A Guerra do Paraguai lida na chave da retórica ... - IFCS - UFRJ
A Guerra do Paraguai lida na chave da retórica ... - IFCS - UFRJ
A Guerra do Paraguai lida na chave da retórica ... - IFCS - UFRJ
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>do</strong> clima local. É como se ele estivesse falan<strong>do</strong>: “Sou legítimo para <strong>na</strong>rrar porque meu<br />
discurso não se baseia <strong>na</strong> análise de outros discursos. Aquilo que digo possui como principal<br />
base aquilo que vivi”. O prima<strong>do</strong> <strong>do</strong> detalhe surge como uma maneira de fortalecer a<br />
credibi<strong>li<strong>da</strong></strong>de <strong>do</strong> texto e marcar o lugar especial que o <strong>na</strong>rra<strong>do</strong>r ocupa: a testemunha / veterano<br />
de guerra 20 . O principal interesse em a<strong>do</strong>tar esse tipo de retórica é traçar uma relação direta<br />
entre a experiência e o discurso. Ou seja, ao se deparar com as memórias de Miguel Calmon,<br />
o leitor terá diante de si o cenário <strong>da</strong> guerra <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong>, desde o embarque <strong>na</strong> Província <strong>do</strong><br />
Espírito Santo até a chega<strong>da</strong> <strong>do</strong>s alia<strong>do</strong>s em Assunção. Esse é o recorte cronológico <strong>da</strong><br />
epopéia <strong>do</strong> exército brasileiro que deve ser lembra<strong>do</strong> para o “bem <strong>da</strong> pátria e <strong>da</strong> instituição<br />
militar” 21 .<br />
O texto “O combate de 1° de outubro de 1868” de autoria <strong>do</strong> tenente Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong><br />
Veiga 22 possui, sob o ponto de vista <strong>da</strong> <strong>na</strong>rrativa, semelhanças com o trabalho <strong>do</strong> Capitão<br />
Miguel Calmon. Ambos os autores foram à <strong>Guerra</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong> e lançam mão <strong>da</strong> posição de<br />
veteranos de guerra para conferir credibi<strong>li<strong>da</strong></strong>de às suas <strong>na</strong>rrativas e, acima de tu<strong>do</strong>,<br />
desenvolver no leitor o impacto afetivo necessário para a cristalização <strong>da</strong> memória que se<br />
pretendia perenizar. Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong> Veiga se dedica <strong>na</strong>rrou um combate específico trava<strong>do</strong> entre as<br />
tropas alia<strong>da</strong>s e as paraguaias em 1° de outubro de 1868.<br />
Dirão os entendi<strong>do</strong>s <strong>na</strong> matéria que o feito <strong>da</strong>s Armas deste dia foi<br />
um reconhecimento à viva força e não um simples combate. A viva<br />
força de um exército vitorioso. Lembrar a campanha <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong> é<br />
uma exigência <strong>da</strong> discipli<strong>na</strong> militar. As nossas mulas, os nossos<br />
condutores, as nossas peças, eram o nosso orgulho! e com esses<br />
elementos quantas glorias não colhemos, infelizmente hoje esparsas<br />
como folhas secas leva<strong>da</strong>s pelo vento 23 . (Grifos Nossos).<br />
O texto de Fer<strong>na</strong>n<strong>do</strong> <strong>da</strong> Veiga apresenta uma preocupação que não foi explicitamente<br />
desenvolvi<strong>da</strong> <strong>na</strong>s memórias de Miguel Calmon: trata-se <strong>do</strong> esquecimento. Isso nos faz pensar<br />
que essa memória ain<strong>da</strong> não estava de to<strong>do</strong> sedimenta<strong>da</strong> no imaginário militar. Era preciso a<br />
contínua evocação para que as gerações mais jovens não considerassem a <strong>Guerra</strong> <strong>do</strong> <strong>Paraguai</strong><br />
como um simples episódio <strong>da</strong> história militar <strong>do</strong> Brasil e sim como “o principal capítulo <strong>da</strong><br />
saga <strong>do</strong> exército em solo <strong>na</strong>cio<strong>na</strong>l” 24 . Foi com o objetivo de sedimentar essa memória que o<br />
20 Ver Beatriz Sarlo. O tempo passa<strong>do</strong>: cultura <strong>da</strong> memória e gui<strong>na</strong><strong>da</strong> subjetiva. Belo Horizonte: Companhia <strong>da</strong>s<br />
Letras/UFMG, 2007.<br />
21 Ver Revista <strong>do</strong> Exército Brasileiro. Novembro de 1884.<br />
22 Ver Revista <strong>do</strong> Exército Brasileiro. Março de 1886.<br />
23 Idem.<br />
24 Ver o livro An<strong>na</strong>es <strong>da</strong>s guerras <strong>do</strong> Brazil com os esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Prata e <strong>Paraguai</strong> escrito pelo Coronel Torres<br />
Homem em 1902.<br />
6