a escola ea questao da seletividade da crianca negra - Ufma
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c .D • U.: 3 2 3 • 12<br />
A ESCOLA E A QUESTAO DA SELETIVIDADE DA CRIANCA NEGRA*<br />
Maria Regina Nina Rodrigues(l)<br />
RESUMO<br />
Este ensaio tem o propósito de abor<strong>da</strong>r,de modo sucinto, alguns aspectos<br />
do processo seletivo com que a criança <strong>negra</strong> se defronta, nas <strong>escola</strong>s públicas <strong>da</strong><br />
periferia <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de de são Luís.<br />
Tal ensaio é resultante de estudos e de pesquisas que temos feito em tOI<br />
no <strong>da</strong>s questões <strong>da</strong> educação,sobretudo, aquelas pertinentes ao processo de sele ti<br />
vi<strong>da</strong>de.<br />
Durante o trabalho desenvolvido nas <strong>escola</strong>s estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s, observamos<br />
os alunos de cor <strong>negra</strong>, em geral, têm sofrido uma seletivi<strong>da</strong>de mais rigorosa<br />
comparação com a exclusão dos alunos brancos.<br />
Além disso, as crianças <strong>negra</strong>s, com freqUência, são desvaloriza<strong>da</strong>s<br />
tan<br />
to do ponto de vista físico, intelectual,como cultural, sofrendo, por isso, acen<br />
tuado processo de discriminação.<br />
Essas <strong>escola</strong>s viabilizam uma proposta curricular que diz muito pouco aos<br />
alunos pertencentes às cama<strong>da</strong>s populares, apresentando urna prática pe<strong>da</strong>~ógica<br />
distante <strong>da</strong> sua cultura, <strong>da</strong>s suas vivências e experiências.<br />
O discurso <strong>da</strong> democratização do ensino,tão apregoado, sobretudo, nas pro<br />
postas políticas, não tem se efetivado na prática. A <strong>escola</strong> continua seletiva e<br />
elitista, haja vista o elevado número de alunos que são afastados a ca<strong>da</strong> ano do<br />
processo ensino-aprendizagem, ora por evasão, ora por repetência.<br />
A <strong>escola</strong> ,por não ser neutra ,tem exercido a função de reproduzir as rela<br />
çoes<br />
a se<br />
bate<br />
sociais. Contudo, ela também é um espaço aberto para o debate, podendo vir<br />
ronstituir numa instituição que venha a propiciar mu<strong>da</strong>nça de atitudes no com<br />
ao racismo, devido à dialetici<strong>da</strong>de de seu caráter.<br />
Para uma mu<strong>da</strong>nça de atitudes, faz-se necessário<br />
<strong>da</strong>gogia interétnica, com vistas a resgatar a cultura e a<br />
silo<br />
que<br />
em<br />
a elaboração de urna p~<br />
história do negro no Bra<br />
UNITERMOS: Discriminação Racial<br />
Racismo - Crianças<br />
Discriminação racial - Maranhão<br />
A pesquisa "Escola, linguagem e seletivi<strong>da</strong>de no ensino de 19 grau"<br />
foi r<strong>ea</strong>li<br />
za<strong>da</strong> nas Uni<strong>da</strong>des Escolares <strong>da</strong> Rede Estadual-Sagarana I e 11; Estado de Ala<br />
goas; Pio XII; Polivalente Modelo são Luís e Estado Rio Grande do Norte, si<br />
tuados nos bairros periféricos de Vila Palmeira e adjacências - são Luís<br />
(Ma) ,durante o período de agosto a dezembro de 1987.<br />
(1) Professora Assistente do Departamento de Sociologia e Antropologia <strong>da</strong> Uni<br />
versi<strong>da</strong>de Federal do Maranhão - Nestre em Educação.<br />
Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 29 - 38, jan./jun. 1988 29
1 INTRODUÇÃO<br />
O presente ensaio e re<br />
sultante de estudos e pesquisas<br />
que temos feito em torno <strong>da</strong>s<br />
questões <strong>da</strong> educação, sobretudo,<br />
àquelas per~inentes ao processo<br />
de seletivi<strong>da</strong>de, que a <strong>escola</strong> de<br />
19 grau vem efetivando ao longo<br />
dos anos, através de suas prátl<br />
cas pe<strong>da</strong>gógicas seletivas e eli<br />
tistas.<br />
Em nossa recente pesqul<br />
sa, na lª série do 19 grau, embQ<br />
ra nao tenha sido nosso objeto<br />
de estudo a questão <strong>da</strong> seletivi<br />
<strong>da</strong>de <strong>escola</strong>r <strong>da</strong> criança <strong>negra</strong><br />
- ~<br />
nao escapou as nossas observa<br />
ções o tratamento<br />
direcionado<br />
aos alunos negros por parte <strong>da</strong>s<br />
professoras <strong>da</strong>s <strong>escola</strong>s pesqul<br />
sa<strong>da</strong>s, bem como o modo pelo qual<br />
ia sendo conduzido o processo e~<br />
sino-aprendizagem junto a esses<br />
alunos. Foram diversos os aspe~<br />
tos que tivemos oportuni<strong>da</strong>de de<br />
constatar, no que diz respeito<br />
ao aluno de cor <strong>negra</strong>, durante o<br />
desenvolvimento <strong>da</strong> menciona<strong>da</strong><br />
pesquisa, os quais se consti<br />
tuem em motivação para abor<br />
dá-los no decorrer deste estudo.<br />
A <strong>escola</strong> pública brasi<br />
leira,embora se diga democráti<br />
ca, aberta a todos os segmentos<br />
<strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de, proporcionando<br />
igual<strong>da</strong>de de oportuni<strong>da</strong>des e a~<br />
censão social a to<strong>da</strong>s as crian<br />
ças, nao tem efetivado na prátl<br />
ca o cumprimento de seus<br />
id<strong>ea</strong>is. No cotidiano, a insti<br />
tuição <strong>escola</strong>r exclui um eleva<br />
do número de alunos, sobretudo<br />
os que pertencem às cama<strong>da</strong>s p~<br />
pulares, cujo "capital cultu<br />
ral" difere do que a <strong>escola</strong><br />
prioriza, adota e cultiva em<br />
suas práticas educacionais.<br />
Nessa exclusão,as cria~<br />
ças <strong>negra</strong>s são as mais<br />
<strong>da</strong>s e as mais penaliza<strong>da</strong>s pelo<br />
processo de seletivi<strong>da</strong>de. Em g~<br />
ra1, essas crianças são desva<br />
loriza<strong>da</strong>s tanto do ponto de vis<br />
ta físico, intelectual, como cul<br />
tural. Tem havido uma certa de<br />
preciação de sua inteligência e<br />
conseqüentemente em sua capacl<br />
<strong>da</strong>de de aprendizagem, tendo Sl<br />
do considera<strong>da</strong>s, em sua 'maio<br />
ria, pouco aptas para pross~<br />
guir nos diversos graus de en<br />
sino.<br />
A própria condição de<br />
minoria já se constitui numa<br />
<strong>da</strong>s dificul<strong>da</strong>des enfrenta<strong>da</strong>s<br />
pelas crianças <strong>negra</strong>s na esco<br />
ia. As dificul<strong>da</strong>des que essas<br />
crianças encontram sao muitas,<br />
mesmo para aquelas que conse<br />
guem ultrapassar a barreira <strong>da</strong><br />
<strong>escola</strong>rização. O processo de<br />
discriminação vai-se estendendo<br />
pela vi<strong>da</strong> a fora. A aquisição<br />
30<br />
Cad. pesq. são Luís, 4 (1) 29 - 38, jan./jun. 1988
do saber considerado "erudito",<br />
"legítimo",não tem sido tudo para o<br />
negro; mesmo quando ele o alcan<br />
ça, ain<strong>da</strong> tem um longo caminho a<br />
,percorrer, para lograr alguma p~<br />
sição na socie<strong>da</strong>de. A ascensao<br />
social do negro e do mulato numa<br />
socie<strong>da</strong>de racista não se dá de<br />
modo fácil: ao contrário, os obs<br />
táculos são muitos, e se fazem<br />
presente no dia a dia de ca<strong>da</strong> ho<br />
mem, de ca<strong>da</strong> mulher e de ca<strong>da</strong><br />
criança de cor <strong>negra</strong>.<br />
A <strong>escola</strong> nao cultiva a<br />
cultura afro-brasileira;ela é<br />
considera<strong>da</strong> ain<strong>da</strong>, por muitos,c~<br />
mo primitiva e inferior, gera~<br />
do com isso complexos psicológi<br />
coso "A <strong>escola</strong> e os meios de co<br />
municação conseguem, então, na<br />
maioria <strong>da</strong>s vezes, colocar para<br />
o negro que ele é inferior, mino<br />
ria na socie<strong>da</strong>de, e que está em<br />
último lugar. Inculca em suas<br />
mentes os papéis que devem ocu<br />
par na socie<strong>da</strong>de ao mesmo tempo<br />
em que coloca na cabeça <strong>da</strong>s<br />
crianças de pele clara o senti<br />
mento de superiori<strong>da</strong>de em rela<br />
ção às crianças <strong>negra</strong>s, que as<br />
transformarão em mais um instru<br />
mento de inferiorização des<br />
tas " 1<br />
"Florestan Fernandes<br />
nos apresenta depoimentos ares<br />
peito <strong>da</strong> introjeção,por parte<br />
dos negros, <strong>da</strong>s imagens negat~<br />
vas e de inferiori<strong>da</strong>de. Segu.!!<br />
do o autor, o negro que conse<br />
gue ascender socialmente passa<br />
a nao querer ser confundido nem<br />
tratado como preto, apegando-se<br />
às explicações e as percepções<br />
dos brancos, o que implica na<br />
decísiva conquista de valores,<br />
status e prerrogativas bran<br />
caso Tal atitude, segundo o au<br />
tor, implica numa violência so<br />
bre a identi<strong>da</strong>de do negro, via<br />
lencia esta que se exerce pela<br />
impiedosa tendência em destruir<br />
a identi<strong>da</strong>de do sujeito negro,<br />
obrigado a formular para si um<br />
projeto identificatório de uma<br />
socie<strong>da</strong>de branca." 2<br />
"0 Brasil ê um pais de<br />
formação pluriétnica e multi<br />
cultural onde o grupo étnico re<br />
presentado pelo negro ocupa p~<br />
sição subalterna em relação ao<br />
grupo dominante. Este e o se<br />
nhor do país, coman<strong>da</strong> todo o<br />
processo político-econômico e<br />
cultural, ditando normas, vaIo<br />
res culturais e filosóficos sem<br />
considerar os valores dos de<br />
1<br />
2<br />
SILVA, Ana Cé1ia <strong>da</strong>. Estereótipos e preconceitos em relação ao negro no livro<br />
de comunicação e expressao do 19 grau. Cad.Pesq.,São Pau1o(63)nov.1987,p.98.<br />
FERNANDES,F.A integração do negro à socie<strong>da</strong>de de classes. 3 ed.S. Pau1o,Atica.<br />
1978. 235 p ,<br />
Cad. Pesq. são Luís, 4 (1).,29 - 38, jan./jun. 1988 31
mais grupos étnicos existentes<br />
no país, resultando, assim,em um<br />
relacionamento anti - dialogical<br />
para com o negro especi aLment.e,"3<br />
Apesar do processo de d~<br />
minação que vem se efetivando,ao<br />
longo dos diversos períodos his<br />
tóricos sobre o negro, eviden<br />
cia-se hoje em todo o País movi<br />
mentos de luta em torno <strong>da</strong> que~<br />
tão <strong>da</strong> discriminação <strong>da</strong> raça ne<br />
gra. Tais movimentos, inegavel<br />
mente, têm contribuído para o<br />
resgate <strong>da</strong>"cultura e <strong>da</strong> história<br />
do negro no Brasil. To<strong>da</strong> essa<br />
movimentação por parte <strong>da</strong> comuni<br />
<strong>da</strong>de <strong>negra</strong>, no sentido de vaio<br />
rizar e recuperar a cultura afro,<br />
revela uma estratégia de luta,<br />
refletindo também uma busca in<br />
tensa <strong>da</strong> identi<strong>da</strong>de do afro-bra<br />
sileiro, que quer manter a sua<br />
especifici<strong>da</strong>de cultural.<br />
A <strong>escola</strong>,por sua univer<br />
sali<strong>da</strong>de,pode vir a se consti<br />
tuir numa instituição adequa<strong>da</strong><br />
na recuperação <strong>da</strong> cultura afro.<br />
Convém que se diga que<br />
a <strong>escola</strong> por nao ser neutra, tem<br />
exercido a função de reproduzir<br />
as relações sociais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong><br />
de brasileira, transmitindo a<br />
ideologia do grupo dirigente com<br />
mais eficiência. Apesar disso,<br />
ela também é um espaço aberto<br />
para o debate, podendo-se cons<br />
tituir numa instituição que ve<br />
nha a combater o racismo e as<br />
atitudes preconceituosas, devi<br />
do à dialetici<strong>da</strong>de de seu cara<br />
ter.<br />
Quanto à pesquisa a que<br />
nos referimos no início deste<br />
estudo, no decorrer dela, apr~<br />
endemos aspectos que precisam<br />
ser registrados. Tais aspectos<br />
dizem respeito à trajetória <strong>da</strong><br />
criança <strong>negra</strong> no processo esco<br />
lar.<br />
A prática educacional<br />
veicula<strong>da</strong> através <strong>da</strong> proposta<br />
curricular que se cultiva nes<br />
sas <strong>escola</strong>s é uma prática dis<br />
criminatória, através <strong>da</strong> qual<br />
são excluídos do processo educa<br />
cional um elevado número de alu<br />
nos pertencentes às cama<strong>da</strong>s PQ<br />
pulares. Nessa prática discri<br />
minatória, as crianças <strong>negra</strong>s<br />
são as mais atingi<strong>da</strong>s, sofrendo<br />
um processo seletivo mais rigQ<br />
raso em comparaçao com a exclu<br />
são <strong>da</strong>s crianças par<strong>da</strong>s e bran<br />
caso<br />
Durante as observações<br />
que r<strong>ea</strong>lizamos junto às <strong>escola</strong>s<br />
estu<strong>da</strong><strong>da</strong>s,constatamos que o nu<br />
mero de alunos de cor <strong>negra</strong> e<br />
:;"<br />
3 DIAGNÓSTICO sobre a sit~açào educacional de negros(pretos e pardos) no<br />
do de S.Paulo, Fun<strong>da</strong>çao Carlos Chagas,1986<br />
Esta<br />
32 Cad. Pesq. são Luís, 4 (1) 29 - 38, jan./jun. 1988
inferior ao nt~ero de crianças<br />
brancas e par<strong>da</strong>s. As diretoras<br />
relataram que o reduzido numero<br />
de crianças <strong>negra</strong>s, i devido ao<br />
fato d<strong>ea</strong>s famíliasdestasnão procur~<br />
remmatricularseusfilhosna <strong>escola</strong> ,c2<br />
mo fazem as famílias de cor bran<br />
ca. Segundo elas, as primeiras<br />
nao se interessam muito e nao<br />
dão muita importância ao fato de<br />
as crianças freqüentarem a esco<br />
la, deixando-as, muitas vezes,<br />
perambulando pelas ruas. Na ver<br />
<strong>da</strong>de, por trás desse relato,con~<br />
tata-se uma atitude preconcei<br />
tuosa, por se afirmar que a<br />
criança vadia, que perambula p~<br />
las ruas,e a de cor <strong>negra</strong>.<br />
No que tange às observa<br />
çoes r<strong>ea</strong>liza<strong>da</strong>s nas salas de au<br />
la, apreendemos que quase to<strong>da</strong>s<br />
as professoras dispensam maior<br />
atenção aos alunos não negros.<br />
Estes sao pouco atendidos por<br />
elas, os quais, muitas vezes, fi<br />
cam a parte, ocupando-se de ou<br />
tras ativi<strong>da</strong>des, distante <strong>da</strong>s<br />
práticas pe<strong>da</strong>gógicas que vao<br />
sendo desenvolvi<strong>da</strong>s pelas profes<br />
soras. Nesse espaço pe<strong>da</strong>gógico<br />
faz-se evidente a existência de<br />
um processo de discriminação,<br />
sobretudo para com os alunos<br />
negros.<br />
Algumas <strong>da</strong>s professoras,<br />
através de suas atitudes nas sa<br />
las de aula, deixaram claro que<br />
a criança <strong>negra</strong> tem mais dificul<br />
<strong>da</strong>de do que as outras crianças<br />
em aprender o conteúdo tratado<br />
durante as explicações, bem co<br />
mo fixar os exercícios e memo<br />
rizar <strong>da</strong>tas. Isto foi constata<br />
do por nós através <strong>da</strong>s expre~<br />
sões proferi<strong>da</strong>s pelas referi<strong>da</strong>s<br />
professoras junto aos alunos ne<br />
gros: "Vocês custam a aprender<br />
o que explico para vocês, e ain<br />
<strong>da</strong> não fazem os exercícios que<br />
estão no quadro"; "Vocês nao se<br />
interessam pelo estudo, desse<br />
jeito não vão ser aprovados no<br />
fim do ano". "Vocês precisam es<br />
tu<strong>da</strong>r pra ser gente". Além des<br />
tas, outras recomen<strong>da</strong>ções foram<br />
ditas durante to<strong>da</strong> a aula, para<br />
os alunos de um modo geral.<br />
Como se pode observar,<br />
diante desses relatos, os alu<br />
nos negros são mais discrimina<br />
dos do que os alunos pardos, m~<br />
latos e brancos. As professQ<br />
ras demonstram uma certa intole<br />
rãncia em relação aos alunos ne<br />
gros.<br />
"O processo de desfig~<br />
raçao do mundo negro atinge o<br />
seu grau mais elevado no contex<br />
to educacional em que o choque<br />
de culturas se torna mais ag~<br />
do. O negro recebe uma educação<br />
calca<strong>da</strong> nos valores do coloniza<br />
dor. A língua, os heróis,a his<br />
tória e a religião que lhes en<br />
sinam nao têm na<strong>da</strong> a ver com o<br />
seu universo. A conseqüência<br />
Cad. Pesq. são Luís, 4 (1)<br />
29 - 38, jan./jun. 1988 33
mais grave desse processo de in<br />
culcação de novos valores e a<br />
introjeção <strong>da</strong> sua inferiori<strong>da</strong>de,<br />
<strong>da</strong> sua imagem negativa que, por<br />
sua vez, acaba contribuindo para<br />
- 4<br />
reforça-la".<br />
Em nosso trabalho obser<br />
vamos que quanto mais <strong>negra</strong> é a<br />
criança maior é a discriminação<br />
que ela sofre. Constatamos duran<br />
te as observações que um aluno<br />
de cor muito escura era mantido<br />
um tanto afastado dos demais e<br />
com participação limita<strong>da</strong> nas<br />
ativi<strong>da</strong>des que se desenvolviam<br />
durante<br />
a aula.<br />
Constatamos que a visão<br />
de mundo do corpo docente está<br />
impregna<strong>da</strong> pela ideologia domi<br />
nante. As professoras não se dão<br />
conta que estão reproduzindo nas<br />
<strong>escola</strong>s as relações sociais ne<br />
cessárias para a reprodução de<br />
uma socie<strong>da</strong>de dividi<strong>da</strong> em clas<br />
ses.<br />
Não há neutrali<strong>da</strong>de na<br />
prática educativa. Ela e essen<br />
cialmente política. A educação<br />
sempre "expressa uma doutrina<br />
pe<strong>da</strong>gógica, a qual implícita ou<br />
explicitamente se baseia em uma<br />
filosofia de vi<strong>da</strong> e numa conceE<br />
çao de homem " 5<br />
A proposta curricular<br />
viabiliza<strong>da</strong> nas <strong>escola</strong>s, objeto<br />
de nossa pesquisa, tem muito<br />
pouco a ver com a cultura, exp~<br />
riências e vivências dos alunos<br />
que nelas ingressam, razao por<br />
que o índice de evasão e de re<br />
petência crescem a ca<strong>da</strong> ano.<br />
"Uma <strong>escola</strong> que nao<br />
apresenta o mundo dos alunos, e<br />
quando apresenta o faz de forma<br />
negativa, não pode atrair essas<br />
crianças. A rejeição e a violên<br />
cia simbólica impostas pela es<br />
cola são introjeta<strong>da</strong>s e a cria~<br />
ça r<strong>ea</strong>ge rejeitando essa <strong>escola</strong><br />
e seu conteúdo que a humilha ".6<br />
Nos livros didáticos o<br />
negro em geral tem sido aprese~<br />
tado exercendo ativi<strong>da</strong>des consi<br />
dera<strong>da</strong>s inferiores na nossa so<br />
cie<strong>da</strong>de: resignado; associado à<br />
preguiça; favelado; mau; feio;<br />
ain<strong>da</strong>,como incapaz e como obj~<br />
to. Raramente é apresentado de<br />
forma positiva**.<br />
"O sistema oficial de<br />
ensino tem na <strong>escola</strong> e no li<br />
vro didático seus principais<br />
agentes de veiculação <strong>da</strong>s ideo<br />
logias <strong>da</strong> classe dominante e<br />
está comprometido com a expa~<br />
sao <strong>da</strong> cultura e com os va<br />
4<br />
5<br />
6<br />
**<br />
Op , cito p , 100<br />
FREITAS,Bârbara.Escola,Estado e Socie<strong>da</strong>de. são Paulo,E<strong>da</strong>rt,1977. p. 9.<br />
Id.ibid.p.99<br />
Estes aspectos foram constatados nos livros adotados pelas Escola:<br />
LlMA,Branca Alves de.Caminho Suave.Comunicação e Expressão lª série do 12<br />
grau(Programa Nacional do Livro Didãtico- MEC/FAE)<br />
I~IEZAKI,Iracema Neri & MUNHOZ,Ai<strong>da</strong> F.<strong>da</strong><br />
matica. Sao Paulo, Ed. Saraiva, MEC/PNLD.<br />
Silva.Descobrindo o Mundo <strong>da</strong> Mate<br />
34<br />
Cad. Pesq. São Luís, 4 (1) 29 - 38, jan./jun. 1988
-:-'<br />
lores dessa classe". 7<br />
A questão <strong>da</strong> seletivi<strong>da</strong><br />
de <strong>escola</strong>r vem atingindo, em g~<br />
ral, todos os alunos <strong>da</strong>s cama<strong>da</strong>s<br />
populares <strong>da</strong> população periféri<br />
ca onde se r<strong>ea</strong>lizou a pesquisa<br />
que aqui estamos enfocando. Con<br />
tudo, no que diz respeito aos<br />
alunos de cor <strong>negra</strong>, dessa pop~<br />
lação <strong>escola</strong>r, apenas uma mino<br />
ria consegue prosseguir nos estu<br />
dos, conforme <strong>da</strong>dos colhidos ju~<br />
to à direção <strong>da</strong>s <strong>escola</strong>s.***<br />
Diante do que foi enfoca<br />
do e à guisa de conclusão deste<br />
ensaio, apontamos algumas estra<br />
tégias, no sentido de se repe~<br />
sar a prática pe<strong>da</strong>gógica que se<br />
efetiva nas <strong>escola</strong>s. Tais estra<br />
tégias,se forem leva<strong>da</strong>s em con<br />
ta, por certo a criança de cor<br />
<strong>negra</strong> nao apenas se sentirá acei<br />
ta no processo ensino -aprendiz~<br />
gem,como parte integrante <strong>da</strong> cul<br />
tura brasileira.<br />
~ preciso, pois, que os<br />
orgaos competentes elaborem p~<br />
ra as <strong>escola</strong>s uma pe<strong>da</strong>gogia in<br />
terétnica, com vistas à criação<br />
de urna nova <strong>escola</strong>, que venha a<br />
propiciar o que se segue:<br />
. condições para o reconhecimen<br />
to e aceitação dos aspectos<br />
pluriculturais <strong>da</strong> socie<strong>da</strong>de<br />
brasileira;<br />
• um processo de reflexão sobre<br />
a questão racial na socie<strong>da</strong>de<br />
brasileira de modo a permitir<br />
a crítica e erradicação <strong>da</strong>s<br />
práticas discriminatórias;<br />
a recriação de um currículo<br />
de História do Brasil para se<br />
recuperar a História <strong>da</strong> Âfri<br />
ca e <strong>da</strong> cultura <strong>negra</strong>, com<br />
vistas a resgatar a cultura e<br />
a história do negro no Brasil.<br />
o aprofun<strong>da</strong>mento <strong>da</strong> história<br />
do negro brasileiro em três<br />
momentos distintos: o negro<br />
escravo, o negro libertado e<br />
o negro contemporâneo .<br />
. a introdução do estudo <strong>da</strong> Li<br />
teratura Afro-Brasileira,além<br />
<strong>da</strong> <strong>da</strong>nça, <strong>da</strong> música e do dra<br />
ma afro.<br />
a compatibilização <strong>da</strong> lingu~<br />
gem "culta" <strong>da</strong> <strong>escola</strong> com a<br />
linguagem "inculta" dos alu<br />
nos, para evitar a barreir~<br />
prejudicial, sobretudo, para<br />
com o aluno afro-brasileiro;<br />
o registro nos livros didáti<br />
cos, <strong>da</strong> trajetória do negro<br />
no Brasil, suas lutas e suas<br />
conquistas. O registro,ain<strong>da</strong>,<br />
<strong>da</strong>s personali<strong>da</strong>des <strong>negra</strong>s,<br />
nao devendo estar ausentes os<br />
eventos históricos, e todo<br />
7 . Id.ibid.<br />
***Os <strong>da</strong>dos a que nos referimos dizem respeito aos resultados finais <strong>da</strong>s avalia<br />
ções, expressos nos Boletins Escolares.<br />
Cad. Pesq. são Luís, 4 (1): 29 - 38, jan./jun. 1988 35
um processo de avaliação e de<br />
ánálise dos fatos ocorridos<br />
nos diversos períodos <strong>da</strong> his<br />
tória do Brasil.<br />
SUMMARY<br />
This study has in view<br />
to show by resumed way some as<br />
pects through select process,<br />
whit whow the negro children<br />
find in the public shools of the<br />
periphery at são Luís city.<br />
This paper is the result<br />
from studies and res<strong>ea</strong>rch that<br />
we have done relative Education<br />
questions, over all, those about<br />
selectivity processo<br />
During this work deve<br />
loped at schools we can note<br />
that be more severity in se<br />
lection of nagor students than<br />
white students.<br />
On the other side, the<br />
negro-children are decr<strong>ea</strong>se fre<br />
quently in the fisic intelectual<br />
and cultural aspect, so much the<br />
one aspect as the other,in this<br />
way these children suffer sep~<br />
rating.<br />
This schools r<strong>ea</strong>lize one<br />
curriculum no compatible with<br />
the r<strong>ea</strong>lity showing a pe<strong>da</strong>gogia<br />
practice far off their own cul<br />
ture, their life-time and their<br />
experience.<br />
The democracy of the<br />
education pr<strong>ea</strong>ch in large way,<br />
specialy in the politics hasn't<br />
hapen in r<strong>ea</strong>1ity. The schoo1 is<br />
being selective because of the<br />
number of students that aren't<br />
approved <strong>ea</strong>ch y<strong>ea</strong>r is hight.<br />
The school because of<br />
be neutral has the function to<br />
reproduce the social re1a<br />
tionship. However it is an exe<br />
1ent place to dialogue openned<br />
toa, this caracterist give to<br />
school the possibi1ity to<br />
change some situations.<br />
For change is necessary<br />
the elaboration of a pe<strong>da</strong>cogy<br />
that has the objective ranso<br />
mer the culture and history<br />
about negro people in Brazil.<br />
2 - REFER!NCIAS BIBLIOGRÂFICAS<br />
BAUDELOT, Cristian & ESTABLET,<br />
Roger. La Escue1a capitali~<br />
ta. 5a. ed. Buenos Aires. Si<br />
glo Ventuesio, 1978. s/do<br />
DIAGN6STICO SOBRE A SITUAÇÃO<br />
EDUCACIONAL DE NEGROS ( PRETOS<br />
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p. 98.<br />
ENDEREÇO DO AUTOR<br />
MARIA REGINA NINA RODRIGUES<br />
Departamento de Sociologia<br />
e Antropologia<br />
Centro de Estudos Básicos<br />
Universi<strong>da</strong>de Federal do Maranhão<br />
Campus Universitário do Bacanga<br />
Tel.: (098) 221-5433<br />
65.000 - SÂO Luís - MA.<br />
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Cad. Pesq. são Luís, 4 (1): 29 - 38, jan./jun. 1988