Setembro Outubro 2005 - Barbosa, Müssnich & Aragão
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AS RECENTES MUDANÇAS NAS REGRAS<br />
DE OFERTAS DE VALORES MOBILIÁRIOS NOS<br />
ESTADOS UNIDOS – FLEXIBILIZAÇÃO DO QUIET PERIOD<br />
Tatiana Malamud | tm@bmalaw.com.br<br />
Em 1933, os Estados Unidos adotaram o Securities Act, uma<br />
norma elaborada em reação à quebra da bolsa de valores<br />
ocorrida em 1929, quando o país entrou em profunda<br />
depressão. Em linhas gerais, o Securities Act teve por objetivo<br />
fazer com que os investidores recebessem informações<br />
suficientes em relação a valores mobiliários ofertados no<br />
mercado e coibir a fraude na venda desses valores<br />
mobiliários. A Securities and Exchange Commission (SEC –<br />
comissão de valores mobiliários americana) foi criada logo<br />
em seguida por meio do Securities Exchange Act, de 1934, com<br />
o objetivo de sistematizar a regulamentação dos mercados e<br />
a divulgação de informações.<br />
Com base nas regras emanadas do Securities Act e do Securites<br />
Exchange Act, toda a oferta de valores mobiliários nos Estados<br />
Unidos ou a investidores americanos, por princípio, deve ser<br />
precedida de um registro junto a SEC. Para isso, partia-se do<br />
pressuposto de que (i) toda a atividade que viesse a promover<br />
a oferta de um valor mobiliário, ainda que indiretamente,<br />
seria, no sentido amplo, uma oferta, aí incluídas quaisquer<br />
manifestações do emissor, na mídia ou fora dela, e (ii) todas<br />
as informações divulgadas a respeito de uma oferta ou que<br />
viessem a promovê-la seriam, no sentido amplo, um<br />
prospecto, compreendendo materiais de venda, o conteúdo<br />
de um website ou mesmo uma entrevista ao jornal. Tanto as<br />
ofertas como os prospectos, nesse sentido amplo, teriam de<br />
ser submetidos às regras da SEC. Diante das restrições à<br />
comunicação, este período passou a ser denominado “quiet<br />
period” (período de silêncio).<br />
A partir de 1º de dezembro, passaram a vigorar as alterações<br />
ao Securities Act aprovadas pela SEC em 29 de junho de <strong>2005</strong>,<br />
que flexibilizam as normas de comunicação a respeito de<br />
ofertas públicas. Entendeu-se que não mais seria necessário o<br />
controle prévio indiscriminado da SEC, tendo em vista o<br />
acesso a informação hoje detido pelos investidores, em<br />
especial com relação a determinados emissores, bastante<br />
conhecidos do grande público. A SEC também reconheceu<br />
que determinadas restrições legais impediam o legítimo<br />
acesso a determinadas informações relevantes na tomada de<br />
decisão do investidor.<br />
Atribui-se ao Sarbanes-Oxley Act, de 2002, a melhoria na<br />
disponibilidade e qualidade da informação. Criado em<br />
resposta aos escândalos da Enron e WorldCom, impôs às<br />
companhias uma série de obrigações e responsabilidades,<br />
incluindo a divulgação de operações não refletidas nos<br />
balanços patrimoniais, a adoção de comitês de auditoria, a<br />
implementação de controles internos, a prestação de<br />
informações “em tempo real” e a responsabilidade criminal<br />
pelo descumprimento de obrigações.<br />
Assim, tendo em vista que hoje o mercado detém mais<br />
informações, mais rapidamente e com maior qualidade,<br />
reconheceu-se a necessidade de reformar conceitos datados<br />
do período pós-crise dos anos 1930.<br />
Dentre as inúmeras modificações, as novas regras ampliaram o<br />
escopo das informações escritas relativas à oferta que poderão<br />
ser divulgadas antes da concessão do respectivo registro,<br />
inclusive pela mídia, ainda que, em alguns casos, seja exigido o<br />
envio do material a SEC. Estas comunicações são entendidas<br />
como “free writing prospectus” (prospectos de redação livre).<br />
Os emissores qualificados como “well-known seasoned issuers”<br />
(WKSIs), cujas informações já são ampla e regularmente<br />
divulgadas ao mercado, tendo em vista o volume de valores<br />
mobiliários de sua emissão ofertados publicamente e em<br />
circulação passam a poder divulgar, a qualquer tempo, todo<br />
o tipo de comunicação, oral ou escrita, observadas<br />
determinadas condições.<br />
Depois que um pedido de registro houver sido apresentado a<br />
SEC, quaisquer emissores ou participantes da oferta poderão<br />
fazer uso de comunicações orais ou escritas (“free writing<br />
prospectus”), observadas determinadas condições e a eventual<br />
necessidade de envio do material à comissão, sem prejuízo das<br />
responsabilidades pelo conteúdo do que houver sido divulgado.<br />
Todos os emissores que mantenham registro junto a SEC<br />
poderão continuar a publicar, regularmente, informações<br />
usualmente divulgadas no curso de seus negócios (“factual<br />
business information”), além de projeções de resultados e planos<br />
para o futuro (“forward-looking information”). Os emissores que<br />
não estejam registrados junto a SEC também poderão continuar<br />
a divulgar informações a respeito de seus negócios, desde que<br />
direcionadas a pessoas como clientes ou fornecedores, que não<br />
sejam potenciais investidores da companhia.<br />
Vale salientar que a maioria das novas regras contém<br />
requisitos de elegibilidade. Companhias de propósito<br />
específico, por exemplo, não poderão se beneficiar da<br />
flexibilização agora prevista.<br />
O assunto é de especial importância na medida em que a<br />
legislação do mercado de capitais dos Estados Unidos serviu<br />
de base para elaboração das normas de diversas jurisdições.<br />
Assim, pode-se dizer que as reformas ora implementadas<br />
irão incentivar outras comissões de valores mobiliários a<br />
adotar critérios de flexibilização na divulgação de<br />
informações, conforme as circunstâncias e a categoria da<br />
companhia emissora. Entendidos os motivos que ensejaram<br />
a reforma e estipuladas as condições e critérios para a<br />
flexibilização, esta parece uma medida salutar e de<br />
modernização dos sistemas até hoje em vigor.