos<br />

domínios variáveis de ambas as cadeias)<br />

é formada pelo domínio aminoterminal<br />

de ambas as cadeias, o Fc é<br />

formado unicamente pela cadeia pesada.<br />

As imunoglobulinas são, provavelmente,<br />

as moléculas mais bem estudadas<br />

em nível de estrutura tridimensional.<br />

5 O acúmulo de informação estrutural<br />

facilita a compreensão do funcionamento<br />

da molécula e permite estabelecer<br />

critérios para manipulação racional.<br />

Modelos tridimensionais explicam,<br />

por exemplo, como a variabilidade<br />

encontrada no amino-terminal da imunoglobulina,<br />

co-existe com uma estrutura<br />

espacial bastante conservada em<br />

todas as Fv que foram estudadas por<br />

difração de raios-X. O domínio variável<br />

apresenta uma estrutura estendida alternada<br />

com alças (“loops”). Seis dessas<br />

alças (três em cada cadeia) projetam-se<br />

para o solvente e participam<br />

com quase a totalidade dos pontos de<br />

Figura 2 – Esquematização de processos de humanização de<br />

imunoglobulinas. Um anticorpo monoclonal murino (em verde) apresenta<br />

limitações quanto ao seu uso repetitivo como fármaco, devido à<br />

resposta HAMA (human anti-mouse antibody). As primeiras tentativas<br />

de minimizar este potencial imunogênico foram feitas por meio da fusão<br />

das cadeias variáveis leve e pesada do anticorpo de camundongo<br />

(em verde escuro), com as cadeias constantes humanas (em laranja),<br />

formando moléculas quimeras. Estas moléculas eram ainda<br />

imunogênicas, assim os protocolos mais modernos de humanização<br />

preconizam o transplante das CDR murinas (linhas verdes) para cadeias<br />

variáveis humanas (em amarelo). Esta molécula teria ainda as cadeias<br />

constantes de imunoglobulinas humanas como na quimera e se apresenta<br />

de forma suficientemente invisível para o sistema imune<br />

contato, com o antígeno. Essas alças<br />

co-localizam-se com as regiões determinantes<br />

de complementariedade<br />

(CDR), onde está concentrada a diversidade<br />

entre as moléculas de imunoglobulinas<br />

6 . É nessa região que está<br />

localizado o paratopo, região complementar<br />

ao determinante antigênico (epitopo),<br />

responsável pela formação do<br />

complexo antígeno-anticorpo.<br />

Os anticorpos monoclonais são produzidos<br />

a partir de um único clone de<br />

linfócito B imortalizado. Durante a resposta<br />

imune humoral, cada clone de<br />

linfócito B produz um único tipo de<br />

molécula reativa a uma única estrutura<br />

química. Devido a isso, cada anticorpo<br />

apresenta uma única especificidade,<br />

ou seja, reage com um único tipo de<br />

molécula (antígeno). Por outro lado,<br />

durante a evolução da resposta imune,<br />

são selecionados clones cada vez mais<br />

afins por seu antígeno; dessa forma,<br />

anticorpos obtidos de animais hiperimunizados<br />

são ditos de alta afinidade,<br />

ligando-se fortemente ao antígeno e<br />

dificilmente soltando-o. Isso permite<br />

que um anticorpo reconheça e reaja<br />

com o antígeno mesmo que esse se<br />

encontre diluído em uma mistura complexa.<br />

São essas as características que<br />

tornam o anticorpo um reagente de<br />

escolha para detecção de quantidades<br />

ínfimas de antígeno dentro de um organismo.<br />

Imunoglobulinas como<br />

Medicamentos<br />

O interesse biotecnológico pelas<br />

imunoglobulinas é secular. A utilização<br />

de anticorpos para neutralizar toxinas,<br />

proposto por Behringer, gerou uma<br />

grande revolução no pensamento científico<br />

no final do século XIX. No Brasil,<br />

o pioneiro na utilização de soros foi<br />

Vital Brasil. Com ele surgiram fazendas<br />

para produção de soro anti-ofídico e<br />

contra outros venenos de animais peçonhentos,<br />

o que fez do Brasil uma<br />

referência nessa área. A segunda geração<br />

de anticorpos veio com o advento<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 39


Figura 3 - Esquema geral para humanização de anticorpos.<br />

As seqüências codificadoras das cadeias leve e pesada do<br />

anticorpo, são obtidas a partir de um clone produtor do<br />

anticorpo monoclonal de interesse. Essas seqüências são comparadas<br />

com seqüências germinais a partir de um banco de genes<br />

germinais humanos utilizando-se do programa FASTA. As seqüências<br />

são comparadas e uma seqüência humanizada é proposta.<br />

Utilizando-se de um modelo tridimensional, a seqüência<br />

proposta é verificada. Esta seqüência proposta é retro-traduzida<br />

para seqüência nucleotídica e sintetizada a partir de<br />

oligonucleotídeos sintéticos e PCR. O novo gene é clonado em<br />

vetor de expressão apropriado e expresso em células de mamíferos<br />

em cultura<br />

dos anticorpos monoclonais, em 1975,<br />

o que gerou uma grande perspectiva na<br />

comunidade científica devido à possibilidade<br />

de criação de reagentes específicos,<br />

reativos a diferentes antígenos<br />

e com possibilidade, portanto, de resolver<br />

problemas, antes de difícil solução,<br />

como o ataque a células cancerígenas,<br />

a minimização da rejeição a enxertos,<br />

entre outros. Diferentemente do soro<br />

imune, o anticorpo monoclonal consiste<br />

em uma preparação homogênea,<br />

monoespecífica, que pode reconhecer<br />

um único e específico alvo dentro do<br />

organismo do paciente. Os anticorpos<br />

monoclonais são hoje uma realidade<br />

sendo utilizados para diversos fins:<br />

como moduladores da rejeição em pacientes<br />

transplantados, para o mapeamento<br />

de tumores, desintoxicação por<br />

drogas ou mesmo na imunização preventiva.<br />

Apesar do amplo potencial de aplicação<br />

dos anticorpos monoclonais, a<br />

utilização extensiva é limitada pela sua<br />

alta toxicidade. Os anticorpos monoclonais<br />

são proteínas normalmente produzidas<br />

em laboratório a partir de células<br />

de camundongos ou ratos, e quando<br />

injetados em pacientes humanos acaba<br />

gerando uma resposta imune contra a<br />

proteína estranha ao organismo. Os<br />

anticorpos são reconhecidos como corpos<br />

estranhos e podem gerar uma forte<br />

reação imune adversa. Esse problema<br />

inviabiliza a utilização dos anticorpos<br />

de uma forma repetitiva. A produção<br />

de anticorpos pelo paciente contra a<br />

preparação de anticorpos monoclonais,<br />

conhecida como resposta HAMA (do<br />

inglês human anti-murine antibodies),<br />

normalmente provoca a neutralização<br />

da ação do anticorpo, fazendo com<br />

que o paciente fique resistente ao medicamento<br />

7 . Em casos mais severos, a<br />

administração desses anticorpos pode<br />

resultar em febre, urticárias e, em uma<br />

forma extrema, pode redundar em comprometimento<br />

renal, devido a uma deposição<br />

glomerular de imuno-complexos.<br />

Esse efeito é bem conhecido, pois<br />

também representa um entrave à utilização<br />

repetitiva de soro contra peçonhas,<br />

como o anti-ofídico. O soro imune<br />

pode ser utilizado com segurança<br />

no primeiro acidente, mas pode provocar<br />

febre e outras seqüelas mais profundas<br />

a partir da segunda utilização.<br />

Essa resposta do indivíduo contra a<br />

administração de proteína heteróloga<br />

acaba por limitar o uso desses medicamentos<br />

e vem impedindo a sua popularização<br />

na terapia.<br />

A melhor maneira de ampliar a<br />

utilização dos anticorpos monoclonais<br />

na clínica médica é fazer uso de anticorpos<br />

humanos em substituição aos<br />

derivados de roedores. Em princípio,<br />

anticorpos humanos não devem induzir<br />

resposta imune significativa por serem<br />

reconhecidos pelo sistema imune<br />

como uma proteína própria do organismo<br />

humano. O grande inconveniente é<br />

que a produção de anticorpos monoclonais<br />

a partir de células humanas é<br />

metologogicamente mais complexa que<br />

a produção a partir de roedores. Além<br />

de mais laboriosa, a imortalização de<br />

células humanas produtoras de imunoglobulinas,<br />

normalmente implica numa<br />

40 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


manipulação com vírus, o que dificulta<br />

e até inviabiliza a utilização do produto<br />

na clínica médica. Outro problema refere-se<br />

à baixa afinidade dos anticorpos<br />

gerados, além de as linhagens<br />

celulares produtoras serem muito instáveis<br />

geneticamente. Portanto, foi só a<br />

partir da década de 90, com o progresso<br />

da pesquisa em engenharia genética,<br />

que se tornou possível a síntese de<br />

anticorpos por meio de recombinação<br />

gênica in vitro. Isso permitiu a modificação<br />

proposital de suas características<br />

imunoquímicas. Através da manipulação<br />

dos genes codificadores para cada<br />

uma das cadeias do anticorpo, é possível<br />

alterar a estrutura e a função, e,<br />

inclusive, incluir um caráter humano<br />

no anticorpo murino. A última geração<br />

de fármacos inclui moléculas de anticorpos<br />

recombinantes 1 . Uma grande<br />

variedade de moléculas pode ser obtida<br />

por esse processo, que permite<br />

atender a diferentes funções. Fragmentos<br />

reduzidos, contendo apenas a porção<br />

da molécula responsável pelo reconhecimento<br />

ao antígeno, têm sido<br />

utilizados principalmente para o mapeamento<br />

de tumores ou para a desintoxicação<br />

de fármacos, quando se desejam<br />

moléculas menores, com um melhor<br />

desempenho farmacodinâmico.<br />

Esse procedimento permite ainda que<br />

anticorpos de interesse terapêutico, obtidos<br />

normalmente de camundongos,<br />

tornem-se menos imunogênicos em humanos.<br />

O processo consiste em manipulação<br />

genética para tornar a estrutura<br />

de aminoácidos mais próxima da estrutura<br />

encontrada em anticorpos humanos,<br />

reduzindo a possibilidade de reações<br />

adversas no paciente, ao mesmo<br />

tempo em que mantém a especificidade<br />

do anticorpo murino original 3 .<br />

A manipulação resolve outro grande<br />

problema com os anticorpos monoclonais<br />

murinos: a atividade efetora<br />

necessária à atividade biológica do<br />

anticorpo. Essa atividade efetora é exercida<br />

pela porção constante da molécula,<br />

e depende do seu isotipo, ou seja, do<br />

tipo de cadeia pesada que se associa à<br />

região ligante ao antígeno. Alguns anticorpos<br />

de camundongo exercem atividade<br />

efetora em humanos, mas, em<br />

muitos casos, a atividade pretendida<br />

depende de cadeias constantes humanas<br />

específicas (Fc), como a cadeia γ1,<br />

para induzir a lise da célula alvo, ou γ4,<br />

para bloquear ou reduzir uma resposta<br />

imune exacerbada ou alérgica 1 . Portanto,<br />

torna-se importante a possibilidade<br />

de redefinição da Fc de um anticorpo,<br />

a fim de torná-lo atraente para sua<br />

utilização clínica. Além disso, é possível<br />

alterar deliberadamente a atividade<br />

efetora como, por exemplo, pela alteração<br />

de resíduos no Fc responsáveis<br />

pela reciclagem (“turn-over”) da molécula.<br />

Essa mudança não natural permite<br />

que o anticorpo mutante tenha uma<br />

maior permanência no sangue aumentando<br />

a eficácia do tratamento.<br />

Tornando Humanos os<br />

Anticorpos de Camundongos<br />

Existem dois tipos básicos de modificações<br />

introduzidas em anticorpos<br />

recombinantes para que estes assumam<br />

um caráter humano. A primeira<br />

delas é a fusão gênica da porção Fv do<br />

anticorpo original (de camundongo) à<br />

porção constante de uma imunoglobulina<br />

humana, formando uma quimera<br />

(figura 2). Apesar da introdução de<br />

uma porção Fc humana, esse tipo de<br />

construção ainda mostra uma grande<br />

imunogenicidade devido à preservação<br />

da região Fv de camundongo. Para<br />

a construção de um anticorpo totalmente<br />

humanizado uma porção constante<br />

é fusionada a uma Fv desenhada<br />

de forma que sua seqüência seja a mais<br />

próxima possível de uma Fv de anticorpo<br />

humano. Nesse caso, as cadeias leve<br />

e pesada variáveis são redesenhadas<br />

baseando-se em regiões variáveis leve<br />

e pesada de imunoglobulina humana<br />

homóloga à imunoglobulina de camundongo.<br />

Uma Fv humanizada, com<br />

atividade preservada, é conseguida pelo<br />

transplante das CDR do anticorpo murino<br />

para o anticorpo humano (demais<br />

regiões da Fv e regiões constantes),<br />

obtendo-se assim uma molécula humanizada<br />

(figura 2) que preserva a capacidade<br />

de interação com o antígeno.<br />

Nessa abordagem, é possível obter um<br />

anticorpo bem próximo àquela “molécula<br />

invisível” ao sistema imune do<br />

paciente que o receberá. O limite desse<br />

processo é obter uma molécula o mais<br />

humana possível sem perder a sua<br />

atividade biológica original. Esse limite<br />

decorre do fato de que a manipulação<br />

dos resíduos de aminoácidos das CDR<br />

pode levar a uma desestabilização das<br />

alças de contato. Essas alças estão envolvidas<br />

em um grande número de<br />

interações intramoleculares que não<br />

necessariamente estarão preservadas<br />

quando da introdução de uma nova<br />

CDR. Detectar estas interações e sanálas<br />

no sentido de se obter uma afinidade<br />

pelo antígeno, a mais próxima possível<br />

daquela do anticorpo original, é o<br />

desafio desta metodologia 1,3,8 .<br />

Além da preocupação com a manutenção<br />

da afinidade original e com a<br />

eliminação da imunogenicidade da molécula<br />

em si, outro aspecto relevante é<br />

a otimização da produção do anticorpo<br />

humanizado. Os vetores utilizados para<br />

tal propósito servem para dirigir a síntese<br />

da cadeia protéica do anticorpo<br />

recombinante em um sistema heterólogo<br />

(bactérias, leveduras ou mesmo células<br />

de mamíferos). Esses vetores são<br />

normalmente plasmídios, contendo um<br />

cassete de expressão, compatíveis com<br />

o tipo celular utilizado como hospedeiro.<br />

Para vetores em células de mamíferos,<br />

o promotor imediato de Citomegalovirus<br />

é o mais popularmente utilizado<br />

9 . Esses vetores são montados contendo<br />

os genes que codificam as cadeias<br />

constantes leve e pesada humanas,<br />

flanqueadas por sítios de restrição que<br />

facilitam a introdução dos domínios<br />

variáveis recombinantes humanizados<br />

gerados. Esses vetores possibilitam também<br />

a manipulação da atividade efetora<br />

através da clonagem de cadeias constantes<br />

de isotipos específicos. A escolha<br />

do isotipo e manipulações pontuais<br />

para aumentar a meia vida desses produtos<br />

na circulação sangüínea são exemplos<br />

de modificações trabalhadas diretamente<br />

no vetor. Pela manipulação do<br />

vetor, o autor pode escolher a priori a<br />

função da molécula a ser sintetizada.<br />

Além da indicação de uma resposta<br />

efetora específica através da escolha do<br />

isotipo de cadeia pesada, durante esse<br />

processo é possível manipular a molécula<br />

de imunoglobulina para que essa<br />

se apresente na forma de fragmentos<br />

(Figura 1). A utilização de porções<br />

menores da molécula, normalmente<br />

Fab ou Fv (este último, em geral, na<br />

forma de scFv - de cadeia única, apresentando<br />

um peptídeo conector flexível<br />

unindo as cadeias variáveis leve e<br />

pesada) é a visada, quando se pretende<br />

que a molécula tenha alta penetrabilidade,<br />

como, por exemplo, na utilização<br />

para diagnósticos de marcadores<br />

tumorais. Esse tipo de mini-molécula<br />

apresenta maior capacidade de penetração;<br />

no entanto, tem meia vida reduzida<br />

no soro do paciente. Quando se<br />

busca um maior tempo de circulação<br />

na corrente sangüínea, a opção, normalmente,<br />

é fazer a molécula inteira e<br />

expressá-la em sistemas eucarióticos,<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 41


para que se consiga a montagem correta<br />

da estrutura tetramérica (com duas<br />

cadeias leves e duas cadeias pesadas)<br />

no retículo endoplasmático das células<br />

utilizadas para a expressão. Formas<br />

intermediárias, como o FvFc (Figura 2),<br />

entre o fragmento variável de cadeia<br />

única e o anticorpo inteiro, têm sido<br />

propostas mais recentemente 10 .<br />

A Experiência Brasileira<br />

No Brasil, o Instituto Butantan de<br />

São Paulo foi pioneiro na produção de<br />

anticorpos monoclonais com qualidade<br />

para utilização clínica. A utilização<br />

clínica desses anticorpos já é uma realidade<br />

no Brasil. No Centro de <strong>Bio</strong>tecnologia<br />

do Instituto Butantan os anticorpos<br />

murinos anti-CD3 e anti-CD18<br />

são produzidos pelo cultivo dos hibridomas<br />

em bioreatores de alta capacidade.<br />

As normas utilizadas para o processamento<br />

dos anticorpos permitem a<br />

obtenção de produtos com qualidade<br />

para uso injetável humano. O anticorpo<br />

anti-CD3 foi testado clinicamente,<br />

com êxito, na reversão da rejeição de<br />

transplante de rim, fígado e coração e<br />

vem sendo utilizado regularmente pelo<br />

Instituto do Coração - INCOR . Esse<br />

anticorpo já vem sendo distribuído pelo<br />

Instituto Butantan e compete hoje com<br />

o produto Orthoclone®, um anti-CD3<br />

produzido pela Ortho <strong>Bio</strong>tech. O anticorpo<br />

anti-CD18 está ainda em fase de<br />

testes clínicos, e tem uso potencial em<br />

transplante de órgãos, meningite bacteriana<br />

11 , choque séptico 12 e na recuperação<br />

de pacientes infartados.<br />

O transplante de órgãos representa<br />

uma solução clínica para uma série de<br />

doenças e diversos órgãos podem ser<br />

aproveitados para transplante. Esse<br />

procedimento, apesar de eficiente, apresenta<br />

dois problemas básicos que são a<br />

falta de doadores e a incompatibilidade<br />

entre doador e receptor. O primeiro<br />

problema deve ser reduzido com a<br />

nova lei brasileira de doação presumida<br />

de órgãos. O segundo problema<br />

depende, cada vez mais, de novos<br />

fármacos que consigam modular a resposta<br />

imune, de modo que torne o<br />

paciente tolerante ao órgão transplantado.<br />

Atualmente o tratamento é feito<br />

continuamente com corticóides e, de<br />

uma forma intermitente, com imunoglubinas<br />

policlonais anti-timócito (ATG)<br />

ou monoclonais anti-CD3. Ambas as<br />

preparações resultam em uma depleção<br />

acentuada das células T e, conseqüentemente,<br />

da resposta imune celular<br />

adversa ao enxerto. As duas preparações<br />

de anticorpos utilizadas são heterólogas<br />

e, portanto, não podem ser<br />

utilizadas de uma forma rotineira devido<br />

à perda de atividade da droga e à<br />

hipersensibilidade causada pela sua<br />

administração contínua. Ambos os efeitos<br />

são originados de uma resposta<br />

imune ao fármaco, que é visto pelo<br />

organismo como proteína estranha contra<br />

o qual são gerados anticorpos. Com<br />

o tempo esses anticorpos gerados pelo<br />

paciente acabam por diminuir o efeito<br />

do imunosupressor.<br />

Além do anti-CD3, primeiro anticorpo<br />

monoclonal introduzido na clínica<br />

médica, anticorpos alternativos contra<br />

outros marcadores celulares são<br />

também propostos como imunosupressores,<br />

entre eles o anti-CD18 e o anti-<br />

CD4. Diferentemente do marcador CD3,<br />

o CD18 é parte de um complexo protéico<br />

de adesão (LFA1) envolvido em<br />

processos de migração e infiltração<br />

linfocitária. Anticorpos anti-CD18 não<br />

necessariamente precisam depletar os<br />

linfócitos para atuar, sendo capazes de<br />

inibir processos inflamatórios em geral,<br />

processo este caracterizado por uma<br />

arregimentação de linfócitos T, que<br />

deixam a corrente sanguínea e migram<br />

através do endotélio vascular para o<br />

local do processo inflamatório. Anticorpos<br />

anti-CD18 foram testados com<br />

sucesso na inibição de diversos tipos<br />

de processos inflamatórios 13 . Ao contrário<br />

do anticorpo anti-CD3, que já tem<br />

um papel de destaque como adjuvante<br />

no tratamento de transplantados, o anticorpo<br />

anti-CD18 ainda se encontra<br />

em fase de testes clínicos. Suas aplicações<br />

são bastante amplas e incluem a<br />

redução do processo inflamatório em<br />

doenças infecciosas como a meningite.<br />

Nesse caso, a administração do anticorpo<br />

monoclonal resulta na prevenção<br />

das seqüelas neurológicas criada pelo<br />

grande afluxo de leucócitos que atravessam<br />

a membrana hemato-encefálica,<br />

que causam a resposta inflamatória,<br />

grande responsável pelos graves sintomas<br />

e mortandade da doença.<br />

Em 1997, o grupo de Imunologia<br />

Molecular da UnB 14 juntou-se ao Instituto<br />

Butantan e ao INCOR para desenvolver<br />

produtos humanizados para a<br />

Figura 4 - Reconhecimento de linfócitos humanos por fragmentos de<br />

anticorpos humanizados. O anticorpo humanizado contra o marcador<br />

de superfície de linfócitos, CD18, foi utilizado para corar linfócitos humanos<br />

fixados em lamina de microscópio e visualizado com anticorpo anti-Fc<br />

humana conjugado a fluoresceína. A imunofluorescência foi observada em<br />

microscópio de fluorescência (Ruggierro et al., em preparação). À direita<br />

os linfócitos foram corados com anticorpo anti-CD18 e à esquerda com<br />

um anticorpo irrelevante<br />

substituição dos anticorpos produzidos<br />

no I. Butantan. Na época, a idéia era<br />

criar competência nessa nova tecnologia<br />

e, ao mesmo tempo, tentar sanar<br />

problemas pontuais, que já estavam<br />

sendo alvo de pesquisa clínica no Brasil.<br />

Nesse intuito, foi montado um esquema<br />

de produção, onde se trabalha<br />

independentemente a porção variável<br />

e a cadeia constante do anticorpo. Por<br />

um lado, trabalhou-se em vetores para<br />

a produção dos anticorpos recombinantes<br />

que já continham a cadeia constante.<br />

Inicialmente foi escolhido o isotipo<br />

IgG1 humano, isotipo que tem<br />

características de fixação de complemento<br />

e arregimentação do sistema<br />

efetor (macrófagos e linfócitos T). Os<br />

vetores, plasmídios contendo um cas-<br />

42 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


sete de expressão heteróloga prevêem<br />

a fusão gênica da Fv diretamente à<br />

região constante γ1, para a cadeia pesada,<br />

e κ, para a cadeia leve. Os vetores<br />

estão sendo construídos para permitir a<br />

produção de anticorpos recombinantes<br />

completos e fragmentos de anticorpos<br />

que preservem a sua capacidade<br />

ligante. Estão sendo testados dois hospedeiros<br />

para a expressão heteróloga:<br />

a levedura metilotrófica Pichia pastoris,<br />

que vem sendo utilizada com sucesso<br />

para a expressão, em grande escala,<br />

de proteínas animais; e células de mamífero<br />

em cultura, que é uma tecnologia<br />

já dominada no Brasil e que permite<br />

uma grande produtividade, principalmente<br />

para moléculas grandes, como o<br />

caso do anticorpo completo (4 cadeias),<br />

que tem massa molecular de cerca<br />

de 150 kDa.<br />

Para o desenvolvimento da Fv, foi<br />

criado um protocolo diferente daquele<br />

utilizado por outros grupos no exterior<br />

(figura 3), onde se enfatiza a comparação<br />

entre os genes variáveis murinos<br />

(genes que codificam a Fv e que são<br />

selecionados durante a resposta a um<br />

dado antígeno) utilizados no anticorpo<br />

original, com uma biblioteca de genes<br />

variáveis germinais humanos (genes<br />

que não sofreram rearranjo, nem hipermutação).<br />

A utilização de genes variáveis<br />

(V genes) germinais (germline)<br />

tem sido proposta na literatura como<br />

uma alternativa à estratégia “best-fit”,<br />

onde o gene variável humano escolhido<br />

é aquele que possui a maior identidade<br />

com o gene murino, independente<br />

do nível de mutação acumulado em<br />

sua região codante. Thomlison e colaboradores<br />

15,16 definiram uma biblioteca<br />

de seqüências germinais de VH (cadeia<br />

variável pesada) e VL (cadeia variável<br />

leve), e vários autores vêm testando<br />

essa estratégia. No nosso laboratório,<br />

estamos desenvolvendo uma estratégia<br />

própria, que maximiza o conteúdo de<br />

resíduos humanos nas seqüências propostas.<br />

Nessa abordagem, procura-se a<br />

seqüência germinal mais próxima e<br />

inserem-se as seqüências correspondentes<br />

às CDR 1, 2 e 3 de ambas as<br />

cadeias. Através de modelagem molecular<br />

são acompanhados e revistos os<br />

possíveis impedimentos estruturais. Em<br />

um trabalho desenvolvido em nosso<br />

grupo 17, mostramos que é possível saturar<br />

a região variável pesada com resíduos<br />

humanos e manter atividade ligante<br />

compatível à do anticorpo original.<br />

Atualmente já se encontra disponível<br />

uma versão totalmente humanizada do<br />

anticorpo anti-CD18. Esse anticorpo,<br />

produzido em cultura de células animais,<br />

reconhece o antígeno especificamente<br />

e com as mesmas características<br />

de seletividade e afinidade que o anticorpo<br />

original obtido de hibridomas<br />

(Figura 4).<br />

Conclusão<br />

A utilização de fármacos à base de<br />

anticorpos recombinantes vem-se tornando<br />

uma realidade. O mercado mundial<br />

para anticorpos terapêuticos é de<br />

cerca de US$ 500 milhões. Os produtos<br />

humanizados também já ganham volume<br />

no mercado. Nos EUA vários anticorpos<br />

humanizados já foram liberados<br />

pelo FDA (Food and Drug Administration)<br />

ou outros organizações equivalentes<br />

de outros países (5 quiméricos e<br />

3 humanizados) e um grande número<br />

se encontra em fase de testes clínicos (<br />

a grande maioria humanizados) 2 . Nos<br />

próximos dez anos, o mercado deverá<br />

ser invadido por essas imunoglobulinas<br />

de última geração. A perspectiva é<br />

de que a tecnologia de anticorpos recombinantes<br />

venha a fornecer insumos<br />

para diversas áreas da medicina, desde<br />

agentes imunomoduladores até vacinas<br />

recombinantes. Essa tecnologia tem<br />

sido utilizada, inclusive, com vistas ao<br />

tratamento de doenças como o câncer,<br />

a AIDS, e na prevenção de infecções<br />

bacterianas 18 . A manipulação de anticorpos<br />

já utilizados atualmente na medicina,<br />

em sua forma murina, que vem<br />

sendo realizada por grupos nacionais,<br />

permitirá a formação de competência<br />

necessária para o domínio dessa tecnologia<br />

no país, a partir das experiências<br />

bem sucedidas; outros anticorpos de<br />

interesse clínico deverão surgir como<br />

candidatos à humanização.<br />

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<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 43


Pesquisa<br />

CIANOBACTÉRIAS<br />

TÓXICAS<br />

O uso de marcadores moleculares para avaliar a diversidade genética<br />

Maria do Carmo Bittencourt-Oliveira<br />

Profa. Dra. do Dep. Ciências <strong>Bio</strong>lógicas da UNESP,<br />

campus de Assis,SP.<br />

mbitt@assis.unesp.br<br />

Mariana Cabral de Oliveira<br />

Profa. Dra. do Dep. Botânica da USP, SP.<br />

mcoliveira@usp.br<br />

João Sarkis Yunes<br />

Prof. Dr. da Unidade de Pesquisas em Cianobactérias,<br />

FURG, RS.<br />

dqmsarks@super.furg.br<br />

Fotos cedidas pelos autores<br />

Em determinadas condições ambientais,<br />

tais como temperaturas médias<br />

diárias acima de 25 o C, concentrações de<br />

nutrientes numa razão N:P<br />

(nitrogênio:fósforo) entre 20:1 e 10:1 e<br />

pH acima de 7.5, algumas populações<br />

de cianobactérias apresentam um intenso<br />

crescimento, conhecido como florações<br />

(Figura 1), as quais podem ser<br />

fenômenos naturais regionais de ocorrência<br />

sazonal, mas que, na maior parte<br />

das vezes, estão relacionadas à eutrofização<br />

artificial causada por excesso de<br />

nutrientes vindos de efluentes domésticos<br />

e rejeitos industriais.<br />

As florações de cianobactérias podem<br />

causar gosto e odor desagradável<br />

na água, além de alterar o equilíbrio<br />

ecológico do ecossistema aquático. No<br />

entanto, o mais grave é que certas<br />

espécies são capazes de produzir toxinas<br />

que podem ser acumuladas na rede<br />

trófica e produzir diferentes sintomas de<br />

intoxicação, atingindo conjuntos de organismos<br />

muito além da comunidade<br />

aquática.<br />

Entre as cianobactérias que podem<br />

causar florações em corpos de água<br />

continentais, destacam-se aquelas que<br />

produzem as cianotoxinas (Figura 2). As<br />

cianotoxinas são liberadas para o ambiente<br />

quando as células se rompem.<br />

Essas toxinas não são retiradas da água<br />

pelos tratamentos convencionais das<br />

redes públicas de abastecimento e são<br />

resistentes à fervura. As cianotoxinas<br />

produzem efeitos especiais nos mamíferos,<br />

sendo classificadas como neurotoxinas<br />

e hepatotoxinas. Foram as hepatoxinas<br />

que ocasionaram a morte de mais<br />

de 60 pacientes em uma clínica de<br />

hemodiálise em Caruaru, estado de Pernambuco,<br />

em 1996 (Jochimsen et al.<br />

1998).<br />

Monitoramento da água<br />

Figura 1. Florações de<br />

cianobactérias potencialmente tóxicas.<br />

A. reservatório destinado ao<br />

abastecimento público, estado de<br />

Pernambuco; B. tanque de piscicultura,<br />

estado de São Paulo<br />

A Fundação Nacional da Saúde (FU-<br />

NASA), em colaboração com a Organização<br />

Panamericana da Saúde (OPAS),<br />

redigiu uma atualização da portaria 36/<br />

MS/90, que definiu as normas e os<br />

padrões de potabilidade da água para<br />

consumo humano no Brasil, incluindo a<br />

obrigatoriedade do monitoramento da<br />

ocorrência de cianobactérias potencialmente<br />

nocivas, testes de toxicidade e<br />

análises de algumas cianotoxinas (microcistina,<br />

cilindrospermopsina, saxitoxina)<br />

tanto na água bruta do manancial<br />

utilizado para a captação de água, como<br />

na água tratada para consumo doméstico<br />

(Portaria MS/1.469, de 29 de dezembro<br />

de 2000).<br />

O monitoramento dos mananciais e<br />

reservatórios de água pode incluir a<br />

identificação das espécies potencialmente<br />

tóxicas e o acompanhamento de sua<br />

densidade, através de contagem. No<br />

entanto, a identificação desses microrganismos<br />

baseada em características<br />

morfológicas, apesar de amplamente<br />

utilizada e recomendada (Chorus &<br />

Bartram 1999), tem-se mostrado inadequada,<br />

devido à extensa plasticidade<br />

fenotípica de algumas espécies (Figura<br />

3) (Otsuka et al. 2000; Bittencourt-Oliveira<br />

2000). Além disso, o uso de características<br />

morfológicas é inadequado,<br />

visto que a toxicidade é uma característica<br />

intra-populacional (Bittencourt-Oliveira<br />

& Yunes 2001). Por isso, outras<br />

técnicas também podem ser empregadas,<br />

e são recomendadas como padrões:<br />

bioensaios com camundongos,<br />

detecção de toxinas através de Cromatografia<br />

Líquida de Alta Performance<br />

(HPLC) ou análises imunoenzimáticas<br />

específicas. Porém nenhuma destas análises<br />

são preditivas, ou seja, elas só são<br />

efetuadas quando a floração tóxica já se<br />

estabeleceu.<br />

A predição desses fenômenos, porém,<br />

torna-se extremamente importante,<br />

tendo em vista o aumento da ocorrência<br />

de florações tóxicas em grandes<br />

sistemas de abastecimento de água e o<br />

alto custo da tecnologia atual para remover<br />

as toxinas quando implementada<br />

na rotina do monitoramento. Portanto,<br />

uma das alternativas seria buscar marcadores<br />

moleculares que identificassem a<br />

presença de cepas de cianobactérias<br />

potencialmente tóxicas antes da ocorrência<br />

da floração.<br />

Diversidade genética de<br />

Microcystis aeruginosa<br />

Para entender a dinâmica das florações<br />

de cianobactérias em ecossistemas<br />

eutrofizados, é importante entender sua<br />

diversidade genética a fim de monitorar<br />

essas populações. Microcystis aeruginosa<br />

é uma das espécies potencialmente<br />

tóxicas capazes de produzir a microcistina<br />

e uma das responsáveis por grande<br />

parte dos relatos de intoxicação<br />

(CETESB 1997).<br />

44 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Tabela 1. Cepas clonais de Microcystis estudadas indicando a presença do marcador molecular (+) para o gene que codifica<br />

para microcistina sintetase e a constatação da toxicidade através da análise de imunoensaio. Cepas pertencentes ao mesmo<br />

local e data foram isoladas a partir da mesma população coletada em um único ponto do corpo d´água.<br />

LG-SP: Lagoa das Garças, Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, São Paulo, SP; CT-SP: Reservatório do Sistema Cantareira,<br />

Mairiporã, SP; LJ-RJ: Lagoa de Jacarepaguá, Rio de Janeiro, RJ; TB-PE: Reservatório de Tabocas, São Lourenço da Mata, PE;<br />

TP: Reservatório de Tapacurá, Vitória de Santo Antão, PE; LS-MG: Lagoa Santa, MG; BB-SP: Reservatório de Barra Bonita, Barra<br />

Bonita, SP; TM: Reservatório de Três Marias, BA.<br />

FCLA: Coleção de Microrganismos da Faculdade de Ciências e Letras de Assis-UNESP. NPPN: Coleção do Núcleo de Pesquisa<br />

em Produtos Naturais-UFRJ.<br />

NA: não analisada.<br />

Cepa Espécie Localidade Data de Coleta Marcador Toxicidade<br />

Molecular<br />

FCLA30 M. aeruginosa LG-SP Nov.96 - Não tóxica<br />

FCLA158 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Não tóxica<br />

FCLA175 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Não tóxica<br />

FCLA174 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Tóxica<br />

FCLA199 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Não tóxica<br />

FCLA03 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Não tóxica<br />

FCLA154 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 - Não tóxica<br />

FCLA155 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 + Tóxica<br />

FCLA255 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 + Tóxica<br />

FCLA258 M. aeruginosa LG-SP Dez.96 + Tóxica<br />

FCLA299 M. aeruginosa LG-SP Fev. 97 + Tóxica<br />

FCLA236 M. aeruginosa LG-SP Mar.97 + Tóxica<br />

FCLA232 M. aeruginosa LG-SP Mar.97 + NA<br />

FCLA262 M. aeruginosa LG-SP Mar.97 + Tóxica<br />

FCLA235 M. aeruginosa LG-SP Abr.97 + Tóxica<br />

FCLA310 M. aeruginosa LG-SP Abr.97 - Não tóxica<br />

FCLA298 M. aeruginosa LG-SP Mai.97 + Tóxica<br />

FCLA450 M. aeruginosa LG-SP Jul.97 - Tóxica<br />

NPPN-JB1 M. aeruginosa LG-SP 1990 + Tóxica<br />

FCLA225 M. aeruginosa CT-SP Març.97 + NA<br />

FCLA296 M. aeruginosa CT-SP Març.97 - Não tóxica<br />

FCLA16 M. cf. “panniformis” BB-SP Nov.99 - Tóxica<br />

FCLA 97 M. cf. “panniformis” BB-SP Abr.00 - NA<br />

FCLA 98 M. cf. “panniformis” BB-SP Abr.00 - NA<br />

FCLA 99 M. cf. “panniformis” BB-SP Abr.00 - NA<br />

FCLA 100 M. cf. “panniformis” BB-SP Abr.00 + NA<br />

NPPN-LJ4 M. aeruginosa LJ-RJ 1995 + Tóxica<br />

NPPN-LJ47 M. aeruginosa LJ-RJ 1996 + Tóxica<br />

NPPN-LS1 Microcystis sp. LS-MG 1993 + NA<br />

FCLA07 Microcystis sp. TB-PE 1997 - Não tóxica<br />

FCLA17 Microcystis sp. TP-PE Set.99 - Não tóxica<br />

FCLA08 Microcystis sp. TB-PE Fev.99 - Não tóxica<br />

FCLA18 Microcystis sp. TM-AL ____ + Tóxica<br />

Bittencourt-Oliveira et al. (2001)<br />

analisaram 15 linhagens clonais e não<br />

axênicas da cianobactéria M. aeruginosa,<br />

coletadas em diversas localidades e<br />

em diferentes datas (amostras coletadas<br />

por C. Sant´Anna, C. Bicudo e D. Bicudo).<br />

Para isso, utilizaram como marcador<br />

molecular um fragmento de cerca<br />

de 580 pares de bases do operon da<br />

ficocianina (cpcBA), que se mostrou<br />

adequado em estudos comparativos utilizando<br />

espécies e populações. O cpc-<br />

BA é específico de cianobactérias; dessa<br />

forma, é possível utilizar culturas contaminadas<br />

com outras bactérias não-fotossintetizantes,<br />

fungos, microalgas verdes<br />

ou qualquer outro microrganismo,<br />

desde que não possua esse pigmento, e<br />

até mesmo em amostras coletadas diretamente<br />

da natureza.<br />

Constatou-se que as seqüências de<br />

DNA do cpcBA nas populações brasileiras<br />

de M. aeruginosa são mais diversificadas<br />

do que aquelas disponíveis em<br />

bancos de dados. A diversidade de<br />

populações brasileiras de Microcystis<br />

também foi confirmada com outras 18<br />

cepas utilizando RFLP-PCR (Figura 4)<br />

(Cunha 2000).<br />

Em uma pequena lagoa ornamental<br />

no município de São Paulo, estado de<br />

São Paulo, foram detectados 6 genótipos<br />

distintos (Figura 5), em coletas<br />

realizadas mensalmente em um único<br />

ponto amostrado (Bittencourt-Oliveira<br />

et al. 2000). Essas alterações nos genótipos<br />

podem ocorrer sem alteração correspondente<br />

dos fenótipos predominantes.<br />

Da mesma forma, fenótipos diferen-<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 45


tes, ou seja, de distintas morfologias<br />

de colônias, podem<br />

ter genótipos semelhantes<br />

(Figura 3).<br />

Marcadores moleculares<br />

para microcistina<br />

Nos procariotos e em<br />

algumas linhagens de eucariotos<br />

primitivos, pequenos<br />

polipeptídeos de origem<br />

não-ribossomal podem ser<br />

sintetizados por enzimas denominadas<br />

peptídeos sintetases.<br />

A maioria dos genes<br />

de peptídeos sintetases tem<br />

uma estrutura modular, onde<br />

cada módulo codifica uma<br />

sintetase específica. A inativação<br />

de um gene de peptídio<br />

sintetase (mcyB) de uma<br />

cepa hepatotóxica resultou<br />

na perda da produção de<br />

microcistina, demonstrando<br />

que o gene mcyB codifica<br />

para a microcistina sintetase<br />

(Dittmann et al. 1997). Dessa<br />

forma, a diferença básica<br />

entre as populações tóxicas<br />

e não-tóxicas de Microcystis<br />

estaria na presença de um<br />

ou mais genes que codificam<br />

para a microcistina sintetase<br />

(Nishizawa et al 1999,<br />

2000). Sendo assim, as linhagens<br />

tóxicas poderiam<br />

ser localizadas através de<br />

marcadores moleculares<br />

para genes que codificam<br />

para essas enzimas.<br />

Iniciou-se, então, um estudo<br />

abordando a possibilidade<br />

de utilização de marcadores<br />

moleculares para cianobactérias<br />

tóxicas ou potencialmente<br />

tóxicas, objetivando a detecção<br />

de linhagens cultivadas e de<br />

populações naturais capazes de expressar<br />

a microcistina, independentemente<br />

de sua categoria taxonômica e da produção<br />

dessa toxina no momento da<br />

Figura 2. Cianobactérias potencialmente tóxicas. A.<br />

Microcystis aeruginosa; B. Planktothrix agardii; C.<br />

Cylindrospermopsis raciborskii (tricoma espiralado). D.<br />

Anabaena circinalis<br />

Figura 3. Colônias de Microcystis aeruginosa mantidas<br />

sob cultivo e isoladas de uma mesma população. A identificação<br />

tradicional de cianobactérias baseia-se em características<br />

morfológicas, como a forma da colônia, diâmetro<br />

celular, espessura da mucilagem, etc. Através da<br />

morfologia, essas duas colônias (A e B) seriam<br />

identificadas como duas espécies distintas. O<br />

seqüenciamento de DNA utilizando o operon cpcBA-IGS<br />

e regiões adjacentes indica que essas duas cepas pertencem<br />

à mesma espécie<br />

análise. Tais esforços também foram<br />

iniciados em outros centros de pesquisa<br />

no exterior (Del Campo et al. 2001,<br />

Rouhiainen et al. 2001, Song et al. 2001).<br />

Linhagens pertencentes ao gênero<br />

Microcystis pertencentes à Coleção de<br />

Microrganismos da Faculdade<br />

de Ciências e Letras de Assis<br />

(FCLA), da Universidade Estadual<br />

Paulista (UNESP) estão<br />

sendo analisadas em relação à<br />

produção de microcistina, utilizando<br />

o método imunoenzimático,<br />

com o kit EnviroLogix,<br />

correlacionadas com a presença<br />

ou a ausência do gene<br />

que codifica para a microcistina<br />

sintetase, o mcyB.<br />

Utilizando-se a técnica de<br />

PCR (Polymerase Chain Reaction)<br />

com DNA iniciadores<br />

(“primers”) específicos para o<br />

gene que codifica para a microcistina<br />

sintetase, observouse<br />

que, em cepas que apresentaram<br />

diferentes níveis de<br />

concentração de microcistina<br />

(µg de toxina/mg de células),<br />

também foi detectada a presença<br />

de único produto amplificado<br />

com, aproximadamente,<br />

780bp (Figura 6), indicando<br />

a presença do gene<br />

para produção de microcistina<br />

(Tabela 1).<br />

Isolados de uma mesma<br />

população apresentaram genótipos<br />

distintos em relação à<br />

presença ou não do gene que<br />

codifica para a microcistina<br />

sintetase. Isso confirma nossa<br />

hipótese de que a população<br />

é formada por um mosaico de<br />

genótipos e a toxicidade é<br />

uma característica intra-populacional.<br />

A composição desse mosaico,<br />

com indivíduos geneticamente<br />

diferentes dentro da<br />

mesma população, cada qual<br />

possivelmente com sua tolerância<br />

a fatores ambientais e<br />

potencialidade diferenciada de toxicidade,<br />

poderia explicar as alterações de<br />

microcistinas em florações já investigadas<br />

(Bittencourt-Oliveira & Yunes 2001)<br />

e a não correlação entre conteúdo de<br />

microcistina e número de células (Kotak<br />

Figura 4. Perfil eletroforético em gel de agarose mostrando 6<br />

genótipos de Microcystis aeruginosa (1-11 e 14-18) coletadas nos<br />

estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Pernambuco<br />

e 1 genótipo de Microcystis wesenbergii. Genótipo A corresponde<br />

às canaletas: 1, 3, 7, 10, 11. Genótipo B: 2. Genótipo C: 4, 5, 8,<br />

14. Genótipo D: 6, 9, 15. Genótipo E: 17. Genótipo F: 18. O fragmento,<br />

correspondente a um trecho do cpcBA foi digerido com a<br />

enzima de restrição MspI. M: marcador molecular (Gibco BRL).<br />

Microcystis wesenbergii (12 e 13)<br />

46 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Figura 5. Ocorrência (quadros<br />

negros) de seis genótipos distintos<br />

(G1 a G6) de Microcystis<br />

aeruginosa em uma lagoa eutrófica<br />

do Parque Estadual das Fontes do<br />

Ipiranga, no município de São Paulo-SP,<br />

constatados através do<br />

seqüenciamento do cpcBA-IGS. As<br />

coletas foram realizadas em um<br />

único ponto do corpo d´água. Várias<br />

cepas foram isoladas de uma<br />

mesma amostra<br />

et al 1995).<br />

Nem sempre houve correspondência<br />

entre as técnicas de imunoensaio e a<br />

de marcadores moleculares para a microcistina<br />

sintetase (Tabela 1), indicando<br />

que outros genes poderiam estar<br />

envolvidos na produção de microcistina.<br />

Em vista da potencialidade dos recursos<br />

genéticos associados à diversidade<br />

biológica das cianobactérias no Brasil,<br />

faz-se necessário ampliar o estudo<br />

da variabilidade genética, bem como<br />

zelar pela sua conservação, através da<br />

implantação de bancos de germoplasmas<br />

de cianobactérias. Essas coleções<br />

de germoplasma permitirão assegurar a<br />

procura e conservação de novos genes<br />

de interesse biotecnológico, como aqueles<br />

associados à síntese de substâncias<br />

bioativas, tais como as cianotoxinas.<br />

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Development of Microcystis aeruginosa<br />

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de genótipos de Microcystis aeruginosa<br />

(Cyanobacteria/Cyanophyta)<br />

em um reservatório eutrófico.<br />

Resumos do Seminário Internacional<br />

do Instituto Internacional de<br />

Figura 6. Identificação do marcador<br />

molecular mcyB em cepas de<br />

Microcystis aeruginosa. M: Marcador<br />

molecular (Gibco BRL). 1, 3 e 5:<br />

Cepa tóxica (FCLA236) mostrando o<br />

produto amplificado, correspondente<br />

ao mcyB (setas), utilizando, respectivamente,<br />

100, 20 e 200ng de DNA. 2<br />

e 4: Cepa não tóxica (FCLA30)<br />

Ecologia, São Carlos, SP, Brasil, p.<br />

46.<br />

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of Microcystis aeruginosa complex<br />

(Cyanophyceae/Cyanobacteria)<br />

using the nucleotide sequence analysis<br />

of the intergenic spacer and<br />

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operon. J. Phycol. 37(5): (in<br />

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Fifth International Conference On<br />

Toxic Cyanobacteria, Abstract Book,<br />

Noosa, Queensland, Australia, Julho<br />

2001.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 47


Pesquisa<br />

PEPTÍDEOS<br />

ANTIBIÓTICOS<br />

Peptídeos antibióticos produzidos por aracnídeos<br />

Sirlei Daffre<br />

Doutora em <strong>Bio</strong>química<br />

Professora Assistente Doutora do Departamento<br />

de Parasitologia, ICB, USP<br />

sidaffre@icb.usp.br<br />

Antônio Miranda<br />

Doutor em Ciências<br />

Professor Adjunto do Departamento de<br />

<strong>Bio</strong>física, UNIFESP<br />

miranda.biof@epm.br<br />

M. Teresa M. Miranda<br />

Doutora em <strong>Bio</strong>química<br />

Professora Livre-Docente do Departamento de<br />

<strong>Bio</strong>química, IQ, USP<br />

mtmirand@iq.usp.br<br />

Philippe Bulet<br />

Doutor em <strong>Bio</strong>logia e Fisiologia<br />

Diretor de Pesquisa do Intitut <strong>Bio</strong>logie<br />

Moleculaire et Cellulaire, Centre National de<br />

la Recherche Scientifique (CNRS),<br />

Estrasburgo, França<br />

P.Bulet@ibmc.u-strasbg.fr<br />

Pedro I. da Silva Jr.<br />

Doutor em Ciências<br />

Pesquisador do Instituto Butantan<br />

pisjr@usp.br<br />

Alessandra Machado<br />

Doutora em Química Orgânica<br />

Pós-Doutora do Departamento de <strong>Bio</strong>química,<br />

IQ, USP<br />

Amachado@iq.usp.br<br />

Andréa C. Fogaça<br />

Doutoranda em <strong>Bio</strong>logia da Relação<br />

Patógeno-Hospedeiro, ICB, USP<br />

deafog@usp.br<br />

Daniel M. Lorenzini<br />

Doutorando em <strong>Bio</strong>logia da Relação<br />

Patógeno-Hospedeiro, ICB, USP<br />

dloren@usp.br<br />

Lourivaldo S. Pereira<br />

Doutorando em <strong>Bio</strong>logia da Relação<br />

Patógeno-Hospedeiro, ICB, USP<br />

lourival@usp.br<br />

Marcos A. Fázio<br />

Doutorando em <strong>Bio</strong>logia Molecular, UNIFESP<br />

fazio.biof@infar.epm.br<br />

Eliane Esteves<br />

Mestranda em <strong>Bio</strong>logia da Relação Patógeno-<br />

Hospedeiro, ICB, USP<br />

eli_esteves@hotmail.com<br />

s doenças infecciosas estão<br />

entre as principais causas de<br />

morte da população humana.<br />

Esse fato é devido, em<br />

grande parte, ao surgimento de microorganismos<br />

multi-resistentes aos antibióticos.<br />

Portanto, apesar da disponibilidade<br />

de um grande número de antibióticos<br />

de última geração, torna-se ainda<br />

fundamental buscar compostos que<br />

possam atuar como novas drogas a<br />

serem utilizadas no combate as doenças<br />

infecciosas (Lohner & Staudegger,<br />

2001).<br />

O surgimento do grande número<br />

atual de cepas bacterianas resistentes<br />

pode ter várias origens, sendo uma<br />

delas decorrente do próprio tipo de<br />

vida do ser humano. O principal fator é,<br />

sem dúvida, o consumo excessivo e<br />

inapropriado dos antibióticos por homens,<br />

outros animais e na agricultura.<br />

A prescrição do antibiótico é geralmente<br />

empírica e sem a identificação prévia<br />

do agente patogênico através de exames<br />

laboratoriais. Além disso, a sua<br />

venda sem exigência de uma prescrição<br />

médica em alguns países, associada<br />

ao suprimento irregular desse medicamento,,<br />

à baixa qualidade da medicação<br />

e ao seu mal uso pelos pacientes<br />

(que muitas vezes não completam o<br />

tratamento), contribuem para a seleção<br />

de novos microorganismos multiresistentes.<br />

Associada a isso, uma grande<br />

quantidade de agentes antimicrobianos<br />

vem sendo usado na agropecuária<br />

para promover o crescimento de plantas<br />

e animais, o que ocasiona um aumento<br />

da resistência de microorganismos<br />

que são transmitidos para o homem.<br />

Ao mesmo tempo, o aumento da<br />

migração da população e o transporte<br />

de animais ou de produtos de origem<br />

animal trazem doenças para áreas onde<br />

nunca haviam se instalado, resultando<br />

no espalhamento de microorganismos<br />

resistentes aos antibióticos. Mudanças<br />

Marcelo R. Burgierman<br />

Mestrando em <strong>Bio</strong>logia da Relação Patógeno-<br />

Hospedeiro, ICB, USP<br />

marusso@zipmail.com.br<br />

Fotos cedidas pelos autores<br />

Figura 1. Possíveis mecanismos de ação dos peptídeos antimicrobianos<br />

(Lohner, 2001)<br />

48 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


ambientais, tais como desmatamento<br />

e alterações climáticas<br />

também proporcionam contato<br />

mais íntimo dos homens com<br />

animais e insetos que transmitem<br />

doenças muitas vezes desconhecidas<br />

(Lohner & Staudegger,<br />

2001).<br />

Assim sendo, várias medidas<br />

sócio-político-econômicas deveriam<br />

ser tomadas para a contenção<br />

do desenvolvimento e de<br />

transmissão de resistência antimicrobiana.<br />

Redução do uso inapropriado<br />

e excessivo dos antibióticos<br />

no tratamento de doenças<br />

em geral, tanto humanas<br />

quanto de animais domésticos e<br />

da própria agricultura, poderia<br />

ser uma dessas medidas. Paralelamente,<br />

para que se consiga um<br />

efetivo controle das doenças infecciosas,<br />

tornou-se vital investir<br />

em pesquisa e em pesquisadores<br />

que possam se dedicar à<br />

busca de substâncias naturais ou<br />

sintéticas que exibam atividades antimicrobianas<br />

específicas e, acima de<br />

tudo, que as exerçam através de mecanismos<br />

de ação alternativos daqueles<br />

dos antibióticos disponíveis.<br />

Nesse contexto, a pesquisa, a purificação,<br />

e a caracterização química,<br />

biológica e estrutural de novas substâncias<br />

antimicrobianas provenientes da<br />

fauna e da flora brasileira são valiosas,<br />

uma vez que a própria evolução tratou<br />

de selecionar um vastíssimo espectro<br />

de substâncias eficientes que defendem<br />

contra infecções.<br />

Diariamente, nós humanos estamos<br />

expostos a muitos patógenos em potencial<br />

através da ingestão, inalação e<br />

contato com superfícies infectadas.<br />

Como a resposta humoral e celular<br />

adaptativa requer a expansão clonal<br />

dos linfócitos B e T, e leva até 7 dias<br />

para poder realmente ficar ativa contra<br />

as infecções, ela não é a responsável<br />

pelo impedimento inicial da instalação<br />

desses organismos. Portanto, dependemos<br />

da resposta imune inata para nos<br />

defender de infecção (Janeway, 1998).<br />

Os efetores da resposta imune inata<br />

incluem as células fagocíticas, tais como<br />

neutrófilos e macrófagos, de outros<br />

leucócitos, incluindo mastócitos, das<br />

proteínas do soro, tais como as do<br />

sistema de complemento, e dos peptídeos<br />

antimicrobianos (Hancock & Diamond,<br />

2000). Esses últimos são elementos<br />

primitivos da resposta imune<br />

Figura 2. Estruturas tridimensionais da<br />

magainina (Hara et al., 2001). indolicidina<br />

(Rozek et al., 2000), drosomicina (Landon<br />

et al., 1997) e teta-defensina (Trabi et al.,<br />

2001). Representadas, em amarelo, a<br />

estrutura folha β-pregueada e, em rosa, a<br />

estrutura α-hélice)<br />

de todas as espécies de ser vivo, cujas<br />

vias de indução são relativamente conservadas<br />

em vertebrados, insetos e plantas<br />

(Hoffman et al., 1999, Dangl &<br />

Jones, 2001). Recentemente, foi demonstrada<br />

a participação deles na<br />

modulação do processo inflamatório<br />

de mamíferos (Hancock & Diamond,<br />

2000).<br />

Mais de 700 peptídeos antimicrobianos<br />

já foram identificados em todas as<br />

espécies vivas, incluindo bactérias, fungos,<br />

insetos, moluscos, crustáceos, aracnídeos,<br />

plantas, pássaros, anfíbios, peixes,<br />

mamíferos, entre outros (http://<br />

bbcm1.univ.trieste.it/~tossi/pag1.htm).<br />

Em geral, são moléculas pequenas de<br />

até 5 kDa que exibem um alto teor de<br />

aminoácidos básicos e, pelo menos,<br />

50% de aminoácidos hidrofóbicos<br />

(ver revisões em Andreu &<br />

Rivas, 1998; Bulet et al., 1999;<br />

Hancock & Diamond, 2000).<br />

Apresentam um amplo espectro<br />

de atividade contra bactérias,<br />

fungos, vírus e parasitas. O mecanismo<br />

de ação mais bem conhecido<br />

é através da sua inserção<br />

na membrana celular que<br />

causa a destruição ou a permeabilização<br />

da mesma, levando o<br />

microorganismo à morte (Figura<br />

1). Alternativamente, os peptídeos<br />

antimicrobianos podem se<br />

ligar a um receptor da membrana,<br />

levando a uma perda específica<br />

de sua função. Além disso,<br />

ao se translocarem através da<br />

membrana, essas moléculas podem<br />

atuar intracelularmente, impedindo<br />

a síntese de metabólitos<br />

importantes para o microorganismo.<br />

Por atuarem em diferentes<br />

compartimentos celulares,<br />

esses compostos tornam-se<br />

candidatos promissores para o desenvolvimento<br />

de drogas importantes no<br />

combate a patógenos resistentes aos<br />

antibióticos convencionais (Lohner,<br />

2001).<br />

Os peptídeos antimicrobianos podem<br />

ser agrupados de acordo com suas<br />

propriedades químicas e estruturais em<br />

2 classes: lineares e cíclicos. Os lineares,<br />

não apresentam o aminoácido cisteína<br />

em sua composição, e podem ser<br />

subdivididos nos que formam uma α-<br />

hélice anfipática após contato com a<br />

membrana celular (por exemplo, magainina<br />

de sapo, Hara et al., 2001) e os<br />

ricos em um determinado tipo de aminoácido,<br />

tais como prolina, histidina e<br />

triptofano (por exemplo, indolicidina<br />

de bovino, Rozek et al., 2000). Os<br />

Figura 3. Alinhamento da gomesina com outros peptídeos antimicrobianos:<br />

taquiplesina e polifemusina de límulos, androctonina de escorpião e<br />

protegrina de suíno (Silva, Jr. et al., 2000)<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 49


Tabela 1. Peptídeos antimicrobianos isolados da hemolinfa da aranha Acanthoscurria gomesiana<br />

cíclicos são peptídeos que apresentam<br />

resíduos de cisteína em sua estrutura,<br />

podendo ter as extremidades aminoterminal<br />

abertas (por exemplo, drosomicina<br />

da mosca Drosophila melanogaster,<br />

Landon et al.1997) ou as extremidades<br />

fechadas (por exemplo, tetadefensina<br />

de macaco, Trabi et al. 2001)<br />

(Figura 2).<br />

Gomesina e outros peptídeos antimicrobianos<br />

da aranha<br />

caranguejeira<br />

Entre os invertebrados, os estudos<br />

que visam caracterizar a estrutura e a<br />

atividade dos peptídeos antimicrobianos,<br />

assim como a regulação gênica<br />

deles concentram-se, principalmente,<br />

no grupo dos insetos (Bullet et al.,<br />

Figura 4. Estrutura tridimensional da gomesina determinada por<br />

ressonância magnética nuclear (RMN). À direita, a representação<br />

esquemática da molécula (Mandard et al., 2001)<br />

1999). Já há alguns anos, o grupo de<br />

pesquisa da Dra. Sirlei Daffre (Departamento<br />

de Parasitologia, ICB-USP) vem<br />

trabalhando ativamente na identificação<br />

e caracterização de peptídeos em<br />

duas espécies de aracnídeos: a aranha<br />

caranguejeira Acanthoscurria gomesiana<br />

e o carrapato de boi Boophilus<br />

microplus. Esses peptídeos são importantes<br />

para a defesa desses animais<br />

contra infecções e, como tal,<br />

poderão ser usados no desenvolvimento<br />

de novas drogas<br />

para uso na medicina e<br />

na agricultura. Nos últimos<br />

anos, o referido grupo passou<br />

a contar com a colaboração<br />

de outros três grupos de<br />

pesquisa: o da Dra. M. Teresa<br />

M. Miranda (Departamento<br />

de <strong>Bio</strong>química, IQ-USP),<br />

o do Dr Philippe Bulet (Centre<br />

National de la Recherche<br />

Scientifique, CNRS, Estrasburgo,<br />

França) e o do Dr.<br />

Antonio Miranda (Departamento<br />

de <strong>Bio</strong>física, UNI-<br />

FESP). Quatro peptídeos foram<br />

isolados da hemolinfa<br />

(sangue) da aranha caranguejeira<br />

(Tabela I; Silva Jr.,<br />

2000). Um deles, denominado<br />

gomesina, apresentou um<br />

amplo espectro de atividade<br />

contra bactérias, fungos e o<br />

parasita causador da leishmaniose<br />

(Silva Jr., 2000; Sil-<br />

50 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Figura 5. Atividades<br />

antimicrobianas dos análogos<br />

sintéticos de gomesina (Gm).<br />

As atividades são expressas<br />

através da concentração mínima<br />

do peptídeo que causa<br />

100% de inibição de crescimento.<br />

PB 1 = 217 mOsM; 1.0<br />

g de Peptona + 86 mM NaCl<br />

em 100 mL de H 2<br />

0. PB 2 = 367<br />

mOsM; 1.0 g de Peptona +<br />

137 mM NaCl em 100 mL de<br />

H 2<br />

0. ½ PDB 3 = 79 mOsM; 1.2<br />

g de dextrose de batata em<br />

100 mL de H 2<br />

O). ½ PDB 4 =<br />

333 mOsM; 1.2 g de dextrose<br />

de batata em 100 mL de H 2<br />

O<br />

+ 137 mM NaCl<br />

va Jr. et al., 2000). É um octadecapeptídeo<br />

de massa molecular equivalente a<br />

2270,4 Da apresentando quatro resíduos<br />

de cisteína envolvidos em duas pontes<br />

dissulfeto (2-15 e 6-11), um ácido<br />

piroglutâmico na extremidade N-terminal<br />

e uma arginina α-amidada como<br />

resíduo C-terminal. Sua estrutura cíclica<br />

com terminação aberta apresentando<br />

um ácido piroglutâmico N-terminal<br />

e a amidação C-terminal possivelmente<br />

protegem o peptídeo contra degradação<br />

por proteases. A gomesina é um<br />

peptídeo altamente básico (pI calculado<br />

de 12,7), pois contém seis resíduos<br />

de aminoácidos carregados positivamente<br />

(cinco argininas e<br />

uma lisina). Apresenta<br />

um alto grau de similaridade<br />

com a família dos<br />

peptídeos básicos dos límulos:<br />

taquiplesinas e<br />

polifemusinas (50%;<br />

Nakamura et al., 1988;<br />

Miyata et al., 1989), da<br />

androctonina isolada do<br />

escorpião (23%; Ehret-<br />

Sebatier et al, 1996) e da<br />

protegrina presente em<br />

leucócitos de suínos<br />

(17%; Kokryakov et al.,<br />

1993) (Figura 3). A disposição<br />

das pontes dissulfeto,<br />

Cys1-Cys4 e<br />

Cys2-Cys3, é idêntica<br />

para todos estes peptídeos,<br />

sugerindo que a<br />

gomesina pode adotar<br />

uma estrutura “β-hairpin”<br />

como a encontrada<br />

nas taquiplesinas (Kawano<br />

et al., 1990; Tamamura<br />

et al., 1993), protegrinas<br />

(Aumelas et al., 1996;<br />

Fahrner et al., 1996), e<br />

androctonina (Mandard<br />

et al., 1999). Resultados<br />

recentes da análise da<br />

gomesina por ressonância<br />

magnética nuclear<br />

(RMN) em solução comprovam<br />

a ocorrência<br />

dessa estrutura na molécula<br />

(Mandard et al.,<br />

2001; Figura 4). A gomesina<br />

forma uma estrutura<br />

do tipo “β-hairpin”<br />

com folhas beta pregueadas<br />

anti-paralelas ligadas<br />

por uma volta β estabilizada<br />

por duas pontes<br />

dissulfeto. Ela ainda<br />

apresenta uma característica<br />

anfipática bem definida,<br />

de forma similar<br />

às estruturas determinadas<br />

para seus análogos<br />

taquiplesina e protegrina.<br />

Esse tipo de estrutura<br />

foi observado também<br />

em vários outros peptídeos antimicrobianos,<br />

cujos aminoácidos básicos<br />

(carregados positivamente em pH<br />

fisiológico) seriam responsáveis pela<br />

interação inicial eletrostática com os<br />

grupos carregados negativamente dos<br />

lipídeos das membranas dos microorganismos.<br />

Posteriormente, ocorreria a<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 51


inserção da porção hidrofóbica dos<br />

peptídeos na membrana, promovendo<br />

a sua uma desestabilização (Oren &<br />

Shai, 1998).<br />

A gomesina mostrou uma forte ação<br />

antimicrobiana contra 14 bactérias<br />

Gram-positivas, 10 bactérias Gram-negativas,<br />

9 fungos filamentosos e 5 leveduras<br />

(Silva Jr. et al., 2000). Entre esses<br />

microorganismos, existem várias bactérias<br />

causadoras de infecções hospitalares,<br />

tais como a Staphylococcus aureus,<br />

a Staphilococcus saprophiticus, a<br />

Streptococcus pyogenes e a Pseudomonas<br />

aeruginosa. Além de causadoras<br />

de infecções hospitalares, a Staphylococcus<br />

aureus causa meningite e furúnculos,<br />

a Staphilococcus saprophiticus<br />

provoca infecção no trato urinário e a<br />

Streptococcus pyogenes, a febre reumática.<br />

Ainda como patogênicas aparecem<br />

a Klebsiella pneumoniae, causadora<br />

da pneumonia, a Listeria monocytogenes,<br />

associada à meningite e<br />

pneumonia, a Candida albicans, responsável<br />

pela candidíase, a Cryptococcus<br />

neoformans, causadora da meningite,<br />

a Salmonella thyphimurium, responsável<br />

pela salmonelose e a Tricophyton<br />

mentagrophytes, causadora da<br />

micose superficial.<br />

Embora apresente uma certa atividade<br />

hemolítica (Silva Jr. et al., 2000), a<br />

gomesina tem-se mostrado um antimicrobiano<br />

com um grande potencial<br />

para aplicações terapêuticas em humanos,<br />

outros animais e em plantas. Essa<br />

afirmação decorre da combinação das<br />

seguintes propriedades: amplo espectro<br />

de atividade, rápida ação antimicrobiana<br />

e características estruturais que<br />

conferem alta estabilidade à molécula.<br />

Gomesina: importância das<br />

pontes dissulfeto para<br />

sua atividade<br />

Com o objetivo de elucidar a importância<br />

das pontes dissulfeto na expressão<br />

da atividade biológica desse peptídeo<br />

e, ao mesmo tempo, buscar análogos<br />

mais seletivos e/ou mais estáveis à<br />

degradação enzimática que ele, foram<br />

sintetizados manualmente pelo método<br />

da fase sólida, os compostos listados<br />

na Figura 5. Esses compostos foram<br />

purificados por cromatografia líquida<br />

de fase reversa (RP-HPLC) e caracterizados<br />

por RP-HPLC e cromatografia<br />

liquida acoplada a um espectrômetro<br />

de massa do tipo electrospray (LC/MS).<br />

As atividades antimicrobianas foram<br />

Figura 6. Processamento da Gomesina. O transcrito do gene da<br />

gomesina é traduzido em uma proteína precursora de 9,7kDa. Essa<br />

proteína apresenta um peptídeo sinal (amarelo) e uma região carboxi<br />

terminal carregada negativamente (azul). A proteína precursora é processada<br />

pela remoção do peptídeo sinal e da região carboxiterminal,<br />

a glutamina da extremidade amino-terminal é modificada em ácido<br />

piroglutâmico e a arginina carboxi-terminal é amidada<br />

determinadas pelo ensaio líquido de<br />

inibição de crescimento contra Micrococcus<br />

luteus (bactéria Gram-positiva),<br />

Escherichia coli (bactéria Gram-negativa)<br />

e Cândida albicans (levedura),<br />

sendo expressas através da concentração<br />

mínima do peptídeo que causa<br />

100% de inibição de crescimento (Silva<br />

Jr et al., 2000). Como pode ser observado<br />

na Figura 5, os análogos que apresentam<br />

somente uma das pontes dissulfeto,<br />

os monocíclicos {[Cys(Acm)6,<br />

11], [Cys (Acm) 2,15], [Ser6,11] e [Ser2,15]<br />

- Gomesina}, foram de 2 a 4 vezes<br />

menos ativos que a gomesina nativa<br />

Figura 7. Possível mecanismo de processamento da cadeia α da<br />

hemoglobina bovina no intestino do carrapato de boi B. microplus e<br />

geração do fragmento antimicrobiano 33-61. A cadeia α é clivada<br />

entre os resíduos de metionina (32) e de fenilalanina (33) pela<br />

enzima 1 e entre os resíduos de lisina (61) e valina (62) pela<br />

enzima 2, gerando o peptídeo antimicrobiano<br />

para os três microorganismos testados,<br />

tanto nos meios com baixa concentração<br />

de NaCl (86 mM; PB 1 ) ou sem sal<br />

(PDB 3 ), como naqueles com uma concentração<br />

fisiológica de NaCl comparável<br />

ao do soro humano (137 mM NaCl;<br />

PB 2 e PDB 4 ). Já os análogos sem as duas<br />

pontes dissulfeto, os lineares<br />

{[Ser2,6,11,15] e [Cys(Acm)2,6,11,15]<br />

Gm} foram de 2 a 16 vezes menos ativos<br />

que a gomesina nativa, na ausência e<br />

em baixa concentração de NaCl, sendo<br />

essa atividade reduzida mais ainda nos<br />

meios com uma concentração de 137<br />

mM de NaCl (cerca de 4 a 64 vezes).<br />

52 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Observamos que há uma variação nesta<br />

redução dependendo do microorganismo,<br />

sendo significativamente maior<br />

para E.coli (32 a 64 vezes). A influência<br />

do sal na atividade da gomesina pode<br />

ser explicada pelo fato de o sódio estar<br />

competindo com os grupos carregados<br />

positivamente da gomesina durante a<br />

interação inicial eletrostática entre estes<br />

e os grupos carregados negativamente<br />

da membrana celular do microorganismo<br />

(Fázio et al., 2001).<br />

É extremamente importante esclarecer<br />

que embora os análogos sintetizados<br />

tenham apresentado atividades<br />

antimicrobianas mais baixas do que a<br />

gomesina nativa, eles exibiram atividades<br />

hemolíticas reduzidas em relação à<br />

dela: de 2 a 11 vezes na concentração<br />

de 100 µM. Esses resultados sugerem<br />

que ambas as pontes dissulfeto são<br />

importantes para a expressão da atividade<br />

antimicrobiana da gomesina e<br />

que os análogos estudados apresentam<br />

uma especificidade de ação diferenciada<br />

contra certos microorganismos. Isso<br />

ocorre, muito provavelmente, devido<br />

às variações da composição da membrana<br />

de cada microoorganismo, afetando<br />

na interação inicial eletrostática<br />

entre os grupos carregados positivamente<br />

da gomesina com os grupos<br />

negativos da membrana, e/ou na inserção<br />

da gomesina na porção hidrofóbica<br />

da membrana. Estudos envolvendo<br />

modificações adicionais da gomesina<br />

estão sendo realizados com o objetivo<br />

de se obter em análogos mais ativos e<br />

seletivos não hemolíticos.<br />

Precursor da gomesina<br />

Através da clonagem do cDNA da<br />

gomesina, verificamos que esse peptídeo<br />

é traduzido na forma de uma<br />

proteína precursora de 9,7 kDA (Figura<br />

6, Lorenzini et al., 2001). Essa proteína<br />

apresenta um peptídeo sinal, indicando<br />

que o precursor da gomesina é<br />

direcionado ao retículo endoplasmático,<br />

que está provavelmente ligado à via<br />

de transporte para vesículas exocíticas<br />

para a liberação do peptídeo no meio<br />

extracelular. A região carboxi-terminal<br />

da proteína precursora é composta de<br />

aminoácidos ácidos, enquanto que a<br />

região que corresponde ao peptídeo<br />

maduro é composta de aminoácidos<br />

básicos. A porção carboxi-terminal carregada<br />

negativamente pode interagir<br />

com a parte catiônica do peptídeo para<br />

estabilizar a conformação do precursor<br />

e permitir o processamento proteolítico<br />

ou ainda proteger a célula produtora<br />

de interações de suas membranas com<br />

a região básica do peptídeo, evitando<br />

assim a atividade tóxica contra a mesma.<br />

A gomesina encontra-se armazenada<br />

nos grânulos dos hemócitos, como<br />

evidenciado por técnicas de imunofluorescência<br />

usando o anticorpo antigomesina,<br />

sendo secretada para o plasma<br />

da aranha pelo menos 2 horas após<br />

uma infecção experimental. Verificouse<br />

que o gene que codifica para o<br />

peptídeo é transcrito predominantemente<br />

nos hemócitos de animais não<br />

infectados experimentalmente, tendo<br />

uma baixa expressão nos outros tecidos<br />

analisados: coração, intestino, hepatopâncreas,<br />

ovários, músculos e glândula<br />

de veneno (Lorenzini et al., 2001).<br />

Fragmento da hemoglobina<br />

bovina com atividade antimicrobiana<br />

no intestino do carrapato<br />

A investigação da produção de peptídeos<br />

antimicrobianos em outro aracnídeo,<br />

o carrapato de boi Boophilus<br />

microplus, feito no nosso laboratório,<br />

forneceu-nos um resultado surpreendente.<br />

Foi identificado um fragmento<br />

da cadeia α da hemoglobina bovina<br />

referente à região compreendida entre<br />

os resíduos 33 ao 61, com propriedades<br />

antimicrobianas (Fogaça et al., 1999).<br />

Esse peptídeo, com massa molecular<br />

de 3.205,6 Da, foi inicialmente isolado<br />

Aranha caranguejeira<br />

Acanthoscurria gomesiana<br />

do intestino do carrapato. Para determinar<br />

seu espectro de ação, sintetizou-se<br />

quimicamente o mesmo que, após caracterização<br />

apropriada, foi testado<br />

contra várias cepas de bactérias e de<br />

fungos. Observou-se que o fragmento<br />

da cadeia α da hemoglobina bovina<br />

age em concentrações micromolares<br />

apenas contra bactérias Gram-positivas<br />

e contra fungos, não tendo sido ativo<br />

contra bactérias Gram-negativas. No<br />

entanto, a molécula da hemoglobina<br />

intacta não apresenta atividade antimicrobiana<br />

quando testada em concentrações<br />

superiores à do fragmento 33-<br />

61 da cadeia α da hemoglobina bovina.<br />

Verificou-se também que esse fragmento<br />

apresenta atividade hemolítica<br />

baixa, descartando uma possível função<br />

digestiva.<br />

Dados na literatura mostram que a<br />

hemoglobina é digerida dentro dos<br />

eritrócitos de mamíferos gerando fragmentos<br />

com diferentes atividades biológicas,<br />

tais como liberação de corticropina<br />

in vitro e a marcação das doenças<br />

Alzhzeimer e isquemia, entre outras<br />

(Ivanov et al., 1997). Recentemente, foi<br />

descrita a geração de fragmentos de<br />

hemoglobina com atividade antimicrobiana<br />

após seu tratamento in vitro com<br />

enzimas comerciais (Mak et al., 2000;<br />

Froidevaux et al., 2001). No entanto,<br />

até o momento, o único fragmento<br />

antimicrobiano da hemoglobina que é<br />

gerado fisiologicamente é o 33-61 da<br />

cadeia α da hemoglobina bovina, detectado<br />

no intestino do carrapato B.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 53


microplus (Fogaça et al., 1999). Com<br />

base nessas informações, foi analisado<br />

se os eritrócitos bovinos rompidos in<br />

vitro apresentavam atividade antimicrobiana.<br />

Nenhuma atividade foi detectada,<br />

sugerindo que a hemoglobina<br />

dever estar sendo processada no intestino<br />

do carrapato por enzimas produzidas<br />

neste órgão, gerando assim o fragmento<br />

33-61 com propriedades antimicrobianas<br />

(Figura 7). Iniciou-se a investigação<br />

das enzimas intestinais de<br />

B. microplus responsáveis pela clivagem<br />

da hemoglobina e a geração do<br />

fragmento ativo. Após a incubação da<br />

hemoglobina bovina com um extrato<br />

de intestino de carrapatos, foi observada<br />

a expressão de atividade antimicrobina.<br />

Essa foi inibida pela incubação<br />

simultânea com um inibidor de áspartico-proteinase<br />

(pepstatina) e um inibidor<br />

de cisteino-proteinase (E-64). Esse<br />

resultado sugere que, pelo menos, duas<br />

enzimas - uma áspartico e uma cisteíno-proteinase<br />

- estejam envolvidas na<br />

geração do fragmento antimicrobiano a<br />

partir da proteólise da hemoglobina. A<br />

purificação e caracterização dessas enzimas<br />

estão sendo realizadas.<br />

A presença de uma atividade antimicrobiana<br />

no intestino dos carrapatos<br />

é de extrema importância para a defesa<br />

contra infecções desses animais, uma<br />

vez que as fêmeas podem ingerir bactérias<br />

do couro do hospedeiro durante<br />

a alimentação. Além disso, após a alimentação,<br />

as fêmeas se desprendem<br />

do couro do bovino caindo ao solo,<br />

colocando seus ovos em um ambiente<br />

muitas vezes bastante contaminado por<br />

microorganismos. No entanto, não só o<br />

intestino dos carrapatos é susceptível<br />

às infecções. A presença de outros três<br />

peptídeos antibacterianos, contendo<br />

cisteína, na hemolinfa desses animais<br />

foi também detectada (Fogaça et al.,<br />

2001). A presença de vários peptídeos<br />

antimicrobianos em um mesmo animal<br />

é importante para garantir um espectro<br />

de ação amplo contra vários tipos de<br />

patógenos, garantindo assim a sobrevivência<br />

do animal alvo. Além disso, os<br />

peptídeos podem atuar sinergisticamente<br />

durante o combate às infecções.<br />

Conclusão<br />

Além de vitais para o entendimento<br />

da ação antimicrobiana fisiológica desempenhada<br />

nos aracnídeos estudados,<br />

os peptídeos detectados também<br />

poderão ser usados como moléculasbase<br />

para o desenvolvimento de novas<br />

drogas antibióticas. Como já descrito<br />

acima, não há dúvida de que, com o<br />

surgimento de novos microorganismos<br />

resistentes à antibióticos, existe a necessidade<br />

urgente de se desenvolverem<br />

novas classes de antibióticos. Peptídeos<br />

antimicrobianos purificados, de<br />

diversas espécies de animais, apresentam<br />

características desejáveis a uma<br />

nova classe de antibióticos: um largo<br />

espectro de atividade, incluindo isolados<br />

resistentes a antibióticos convencionais;<br />

matam rapidamente, evitando a<br />

seleção de mutantes resistentes; apresentam<br />

sinergia com outros antibióticos;<br />

neutralizam endotoxinas e, portanto,<br />

bloqueiam a resposta septicêmica;<br />

e podem matar microorganismos<br />

em animais modelos. No entanto, vários<br />

problemas precisam ser resolvidos<br />

para serem produzidos em escala industrial.<br />

Um deles é por apresentarem<br />

uma massa molecular relativamente<br />

grande em relação aos antibióticos usados<br />

comercialmente; terão então, que<br />

ser produzidos por técnicas de biologia<br />

molecular, de modo a obter-se moléculas<br />

recombinantes, com um custo mais<br />

baixo. Apesar de várias metodologias<br />

terem sido descritas, nenhuma delas<br />

até agora foi usada em escala industrial<br />

(Hancock & Scott, 2000). Uma alternativa<br />

seria a produção por recombinação<br />

em genética em plantas (Parizotto<br />

et al., 2000). Outro problema é a toxicidade<br />

que alguns desses peptídeos<br />

apresentam contra células de mamíferos.<br />

Como citado anteriormente, isso<br />

poderá ser conseguido por meio de<br />

modificações químicas na estrutura<br />

dessas moléculas. Outro aspecto a ser<br />

considerado é a resistência desses peptídeos<br />

à ação proteolítica do nosso<br />

organismo. No entanto, existem estratégias<br />

para proteger os peptídeos contra<br />

proteases, tais como a de incorporálos<br />

em lipossomos ou a de usar modificações<br />

químicas (Hancock & Scott,<br />

2000). Já existem, pelo menos, cinco<br />

empresas no mundo trabalhando na<br />

produção e estabelecimento de peptídeos<br />

antimicrobianos como novos antibióticos:<br />

Magainin (EUA), PPL Therapeutics<br />

(Inglaterra), Intrabiotics (EUA),<br />

Micrologix (Canadá) e Entomed (França),<br />

o que indica ser esse um campo<br />

bastante promissor. Portanto, os peptídeos<br />

antimicrobianos não são somente<br />

importantes como componentes do sistema<br />

imune inato participando do combate<br />

às infecções, mas seus análogos<br />

químicos ou recombinantes apresentam<br />

um grande potencial para serem<br />

aplicados como antibióticos no combate<br />

contra microorganismos resistentes a<br />

antibióticos conhecidos ou mesmo contra<br />

novos alvos.<br />

Agradecimentos<br />

Os autores agradecem o suporte<br />

técnico dado por Susana Pessoa de<br />

Lima e o trabalho dos alunos de Iniciação<br />

Científica Ernesto S. Nakayasu,<br />

Aline H. Fukuzawa e Luciana M. Kaku.<br />

Sirlei Daffre, M. Teresa M. Miranda e<br />

Antônio Miranda recebem bolsa produtividade<br />

do CNPq. Alessandra Machado,<br />

Andréa C. Fogaça, Daniel M. Lorenzini,<br />

Eliane Esteves, Lourivaldo dos<br />

Santos Pereira são bolsistas da FAPESP.<br />

Marcelo Russo Burgierman recebe bolsa<br />

da CAPES. Marcos Antônio Fázio é<br />

bolsista do CNPq. Este trabalho recebe<br />

apoio financeiro da FAPESP através do<br />

projeto Temático 98/11372-4 e do projeto<br />

individual 00/03642-3.<br />

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ao Instituto de Ciências<br />

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do título de doutor em Ciências,<br />

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<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 55


Pesquisa<br />

Novas perspectivas para adaptação de<br />

Culturas ao Cerrado<br />

Contribuição da biologia molecular na compreensão e solução dos efeitos tóxicos do alumínio em plantas<br />

Geraldo M. A. Cançado,<br />

Eng o Agrônomo, M.S., EPAMIG.<br />

cancado@epamigcaldas.gov.br<br />

Newton Portilho Carneiro,<br />

Biólogo, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS<br />

newtonc@cnpms.embrapa.br<br />

Andréa Almeida Carneiro,<br />

Bióloga. Ph.D. EMBRAPA/CNPMS<br />

andreac@cnpms.embrapa.br<br />

Antônio Álvaro Corsetti Purcino,<br />

Eng o Agrônomo, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS<br />

corsetti@cnpms.embrapa.br<br />

Claudia Teixeira Guimarães,<br />

Eng a Agrônoma, D.S. EMBRAPA/CNPMS<br />

claudia@cnpms.embrapa.br<br />

Vera Maria Carvalho Alves,<br />

Eng a Agrônoma, D.S. EMBRAPA/CNPMS<br />

vera@cnpms.embrapa.br<br />

Sidney Netto Parentoni,<br />

Eng o Agrônomo, M.S. EMBRAPA/CNPMS<br />

sidney@cnpms.embrapa.br<br />

Isabel Regina Prazeres de Souza,<br />

Eng a Agrônoma, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS<br />

isabel@cnpms.embrapa.br<br />

Edilson Paiva,<br />

Eng o Agrônomo, Ph.D. EMBRAPA/CNPMS<br />

edilson@cnpms.embrapa.br<br />

Fotos e ilustrações cedidas pelos autores<br />

acidez do solo é um dos<br />

principais fatores que limitam<br />

a produção agrícola<br />

nos trópicos. O Cerrado<br />

brasileiro ocupa 205<br />

milhões de hectares do território nacional<br />

(fig. 1) e, apesar de apresentar<br />

excelentes qualidades no que se refere<br />

à topografia, luminosidade, temperatura<br />

e estrutura física do solo, se caracteriza<br />

por possuir baixa fertilidade, pH<br />

ácido e elevada saturação de alumínio<br />

(Al) (Embrapa/CNPAC, 2000). O Al é<br />

tóxico para a grande maioria das espécies<br />

de plantas cultivadas, promovendo<br />

a paralisação do crescimento radicular<br />

e, conseqüentemente, prejudicando o<br />

desenvolvimento das plantas. O Cerrado<br />

tem sido considerado como uma das<br />

últimas grandes fronteiras mundiais disponíveis<br />

para a expansão agropecuária,<br />

assumindo importância estratégica para<br />

o Brasil. Entretanto, para que seu uso<br />

possa ocorrer de forma cada vez mais<br />

eficiente e racional, é imprescindível<br />

que juntamente com as atuais práticas<br />

utilizadas na exploração agrícola dessa<br />

região, novas alternativas sejam criadas<br />

para amenizar ou mesmo eliminar as<br />

adversidades impostas por aquele ambiente.<br />

As alternativas de manejo mais utilizadas<br />

para contornar a toxidez provocada<br />

pelo Al fundamentam-se no uso<br />

de duas práticas. Uma delas é o processo<br />

da calagem, que consiste na precipitação<br />

do Al solúvel pela adição de<br />

calcário ao solo. Embora seja uma prática<br />

corriqueira na agricultura, sua eficiência<br />

limita-se à camada superficial do<br />

solo, já que a incorporação do calcário<br />

em profundidades maiores é economicamente<br />

inviável. Assim, a calagem favorece<br />

o desenvolvimento radicular<br />

apenas na camada superficial do solo, o<br />

que torna a planta mais susceptível aos<br />

períodos de veranicos, muito comuns<br />

na região. Além disso, os efeitos da<br />

calagem nas camadas superficiais são<br />

ainda mais reduzidos sob “plantio direto”,<br />

onde não se utiliza implementos<br />

agrícolas para revolver o solo.<br />

Outra prática que vem sendo bastante<br />

enfatizada é a utilização de cultivares<br />

mais tolerantes ao Al. Hoje a<br />

Embrapa Milho e Sorgo, em Sete Lagoas-MG,<br />

tem identificado e caracterizado,<br />

em seu germoplasma, milho e sorgo<br />

tolerantes a níveis que variam de 40% a<br />

60% de saturação de Al no solo. Os<br />

níveis de saturação são calculados em<br />

função da concentração de cátions no<br />

solo. Métodos de seleção e variabilidade<br />

genética em milho são mostrados na<br />

Figura. 1 - Área do Cerrado brasileiro. Fonte: Embrapa Cerrados (2000)<br />

56 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Figura 2 – Métodos de seleção de milho tolerante a Al e variabilidade genética em milho.<br />

A = Comprimento da raiz seminal; B = Ensaio em casa de vegetação de uma variedade tolerante e uma susceptível<br />

ao Al; C =. Variabilidade genética em milho<br />

figura 2. A idéia desse artigo é descrever<br />

sucintamente como a biologia molecular<br />

tem contribuído para aumentar os<br />

conhecimentos relacionados com os<br />

mecanismos de tolerância das plantas<br />

ao estresse de Al. Além do que, com a<br />

integração de técnicas da biologia molecular<br />

nos programas de melhoramento<br />

genético, espera-se que o desenvolvimento<br />

de cultivares com melhor adaptação<br />

aos ambientes desfavoráveis seja<br />

mais rápido e eficiente. Dessa forma, a<br />

utilização da prática de calagem, associada<br />

ao uso de genótipos mais adaptados<br />

às condições de solo ácido com<br />

elevada saturação de Al serão estratégias<br />

de maior potencial para a utilização<br />

sustentável do Cerrado.<br />

Figura 3 - Mecanismo proposto para explicar tolerância ao Al<br />

baseado na exudação de ácido orgânico pela raiz: plantas de milho<br />

tolerantes ao Al exudam suficiente ácido orgânico para quelatizar o<br />

Al e impedir sua penetração na raiz. As raízes demonstradas nas<br />

fotos foram coradas com hematoxilina para detecção do Al (Cançado<br />

et al., 1999)<br />

Efeitos do Al em plantas - O Al,<br />

terceiro elemento mais abundante na<br />

crosta terrestre, quando em soluções<br />

ácidas (pH


Figura 4 – Trabalhos de modificação da expressão do gene da citrato sintase em planta.<br />

A: Mapa do plasmídio pCAMBIA C2 (1303); B: Construção gênica Citrato Sintase (CS); Promotores CAMV35S e<br />

ToRB7; AC: CS de Dauca carota com peptideo sinal de mitocôndria; AD: CS de Dauca carota sem peptídeo sinal<br />

de mitocôndria; AE: CS de Escherichia coli ; NOS: Sítio de poliadenilação NOS ; E: EcoRI; B: BamHI; H: HindIII<br />

pode ainda promover alterações na<br />

permeabilidade da membrana plasmática<br />

devido a alterações na fluidez e na<br />

densidade do empacotamento dos fosfolipídeos,<br />

aumento na síntese de lignina,<br />

prejudicando o processo de elongação<br />

celular, inibição da absorção de O 2<br />

nos ápices radiculares devido a interferência<br />

no fluxo de elétrons na mitocôndria<br />

e a danos ao fotossistema II, reduzindo<br />

a taxa fotossintética (Jones e<br />

Kochian, 1995).<br />

A elucidação dos processos bioquímicos<br />

e fisiológicos que atuam no processo<br />

da tolerância ao Al, principalmente<br />

no que se refere à identificação e à<br />

compreensão da regulação dos genes<br />

envolvidos a partir de técnicas moleculares<br />

é de fundamental importância<br />

para o melhoramento genético.<br />

Mecanismos de tolerância ao Al -<br />

Nem todas as espécies de plantas<br />

respondem de forma semelhante ao<br />

estresse causado pelo Al. Ao que parece,<br />

as plantas utilizam-se de vários mecanismos<br />

para contornarem os efeitos<br />

tóxicos do Al. Os mecanismos de tolerância<br />

ao Al propostos na literatura<br />

podem ser classificados em dois grupos:<br />

i) mecanismos de exclusão ou<br />

apoplásticos, com a imobilização ou<br />

neutralização do Al externamente à<br />

célula, e ii) mecanismos simplásticos,<br />

decorrentes da imobilização ou neutralização<br />

do Al dentro da célula (Taylor,<br />

1991; Kochian, 1995). Várias formas de<br />

ação, distribuídas entre estes dois mecanismos,<br />

têm sido propostas, na tentativa<br />

de explicar como as plantas podem se<br />

desenvolver na presença do Al, sendo a<br />

maioria delas apenas especulativa. Entretanto,<br />

alguns dos mecanismos citados<br />

com maior freqüência na literatura<br />

serão descritos sucintamente a seguir.<br />

A baixa Capacidade de Troca Catiônica<br />

(CTC) da parede celular da raiz tem<br />

sido associada à tolerância ao Al. Segundo<br />

este modelo, plantas com elevada<br />

CTC radicular adsorvem mais Al, elevando<br />

a concentração desse metal próximo<br />

às células. No entanto, para algumas<br />

espécies de plantas, não há nenhuma<br />

relação entre a CTC radicular e a<br />

tolerância ao Al. Embora a membrana<br />

plasmática seja considerada como um<br />

dos alvos do Al, em alguns casos, ela<br />

pode atuar como uma barreira à absorção<br />

deste elemento para o interior da<br />

célula. Foi observado que a densidade<br />

de cargas elétricas negativas presentes<br />

em membranas das células do ápices<br />

radiculares de trigo eram, em média,<br />

26% superior no genótipo sensível em<br />

relação ao tolerante (Yermiyahu et al.<br />

1997). Assim, alterações na composição<br />

de fosfolipídeos da membrana plasmática<br />

podem contribuir para a tolerância<br />

ao Al, por dificultar a interação deste<br />

com a membrana plasmática.<br />

O aumento de pH na região da<br />

58 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />

rizosfera também é uma forma de exclusão<br />

do Al, pois leva à formação de uma<br />

zona de precipitação deste elemento.<br />

Certas plantas absorvem nitrogênio preferencialmente<br />

na forma de NO 3-<br />

, em<br />

relação à forma de NH 4<br />

+<br />

e, como conseqüência<br />

dessa absorção diferencial, há<br />

um maior efluxo de íons OH - pela raiz,<br />

o que promove a elevação do pH na<br />

rizosfera. Outra barreira que o Al pode<br />

enfrentar para atingir as regiões sensíveis<br />

do meristema radicular é a mucilagem,<br />

substância formada por polissacarídeos,<br />

que reveste a superfície radicular.<br />

Em plantas de trigo tolerantes ao Al,<br />

a síntese contínua de mucilagem nos<br />

ápices radiculares dificulta a penetração<br />

do Al, protegendo as regiões de crescimento<br />

da raiz. Já foi demonstrado que a<br />

mucilagem pode ser responsável por<br />

reter até 35% do Al presente no apoplasto<br />

(Archambault et al., 1996).<br />

A síntese de calose, um poliglicosídeo<br />

formado por unidades de 1,3-βglucano<br />

que se acumula na parede<br />

celular, também é uma resposta das<br />

plantas aos diversos tipos de estresses<br />

(Simmons et al., 1992). Genótipos de<br />

trigo sensíveis ao Al produzem mais<br />

calose do que genótipos tolerantes quando<br />

expostos a este elemento (Horst et<br />

al., 1997; Zhang et al., 1994; Llugancy et<br />

al., 1994). A enzima 1,3-β-glucanase<br />

está incluída na família das proteínas PR<br />

(pathogenesis related), já que muitas de<br />

suas isoformas são induzidas durante


infecções fúngicas. Análises do padrão<br />

de síntese do mRNA da 1,3-β-glucanase,<br />

isolado de ápices radiculares de<br />

trigo, demonstram que a expressão deste<br />

gene é fortemente regulada pela presença<br />

de Al (Cruz-Ortega et al., 1997).<br />

Desta forma, o padrão de síntese de<br />

calose pode ser um bom indicativo do<br />

grau de injúria que o Al causa nas raízes,<br />

podendo, inclusive, ser utilizado como<br />

um parâmetro de seleção.<br />

Dentre os mecanismos de exclusão,<br />

a exudação de moléculas quelantes que<br />

complexam o Al tem sido o mais estudado.<br />

Tais quelantes são liberados no<br />

apoplasto e/ou na rizosfera, impedindo<br />

que o Al alcance seus sítios de toxidez.<br />

O Al, uma vez complexado com a<br />

molécula exudada pela raiz, perde seu<br />

efeito fitotóxico. Uma importante classe<br />

desses quelantes são os ácidos orgânicos<br />

de baixo peso molecular provenientes<br />

do ciclo dos ácidos tricarboxílicos.<br />

Um modelo do mecanismo de<br />

como ácidos orgânicos podem se complexar<br />

com íons de Al no solo é descrito<br />

na figura 3. Em trigo, o Al pode estimular<br />

a exudação do ácido málico e succínico<br />

(Delhaize et al. 1993a; 1993b), já<br />

em milho, foi observada a exudação de<br />

ácido cítrico, málico e trans-aconítico<br />

(Pellet et al., 1995, Jorge e Arruda,<br />

1997). Trabalhos semelhantes na Embrapa<br />

Milho e Sorgo observaram que<br />

plântulas de milho tolerantes ao Al<br />

exudavam ácido cítrico e ácido málico<br />

em concentrações superiores às plântulas<br />

sensíveis ao Al. Parece que nos<br />

genótipos tolerantes à<br />

presença do Al regula o<br />

surgimento de canais aniônicos<br />

que facilitam a<br />

exudação destes ácidos<br />

das células do tecido<br />

apical (Piñeros e Kochian,<br />

2001). Uma das evidências<br />

mais convincentes<br />

sobre o envolvimento<br />

da exudação de ácidos<br />

orgânicos na tolerância<br />

ao Al foi apresentado<br />

por Fuente-Martínez<br />

et al. (1997), com a produção<br />

de plantas de tabaco<br />

e mamão, superexpressando<br />

a enzima citrato<br />

sintase. Em função<br />

dessa super produção e<br />

exudação de citrato, as<br />

plantas transgênicas<br />

apresentaram aumento<br />

significativo na tolerância<br />

ao Al. A atividade da<br />

enzima citrato sintase foi também aumentada<br />

pela exposição de plantas de<br />

centeio ao Al (Li et al. 2000). Por outro<br />

lado, evidências recentes indicam que<br />

as enzimas envolvidas na síntese dos<br />

ácidos orgânicos, como malato desidrogenase<br />

e citrato sintase não são induzidas<br />

pelo Al em cultivares de milho mais<br />

tolerantes (Alves et al., dados não publicados,<br />

Embrapa Milho e Sorgo).<br />

A indução da síntese de proteínas<br />

específicas pode também estar relacionada<br />

com a resposta de plantas ao<br />

estresse causado pelo Al. Basu et al.<br />

(1994) observaram o acúmulo significativo<br />

de proteínas em solução nutritiva<br />

contendo Al, onde um genótipo tolerante<br />

de trigo havia sido cultivado, em<br />

comparação com o sensível. Segundo<br />

os autores, tais proteínas poderiam ter<br />

uma ação semelhante aos ácidos orgânicos,<br />

quelando o Al solúvel. Vários<br />

trabalhos demonstram alterações na síntese<br />

de proteínas em ápices radiculares<br />

para diferentes espécies de plantas,<br />

quando expostas ao Al (Cançado e<br />

Paiva, 1999). Tais alterações vão desde<br />

a indução até a inibição completa de<br />

determinados polipeptídeos, sendo que,<br />

na maioria das vezes, apresentam padrões<br />

de expressão diferenciados entre<br />

os genótipos tolerantes e sensíveis.<br />

Genética da tolerância ao Al - O<br />

uso de cultivares mais tolerantes à toxidez<br />

do Al apresenta-se como uma solução<br />

sustentável, propiciando ganhos<br />

permanentes de produtividade em solos<br />

sob vegetação de cerrado. Para tal,<br />

diversos estudos têm sido conduzidos<br />

no intuito de elucidar a genética da<br />

tolerância ao Al em milho, trigo, sorgo<br />

e soja, espécies cultivadas, de grande<br />

interesse econômico para o Cerrado.<br />

Trabalhos sobre genética da tolerância<br />

a Al abrangem alguns tópicos envolvendo<br />

a identificação de fontes de tolerância<br />

e a avaliação de populações<br />

segregantes em cruzamentos contrastantes,<br />

que culminam em estudos de<br />

herança e do tipo de ação gênica associada<br />

com a tolerância (Cançado e Paiva,<br />

1999).<br />

A grande maioria dos estudos de<br />

herança da tolerância ao Al tem sido<br />

conduzida em trigo, onde os resultados<br />

sugerem que um pequeno número de<br />

genes controlariam esta característica.<br />

Em milho, os resultados quanto ao<br />

número de genes e ao tipo de ação<br />

gênica são conflitantes, mas parece existir<br />

um consenso quanto à existência de<br />

poucos genes envolvidos na expressão<br />

da tolerância. No entanto, a tolerância<br />

ao Al em sorgo parece ser uma característica<br />

dominante e monogênica, enquanto<br />

que, em arroz, tem sido considerada<br />

como herança poligênica, com<br />

efeitos aditivos significativos. Adicionalmente<br />

à existência de genes maiores<br />

explicando grande parte da variação<br />

para tolerância ao Al, existem evidências<br />

sugerindo que genes modificadores<br />

podem ter papel importante na modulação<br />

do efeito desses genes maiores.<br />

Quanto ao modo de ação gênica, em<br />

Figura 5 – Atividade do GUS em plantas transgênicas de tabaco (A); plantas<br />

de tabaco transformadas (B); Gradiente de Al (0 and 6 ppm) Placa (C):, Tubo<br />

(D); Plantas transgênicas de tabaco crescendo em 6 ppm, em teste de hematoxilina<br />

(E); Southern blot de algumas plantas transformadas; sonda higromicina<br />

(F), sonda factor de elongamento 1 alfa (G)<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 59


geral, a tolerância ao Al tem sido reportada<br />

como característica dominante,<br />

podendo variar de acordo com o nível<br />

de Al utilizado na solução nutritiva.<br />

Com o advento dos marcadores moleculares,<br />

tornou-se possível identificar<br />

e mapear regiões genômicas associadas<br />

com a tolerância, o que pode ser utilizado<br />

como estratégia alternativa para clonagem<br />

dos genes de interesse e para dar<br />

suporte aos estudos sobre os mecanismos<br />

envolvidos nos processo da tolerância.<br />

Dentre os cinco QTLs explicando<br />

60% da tolerância ao alumínio em<br />

milho, dois deles estavam mapeados<br />

próximos aos genes da isocitrato desidrogenase<br />

e malato desidrogenase (Ninamango-Cárdenas,<br />

2000), enzimas que<br />

atuam na via metabólica dos ácidos<br />

orgânicos, um dos principais mecanismos<br />

propostos para a tolerância ao<br />

alumínio em plantas (Kochian, 1995).<br />

Outro QTL, identificado por Ninamango-Cárdenas<br />

(2000) foi mapeado próximo<br />

ao Alm2, um QTL também associado<br />

com a tolerância ao alumínio, em<br />

milho (Sibov et al., 1999). O desenvolvimento<br />

da raiz seminal de plântulas<br />

crescidas em solução nutritiva na presença<br />

de níveis tóxicos de Al tem sido<br />

um índice fenotípico bastante utilizado<br />

na avaliação da tolerância ao Al, em<br />

milho, por apresentar alta herdabilidade<br />

e baixo coeficiente de variação ambiental<br />

(Martins et al., 1999).<br />

O mapeamento comparativo pode<br />

também fornecer informações complementares<br />

sobre a conservação de genes<br />

e de mecanismos de tolerância ao alumínio<br />

entre espécies relacionadas. Existem,<br />

hoje, evidências de uma possível<br />

conservação de alguns genes de tolerância<br />

ao alumínio entre gramíneas correlacionadas<br />

como trigo, aveia e cevada.<br />

Prospecção de genes induzidos<br />

pelo Al - Alterações na expressão de<br />

genes induzidos por estresses ambientais<br />

vêm sendo relatadas para várias<br />

espécies vegetais. Projetos de seqüenciamento<br />

genômico e técnicas de análise<br />

de expressão diferencial de genes como<br />

microarrays e RT-PCR têm auxiliado a<br />

identificação de genes cuja expressão é<br />

alterada por estresses ambientais. Recentemente,<br />

com o uso de mutantes de<br />

Arabdopsis thaliana tolerantes e sensíveis<br />

ao Al, tem sido possível identificar<br />

genes que têm sua expressão alterada<br />

pelo Al, como é o caso do mutante<br />

tolerante ao Al (alr-104), cuja tolerância<br />

baseia-se na elevação do pH da rizosfera.<br />

Muitos destes genes poderão ser<br />

utilizados em transformação genética de<br />

plantas, na tentativa de tornar culturas<br />

de interesse agronômico mais tolerantes<br />

ao Al, ou ainda, serem utilizados como<br />

marcadores moleculares em programas<br />

de seleção genética. Recentemente, sete<br />

clones de cDNA induzidos pelo Al foram<br />

isolados em ápices radiculares de trigo<br />

cultivado, sendo que alguns dos clones<br />

apresentavam elevado grau de homologia<br />

com genes que codificam para inibidores<br />

de proteinases, fenilamonioliases<br />

(PAL) e proteínas do tipo PR (Snowden<br />

et al., 1995, Richards et al., 1994, Snowden<br />

et al., 1993). Em tabaco, foi isolado<br />

um clone (pAl 201), induzido pela presença<br />

do Al e pela supressão de fósforo<br />

inorgânico (Pi), cuja seqüência completa<br />

demonstrou homologia com genes<br />

que codificam para peroxidases (Ezaki<br />

et al. 1996). Estudos com as linhagens de<br />

milho L-36 (sensível) e a Cateto 237<br />

(tolerante) mostraram que o Al diminuiu<br />

a atividade da peroxidase somente no<br />

ápice das raízes da linhagem sensível.<br />

Independente da presença de Al, observou-se<br />

ainda que as duas linhagens<br />

apresentavam polimorfismo para duas<br />

isoenzimas aniônicas da peroxidase no<br />

ápice radicular. Tais observações sugerem<br />

que a peroxidase faça parte de um<br />

mecanismo constitutivo que confere proteção<br />

ao tecido radicular da cultivar<br />

tolerante quando exposta ao Al (Souza<br />

et al., dados não publicados).<br />

Em Arabidopsis thaliana, observouse<br />

a indução transiente de cinco genes<br />

nos ápices radiculares, poucas horas<br />

após sua exposição ao Al. Outros quatro<br />

genes, cuja transcrição aumentou por<br />

períodos de tempo mais longos, também<br />

foram isolados, enquanto outros<br />

dois genes apresentaram níveis de expressão<br />

reduzido ao longo do tratamento<br />

com Al (Richards et al. 1998). Alguns<br />

desses genes mostram homologia com<br />

genes induzidos pela presença de ozônio,<br />

um forte oxidante, assim como com<br />

peroxidases, BCB (Blue Copper Binding<br />

Protein) e GST (Gluthatione-S-transferase),<br />

sugerindo uma relação entre a<br />

toxidez por Al e o estresse oxidativo. Na<br />

linhagem de milho Cateto 237 (tolerante),<br />

o Al induziu a expressão dos genes<br />

da ascorbato peroxidase, da metionina<br />

sintase, de uma hemoglobina, do gene<br />

vivíparo 3, de uma proteína associada<br />

com a senescência e de uma invertase da<br />

parede celular (Purcino et al., dados não<br />

publicados, Embrapa Milho e Sorgo). É<br />

interessante notar que, como observado<br />

em Arabidopsis, alguns dos genes estão<br />

também ligados a mecanismos fisiológicos<br />

que conferem proteção contra o<br />

60 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />

estresse oxidativo, confirmando uma<br />

possível participação deste mecanismo<br />

como um componente importante da<br />

reação das plantas a níveis tóxicos de Al<br />

(Richards et al., 1998).<br />

Em trigo, genes induzidos por Al<br />

possuem elevada homologia com genes<br />

de peroxidases (war4.2), proteinases de<br />

cisteína (war5.2), fenil-amonia liase<br />

(war7.2) e oxalato oxidases (war13.2)<br />

(Hamel et al. 1998).<br />

Estratégias moleculares para aumento<br />

da tolerância ao Al em plantas<br />

- As técnicas de DNA recombinante têm<br />

permitido a identificação de genes relacionados<br />

com a tolerância à toxidez de Al<br />

de uma série de espécies vegetais. Esses<br />

genes são os primeiros candidatos para<br />

serem mapeados em populações segregantes<br />

para a tolerância ao Al, assim<br />

como fontes para construções gênicas<br />

em teste com transgênicos. Baseando na<br />

estratégia proposta por Fuente-Martinez<br />

et al. (1997), onde plantas transgênicas<br />

superexpressando o gene da citrato sintase<br />

(CS) isolado da bactéria Pseudomonas<br />

aeruginosa, aumentaram os níveis<br />

de tolerância ao Al, trabalhos vêm sendo<br />

desenvolvidos na Embrapa Milho e Sorgo.<br />

Plantas de tabaco estão sendo transformadas<br />

com o gene da citrato sintase<br />

isolado de Escherichia coli e de cenoura<br />

(Daucus carota), regulados por promotores<br />

constitutivos (CaMV 35S) e raizespecíficos.<br />

O grande objetivo da pesquisa<br />

é gerar uma tecnologia que possa ser<br />

transferida para culturas de maior importância<br />

para a região do Cerrado, tais<br />

como o milho e a soja (Fig. 3 e 4).<br />

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<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 61


Pesquisa<br />

Laranja<br />

TRANSGÊNICA<br />

Transformação de laranja visando resistência ao cancro cítrico usando genes de peptídeos antibacterianos<br />

Brasil é o maior produtor<br />

mundial de laranja,<br />

com 355 milhões de caixas<br />

produzidas em 2000/<br />

01, o que corresponde a<br />

cerca de 30 % da produção mundial.<br />

Além disso, o país é responsável por,<br />

aproximadamente, metade da produção<br />

mundial de suco concentrado (61 o<br />

Brix), um dos principais produtos agrícolas<br />

exportados pelo Brasil. O volume<br />

de recursos movimentados pelo<br />

agronegócio citrícola supera R$ 5 bilhões<br />

por ano, gerando cerca de 400<br />

mil empregos diretos, somente no estado<br />

de São Paulo, o maior produtor do<br />

Brasil.<br />

A citricultura nacional apresenta<br />

vários problemas fitossanitários, entre<br />

os quais se destacam a larva minadora<br />

dos citros (Phyllocnistis citrella), a pinta<br />

preta (doença fúngica provocada<br />

por Guignardia citricarpa), a clorose<br />

variegada dos citros (CVC, causada<br />

pela bactéria Xyllela fastidiosa) e o<br />

cancro cítrico (causada pela bactéria<br />

Xanthomonas axonopodis pv. citri).<br />

Cancro cítrico<br />

O cancro cítrico tem provocado<br />

grandes prejuízos tanto no Brasil como<br />

em outros países produtores de citros.<br />

Essa doença afeta toda a parte aérea da<br />

planta, causando lesões em frutos, folhas<br />

e ramos (Figura 1). Os frutos ficam<br />

depreciados e caem precocemente, reduzindo<br />

a produção da planta. As<br />

portas de entrada para a bactéria do<br />

cancro são ferimentos em folhas causados<br />

pelo vento ou pelo ataque da larva<br />

minadora dos citros.<br />

O controle do cancro cítrico tem<br />

sido realizado através de medidas para<br />

prevenir a introdução da bactéria e da<br />

erradicação das plantas contaminadas.<br />

Para isso, são realizadas por agências<br />

fiscalizadoras, inspeções periódicas em<br />

pomares comerciais e domésticos. As<br />

plantas cítricas contaminadas, bem<br />

João Carlos Bespalhok Filho<br />

IAPAR, Laboratório de <strong>Bio</strong>tecnologia,<br />

bespa@hotmail.com<br />

Adilson Kenji Kobayashi<br />

IAPAR, Laboratório de <strong>Bio</strong>tecnologia,<br />

adilson@sercomtel.com.br<br />

Luiz Filipe Protásio Pereira<br />

IAPAR, Laboratório de <strong>Bio</strong>tecnologia,<br />

lpereira@pr.gov.br<br />

Luiz Gonzaga Esteves Vieira<br />

IAPAR, Laboratório de <strong>Bio</strong>tecnologia,<br />

lvieira@pr.gov.br<br />

Fotos cedidas pelos autores<br />

Figura 1. Frutos de laranja apresentando sintomas de cancro<br />

cítrico (Foto gentilmente cedida pelo Dr. Rui Pereira Leite)<br />

62 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Figura 2. Expressão do gene marcador gus em plantas<br />

transgênicas de laranja Pêra<br />

como as não contaminadas, num raio<br />

de 30 metros, são cortadas e incineradas.<br />

Somente no ano de 1999, foram<br />

gastos cerca de R$ 33 milhões na<br />

erradicação de pomares infectados nos<br />

Estados de São Paulo e Minas Gerais.<br />

Entretanto, a presença e o progresso<br />

epidêmico do cancro cítrico em<br />

diversas regiões produtoras de citros<br />

ao redor do mundo, e a sua recente<br />

introdução e reintrodução em vários<br />

países têm levantado dúvidas quanto à<br />

eficiência da adoção exclusiva de medidas<br />

para impedir a sua introdução<br />

em novas áreas e para a erradicação<br />

completa da doença em regiões onde<br />

ela foi introduzida (Leite, 1990).<br />

O desenvolvimento de variedades<br />

cítricas agronomicamente aceitáveis<br />

com adequado nível de resistência, é<br />

ainda a forma mais econômica e eficiente<br />

de controlar o cancro cítrico.<br />

Entretanto, o melhoramento de citros é<br />

um processo longo, principalmente<br />

pelos aspectos botânicos desse gênero.<br />

Grande parte das espécies apresenta<br />

poliembrionia e longo período juvenil,<br />

o que dificulta a seleção de genótipos<br />

por hibridação. A obtenção de<br />

uma nova variedade é um processo<br />

que leva em média 30 anos. Os principais<br />

avanços têm sido obtidos pela<br />

seleção de mutações naturais.<br />

Frente a esses problemas, a transformação<br />

genética da laranjeira mostra-se<br />

como uma estratégia de melhoramento<br />

muito promissora, podendo<br />

ser utilizada para a introdução de novas<br />

características em variedades elite,<br />

reduzindo o tempo necessário para o<br />

lançamento de novos cultivares.<br />

Transformação genética de citros<br />

Plantas transgênicas de citros já<br />

foram obtidas por meio da introdução<br />

direta de DNA em protoplastos (Vardi<br />

et al., 1990); por co-cultivo de segmentos<br />

internodais ou de epicótilo com<br />

Agrobacterium (Moore et al., 1992;<br />

Kaneyoshi et al., 1994; Peña et al.,<br />

1995; Gutiérrez et al., 1997; Cervera et<br />

al., 1998), e por bombardeamento de<br />

partículas em suspensões embriogênicas<br />

de nucelo (Yao et al., 1996). Atualmente,<br />

o método mais utilizado de<br />

transformação genética em citros é a<br />

transformação mediada por Agrobacterium,<br />

utilizando-se segmentos de<br />

epicótilo de 1 cm como explantes.<br />

Usando esse sistema, já foram obtidas<br />

plantas transgênicas de laranja doce<br />

(C. sinensis;) (Peña et al., 1995; Bond &<br />

Roose, 1998), C. aurantifolia (Peña et<br />

al., 1997), C. aurantium (Gutiérrez et<br />

al., 1997), Carrizo citrange (C. sinensis<br />

X Poncirus trifoliata; Moore et al.,<br />

1992), P. trifoliata (Kaneyoshi et al.,<br />

1994) e grapefruit (C. paradisi; Luth &<br />

Moore, 1999.<br />

Figura 3. Construção usada nos experimentos de transformação<br />

Entretanto, a eficiência de transformação<br />

utilizando esse protocolo de<br />

regeneração ainda é baixa. Isso se<br />

deve, principalmente, ao pequeno<br />

número de brotos obtidos por explante<br />

e ao grande número de escapes.<br />

Além disso, as plantas transgênicas<br />

obtidas por esse sistema são juvenis,<br />

sendo necessário vários anos para que<br />

se possa avaliar algumas de suas características<br />

comerciais (produtividade,<br />

qualidade de fruto etc). Com vistas a<br />

contornar esse problema, Cervera et al.<br />

(1998) utilizaram internódios de plantas<br />

maduras de laranja doce cultivar<br />

Pineapple como explantes para transformação,<br />

conseguindo que as plantas<br />

transgênicas florescessem após 14<br />

meses.<br />

A falta de técnicas adequadas de<br />

cultura de tecidos de cultivares de<br />

laranja doce adaptados às nossas condições<br />

agroecológicas tem dificultado<br />

o uso da tecnologia de transformação<br />

de plantas nessa cultura. Visando a<br />

minimizar esse problema, o Laboratório<br />

de <strong>Bio</strong>tecnologia Vegetal do IAPAR<br />

desenvolveu novos protocolos de regeneração<br />

de laranja doce Pêra, usando<br />

segmentos finos transversais tanto<br />

de tecidos juvenis (Bespalhok et al.,<br />

2001) quanto de maduros (Kobayashi<br />

et al., 2001). Esses novos protocolos<br />

permitem a transformação de laranja,<br />

tanto através de Agrobacterium tumefaciens<br />

como também via biobalística.<br />

Essa metodologia foi utilizada em experimentos<br />

preliminares para a otimização<br />

do sistema de transformação,<br />

utilizando o plasmídeo pBE2113, que<br />

contém o gene gus sob controle de<br />

promotores constitutivos (Figura 2).<br />

Uso de peptídeos antibacterianos<br />

Várias estratégias têm sido utilizadas<br />

para aumentar a resistência de<br />

plantas a doenças bacterianas através<br />

da engenharia genética. Entre essas<br />

estratégias destacam-se: a produção de<br />

peptídeos antibacterianos, a inibição<br />

de fatores de virulência e o aumento<br />

das defesas naturais e morte celular<br />

programada no local da infecção (Mourgues<br />

et al., 1998).<br />

Todos os organismos superiores<br />

possuem sistemas de proteção contra<br />

infecções por microorganismos. Os insetos<br />

possuem um eficiente sistema de<br />

defesa contra bactérias e outros parasitas.<br />

Esse sistema, que foi bastante estu-<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 63


dado em Hyalophora cecropia, é responsável<br />

pela produção de peptídeos<br />

com potente atividade antitibacteriana,<br />

tais como as cecropinas.<br />

Cecropinas pertencem a uma família<br />

de pequenos peptídeos, isolados da<br />

hemolinfa de insetos, que exibem atividade<br />

lítica e antibactericida contra<br />

muitas bactérias gram-positivas e gramnegativas<br />

(Boman & Hultmark, 1987).<br />

Estruturalmente, esses peptídeos têm<br />

uma região N-terminal bastante básica<br />

e uma longa seqüência hidrofóbica na<br />

região C-terminal. Essas características<br />

são necessárias para a ação antibacteriana<br />

das cecropinas através da formação<br />

de canais nas membranas, provocando<br />

o vazamento de componentes<br />

celulares e, conseqüentemente, a morte<br />

da bactéria (Christensen et al., 1988).<br />

Vários trabalhos de transformação<br />

de espécies vegetais com peptídeos<br />

antibacterianos foram publicados nos<br />

últimos anos. Batata e fumo foram as<br />

espécies mais utilizadas, principalmente<br />

pela facilidade de cultura de tecidos e<br />

a importância das bacterioses. Montanelli<br />

& Nascari (1991) transformaram<br />

batata com um gene responsável pela<br />

produção de cecropina e encontraram<br />

resultados positivos contra Ralstonia<br />

solanacearum em testes preliminares<br />

in vitro com extratos de plantas transgênicas.<br />

Jaynes et al. (1993), utilizando<br />

o gene Shiva-1 (um análogo sintético<br />

da cecropina), controlado pelo promotor<br />

do inibidor de proteinase II de<br />

batata, obtiveram alta expressão em<br />

plantas transgênicas de fumo que mostraram<br />

um aumento de resistência a R.<br />

solanacearum. Por outro lado, Florack<br />

et al. (1995) transformaram fumo com<br />

genes de cecropina B, mas não conseguiram<br />

aumentar a resistência dessa<br />

espécie contra R. solanacearum e P.<br />

syringae pv. tabaci. A rápida degradação<br />

da cecropina por proteases endógenas<br />

foi apontada como responsável<br />

pela baixa detecção do peptídeo nas<br />

plantas transgênicas, apesar da correta<br />

transcrição do gene inserido. Também,<br />

Hightower et al. (1994) não conseguiram<br />

aumentar a resistência de plantas<br />

de fumo a P. syringae pv. tabaci com<br />

a introdução de um gene quimérico de<br />

cecropina A/B.<br />

Além das cecropinas, outros tipos<br />

de peptídeos têm sido utilizados em<br />

plantas com vistas a controlar doenças<br />

bacterianas. Norelli et al. (1994) observaram<br />

que plantas transgênicas de maça<br />

Figure 4. Análise de PCR de plantas transgênicas de laranja Pêra. O<br />

DNA foi isolado de folhas e amplificado com primers específicos<br />

para o gene da sarcotoxina dando um produto de 268 pb. Coluna<br />

M, marcador 100 pb; coluna C, controle negativo, laranja Pêra não<br />

transformada; colunas 1-10, plantas transgênicas; coluna P, plasmídeo<br />

pST10<br />

expressando o gene da atacina E mostraram<br />

maior resistência a Erwinia<br />

amylovora. Plantas transgênicas de<br />

batatas com resistência a Erwinia<br />

amylovora foram obtidas por Düring et<br />

al. (1993) através da inserção do gene<br />

da lisozima do bacteriófago T4.<br />

Os resultados até agora relatados<br />

na literatura indicam que a transformação<br />

com peptídeos antibacterianos tem<br />

grande potencial para ser usada no<br />

melhoramento vegetal, principalmente<br />

através do uso de construções gênicas<br />

capazes de expressar esses peptídeos<br />

extracelularmente e, também, pela<br />

modificação desses peptídeos visando<br />

a conseguir a sua maior estabilidade<br />

frente à degradação por proteases endógenas.<br />

Sarcotoxina<br />

A sarcotoxina é um peptídeo antibacteriano<br />

isolado de larvas de Sarcophaga<br />

peregrina pelo grupo do Dr.<br />

Natori, Universidade de Tókio (Japão).<br />

Figura 5. Processo de obtenção de plantas transgênicas de laranja Pêra a<br />

partir de tecido maduro<br />

64 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Esse peptídeo possui 39 aminoácidos e<br />

pertence ao grupo das cecropinas. Em<br />

estudos in vitro, a sarcotoxina mostrou-se<br />

altamente eficiente na inibição<br />

do crescimento de algumas bactérias<br />

causadoras de doenças em plantas,<br />

especialmente para X. axonopodis pv.<br />

citri (Ohshima et al., 1999).<br />

A expressão da sarcotoxina em plantas<br />

de tabaco sob controle de um<br />

promotor constitutivo aumentou a resistência<br />

a duas bactérias fitopatogênicas:<br />

P. syringae pv. tabaci e E. carotovora<br />

subsp. carotovora (Ohshima et<br />

al., 1999). Também, plantas de tabaco<br />

transformadas com o gene da sarcotoxina<br />

sob o controle de um promotor<br />

induzido por ácido salicílico (PR1a)<br />

apresentaram um aumento na resistência<br />

tanto a bactérias fitopatogênicas<br />

como a fungos Rhizoctonia solani e<br />

Pythium aphanidermatum (Mitsuhara<br />

et al., 2000).<br />

Apesar de ainda serem necessários<br />

mais estudos sobre a segurança alimentar<br />

da sarcotoxina, resultados recentes<br />

mostram que a sarcotoxina tem<br />

pouca ação sobre microrganismos benéficos<br />

que fazem parte da flora intestinal<br />

humana (Mitsuhara et al., 2001).<br />

Transformação de citros<br />

com o gene da sarcotoxina<br />

Figura 6. Plantas inoculadas com isolado de X. axonopodis pv. citri (10 4<br />

cfu/ml) após 26 dias. Planta não transgênica utilizada como controle (esquerda)<br />

e planta transgênica expressando sarcotoxina (direita)<br />

A obtenção de plantas transgênicas<br />

de laranja doce de cultivares plantados<br />

no Brasil com o gene da sarcotoxina é<br />

uma estratégia muito promissora para<br />

aumentar a tolerância à bactéria do<br />

cancro cítrico. Assim, foram realizados<br />

trabalhos de transformação de plantas<br />

de laranja com o gene da sarcotoxina<br />

no Labotatório de <strong>Bio</strong>tecnologia Vegetal<br />

do IAPAR. O plasmídeo utilizado<br />

para transformação (pST10) contém o<br />

gene da sarcotoxina (stx IA) ligado a<br />

um peptídeo sinal que tem a função de<br />

exportar o peptídeo para o espaço<br />

intercelular sob controle do promotor<br />

constitutivo 35S, do vírus do mosaico<br />

da couve-flor e o gene da neomicina<br />

fosfotransferase (npt II), que confere<br />

resistência ao antibiótico canamicina<br />

(Figura 3). Esse plasmídeo foi cedido<br />

ao IAPAR através de um convênio<br />

científico com o Instituto Nacional de<br />

Recursos Agrobiológicos (NIAR, Japão).<br />

A metodologia de transformação<br />

de laranja usou a estirpe EHA-105 de<br />

Agrobacterium tumefaciens como vetor<br />

para inserção do gene da sarcotoxina.<br />

Um aspecto inovador da metodologia<br />

é a utilização de segmentos finos de<br />

material vegetal maduro para a transformação,<br />

o que reduz em, pelo menos,<br />

cinco anos o início de produção e<br />

avaliação das plantas transgênicas. Em<br />

experimentos preliminares, plantas de<br />

laranja Pêra regeneradas a partir de<br />

tecido maduro floresceram após 12<br />

meses em casa de vegetação.<br />

Internódios de mudas de laranja<br />

Pêra mantidas em casa de vegetação<br />

foram utilizados como explantes iniciais.<br />

Esses internódios foram desinfestados,<br />

cortados transversalmente em segmentos<br />

de 1-2 mm e imersos em meio<br />

contendo Agrobacterium. Os explantes<br />

foram então co-cultivados por 72<br />

horas e transferidos para meio de indução<br />

de gemas com 200 mg/l cefotaxima,<br />

200 mg/l timetina e 25 mg/l canamicina.<br />

Após três semanas no escuro,<br />

os segmentos que apresentavam gemas<br />

foram transferidos para meio de<br />

alongamento ainda com a presença de<br />

antibióticos. Após 3-4 semanas no meio<br />

de alongamento, as gemas regeneradas<br />

maiores que 1 mm foram microenxertadas<br />

em plântulas de Carrizo citrange<br />

germinadas in vitro. Quando os<br />

enxertos apresentavam de 3 a 4 folhas,<br />

pequenos segmentos de tecido foliar<br />

foram utilizados para detecção da presença<br />

do gene da sarcotoxina através<br />

de PCR. Enxertos apresentando a banda<br />

correspondente ao gene da sarcotoxina<br />

(Figura 4) foram então transplantados<br />

diretamente em solo ou<br />

novamente enxertados em plantas de<br />

limão cravo em casa de vegetação<br />

(Figura 5).<br />

Foram obtidos diversos eventos de<br />

laranja Pêra transgênica contendo o<br />

gene da sarcotoxina. As plantas transgênicas<br />

foram clonadas através de<br />

enxertia em porta-enxertos de limão<br />

cravo para serem inoculadas com a<br />

cepa 306 da bactéria de X. axonopodis<br />

pv citri.<br />

A inoculação das plantas transgênicas<br />

com a bactéria do cancro cítrico<br />

é feita pelo método de infiltração em<br />

folhas novas utilizando-se seringas hipodérmicas.<br />

A avaliação da resistência<br />

é feita após três semanas através da<br />

contagem de lesões por área foliar e<br />

do re-isolamento da bactéria.<br />

A análise de Western blot em folhas<br />

mostrou que há uma variação na<br />

expressão da sarcotoxina nos diferentes<br />

eventos. Os resultados da inoculação<br />

das plantas transgênicas com a<br />

bactéria do cancro cítrico mostraram<br />

que as plantas apresentando maiores<br />

quantidades de sarcotoxina foram mais<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 65


esistentes ao cancro cítrico (Figura 6).<br />

Considerações finais<br />

O projeto para o desenvolvimento<br />

da laranja transgênica foi iniciado em<br />

1999 e tem sido financiado pelo CNPq,<br />

através do programa RHAE, e pela<br />

Fundação Araucária (Governo do Estado<br />

do Paraná). Deverão ser feitos ainda,<br />

estudos necessários para se conhecer<br />

o efeito da introdução do gene da<br />

sarcotoxina nas plantas, na segurança<br />

alimentar e o seu impacto no ambiente,<br />

antes que essa tecnologia possa ser<br />

utilizada de maneira mais ampla. A<br />

grande eficiência do protocolo de transformação<br />

de laranja desenvolvido torna<br />

possível a inserção de novos genes<br />

que podem contribuir para minimizar<br />

outros problemas da citricultura, tais<br />

como o ataque de pragas e a resistência<br />

a estresses abióticos.<br />

Além do Instituto Agronômico do<br />

Paraná, através do Laboratório de <strong>Bio</strong>tecnologia,<br />

outras instituições brasileiras<br />

que atuam no desenvolvimento de<br />

plantas transgênicas de laranja são: o<br />

Centro de Citricultura do Instituto Agronômico<br />

de Campinas (IAC), em Cordeirópolis<br />

(SP), a Escola Superior de<br />

Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ) e<br />

o Centro de Energia Nuclear (CENA),<br />

da USP, em Piracicaba (SP).<br />

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66 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Pesquisa<br />

Vacinas de DNA<br />

MULTIVALENTES<br />

Pesquisas abrem caminho para a vacina ideal<br />

Marcio de Oliveira Lásaro<br />

Aluno de doutorado do curso de Pós-graduação<br />

do Instituto de <strong>Bio</strong>física Carlos Chagas Filho -<br />

UFRJ<br />

molasaro@biof.ufrj.br<br />

Carolina Tereza Cequalini Rohr<br />

Aluna de <strong>Bio</strong>logia - Universidade Presbiteriana<br />

Mackenzie<br />

carolzinhar@hotmail.com<br />

Luís Carlos de Souza Ferreira<br />

Professor Titular Departamento de Microbiologia,<br />

Instituto de Ciências <strong>Bio</strong>médicas- USP<br />

lcsf@usp.br<br />

Figura 1: Estratégia para a geração<br />

de vacinas de DNA multivalente<br />

baseada em mistura de plasmídeos<br />

que codificam para antígenos<br />

diferentes. Cada um dos genes x e<br />

y são clonados em diferentes<br />

plasmídeos e inoculados juntos na<br />

mesma formulação. As proteínas<br />

expressas são processadas individualmente<br />

e apresentadas ao sistema<br />

imune por moléculas de MHC<br />

pós cerca de 180 anos<br />

da descoberta e aplicação<br />

da vacina contra a<br />

varíola, feita pelo Dr.<br />

Edward Jenner, em<br />

Gloucestershire, um pequeno<br />

município a oeste de Londres, a<br />

doença foi considerada erradicada do<br />

planeta, em 1977. Esse evento celebrou<br />

de forma definitiva o papel das vacinas<br />

como um dos principais instrumentos<br />

na prevenção de doenças infecciosas e<br />

consagrou-as como uma das mais importantes<br />

descobertas na área médica<br />

de todos os tempos. Entretanto, a vitória<br />

contra a varíola representou apenas<br />

uma batalha vencida em uma guerra, na<br />

qual, a cada ano, milhões de vidas ainda<br />

são perdidas, sobretudo de crianças,<br />

vítimas de doenças que poderiam<br />

ser evitadas caso dispuséssemos<br />

de formulações vacinais<br />

contra diversos patógenos que<br />

afligem a humanidade.<br />

Em 1974, a Organização<br />

Mundial da Saúde estabeleceu<br />

como prioridade a implantação<br />

do Programa Ampliado de<br />

Imunização com vistas a permitir<br />

à população infantil ter acesso<br />

a vacinas eficazes contra algumas<br />

das principais doenças infecciosas<br />

(pólio, tuberculose, difteria,<br />

tétano, coqueluche, sarampo,<br />

cachumba, rubéola, hepatite). Outras<br />

vacinas capazes de prevenir doenças<br />

que ainda apresentam elevados índices<br />

de mortalidade e morbidade são<br />

aquelas desenvolvidas para o controle<br />

das meningites bacterianas (meningocócica<br />

e a causada pelo H. influenza do<br />

tipo B), a catapora (varicela), a pneunonia<br />

bacteriana e a gripe. A maioria<br />

dessas vacinas são administradas em<br />

regime de múltiplas doses, com intervalos<br />

definidos e em diferentes momentos<br />

da vida do indivíduo, o que aumenta os<br />

custos e pode levá-lo à desistência durante<br />

os programas de imunização. Uma<br />

alternativa para esse problema são vacinas<br />

multivalentes, isto é, formulações<br />

que contenham em sua composição<br />

antígenos capazes de gerar proteção<br />

contra diversas doenças. O sucesso dessa<br />

abordagem foi demonstrado por exemplos<br />

como a vacina tríplice viral (sarampo,<br />

cachumba e rubéola), a tríplice<br />

bacteriana (difteria, coqueluche e tétano),<br />

ou ainda as vacinas multivalentes<br />

contra meningites meningocócicas e<br />

pneumonia pneumocócica, todas utilizadas<br />

com sucesso há vários anos. Infelizmente<br />

a estratégia não é universal e<br />

algumas limitações não puderam ser<br />

superadas. Restrições relacionadas com<br />

a solubilidade dos antígenos vacinais e<br />

a competição antigênica, quando a presença<br />

de um antígeno suprime ou diminui<br />

as respostas imunológicas induzidas<br />

contra outro antígeno co-administrado,<br />

impediram o desenvolvimento<br />

de novas formulações multivalentes ativas<br />

contra um maior número de doenças.<br />

Recentes descobertas na área de<br />

pesquisa vacinal reacenderam as esperanças<br />

que novas formulações multivalentes,<br />

ativas contra um número ilimitado<br />

de doenças, possam ser criadas em<br />

um breve futuro. Dentre essas novas<br />

tecnologias, destacam-se as vacinas<br />

genéticas, ou vacinas de DNA. Essas<br />

vacinas são formadas por plasmídeos<br />

capazes de induzir respostas imunológicas<br />

em indivíduos inoculados com<br />

DNA purificado, reflexo da transfecção<br />

de células que passam a produzir os<br />

antígenos responsáveis pela proteção<br />

contra um patógeno específico (Azevedo<br />

& Oliveira, 1997; Silva, 1997; Lásaro<br />

& Ferreira, 1999). Ao contrário das vacinas<br />

convencionais, que se baseiam na<br />

inoculação de microrganismos mortos,<br />

atenuados ou de frações acelulares<br />

purificadas para induzir uma resposta<br />

imunológica, as vacinas de DNA empre-<br />

68 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


Figura 2: Estratégia para geração<br />

de vacinas de DNA multivalente<br />

baseada em minigenes ou<br />

politopos. Regiões de genes que<br />

codificam epitopos específicos<br />

para linfócitos T citotóxicos, B ou<br />

T auxiliares (T, B, Th; na figura)<br />

são clonados na mesma fase de<br />

leitura em um único plasmídeo.<br />

Após a inoculação do plasmídeo<br />

no hospedeiro, o minigene<br />

expresso é processado e os<br />

epitopos são apresentados ao<br />

sistema imune por moléculas de<br />

MHC<br />

gam um protocolo único para sua produção,<br />

o que resulta em considerável<br />

redução de custos, além de evitar o<br />

contato direto com o patógeno ou com<br />

produtos dele extraídos.<br />

Pela própria composição e mecanismo<br />

de ação, as vacinas de DNA mostram<br />

grande potencial para a elaboração<br />

de formulações multivalentes. Como<br />

não se trabalha com os microrganismos<br />

ou com produtos deles isolados, as<br />

limitações ficam eliminadas quanto à<br />

solubilidade antigênica. Com o auxílio<br />

de técnicas de clonagem gênica, é possível<br />

inserir em um mesmo plasmídeo,<br />

ou em plasmídeos diferentes, vários<br />

genes que codifiquem para antígenos<br />

oriundos de um mesmo patógeno ou de<br />

patógenos diferentes. Por outro lado,<br />

como as células transfectadas do próprio<br />

indivíduo se encarregam de produzir<br />

os antígenos codificados pelos genes<br />

nelas introduzidos, espera-se que sejam<br />

minimizados problemas relacionados<br />

com a competição antigênica. As pesquisas<br />

para o desenvolvimento de vacinas<br />

de DNA multivalentes avançam em<br />

ritmo acelerado e três estratégias principais<br />

são investigadas por grupos de<br />

pesquisa que trabalham nessa área: (i)<br />

vacinas baseadas em mistura de plasmídeos,<br />

(ii) vacinas baseadas em politopos<br />

ou minigenes e (iii) vacinas que<br />

codificam proteínas híbridas.<br />

Vacinas de DNA multivalentes baseadas<br />

em mistura de plasmídeos<br />

Nesse tipo de estratégia, dois ou<br />

mais plasmídeos, cada um deles codificando<br />

para um antígeno específico, são<br />

combinados em uma única formulação<br />

(Figura 1). Animais inoculados com a<br />

mistura de plasmídeos desenvolveram<br />

resposta imunológica e/ou proteção tão<br />

eficientemente ou melhor do que aqueles<br />

indivíduos imunizados com apenas<br />

um plasmídeo que dirige a expressão<br />

de um único antígeno. Vacinas baseadas<br />

nessa metodologia podem empregar<br />

um mesmo tipo de vetor plasmidial<br />

ou plasmídeos diferentes, desde que<br />

estes sejam capazes de promover a<br />

expressão dos antígenos necessários à<br />

indução da resposta imunológica. Por<br />

exemplo, uma vacina de DNA composta<br />

por plasmídeos diferentes que codificavam<br />

para as proteínas ESAT-16, MPT-<br />

64, MPT-63 e KatG do<br />

Mycobacterium tuberculosis, resultou<br />

na indução de respostas imunológicas<br />

específicas a cada um dos antígenos em<br />

níveis semelhantes aos observados em<br />

animais imunizados com cada um dos<br />

plasmídeos isoladamente (Morris et al.,<br />

2000).<br />

Outro estudo baseado no vírus influenza<br />

mostrou que a mistura de dois<br />

plasmídeos, que codificavam para a<br />

hemaglutinina (HA) e a neuroaminidase<br />

(NA) virais conferiu maior proteção<br />

em camundongos do que aquela obtida<br />

com os mesmos plasmídeos aplicados<br />

isoladamente (Chen et al., 1999). Além<br />

disso, a adição de um terceiro plasmídeo<br />

que codificava para outra proteína<br />

viral não interferiu nas respostas imunológicas<br />

obtidas para as proteínas HA<br />

e NA. Essas observações demonstram<br />

que vacinas de DNA multivalentes baseadas<br />

na mistura de plasmídeos podem<br />

ser feitas sem o comprometimento<br />

da resposta induzida por cada um dos<br />

antígenos codificados.<br />

Entretanto, o uso de plasmídeos que<br />

possuem promotores com atividade<br />

muito diferente pode acarretar diferença<br />

nas quantidades de antígenos e resultar<br />

em resposta imune induzida diferenciada<br />

frente aos respectivos antígenos<br />

codificados. A produção de um<br />

determinado antígeno sob o controle<br />

de um promotor forte pode gerar um<br />

quadro semelhante à competição antigênica<br />

em função do maior recrutamento<br />

de células apresentadoras de<br />

antígenos (APC, do inglês antigen-presenting<br />

cells). Essa competição pelas<br />

APCs pode resultar em resposta imunológica<br />

maior e mais rápida em relação<br />

ao(s) antígeno(s) presente(s) em maior<br />

quantidade. Talvez um reflexo de um<br />

microambiente induzido pela produção<br />

de mediadores químicos da resposta<br />

imune (citocinas), que, por sua vez,<br />

influenciam a resposta imune tanto em<br />

magnitude (produção de anticorpos)<br />

como em população de linfócitos T<br />

ativados (padrão Th1/Th2). Tais desdobramentos<br />

indicam que as vacinas de<br />

DNA multivalentes baseadas em mistura<br />

de plasmídeos devem, sempre que<br />

possível, utilizar um mesmo plasmídeo<br />

para a construção das formas recombinantes,<br />

presentes na formulação final.<br />

A inoculação de vacinas de DNA<br />

pode ser feita de várias maneiras: a<br />

biobalística emprega partículas de ouro<br />

revestidas com DNA introduzidas através<br />

da pele por gases sob pressão. O<br />

DNA pode ser encapsulado em partículas<br />

lipídicas (lipossomos) e administrado<br />

por via intranasal, ou, ainda, bactérias<br />

atenuadas, como Salmonella ou<br />

Shigella, que podem ser administradas<br />

por via oral e, após destruição por<br />

células fagocitárias, acabam por liberar<br />

o DNA, que conduzirá a expressão do<br />

antígeno pelas células do hospedeiro<br />

(Azevedo & Oliveira, 1997, Lásaro &<br />

Ferreira, 2000). No entanto, a inoculação<br />

intramuscular ainda representa a<br />

forma mais usual de aplicação de vacinas<br />

de DNA, tanto em animais como em<br />

humanos, e a quantidade mínima de<br />

DNA capaz de induzir resposta imune<br />

protetora representa uma grande preocupação<br />

para aqueles que trabalham no<br />

desenvolvimento de formulações multivalentes.<br />

A dose de DNA a ser inoculada<br />

não pode ser tão baixa a ponto de<br />

mostrar-se incapaz de induzir resposta<br />

imune no hospedeiro mamífero, nem<br />

tão alta a ponto de saturar a capacidade<br />

do indivíduo em responder ao estímulo,<br />

o que acarretaria desperdício do<br />

material vacinal. Alguns pesquisadores,<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 69


Figura 3: Estratégia baseada na<br />

expressão de proteínas híbridas.<br />

Genes que codificam para<br />

proteínas inteiras ou somente<br />

domínios imunologicamente<br />

importantes são clonados na<br />

mesma fase de leitura, em um<br />

único plasmídeo. Após a<br />

inoculação do plamídeo no<br />

hospedeiro, a proteína híbrida é<br />

processada e apresentada ao<br />

sistema imune por moléculas de<br />

MHC<br />

preocupados com essa questão, demonstraram<br />

que cobaias imunizadas<br />

com pequenas quantidades (13 µg) de<br />

uma mistura de plasmídeos que codificavam<br />

para glicoproteínas do vírus herpes<br />

simplex do tipo 2 (HSV-2), agente<br />

causador do herpes genital, obtiveram<br />

uma proteção tão boa quanto aquelas<br />

observadas em animais imunizados com<br />

doses maiores (McClements et al., 1996).<br />

Estes resultados, assim como outros<br />

trabalhos baseados em diferentes vacinas<br />

de DNA, demonstram que formulações<br />

multivalentes podem ser aplicadas<br />

em quantidades relativamente pequenas<br />

sem o comprometimento das respostas<br />

imunológicas induzidas.<br />

Vacinas de DNA multivalentes<br />

baseadas em minigenes<br />

Vacinas de DNA multivalentes também<br />

podem ser geradas a partir da<br />

construção de minigenes ou politopos.<br />

Essa estratégia consiste na utilização de<br />

oligonucleotídeos que, uma vez clonados<br />

em ordem contígua e no mesmo<br />

referencial de tradução em um mesmo<br />

plasmídeo, codificam para epitopos derivados<br />

de antígenos oriundos de um<br />

ou mais patógenos (Figura 2). Uma<br />

vantagem inerente a essa estratégia<br />

é o fato de ser possível expressar<br />

epitopos específicos para<br />

linfócitos B, T ou citotóxicos<br />

e excluir seqüências<br />

não relevantes para gerar<br />

resposta imunológica,<br />

ou mesmo seqüências<br />

responsáveis pela<br />

indução de respostas cruzadas<br />

com antígenos do<br />

próprio indivíduo, o que<br />

poderia resultar em doença<br />

auto-imune.<br />

Em um estudo baseado<br />

em uma vacina que continha<br />

dez epitopos oriundos de antígenos<br />

do vírus influenza, citomegalovírus<br />

murino, vírus da coriomeningite<br />

linfocitária, adenovírus e vírus Sendai,<br />

mostrou que essa estratégia é capaz de<br />

ativar resposta citotóxica e de memória<br />

até um ano após a imunização de camundongos<br />

(Thomson et al., 1998). Em<br />

outro estudo, uma vacina de minigenes<br />

composta por seis epitopos específicos<br />

para linfócitos B, T citotóxicos e T<br />

auxiliadores, derivados dos vírus da<br />

estomatite vesicular, sincicial respiratório,<br />

coriomeningite linfocitária, mengovírus<br />

e vírus Sendai, além de antígeno<br />

da<br />

bactéria<br />

Mycobacterium tuberculosis, foi capaz<br />

de gerar resposta imunológica em todos<br />

os camundongos imunizados, sem indícios<br />

de competição antigênica. Além<br />

disso, os animais imunizados com a<br />

vacina de DNA multivalente desenvolveram<br />

resposta protetora para o mengovírus<br />

e o vírus da coriomeningite<br />

linfocitária (Ling Ling & Whitton, 1996).<br />

Na estratégia de minigenes podem<br />

ser incorporados aminoácidos que atuem<br />

como espaçadores para os diferentes<br />

epitopos expressos pela vacina de<br />

DNA, de modo que lhe confira uma<br />

maior flexibilidade estrutural do produto<br />

e permita sua apresentação mais<br />

eficiente pelas APCs. Essa hipótese foi<br />

testada com plasmídeos que expressavam<br />

vários epitopos de diferentes proteínas<br />

do vírus do papiloma humano<br />

(HPV), o principal agente etiológico do<br />

câncer cervical uterino (Velders et al.,<br />

2001). Tais plasmídeos diferiam entre si<br />

70 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001<br />

quanto à presença de nucleotídeos que<br />

ladeavam os minigenes e codificavam<br />

para a seqüência de aminoácidos Ala-<br />

Ala-Tyr. A incorporação dessas seqüências<br />

espaçadoras melhorou o processamento<br />

e a apresentação dos epitopos<br />

pelas APCs, e aumentou a proteção<br />

conferida pela vacina de 50% para 100%<br />

dos animais imunizados quanto ao desenvolvimento<br />

de tumores ainda não<br />

estabelecidos. Para animais que já tinham<br />

um tumor estabelecido, a vacina<br />

com os minigenes e os espaçadores<br />

resultou na cura de 90% dos animais<br />

imunizados. Esses resultados atestam o<br />

potencial profilático e terapêutico das<br />

vacinas de DNA multivalentes e ressaltam<br />

a importância dessa estratégia vacinal,<br />

tanto para o controle de doenças<br />

infecciosas como para a erradicação de<br />

certos tipos de câncer.<br />

No entanto, para que seja possível<br />

empregar a estratégia vacinal multivalente<br />

baseada em minigenes, é imprescindível<br />

que os diferentes epitopos tenham<br />

sido previamente definidos e caracterizados<br />

quanto ao seu potencial<br />

imunogênico. Além disso, o polimorfismo<br />

natural das populações humanas<br />

para moléculas do sistema de histocompatibilidade<br />

principal (MHC), responsável<br />

pela apresentação de epitopos processados<br />

na superfície de APCs, representa<br />

uma potencial limitação capaz de<br />

influir negativamente na eficácia dessas<br />

vacinas. Entretanto, essas dificuldades<br />

podem ser contornadas com a expressão<br />

de um maior número de epitopos<br />

ou pelo emprego de seqüências protéicas<br />

maiores que englobem vários epitopos.<br />

Vacinas de DNA multivalentes baseadas<br />

em proteínas híbridas<br />

Nessa estratégia, genes que codificam<br />

para proteínas inteiras, ou para<br />

domínios estruturais importantes, de<br />

um ou mais patógenos, são clonados<br />

em um único plasmídeo (Figura 3).<br />

Desaa forma, não há necessidade de<br />

localizar ou caracterizar os epitopos<br />

presentes e, dependendo da construção<br />

a ser feita, torna-se possível preservar,<br />

pelo menos em parte, epitopos não<br />

contíguos ou conformacionais. Nessas<br />

construções, a restrição imposta pela<br />

variabilidade natural do MHC é minimizada,<br />

pois, a partir de seqüências protéicas<br />

maiores, o processamento e a<br />

apresentação pelas APCs ocorrerá na<br />

grande maioria dos indivíduos imunizados.


Uma vacina de DNA multivalente<br />

capaz de conferir proteção contra diferentes<br />

sorotipos do vírus da raiva exemplifica<br />

a estratégia baseada na expressão<br />

de proteínas híbridas (Jallet et al., 1999).<br />

Nesse trabalho, foram construídos plasmídeos<br />

capazes de codificar proteínas<br />

híbridas oriundas da fusão de diferentes<br />

regiões de proteínas G do envelope de<br />

diferentes sorotipos virais. Algumas dessas<br />

construções foram capazes de induzir<br />

respostas imunológicas contra as diferentes<br />

proteínas G e conferir proteção a<br />

vários sorotipos virais em camundongos<br />

imunizados.<br />

Em nosso laboratório trabalhamos<br />

com um protótipo de vacina de DNA<br />

bivalente baseada na expressão de uma<br />

proteína híbrida, resultado da fusão da<br />

glicoproteína D (gD) do vírus herpes<br />

simplex tipo 1 (HSV-1) e uma adesina<br />

fimbrial (CFA/I), responsável pela aderência<br />

ao epitélio intestinal humano da<br />

Escherichia coli enterotoxigênica<br />

(ETEC), um dos principais agentes causadores<br />

da diarréia dos viajantes. A estratégia<br />

empregada consistiu na substituição<br />

de uma seqüência central da proteína<br />

gD do HSV-1 pela seqüência do<br />

antígeno CFA/I de ETEC. A administração<br />

intramuscular dessa vacina de DNA<br />

bivalente em camundongos foi capaz de<br />

gerar anticorpos contra os dois antígenos<br />

(Figura 4). Experimentos adicionais indicaram<br />

que os anticorpos anti-gD gerados<br />

nos animais imunizados com a vacina<br />

bivalente foram capazes de bloquear a<br />

infecção viral enquanto os anticorpos<br />

contra a porção CFA/I reconheciam a<br />

proteína expressa pela ETEC. Além disso,<br />

a utilização dessa vacina bivalente em<br />

consórcio com uma outra vacina baseada<br />

em linhagem atenuada de Salmonella,<br />

capaz de expressar o antígeno CFA/<br />

I, ocasionou em marcante efeito sinérgico,<br />

tanto para a resposta de anticorpos<br />

sistêmicos, mas, sobretudo, para a resposta<br />

local, com a produção de anticorpos<br />

do isotipo IgA, específicos para o<br />

CFA/I, resposta essencial para uma efetiva<br />

proteção contra patógenos entéricos,<br />

como a ETEC (Lásaro & Ferreira,<br />

2000). Esses resultados abrem perspectivas<br />

interessantes para o desenvolvimento<br />

de vacinas de DNA multivalentes<br />

contra patógenos que possuam estratégias<br />

de virulência distintas e exigem,<br />

portanto, a indução de uma ampla gama<br />

de respostas imunológicas.<br />

Conclusões e perspectivas<br />

O principal objetivo da pesquisa em<br />

Figura 4: Resposta de anticorpos<br />

séricos em camundongos imunizados<br />

com vacina de DNA<br />

bivalente baseada na fusão da<br />

proteína gD de HSV-1 e a proteína<br />

CFA/I, de ETEC. O soro de<br />

animais imunizados com duas<br />

doses (100mg) da vacina por via<br />

intramuscular, foram testados em<br />

reações em que a proteína CFA/I,<br />

isolada de ETEC, ou a proteína<br />

gD, do HSV, foram submetidas à<br />

eletroforese em gel de<br />

poliacrilamida e, posteriormente,<br />

transferidas para membranas de<br />

nitrocelulose. A presença de<br />

bandas reativas, após a ligação<br />

dos anticorpos, foi demonstrada<br />

com o uso de anticorpos de<br />

coelho conjugados com a<br />

peroxidase, capazes de reconhecer<br />

imunoglobulinas de camundongos<br />

vacinas é criar uma formulação multivalente<br />

ideal que seja segura mesmo para<br />

indivíduos imunocomprometidos, e<br />

capaz de induzir níveis de proteção<br />

elevados e duradouros contra um grande<br />

número de doenças infecciosas, em<br />

uma única dose. Embora a vacina ideal<br />

ainda não possa ser obtida com a tecnologia<br />

atualmente disponível, o impressionante<br />

avanço das pesquisas nesse campo,<br />

como a descoberta das vacinas de<br />

DNA, nos levam a crer que esse sonho<br />

está cada vez mais próximo da realidade.<br />

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS<br />

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minigene vaccine, containing<br />

B-cell, cytotoxic T-lymphocyte, and<br />

Th epitopes from several microbes,<br />

induces appropriate responses in<br />

vivo and confers protection against<br />

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of Virology 71:2292-2302.<br />

Azevedo, V. & Oliveira, S.C. (1997)<br />

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and neuraminidase- expressing<br />

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Morris, S.; Kelley, C.; Howard, A.; Li, Z<br />

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Velders, M.P.; Weijzen, S.; Eiben, G.L.;<br />

Elmishad, A.G.; Kloetzel, P.M.; Higgins,<br />

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(2001) Defined flanking spacers and<br />

enhanced proteolysis is essential for<br />

eradication of established tumors by<br />

an epitope string DNA vaccine. Journal<br />

of Immunology 166:5366-5373.<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 71


Pesquisadores identificam fruta riquíssima<br />

em vitamina C<br />

Imagine uma frutinha que tenha uma concentração<br />

de vitamina C cem vezes maior que a da<br />

laranja e quatro vezes maior que a da acerola.<br />

Esse fruto é o camu-camu (Myrciaria dubia),<br />

pertencente à família Myrtaceae e é encontrado<br />

às margens dos rios e lagos de águas pretas, na<br />

região amazônica.<br />

Pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisa<br />

da Amazônia (INPA/MCT) demonstraram que o<br />

camu-camu tem a maior concentração de vitamina<br />

C encontrada na natureza: 6.000 miligramas<br />

em 100 gramas do fruto.<br />

Segundo o coordenador de Pesquisa do INPA,<br />

Wanderli Pedro Tadei, com o trabalho de engenharia<br />

genética, seria possível transferir o complexo<br />

gênico do camu-camu para a laranja, por<br />

exemplo, proporcionando uma rica e acessível<br />

fonte desta vitamina, principalmente para as populações<br />

mais carentes. “Este efeito na saúde<br />

pública é incalculável, uma vez que a vitamina C<br />

reforça o sistema imunológico e torna o organismo<br />

humano mais resistente à contaminações por<br />

vírus e bactérias’, diz o pesquisador.<br />

Tadei ressalta, ainda, os resultados econômicos<br />

que o camu-camu pode gerar, seja por meio da<br />

exportação do produto geneticamente modificado<br />

ou do desenvolvimento de novas tecnologias,<br />

gerando divisas para o País.<br />

Esse é apenas um dos muitos produtos da Amazônia<br />

cuja pesquisa pode resolver uma série de<br />

problemas nacionais, de áreas tão diversas quanto<br />

saúde e nutrição, desemprego ou balança<br />

comercial.<br />

O potencial do camu-camu foi apresentado pro<br />

Wanderli Pedro Tadei, na reunião de dirigentes<br />

das Unidades de Pesquisa ligadas ao MCT, realizada<br />

nos dias 20 e 21 últimos e no debate Ciência<br />

Amazônica, na Câmara dos Deputados, no<br />

dia 22.<br />

Nos dois eventos, ele afirmou que a<br />

<strong>Bio</strong>diversidade da Amazônia é nosso ouro verde.<br />

Estima-se que o Brasil possua entre 15% e 20%<br />

de toda a biodiversidade mundial e o maior número<br />

de espécies endêmicas (que só ocorrem<br />

naquele local) do planeta.<br />

São 55 mil espécies vegetais ou 22% do total no<br />

planeta, 524 mamíferos (sendo 131 endêmicos),<br />

517 anfíbios (294 endêmicos), 1.622 aves (191<br />

endêmicas) e 468 répteis (172 endêmicos), além<br />

de 3 mil espécies de peixes de água doce (três vezes maior<br />

que em qualquer outro país) e provavelmente entre 10<br />

e 15 milhões de insetos. Somente a Amazônia responde<br />

por cerca de 26% das florestas tropicais remanescentes no<br />

planeta.<br />

Somos o primeiro mundo em biodiversidade, comenta<br />

Tadei, temos que ser também na exploração dessa<br />

biodiversidade.<br />

Hoje, o conhecimento faz a diferença; temos que investir<br />

e formar competências locais. Esse investimento, em sua<br />

análise, dará retorno ecológico, econômico e social imprescindíveis<br />

para região e para o país.<br />

Tadei explicou que a demanda por alta competência<br />

ocorre em conseqüência de trabalhos que vêm sendo<br />

desenvolvidos na região, nos últimos 47 anos. O INPA,<br />

juntamente com outras Instituições, realizou o<br />

mapeamento da biodiversidade amazônica e, mesmo que<br />

60% da área ainda não tenham sido visitados por um pesquisador,<br />

está cientificamente comprovada uma evidência:<br />

seu enorme potencial.<br />

Elaina Daher<br />

Fonte: MCT<br />

www.tulane.edu/~dmsander/Big_Virology/<br />

BVHomePage.html Book Pictutres of Virus tem<br />

várias imagens e informações sobre o mundo dos<br />

vírus que podem ser úteis na preparação de aulas e<br />

apresentações.<br />

www.microbelibrary.org/Visual/page1.htm<br />

Visual Resources é oferecido pala Sociedade<br />

Americana de Microbiologia (ASM) e dispõe de<br />

imagens, animações e vídeos de vários<br />

microrganismos.<br />

vector.cshl.org/resources/<br />

<strong>Bio</strong>logyAnimationLibrary.htm Gene Almanac<br />

tem animações de reações de PCR, Southern blot e<br />

seqüenciamento, muito úteis para alunos e<br />

professores.<br />

Fique Atento! O uso educacional de imagens,<br />

animações e vídeos é geralmente permitido, mas<br />

fique atento aos direitos autorais.<br />

<strong>Bio</strong>Dicas é assinada por Marcio O. Lasaro<br />

marciolasaro@hotmail.com<br />

72 <strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001


EMBRAPA<br />

(Repete Fotolito 3º capa última edição)<br />

<strong>Bio</strong>tecnologia Ciência & Desenvolvimento - nº 23 - novembro/dezembro 2001 73

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