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A Guerra do Paraguai lida na chave da retórica ... - IFCS - UFRJ

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<strong>Guerra</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong> fez-se presente no projeto de busca de um novo tipo de identi<strong>da</strong>de política<br />

para o exército a partir <strong>da</strong> forma <strong>da</strong> <strong>na</strong>rrativa testemunhal.<br />

Já que o interesse era tocar o imaginário <strong>do</strong>s militares através <strong>da</strong> representação <strong>do</strong><br />

passa<strong>do</strong>, isso não poderia ser feito por um discurso “frio”, ou seja, por uma abor<strong>da</strong>gem<br />

desti<strong>na</strong><strong>da</strong> a produzir um conhecimento objetivo sobre a experiência pretérita. Segun<strong>do</strong> Beatriz<br />

Sarlo, a fala <strong>da</strong> testemunha é imune, ou pretende sê-lo, à leitura crítica, sempre acompanhante<br />

<strong>do</strong>s discursos que pretendem abor<strong>da</strong>r o passa<strong>do</strong> cientificamente. A retórica testemunhal é<br />

“quente”, <strong>na</strong> medi<strong>da</strong> em que a testemunha não lança mão <strong>do</strong>s artifícios <strong>da</strong> erudição para<br />

va<strong>li<strong>da</strong></strong>r a sua fala. A testemunha está enquadra<strong>da</strong> em outro regime de veraci<strong>da</strong>de: a afetivi<strong>da</strong>de<br />

que a <strong>na</strong>rrativa de quem experienciou determi<strong>na</strong><strong>do</strong> evento provoca no público leitor. A grande<br />

busca <strong>do</strong> relato testemunhal é traçar uma empatia entre o <strong>na</strong>rra<strong>do</strong>r e o leitor visan<strong>do</strong> que o<br />

último mire o passa<strong>do</strong> afeta<strong>do</strong> por aquilo que o primeiro viu, fez e, acima de tu<strong>do</strong>, sofreu 33 .<br />

Se os veteranos <strong>da</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong> foram capazes de abnegar de<br />

anos de suas vi<strong>da</strong>s arriscan<strong>do</strong>-as em campo de batalha para salvar a<br />

honra <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l e fazer <strong>do</strong> exército a instituição mais heróica <strong>do</strong> país,<br />

porque a moci<strong>da</strong>de militar não poder continuar a sagra<strong>da</strong> missão de<br />

fazer <strong>do</strong> exército o corpo mais saudável desse convalescente país<br />

que está afun<strong>da</strong><strong>do</strong> <strong>na</strong> ambição política 34 ?<br />

As palavras <strong>do</strong> capitão Miguel Calmon refletem o desejo de fazer com que os mais<br />

jovens se voltem para o passa<strong>do</strong> e cultuem aqueles que protagonizaram o evento que projetou<br />

o exército <strong>na</strong> cenário político brasileiro. Entretanto, não se trata de desenvolver nos jovens<br />

oficiais <strong>do</strong> exército a postura catártica. O objetivo é fazer com que eles ajam no senti<strong>do</strong> de<br />

continuar a luta para colocar o exército em uma posição de prestígio <strong>na</strong> socie<strong>da</strong>de brasileira.<br />

Trata-se de uma retórica corporativa desti<strong>na</strong><strong>da</strong> a chamar o oficialato <strong>do</strong> exército à ação, à<br />

crítica ao regime monárquico acusa<strong>do</strong> de “humilhar o exército a ca<strong>da</strong> dia que passa” 35 .<br />

Acreditamos que a publicação <strong>da</strong>s <strong>na</strong>rrativas memorialísticas de Miguel Calmon e de<br />

Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong> Veiga <strong>na</strong> REB representou o começo de um investimento simbólico oficial<br />

desti<strong>na</strong><strong>do</strong> a fazer <strong>da</strong> <strong>Guerra</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong> o evento mais importante <strong>da</strong> história militar <strong>do</strong><br />

Brasil. A construção dessa memória não se deu no vazio social, ela possuiu relações com a<br />

dinâmica sócio-política <strong>do</strong> perío<strong>do</strong>, caracteriza<strong>da</strong> pelo acirramento <strong>do</strong>s conflitos entre o<br />

exército e a elite política imperial (questão militar). O principal interesse era mostrar a<br />

33 Ver Beatriz Sarlo. O tempo passa<strong>do</strong>: cultura <strong>da</strong> memória e gui<strong>na</strong><strong>da</strong> subjetiva. Belo Horizonte: Companhia <strong>da</strong>s<br />

Letras/UFMG, 2007.<br />

34 Ver Revista <strong>do</strong> Exército Brasileiro. Abril de 1884.<br />

35 Ver Revista <strong>do</strong> Exército Brasileiro. Março de 1886.<br />

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