30.11.2014 Views

Literatura marginal em revista - Grupo de Estudos em Literatura ...

Literatura marginal em revista - Grupo de Estudos em Literatura ...

Literatura marginal em revista - Grupo de Estudos em Literatura ...

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

<strong>Literatura</strong> <strong>marginal</strong> <strong>em</strong> <strong>revista</strong> 83<br />

alguns casos); resgate <strong>de</strong> tradições indígenas e atualização da questão do<br />

negro; enfim, d<strong>em</strong>arcação <strong>de</strong> território e <strong>de</strong> i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> dos “vencidos” e<br />

rancorosa acusação, julgamento e sentença aos “vencedores”.<br />

A m<strong>em</strong>ória, além disso, não só serve à atualida<strong>de</strong> como reivindicação<br />

ou prova dos fatos, mas a narrativa do passado t<strong>em</strong> um interessante teor<br />

<strong>de</strong> t<strong>em</strong>po presente <strong>em</strong> alguns textos, o que reforça seu caráter <strong>de</strong> permanência<br />

e, obviamente, <strong>de</strong> mágoa histórica. Em “T<strong>em</strong>poral”, por ex<strong>em</strong>plo,<br />

Saraiva Júnior narra <strong>em</strong> primeira pessoa o longo conto sobre as surras que<br />

levava do pai e as que levou <strong>de</strong>pois, dos militares na ditadura. As m<strong>em</strong>órias<br />

da dor física e do dano psicológico estão situadas no passado simples<br />

da ação verbal o t<strong>em</strong>po todo. Entretanto, há somente uma única frase,<br />

que inicia um parágrafo crucial na meta<strong>de</strong> do texto, através da qual<br />

sab<strong>em</strong>os que o narrador fala situado no presente, quando ele afirma não<br />

conseguir reconstruir todas as cenas <strong>de</strong> espancamento a que fora submetido,<br />

apesar da minuciosa <strong>de</strong>scrição da violência que caracteriza todo o<br />

conto: “Tento juntar aquele quadro <strong>em</strong> que era açoitado e não consigo<br />

captá-lo <strong>em</strong> sua totalida<strong>de</strong>” 18 .<br />

A rápida escapada do cipoal da l<strong>em</strong>brança confere atualida<strong>de</strong> ao conto<br />

m<strong>em</strong>orialístico por oposição <strong>de</strong> t<strong>em</strong>pos (enredo dominante no passado;<br />

<strong>de</strong>slocamento significativo, porque único e <strong>de</strong>stoante, ao presente). O<br />

m<strong>em</strong>orialista ressentido conclui projetando a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> resistência<br />

revolucionária e poética: “acho que fazer uma revolução <strong>de</strong>ve ser tão<br />

puro, natural e gostoso quanto tomar banho <strong>de</strong> chuva, ainda que <strong>de</strong>baixo<br />

<strong>de</strong> uma t<strong>em</strong>pesta<strong>de</strong>”.<br />

O mesmo procedimento m<strong>em</strong>orialístico ocorre <strong>em</strong> “Os olhos <strong>de</strong><br />

Javair” 19 , cujo narrador <strong>em</strong> primeira pessoa rel<strong>em</strong>bra toda sua vida <strong>de</strong><br />

viciado <strong>em</strong> cocaína, finalmente assassinado pela própria mãe quando tentava<br />

roubar a lanchonete na qual ela trabalhava. Nos dois casos, apesar<br />

dos narradores da experiência vivida ser<strong>em</strong> fruto do que fizeram ou<br />

fizeram com eles, quando falam do passado o verbo e a ação estão no<br />

t<strong>em</strong>po correspon<strong>de</strong>nte, mas com o narrador situado no aqui e agora, como<br />

o permanente resultado <strong>de</strong> uma trajetória, e fazendo questão <strong>de</strong> d<strong>em</strong>arcála<br />

na atualida<strong>de</strong>, como símbolo <strong>de</strong> permanência, <strong>de</strong> sobrevivência.<br />

18<br />

“T<strong>em</strong>poral”, <strong>em</strong> <strong>Literatura</strong> <strong>marginal</strong> – Ato II, p. 21.<br />

19<br />

“Os olhos <strong>de</strong> Javair”, <strong>em</strong> <strong>Literatura</strong> <strong>marginal</strong> – Ato II, p. 9.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!