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videoclipe um contaminado inato artigo para anais ii ... - ECA-USP

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VIDEOCLIPE, UM CONTAMINADO INATO 1 .<br />

juny kp 2<br />

[KP, juny]<br />

Orientador(a): Profa. Dra. Marília franco<br />

Área de Concentração: Meios e Processos Audiovisuais<br />

Linha de Pesquisa: Práticas de Cultura Audiovisual<br />

Res<strong>um</strong>o: O texto discute exemplos de “contaminações” [Basin 1991 e Epstein 1974, 1975]<br />

no audiovisual <strong>videoclipe</strong> e como elas se apresentam de diferentes maneiras em função das<br />

escolhas de seus realizadores. Apresento contaminações oriundas da pintura, do cinema, da<br />

música e das artes visuais com isto, procurar entender e demonstrar os diálogos possíveis<br />

surgidos destes encontros. Assim será possível estabelecer relações, fazer com<strong>para</strong>ções e<br />

perceber diferenças no âmbito técnico e no estético-conceitual.<br />

Palavras-chave: <strong>videoclipe</strong>; contaminação; vídeo; tv.<br />

Abstract: Inserir aqui o res<strong>um</strong>o do trabalho em inglês (de 5 a 10 linhas), n<strong>um</strong> só parágrafo.<br />

Key words: music video; contamination; video; tv.<br />

INTRODUÇÃO<br />

Nascido nos tubos dos televisores, o <strong>videoclipe</strong> nos apresenta seu poder, ao mesmo tempo,<br />

fragmentário e polivalente. É <strong>um</strong> receptáculo de todas as linguagens audiovisuais já cultivadas (teatro,<br />

fotografia, cinema, música, vídeo, etc) e <strong>um</strong> espaço de experimentação <strong>para</strong> o que ainda está por vir<br />

(dentro do campo digital, por exemplo).<br />

1<br />

Trabalho apresentado na II Jornada Discente do PPGMPA – <strong>USP</strong>, promovida pelo Programa de Pós-­‐Graduação <br />

em Meios e Processos Audiovisuais, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (<strong>ECA</strong>-­‐<br />

<strong>USP</strong>), no dia 14 de outubro de 2011. <br />

2<br />

juny kp!, 35 anos, é mestrando no departamento Cinema, Rádio e TV da <strong>ECA</strong>/<strong>USP</strong>, desde 2011, especialista em <br />

“Fundamentos de Cultura e das Artes” pela IA/UNESP em 2006 e formado em Tradução pelo IBILCE/UNESP, 1998. <br />

É artista visual (Arte Grafite, produção gráfica, performances, intervenções e instalações), fotógrafo, professor de <br />

Artes e História da Arte (Ensino Fundamental e Médio). Pesquisa Cultura Hip Hop e seus elementos fundamentais, <br />

no Mestrado aborda o recorrência de certas opções na realização de <strong>videoclipe</strong>s de rap.<br />

1


Ele surge como <strong>um</strong>a ferramenta da indústria da música <strong>para</strong> ampliar a divulgação da canção de<br />

<strong>um</strong> determinado artista ou banda. Há aí <strong>um</strong>a complexa rede de interesses financeiros, psicológicos e<br />

artísticos que moldam o que o <strong>videoclipe</strong> é hoje. Sua posição de “meio do caminho”, não sendo filme e<br />

também não sendo música apenas, lhe conferiu força <strong>para</strong>, no correr das décadas, moldar <strong>um</strong><br />

linguagem própria e marcante. Um híbrido, <strong>um</strong> mutante audiovisual. Uma expressão audiovisual com<br />

<strong>um</strong> importante incentivador: a indústria Pop. Esta união propiciou <strong>um</strong> alcance amplo e <strong>um</strong><br />

amadurecimento rápido.”<br />

Segundo Soares (2004): “o <strong>videoclipe</strong>, quando emergiu como proposta audiovisual, tinha no<br />

plano da linguagem, <strong>um</strong>a edição rápida e instantânea, e, no plano mercadológico, o ritmo igualmente<br />

veloz do prazo de validade como ferramenta de divulgação musical. A característica do <strong>videoclipe</strong> eram<br />

as imagens em velocidade frenética, sem obrigação de contar <strong>um</strong>a história linear com início meio e fim.<br />

A velocidade da edição apresenta-se como peça-chave <strong>para</strong> a primeira conceituação que se teve de<br />

<strong>videoclipe</strong>”. Como veremos mais adiante, hoje o <strong>videoclipe</strong> já está liberto do frenesi gratuito e caminha<br />

por searas mais tranquilas quando se contamina pelo cinema e “se acalma”.<br />

Pontes (2003) explicita a abrangência do <strong>videoclipe</strong> quando diz que:<br />

“Ninguém pode deixar de perceber a influência da linguagem dos<br />

<strong>videoclipe</strong>s em toda parte. No cinema, no telejornalismo, na publicidade,<br />

na internet, nas telenovelas, nos videogames, nos desenhos animados,<br />

enfim, onde quer que haja telas, há elementos de <strong>videoclipe</strong>. Esta forma de<br />

fazer e encadear imagens já está tão generalizada que, por vezes, até nos<br />

esquecemos de sua origem.”<br />

É evidente a onipresença do <strong>videoclipe</strong> nas práticas culturais da juventude global,<br />

principalmente após o surgimento dos c<strong>anais</strong> a cabo especializados na produção de <strong>videoclipe</strong>s (MTV,<br />

VH1, BET e outros), e na última década, com o advento do youtube e da tecnologia digital, onde é<br />

possível captar, editar e distribuir seu conteúdo de maneira autônoma, longe das amarras das grandes<br />

gravadoras.<br />

O <strong>videoclipe</strong> não se restringe a ser <strong>um</strong> mero replicador de linguagens outras e sim <strong>um</strong><br />

renovador, <strong>um</strong> apontador de caminhos, <strong>um</strong> espaço onde o novo é tentado pela primeira vez e, assim,<br />

alcança <strong>um</strong>a identidade própria. Machado (1997, p.190) afirma que:<br />

[...]“pelo simples exame retrospectivo da história desse meio de expressão,<br />

que o vídeo é <strong>um</strong> sistema híbrido; ele opera com códigos significantes<br />

distintos, parte importados do cinema, do teatro, da literatura, do rádio e,<br />

mais modernamente, da computação gráfica, aos quais acrescenta alguns<br />

2


ecursos expressivos específicos, alguns modos de formar idéias ou<br />

sensações que lhe são exclusivos, mas que não são suficientes, por si sós,<br />

<strong>para</strong> construir a estrutura inteira de <strong>um</strong>a obra.”[...]<br />

Neste texto pretendo apresentar exemplos de “contaminações”[ver Basin 1991 e Epstein 1974,<br />

1975] no audiovisual <strong>videoclipe</strong> e como elas se apresentam de diferentes maneiras em função das<br />

escolhas de seus realizadores. Apresento contaminações oriundas da pintura, do cinema, da música e<br />

das artes visuais com isto, procurar entender e demonstrar os diálogos possíveis surgidos destes<br />

encontros.<br />

Após a seleção dos audiovisuais, foi feita <strong>um</strong>a análise procurando explicitar as opções, as<br />

estratégias e os recursos utilizados pelos realizadores/diretores nos <strong>videoclipe</strong>s. A partir de<br />

agrupamentos temáticos será possível estabelecer relações, fazer com<strong>para</strong>ções e perceber diferenças e<br />

semelhanças, tanto no âmbito técnico quanto no estético-conceitual.<br />

É intenção explicitar a riqueza e vastidão de possibilidades técnicas e estéticas do audiovisual<br />

<strong>videoclipe</strong>, suas contradições e polissemias. O <strong>videoclipe</strong> é <strong>um</strong> “<strong>contaminado</strong>” <strong>inato</strong>.<br />

CONTAMINAÇÃO PELA MÚSICA<br />

O <strong>videoclipe</strong> Star Guitar realizado pelo francês Michel Gondry em 2002 <strong>para</strong> o duo britânico<br />

de música eletrônica The Chemical Brothers é diferente. Não opta pelo fácil caminho das fórmulas<br />

prontas de <strong>um</strong> <strong>videoclipe</strong>. Os artistas não estão presentes, não há instr<strong>um</strong>entos, não há quaisquer outros<br />

elementos que criem ruídos visuais que não sejam os dispostos pelo diretor. Cada som, cada ruído é<br />

representado por <strong>um</strong> elemento visual que percorre a paisagem da tela.<br />

Para isso, o diretor estabelece <strong>um</strong>a linha contínua, <strong>um</strong>a timeline onde ali ele insere os elementos<br />

visuais representativos. Omar (1996, p. 272) se referindo a ao filme Crônica de Ana Magdalena Bach<br />

afirma que: “a música sai do fundo e vem à tona. Vem à superfície, vem emergindo <strong>para</strong> o primeiro<br />

plano. Você olha a música. É <strong>um</strong> jogo de olhar e ouvir.” É isso que vemos em Star Guitar, a música<br />

caminha perante os olhos do espectador-passageiro de trem. A paisagem “toca” a música. Os elementos<br />

são organizados em camadas. O que está mais próximo representa o som mais rápido e assim que o<br />

elemento se distancia em direção à paisagem ele representa <strong>um</strong> som mais pausado ou <strong>um</strong> som contínuo.<br />

Este <strong>videoclipe</strong> usa como “pauta musical” o trajeto de trem entre Nîmes e Avignon na França.<br />

Gondry registrou o percurso de modo contínuo cerca de dez vezes de modo a obter variadas<br />

tonalidades da luz solar. Pontes, vagões, postes, trilhos, viadutos, estações, pontes, árvores, casas cada<br />

<strong>um</strong>a serve a <strong>um</strong> timbre, <strong>um</strong> acorde, <strong>um</strong>a batida. Um meticuloso trabalho de computação gráfica que foi<br />

3


todo pre<strong>para</strong>do em <strong>um</strong>a folha de papel milimetrado - conforme vemos na imagem 1 - onde Gondry<br />

determina como cada compasso vai se comportar. Não satisfeito, Gondry ainda realiza <strong>um</strong> protótipo,<br />

<strong>um</strong> video-teste com objetos cotidianos, frutas, vassouras, sapatos, talheres, latas e afins.<br />

Com sua destreza de lidar com o simples, percebemos em alguns momentos o reflexo dos<br />

passageiros, <strong>um</strong>a sobreimpressão de imagens - conforme Dubois (2004) - que nos conforta, nos ilude e<br />

transfere ao audiovisual que estamos assistindo mais veracidade, mais naturalidade.<br />

A contaminação pela música acontece já na sua concepção, no seu conceito. O elemento<br />

audiovisual <strong>videoclipe</strong> é “lido” como <strong>um</strong>a <strong>um</strong>a partitura. Nela cada elemento visual é intercalado de<br />

maneira a fazer sentido na tela quando ouvimos determinado som.<br />

A linearidade também esta presente no <strong>videoclipe</strong> On the Motorway realizado por Jul & Mat<br />

<strong>para</strong> Metronomy [2009]. Um pincel e <strong>um</strong>a brocha “demarcam, pontuam e percorrem” <strong>um</strong> fundo<br />

branco deslizante no que parece ser <strong>um</strong>a bobina de papel. De acordo com as notas reproduzidas pelos<br />

teclados <strong>um</strong>, duas e até três mãos interferem sobre esse fundo branco. Cores vibrantes realçam ainda<br />

mais as manchas que são registradas sobre o papel em movimento. Somado a isso, temos a divisão da<br />

tela ao meio e o espelhamento dela, organizando-a e criando <strong>um</strong> efeito mais duradouro nas manchas e<br />

nas linhas que são criadas.<br />

Percebe-se aí duas estratégias, duas maneiras de se tocar no papel. A] <strong>um</strong>a dedicada as partes<br />

harmoniosas da música (figura 2). B] outra dedicada as partes percussivas da música. A mão bate o<br />

pincel consecutivamente e criando pontos, marcas percussivas (figura 3). A mão mantém o pincel sobre<br />

o papel criando linhas de cor que se movimentam quando as notas e timbres mudam. Com o<br />

andamento do <strong>videoclipe</strong> percebe-se que ambos se intercalam em loops repetindo-se na construção da<br />

música. Star Guitar também é inteira formada por loops. As pontes, os vagões e demais elementos<br />

entram e saem de quadro de acordo com os sons que surgem e retornam na música.<br />

Ao escolher espelhar a tela, os diretores dão mais força ao que se vê, às manchas e linhas criam<br />

desenhos simétricos. O resultado lembra cardiogramas ou testes de Rorschach só que feitos por<br />

crianças.<br />

Ainda é possível perceber os vários cortes acontecidos, ainda que se suponha <strong>um</strong>a sensação de<br />

plano-sequência de manchas, linhas e splashes. Ao olharmos <strong>para</strong> Star Guitar percebemos <strong>um</strong> cuidado<br />

cirúrgico <strong>para</strong> se “esconder” as trucagens, efeitos e fusões, de maneira a não percebamos ao certo o que<br />

é real e o que é digital. Ambos partem de idéias muito simples: seguir a música. A diferença está no<br />

orçamento dispendido em cada <strong>um</strong> dos <strong>videoclipe</strong>s. Outra característica com<strong>um</strong> a ambos é serem<br />

majoritariamente instr<strong>um</strong>entais, (em Star Guitar a letra se res<strong>um</strong>e a dois versos).<br />

Não há o ruído da voz, das palavras, da narrativa que elas carregam e das imagens que elas<br />

4


sugerem. Fica apenas a música, os diretores nos oferecerem as suas visões de como aqueles sons “são<br />

visualizados”. Música <strong>para</strong> os olhos.<br />

CONTAMINAÇÃO PELO CINEMA<br />

Quando o <strong>videoclipe</strong> olha <strong>para</strong> o cinema é bastante recorrente que este olhar seja em tom de<br />

homenagem e reverência. Os realizadores relêem, citam, referenciam filmes icônicos ou períodos<br />

icônicos do cinema. Por vezes, eles também se apropriam do formato, da estrutura, da linguagem<br />

cinematográfica e a replicam em seus trabalhos. Outros ainda se apropriam do modo de produção do<br />

cinema <strong>para</strong> realizar seu <strong>videoclipe</strong>. Captam em película 35 mm, il<strong>um</strong>inam e enquadram “como no<br />

cinema”.<br />

Percebo que todas estas escolhas e percursos carregam essa devoção ao cinema e a linguagem<br />

cinematográfica. Como se quisessem dizer “Olha eu pareço com cinema, meu orçamento é imenso e eu<br />

sou chique!”. Pareço banalizar mas não é a intenção. Apenas sinto que o <strong>videoclipe</strong> é ele mesmo, este<br />

ser apropriador, renovador quando mostra seu cerne fragmentário. Quando recorta e cola e cria <strong>um</strong><br />

novo texto, <strong>um</strong>a nova imagem, surge o novo. E quando isso acontece, o cinema vai lá e se apropria do<br />

que o <strong>videoclipe</strong> descobriu, burilou e apresentou primeiro. É mais interessante quando acontece desta<br />

maneira.<br />

Muitos <strong>videoclipe</strong>s olharam e referenciaram o cinema. Aqui opto por <strong>um</strong> grupo que<br />

despretensiosamente pontua a linha do tempo do cinema. Segundo <strong>um</strong> olhar cronológico listo os<br />

<strong>videoclipe</strong>s discutidos: começamos olhando <strong>para</strong> o cinema mudo do fim do século XIX (o multipremiado<br />

Ela disse Adeus), seguindo <strong>para</strong> o diretor francês Georges Méliès e seu Viagem a Lua de<br />

1902 (Tonight, Tonight); <strong>para</strong>mos no expressionismo alemão do Gabinete do Dr. Caligari, [1920] com<br />

(Otherside); mais <strong>um</strong>a <strong>para</strong>da na década de 80 e seus filmes de suspense/horror (Thriller); mais dez<br />

anos e desviamos das balas e da violência de Quentin Tarantino (Telephone); concluindo com os anos<br />

2000 e o diretor/roteirista Nick Cassavetes e os atores de Alpha Dog (What Goes Around... Comes<br />

Around).<br />

Todos os seis exemplos aqui citados incorporam suas influências não de maneira literal mas<br />

adaptada, autoral, fazendo assim toda a diferença e alcançando o reconhecimento da crítica e da<br />

indústria da música. todos os <strong>videoclipe</strong>s deste segmento cinema, com exceção de Otherside, foram<br />

indicados e premiados em diversas categorias em seus respectivos anos dos Video Music Awards da<br />

MTV EUA, somando 16 prêmios e 27 indicações.<br />

Organizei os <strong>videoclipe</strong>s em dois grupos. O primeiro grupo reúne os <strong>videoclipe</strong>s que se<br />

apropriam de linguagens icônicas do cinema e as recriam com os olhos e técnicas do presente, são eles<br />

5


Ela Disse Adeus [1998], Tonight, Tonight [1996] e Otherside [2000]. Exatamente os três que citam o<br />

princípio do cinema, a fase “muda”. Outro ponto em com<strong>um</strong> é que os três <strong>videoclipe</strong>s são produções do<br />

séculos passado, pré 2001.<br />

O segundo grupo reúne os <strong>videoclipe</strong>s que se apropriam do cinema contemporâneo e de sua<br />

produção, e com isso assimila vários elementos que reconhecemos nos filmes que vemos nas salas de<br />

projeção nos dias de hoje. São eles Thriller [1984], What Goes Around... Comes Around [2007] e<br />

Telephone [2010].<br />

Antes de analisar os dois grupos é importante apresentar <strong>um</strong>a série de elementos que se<br />

tornaram marcas de <strong>videoclipe</strong>s de grande orçamento que pretendem “parecer cinema”, os <strong>videoclipe</strong>s<br />

do segundo grupo. Servem <strong>para</strong> dar <strong>um</strong> ar de grandiosidade, <strong>um</strong> tom épico às produções, potencializar<br />

sua recepção perante o público, expondo ao máximo o artista e a música que acompanha o video.<br />

Encontrei sete marcas/estratégias que agregam valor ao clipe. E sempre se fazem presentes nas<br />

produções-chave dos artistas de maior proeminência na indústria musical contemporânea. Apresentarei<br />

brevemente cada <strong>um</strong>a delas e elenco alguns <strong>videoclipe</strong>s como exemplo:<br />

1. Inserir Legendas e títulos no início do clipe: produtora, artista, título da música, nome do diretor,<br />

roteirista , convidados se houver; [Pap<strong>para</strong>zzi <strong>para</strong> Lady Gaga; Blame It <strong>para</strong> Jamie Foxx; Big<br />

Pimpin’ <strong>para</strong> Jay-Z; Pussy <strong>para</strong> Rammstein].<br />

2. Introduções ao início do <strong>videoclipe</strong>, antes do início da música. Podendo conter diálogos ou não de<br />

maneira a apresentar e situar os espectador sobre enredo, personagens, ambientes e contextos da<br />

narrativa; [California Love <strong>para</strong> Dr Dre; All Nightmare Long <strong>para</strong> Metallica].<br />

3. Interludes no meio das canções que constroem narrativas podendo ser auxiliares na narrativa maior<br />

do clipe ou <strong>para</strong>lelas contando micro-narrativas. Podem ainda servir <strong>para</strong> apresentar <strong>um</strong>a coreografia.<br />

São pausas, interrupções no andamento natural da canção. [Victory Puffy Daddy; Oops I Did Again<br />

<strong>para</strong> Britney Spears].<br />

4.Diálogos: a música é interrompida por <strong>um</strong>a narrativa criada especificamente <strong>para</strong> o <strong>videoclipe</strong>.<br />

Podem ser micro-sequências narrativas com começo, meio e fim <strong>para</strong> em seguida retomar, em<br />

muitos casos, o refrão. [Dangerous <strong>para</strong> Busta Rhymes; From Yesterday <strong>para</strong> 30 Seconds to Mars].<br />

5. Nestas produções é bastante com<strong>um</strong> a participação de atores, celebridades e músicos sendo eles<br />

mesmos ou representando <strong>um</strong>a personagem. Em alguns casos esta marca serve <strong>para</strong> agregar valor ao<br />

artista e sua imagem, pode também validar a narrativa proposta, ou ainda percorrer a seara da sátira,<br />

da crítica. [Blame It <strong>para</strong> Jamie Foxx; Death of the Autotune <strong>para</strong> Jay-Z; Without Me <strong>para</strong> Eminem].<br />

6.Auto-referências: Michael Jackson, Madonna - e atualmente - Lady Gaga tem sido mestres em<br />

autoreferenciar-se, regurgitando a si mesmos, os artistas estabelecem diversos níveis de abrangência<br />

6


implícitas e inconscientes auditiva e imageticamente. [Scream <strong>para</strong> Michael Jackson].<br />

7. Retomando o quesito primeiro, vários diretores têm encerrado seus filmes com os créditos de<br />

produção e elenco correndo a tela, dando ao <strong>videoclipe</strong> <strong>um</strong> tratamento de curta-metragem.<br />

[Pa<strong>para</strong>zzi <strong>para</strong> Lady Gaga; Thriller <strong>para</strong> Michael Jackson].<br />

Olhemos <strong>para</strong> o segundo grupo de clipes citados anteriormente. Deste grupo temos talvez o<br />

mais importante <strong>videoclipe</strong> da história da indústria musical. Seja por sua realização, seja por sua<br />

influência com o passar das décadas e pelo que ele propôs e estabeleceu como novos <strong>para</strong>digmas do<br />

que pode e como pode ser <strong>um</strong> <strong>videoclipe</strong>. Me refiro a Thriller realizado em 1983 por John Landis <strong>para</strong><br />

Michael Jackson, música que faz parte do álb<strong>um</strong> de mesmo nome.<br />

É preciso começar por Thriller pois tudo o que é produzido hoje em termos de <strong>videoclipe</strong> só foi<br />

possível a partir do que Michael Jackson e John Landis propuseram lá em 1983. As marcas citadas<br />

acima estão em sua maioria no video de MJ. Não significa que os atuais realizadores não estejam<br />

fazendo nada de novo, mas sim, significa que Thriller é que estava anos a frente do seu tempo.<br />

Corrobora comigo Soares (2009) ao afirmar que o <strong>videoclipe</strong> de MJ é “<strong>um</strong>a das obras que levaram o<br />

clipe <strong>para</strong> além das fronteiras da televisão musical, do rock e da cultura jovem.”<br />

Com ele o <strong>videoclipe</strong> alçou status de curta-metragem, <strong>um</strong> curta de 14 minutos com começo,<br />

meio e fim. Narrativa dentro da narrativa, metalinguagem, homenagem a Vincent Price e coreografias<br />

que se tornariam clássicas. Concluo a versação sobre Thriller citando Soares (2009):<br />

“Foi a partir do <strong>videoclipe</strong> que temos abertos aos acessos e as<br />

rearticulações da dinâmica dos profissionais do cinema com relação ao<br />

<strong>videoclipe</strong>, na medida em que, no terreno do <strong>videoclipe</strong>, poderia se partir<br />

<strong>para</strong> a constituição de matrizes experimentais dos suportes<br />

cinematográficos utilizados pela indústria. Neste sentido, a partir de<br />

“Thriller”, podemos inferir que o cinema se aproximou do <strong>videoclipe</strong>, na<br />

medida em que estratégias de lançamentos de produtos (clipes) passaram a<br />

operar e serem “atravessadas” por profissionais, suportes e linguagens<br />

oriundos do cinema.”<br />

Posto isto, podemos olhar <strong>para</strong> Telephone realizado 2010 por Jonas Akerlund <strong>para</strong> Lady Gaga e<br />

What Goes Around... Comes Around realizado em 2007 por Samuel Bayer <strong>para</strong> Justin Timberlake.<br />

Ambos seguem a fórmula que propus acima. mas seguem caminhos distintos. Enquanto Lady Gaga e<br />

Akerlund cruzam Kill Bill e Thelma & Louise com muitas auto-referências, Justin e Bayer seguem por<br />

<strong>um</strong> caminho mais glamuroso, onde os diálogos costuram a narrativa. Telephone também possui<br />

diálogos, mas <strong>um</strong>a coisa é ver Beyoncé e Gaga atuando, outra é ver Scarlett Johansson, Justin<br />

Timberlake e Shawn Hatosy. As duas primeiras colaboram <strong>para</strong> o intencional exagero global que é o<br />

clipe: cor, moda, atitude poser, caricaturas. Em What Goes Around... câmeras lentas, meias luzes,<br />

fotografia suave, desfoque, profundidade de campo.<br />

7


A edição surge como ferramenta crucial nas intenções dos realizadores. Para Telephone<br />

fragmento, acelaração e desaceleração: <strong>um</strong> remix de imagens. Já em What Goes Around... as imagens<br />

permanecem por mais tempo na tela, nada muito abrupto, o desfoque lança <strong>um</strong> ar de etéreo, de mágico,<br />

o clima de romance do casal protagonista. Neste clipe Timberlake não dança, já Gaga dança (ou se<br />

esforça) e ainda ao faz lado da companheira Beyoncé.<br />

As letras de ambas as músicas falam de rejeição. Scarlett trai Justin com o melhor amigo; Lady<br />

Gaga sai de prisão (continuando de onde Pa<strong>para</strong>zzi havia <strong>para</strong>do) e inicia <strong>um</strong>a matança coletiva por<br />

envenenamento vingando sua parceira Beyoncé. A boa relação realizador/roteirista e artista se faz<br />

presente nestes dois casos. Nick Cassavetes escreveu o roteiro e diálogos e dirigiu Justin e Shawn no<br />

filme Alpha Dog; No caso de Lady Gaga, Jona Akerlund acabara de dirigir Pa<strong>para</strong>zzi o prequel de<br />

Telephone. Lady Gaga ambicionando o posto de Madonna procura o diretor de cinco <strong>videoclipe</strong>s da<br />

rainha do Pop. Faz sentido.<br />

O primeiro grupo formado por Ela disse Adeus [1998], Tonight, Tonight [1996] e Otherside<br />

[2000] recria linguagens do cinema do passado com as ferramentas e experiências do presente.<br />

Diferente do grupo anterior, estes clipes vão recriar a estética na qual se inspiraram.<br />

Dentre os três o que se inspira no estilo mais primordial é o <strong>videoclipe</strong> Ela Disse Adeus<br />

realizado em 1998 por Andrucha Waddington, Breno Silveira e Toni Vanzollini <strong>para</strong> Os Paralamas do<br />

Sucesso que recria <strong>um</strong> filme mudo do fim do século XIX. O <strong>videoclipe</strong> rodado em preto e branco<br />

começa com <strong>um</strong> círculo estroboscópico e cantos escurecidos, ruído de projetor e os integrantes surgem<br />

empunhando instr<strong>um</strong>entos seguido por <strong>um</strong> intertítulo onde está escrito Ela Disse Adeus, tal qual os<br />

filmetes de época. Ainda sob o ruído apenas do projetor seguem cenas de <strong>um</strong>a mulher em afazeres<br />

domésticos com semblante radiante. Começa a música e ela percebe que estava sonhando acordada.<br />

Sua realidade difere, e muito, daquele doce sonho.<br />

A letra fala de se<strong>para</strong>ção do casal por iniciativa da mulher. Os diretores subvertem o tema e o<br />

transformam em <strong>um</strong>a bem h<strong>um</strong>orada vingança pastelão - característico a Chaplin e Irmãos Marxmuito<br />

bem interpretada por Fernanda Torres. A mulher é apresentada em seus três relacionamentos<br />

violentos onde sofre maus tratos constantes dos maridos (os integrantes da banda também em excelente<br />

atuação).<br />

Em <strong>um</strong>a bela sequência de perfil a mulher, sob a luz da lua e chuva torrente, pede aos seus por<br />

socorro. Surge o intertítulo “Chorou”. Ocorre <strong>um</strong>a transformação e dá início a sua vingança. Muda o<br />

cabelo, o figurino e a atitude. Afoga o primeiro, envena o segundo e estrangula o terceiro. a atuação dos<br />

quatro é exagerada, histriônica, excelente. Os frames parecem faltar, há <strong>um</strong>a trepidação da imagem que<br />

replica com fidelidade a instabilidade da película antiga “passando e entrando em atrito” com projetor.<br />

8


Quanto à fotografia domina o claro-escuro. A luz é localizada, deixando o cenários com pontos escuros.<br />

Sobre os atores é direcionada <strong>um</strong>a luz mais forte que ajuda a potencializar a carga dramática das cenas<br />

de violência que permeiam o <strong>videoclipe</strong>.<br />

Aqui a simplicidade foi primordial <strong>para</strong> o perfeito funcionamento de câmera, cenários, atores e<br />

música. Afinal genial é ser simples. O <strong>videoclipe</strong> obteve cinco prêmios de sete indicações no Video<br />

Music Brasil 1996, tornando-se <strong>um</strong> ícone da videografia brasileira.<br />

Em Tonight, Tonight realizado em 1996 por Jonathan Dayton e Valerie Faris <strong>para</strong> os Smashing<br />

P<strong>um</strong>pkins a inspiração reside no filme Viagem à Lua de Georges Méliès. Há <strong>um</strong> cuidado muito<br />

especial no figurino e na direção de arte. O filme, como acontece em Until It Sleeps <strong>para</strong> o Metallica foi<br />

rodado em estúdio adicionando ao <strong>videoclipe</strong> <strong>um</strong>a atmosfera teatral. Fica ainda mais latente em<br />

Tonight, Tonight por conta da interação dos atores com o cenário e os adereços.<br />

Um casal embarca em <strong>um</strong> Zeppelin r<strong>um</strong>o à Lua. Ao aproximarem do destino saltam<br />

corajosamente e pousam em solo lunar com o auxílio de suas sombrinhas. O azul do fundo céu impera<br />

e contrasta com os tons pasteis dos figurinos das personagens. A banda melancolicamente surge<br />

tocando por entre nuvens etéreas no céu. O clima é de inocência e melancolia, os seres que habitam a<br />

Lua cercam o casal e os atacam com <strong>um</strong>a dança saltitante de gosto duvidoso. Conseguem escapar dos<br />

alienígenas hostis acertando-os com a sombrinha o que os transforma em f<strong>um</strong>aça.<br />

A letra da música versa sobre mudança e suas urgências. Ao debruçar sobre este curta o diretor<br />

metaforiza a busca pelo novo assim como o fez a tripulação do filme e assim como faz o casal<br />

protagonista. Questionar e enfrentar as questões h<strong>um</strong>anas é cerne da obra dos Smashing P<strong>um</strong>pkins. É<br />

<strong>um</strong> <strong>videoclipe</strong> contido no melhor sentido da palavra. Sua força reside na canção que é acomodada<br />

melancolicamente pelos tons pastéis, pelo cinema mudo, pelas aventuras do casal na Lua e no fundo do<br />

mar. Até que o navio “SS Méliès” os encontra e os salva. Salvando a todos nós juntos com eles.<br />

Caminhando <strong>para</strong> <strong>um</strong> lado completamente diferente está Otherside também realizado em 2000<br />

por Jonathan Dayton e Valerie Faris <strong>para</strong> os Red Hot Chili Peppers. Tormento, tristeza e delírio são a<br />

tônica deste <strong>videoclipe</strong><br />

Inicia-se com a câmera que se aproxima - passando por entre galhos/espinhos - da personagem<br />

deitada, como que caída adornando asas que remetem a lábios distorcidos. Chama a atenção o<br />

vermelho das asas em meio ao cinza e as sombras que dominam a tela. O vocalista Anthony Kiedis está<br />

em <strong>um</strong>a torre angulada. Os tons de cinzas imperam por todo o quadro, os edifícios possuem ângulos<br />

pontiagudos, com forte influência do cubismo analítico. Há <strong>um</strong>a forte presença da arquitetura por todo<br />

o <strong>videoclipe</strong>. Corredores, escadas, degraus, torres, skylines de prédios, todos obedecendo a esta<br />

deformação cubista-expressionista.<br />

9


A letra da música pergunta “até quando terá que piorar mais e mais” fazendo forte alusão a luta<br />

dos adictos e as constantes recaídas. Tendo este mote, a dupla opta por <strong>um</strong> ambiente triste, sombrio,<br />

atormentado. A personagem do clipe transita entre devaneio e realidade lutando contra seus demônios<br />

pessoais. Os poucos momentos de cor durante todo o clipe acontecem quando a parede em quadro o<br />

cabelo platinado do vocalista, o cabelo vermelho do baixista Flea que dedilha as linhas de alta tensão<br />

dos postes fazendo delas o seu baixo, e nas asas da personagem principal. Após ser anestesiada, a<br />

personagem duela com <strong>um</strong> dragão de fogo e a espanta. Neste momento surge <strong>um</strong>a escada que o leva<br />

<strong>para</strong> <strong>um</strong>a sala de escadas. Aqui os realizadores fazem clara referência ao gravador holandês MC Escher<br />

e sua obra Relatividade [1953] e seus múltiplos caminhos evidenciados nas figuras 4 e 5.<br />

Ao sair da sala das escadas com ângulos pontiagudos, a personagem alcança <strong>um</strong> patamar com<br />

tochas e <strong>um</strong> quadro cubista, <strong>um</strong> retrato de <strong>um</strong> rosto onde a boca é a mesma asa do início.<br />

ele se interessa pelo quadro. Mas ao se aproximar novamente seus demônios surgem e lutam com ele.<br />

Desta vez incorporado em <strong>um</strong>a sombra que duela com ele com tocha em punho [2’39]. Acuado, pega<br />

os lábios e foge dali. Luta com <strong>um</strong> corvo e despenca desfiladeiro abaixo, chegando ao chão,<br />

desacordado retomando a posição do início do <strong>videoclipe</strong>.<br />

Lutas interiores, recaídas e superações. As deformações representadas pelas correntes do<br />

Cubismo, do Expressionismo Alemão estão presentes. Do filme Gabinete do Dr. Caligari de Robert<br />

Wiene [1920] vemos alguns elementos. O piso do pátio do hospital, as árvores secas que lembram<br />

espinhos, as portas e janelas disformes. O homem atordoado, <strong>um</strong> sonâmbulo ou desperto, realidade ou<br />

alucinação? Um <strong>videoclipe</strong> que poderia cair na pieguice nos apresenta correntes artísticas importantes<br />

da pintura e do cinema. O clipe não chega a beleza de Under the Bridge também dos Chili Peppers,<br />

mas é bastante eficiente em apresentar a <strong>um</strong>a geração de jovens <strong>um</strong>a fase clássica do cinema mundial.<br />

Abaixo (figura 6) temos alguns stills: à direita do filme e à esquerda do <strong>videoclipe</strong> Otherside<br />

mostrando as influências do filme sobre o <strong>videoclipe</strong>.<br />

CONTAMINAÇÃO PELAS ARTES PLÁSTICAS [ESCULTURA]<br />

Durante o processo de preparo deste texto tive a felicidade de conhecer o <strong>videoclipe</strong> Can’t Stop<br />

realizado por Mark Romanek <strong>para</strong> a banda Red Hot Chili Peppers em 2003. Com ele posso analisar a<br />

contaminação oriunda das artes visuais, aqui explicitamente da escultura/performance. O <strong>videoclipe</strong> se<br />

baseia - ao final do surge <strong>um</strong>a placa afirmando isto - na série de One Minute Sculptures (Esculturas de<br />

<strong>um</strong> Minuto )de Erwin Wurm.<br />

Iniciada na década de 80, a série do artista austríaco Erwin Wurm consiste em, a partir das<br />

instruções do artista, estabelecer <strong>um</strong>a relação absurda entre seu corpo, objetos cotidianos e o ambiente.<br />

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Uma vez “montada” a escultura, permanecer estático por <strong>um</strong> minuto, momento em que o artista realiza<br />

o registro fotográfico da obra. Ao lidar com objetos cotidianos, o artista vai mais fundo e questiona<br />

idéias, problemas e tra<strong>um</strong>as cotidianos.[SCHEEREN 2011, p. 68-75]<br />

Como transpor <strong>para</strong> o vídeo trabalhos escultóricos? Mark Romanek realiza a missão com<br />

excelência. Ao olhar <strong>para</strong> a série Esculturas de <strong>um</strong> Minuto o diretor opta por algo que é escultura mas<br />

que também é dinâmico. O trabalho do artista austríaco transita entre a performance (as obras precisam<br />

ter <strong>um</strong>a ação <strong>para</strong> acontecer), a fotografia (o resultado das obras é registrado e desta forma, apresentado<br />

em galerias e comercializado) e a arte conceitual (não importa quem faz, com qual material, e sim o<br />

conceito por trás de tudo).<br />

O <strong>videoclipe</strong> reflete tudo isso. A banda realiza ações aleatórias com objetos cotidianos aludindo<br />

às obras de Wurm. O video funciona também por nos apresentar os integrantes do jeito que os<br />

conhecemos, à vontade, fazendo palhaçadas despretensiosa e muito nonsense físico.<br />

Uma fotografia clara e limpa, tendo como contraponto de cor o laranja permeia a produção. A<br />

cor aparece em <strong>um</strong> tubo que nos faz “entrar no <strong>videoclipe</strong>”, na guitarra de Frusciante e em <strong>um</strong>a imensa<br />

parede que serve de fundo. Para quem realizou Closer <strong>para</strong> Nine Inch Nails e 99 Problems <strong>para</strong> Jay-Z,<br />

Otherside se coloca como <strong>um</strong> exercício de leveza e despretensão ímpares.<br />

Abaixo (figura 7) na linha superior temos as obras de Erwin Wurm na série One Minute<br />

Sculptures, e abaixo os stills do <strong>videoclipe</strong> Otherside dos RHCP e suas versões <strong>para</strong> as esculturas.<br />

figura 7<br />

CONTAMINAÇÃO PELA PINTURA<br />

Seguindo o raciocínio de Bazin (1991, p. 176) quando afirma que “O cinema não vem ‘servir’<br />

ou ‘trair’ a pintura, mas acrescentar-lhe <strong>um</strong>a maneira de ser” acrescento que em se tratando de<br />

<strong>videoclipe</strong>s, ao permitir a contaminação da pintura no vídeo os realizadores estão ampliando,<br />

apresentando <strong>um</strong> novo universo de possibilidades imagéticas ao público de <strong>videoclipe</strong>. Qual seria a<br />

chance de <strong>um</strong> jovem (faixa etária de 15-25 anos) entrar em contato com a obra de Bosch? O do cinema<br />

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mudo citado no segmento do cinema? Retomando em Bazin (1991, p. 175) ele coloca que “longe de<br />

comprometer e desfigurar outra arte, está, ao contrário, salvando-a com a devolução da atenção dos<br />

homens.” . O <strong>videoclipe</strong> apresenta - muitas vezes pela primeira vez - <strong>um</strong> novo universo ao seu jovem<br />

público.<br />

A imagem de <strong>um</strong>a pintura se resolve em sim mesma, “A moldura é centrípeta, a tela é<br />

centrífuga” (BAZIN 1991, p.173). Enquanto que no vídeo o fora de campo pressupõe <strong>um</strong>a constante<br />

atualização daquilo que não se vê mas se pressupõe ali estar, confortando os olhos e o cérebro.<br />

Ignoramos, no vídeo, o que está “fora de quadro” (BAZIN 1991); (AUMONT 2004, p.119): o<br />

il<strong>um</strong>inador, o cenário, as paredes do estúdio.<br />

Agora imagine “transpor” o quadro inteiro <strong>para</strong> <strong>um</strong> monitor de TV. O que teríamos? Nada.<br />

Além do que a imagem teria que estar pausada, congelada <strong>para</strong> que o espectador pudesse percorrer os<br />

olhos por toda a tela e “ler” a recriação feita da pintura, e não é assim que o vídeo funciona, ele está em<br />

movimento. a questão fica mais drástica por estarmos falando de <strong>videoclipe</strong>s, produto fragmentário,<br />

frenético por excelência. Ao se recriar no vídeo, o realizador tem que fazer opções <strong>para</strong> retirar o melhor,<br />

ou que mais o interessa da pintura em questão. Para isso se utiliza de close-ups, recortes,<br />

enquadramentos, deslocamentos. Opta-se por elementos específicos presentes na pintura, sua<br />

ambiência e não ela como <strong>um</strong> todo.<br />

O diretor Samuel Bayer no <strong>videoclipe</strong> Until It Sleeps realizado em 1996 <strong>para</strong> a banda Metallica<br />

tem como base estética três obras: O Jardim das Delícias Terrenas e Carroça de Feno e Ecce Homo<br />

todas do holandês Hieronymus Bosch <strong>para</strong> transmitir a angústia e dor da letra. Apresenta personagens<br />

áridos, decrépitos que suc<strong>um</strong>bem as tentações mundanas. As pinturas, riquíssimas em detalhes e<br />

quantidade de informação não são literalmente transpostas <strong>para</strong> o vídeo. Missão ingrata e impossível.<br />

Ao invés disso, Bayer opta por “captar a essência” das obras e fazê-la dialogar com a intenção explícita<br />

na letra.<br />

Peguemos como o exemplo a pintura O Jardim das Delícias Terrenas do holandês Hieronymus<br />

Bosch [c.1500]. A obra, <strong>um</strong> tríptico medindo 2,20 x 3,40m é mon<strong>um</strong>ental. Uma vez diante dela, nossos<br />

olhos podem percorrer por horas a fio sem se cansar de descobrir novas imagens, novas narrativas e<br />

novos personagens. O diretor opta por pontuar as personagens que habitam a obra por toda extensão do<br />

<strong>videoclipe</strong> e se atem a <strong>um</strong>a cena específica a qual ele recria no vídeo ao seu modo.<br />

Na obra esta cena esta no canto inferior direito da aba direita do tríptico onde temos <strong>um</strong> monstro<br />

azul sentado em <strong>um</strong>a alta cadeira devorando <strong>um</strong> homem e os dejetando <strong>para</strong> o inferno, percebe-se a<br />

opção pela encenação das imagens das obras. Como pano de fundo temos a cidade em chamas da<br />

mesma aba citada anteriormente. O tempo todo o desespero se coloca presente. A maquiagem é<br />

12


astante utilizada e mostrada em quadro. Ela reforça o sofrimento a aridez e a dor das personagens que<br />

habitam este palco das tentações.<br />

Concluímos o assunto da contaminação da pintura no <strong>videoclipe</strong> com <strong>um</strong> trecho de André<br />

Bazin ao final do capítulo “Cinema e Pintura”:<br />

“O filme de pintura não é o desenho animado. Seu <strong>para</strong>doxo é utilizar <strong>um</strong>a<br />

obra já totalmente constituída e que basta a si mesma. Mas é justamente<br />

porque ele a substitui por <strong>um</strong>a obra em segundo grau, a partir de <strong>um</strong>a<br />

matéria já esteticamente elaborada, que ele lança sobre esta <strong>um</strong>a luz<br />

nova” (BAZIN 1991, p.176).<br />

Não se trata de <strong>um</strong> <strong>videoclipe</strong> sobre <strong>um</strong>a pintura, mas <strong>um</strong> novo modo, <strong>um</strong> modo audiovisual de<br />

falar daquelas obras. Quando olhado por por outro diretor e artista se tornará outra obra, diferente mas<br />

que continua a remeter a pintura em questão.<br />

CONSIDERAÇÕES FINAIS<br />

Em tempos de web 2.0, Youtube, Vimeo e Facebook testemunhamos fenômenos como Friday<br />

de Rebecca Black (que em junho de 2011 contava com mais de 167 milhões de views), qualquer pessoa<br />

produz <strong>um</strong> vídeo e tem chance iguais dele se tornar tão popular quanto <strong>um</strong> filme publicitário. Onde<br />

tudo é HD, digital, de resolução xis, HDMI, sem-fio, na nuvem e não real.<br />

Machado (2007, p.16) nos coloca em cheque e nos alerta: “Mas se considerarmos vídeo a<br />

sincronização de imagem e som eletrônicos, sejam eles analógicos ou digitais (...) aquela constituída<br />

por (...) pontos e linhas que se sucedem em alta velocidade na tela, então(...) quase tudo é vídeo”.<br />

Surgem festivais especializados em vídeos com menos de <strong>um</strong> minuto e produções de<br />

dispositivos móveis como Claro Curtas (http://www.clarocurtas.com.br), o Festival Estética Central<br />

(http://www.oifuturo.org.br) e o CEL.U.CINE (http://www.culucine.com.br) ambos promovidos pela Oi<br />

Futuro e o já reconhecido MobileFest (http://www.mobilefest.org). Todos eles apontando <strong>para</strong> este<br />

novo modo de fazer vídeo, de olhar o cotidiano. Servem como importantes distribuidores de conteúdo e<br />

divulgação de novos vídeos a cada nova edição.<br />

E o <strong>videoclipe</strong> em meio a tudo isso? Ele continua sendo <strong>um</strong>a ferramenta de divulgação da<br />

gravadora <strong>para</strong> alavancar as vendas do seu artista contratado? Sim, ainda temos este formato. Mas<br />

também temos a cena “independente”. o modo de produção “faça você mesmo”, os celulares, as<br />

câmeras HD, os macbooks e suites Adobe e Final Cut todos à disposição de <strong>um</strong>a nova geração de<br />

realizadores pronta <strong>para</strong> postar seu video na rede. São realizadores underground com produções que<br />

olham <strong>para</strong> frente, <strong>para</strong> o que estar por vir em termos de estética e tecnologia.<br />

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Comunidades como Antville (http://videos.antville.org/) e o Radar Music Videos (http://<br />

www.radarmusicvideos.com/videos/featured) desovam diariamente dezenas de novas produções<br />

independentes. Os caminhos de produção são outros nos dias de hoje. Não há mais apenas <strong>um</strong><br />

caminho, o gargalo cresceu. Os virais vão e vêm, é verdade que com a abertura vem junto <strong>um</strong>a<br />

superficialidade. Todo mundo pode, mas poucos logram.<br />

O <strong>videoclipe</strong> é o espaço <strong>para</strong> o novo, <strong>para</strong> contaminar, <strong>para</strong> renascer a cada nova safra e nos<br />

apresentar <strong>um</strong>a nova tecnologia, <strong>um</strong> novo “defeito especial”. Machado (2000) já nos alertava:<br />

“[...] n<strong>um</strong>a época de entreguismo e de recessão criativa, o <strong>videoclipe</strong><br />

aparece como <strong>um</strong> dos raros espaços decididamente abertos a mentalidades<br />

inventivas, capaz ainda de dar continuidade ou novas consequências a<br />

atitudes experimentais inauguradas com o cinema de vanguarda dos anos<br />

20, o cinema experimental dos anos 50-60 e a videoarte dos anos 60-70.<br />

E exemplo <strong>para</strong> confirmar isso não faltam, vide Drop [1995] <strong>para</strong> Pharcyde e o filme reverso,<br />

Star Guitar [2002] <strong>para</strong> The Chemical Brothers e sua pauta musical, “Black or White” [1992] <strong>para</strong><br />

Michael Jackson e o efeito Morph, Are you the One? [2005] <strong>para</strong> The Presets e o efeito Data Mosh.<br />

Apenas alguns poucos exemplos de <strong>videoclipe</strong>s que influenciaram o cinema e a publicidade como suas<br />

idéias contaminadas por tantas outras formas de expressão.<br />

O <strong>videoclipe</strong> está aí <strong>para</strong> ser observado, analisado e criticado. Seja pela público exigente, pelo fã<br />

ardoroso ou pela academia que na última década tem se debruçado e olhado <strong>para</strong> este audiovisual<br />

rebelde como cuidado e esmero.<br />

BIBLIOGRAFIA<br />

AUMONT, Jacques. O Olho Interminável. São Paulo: Cosac Naify, 2004.<br />

BAZIN, André. O Cinema: Ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.<br />

DUBOIS, Philippe. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify., 2004.<br />

EPSTEIN, Jean. Écrits sur le cinéma - tome I. Paris: Seghers, 1974<br />

----------. Écrits sur le cinéma - tome II. Paris: Seghers, 1975<br />

MACHADO, Arlindo. A Televisão levada a sério. São Paulo: Senac, 2000.<br />

----------. Pré-cinemas e Pós-cinemas. Campinas: Papirus, 1997.<br />

----------. Made in Brazil: Três décadas do vídeo brasileiro. São Paulo: Il<strong>um</strong>inuras, 2007.<br />

OMAR, Arthur. “Cinema e Música”, in XAVIER, Ismail (org.), O cinema no século. Rio de Janeiro:<br />

Imago, 1996, pp 269-288.<br />

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PONTES, Paulo. Linguagem dos <strong>videoclipe</strong>s e as questões do indivíduo na pós-modernidade. In:<br />

Revista Sessões do Imaginário: FAMECOS/PUCRS. Porto Alegre. 2003. p. 47-51.<br />

SCHEEREN, Jaap. Feature: Erwin Wurm. Art Review. Londres, n. 47 p. 68-75, january/february 2011<br />

SOARES, Thiago. A Construção Imagética dos Videoclipes: Canção, Gêneros e Performance na<br />

Análise de Audiovisuais da Cultura Midiática. 2009. 302f. Tese (Doutorado em comunicação e<br />

Culturas Contemporâneas) - Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador,<br />

2009<br />

----------. Videoclipe - O Elogio da Desarmonia. Recife, Livro Rápido. 2004.<br />

www.erwinwurm.at. Acesso em: 19 jul. 2011<br />

www.imdb.com.br. Acesso em:16 jul. 2011<br />

www.mtv.com.br. Acesso em: 16 jul. 2011<br />

www.videoville.org/wiki/Main_Page. Acesso em : 19 jul. 2011<br />

SITIOGRAFIA<br />

<strong>para</strong> acesso online aos vídeos:<br />

(todos os links acessados em 20 jul 2011)<br />

Tonight, Tonight <strong>para</strong> Smashing P<strong>um</strong>pkings / http://www.youtube.com/watch?v=yexoqY8MrFI<br />

Otherside <strong>para</strong> Red Hot Chili Peppers / http://www.youtube.com/watch?v=rn_YodiJO6k<br />

Can’t Stop <strong>para</strong> Red Hot Chili Peppers / http://www.youtube.com/watch?v=BfOdWSiyWoc<br />

Until It Sleeps <strong>para</strong> Metallica /http://www.metallica.com/videos/the-videos.asp<br />

What Goes Around Comes Around <strong>para</strong> Justin Timberlake / http://www.samuelbayer.com/motion/<br />

music-videos/11<br />

Star Guitar <strong>para</strong> The Chemical Brothers / http://www.youtube.com/watch?v=0S43IwBF0uM<br />

It’s So Quiet <strong>para</strong> Björk / http://www.youtube.com/user/bjorkdotcom#p/c/3B67AD70C84E5AB4/7/<br />

htobTBlCvUU<br />

Thriller <strong>para</strong> Michael Jackson / http://www.michaeljackson.com/br/thriller-video<br />

Telephone” <strong>para</strong> Lady Gaga / http://www.jonasakerlund.com/music_videos#lady_gaga/<br />

telephone_featuring_beyonce<br />

On The Motorway <strong>para</strong> Metronomy / http://www.juletmat.fr/index.php?video=215<br />

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