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LEITE, Emeli Marques Costa. Os papéis do intérprete de libras na ...

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<strong>LEITE</strong>, <strong>Emeli</strong> <strong>Marques</strong> <strong>Costa</strong>. <strong>Os</strong> <strong>papéis</strong> <strong>do</strong> <strong>intérprete</strong> <strong>de</strong> <strong>libras</strong> <strong>na</strong> sala <strong>de</strong><br />

aula inclusiva. Petrópolis: Arara Azul, 2005, p. 47-52.<br />

Ser exato, fiel, neutro e atuar como retransmissor <strong>de</strong> informações são<br />

noções que influenciaram o início <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> interpretação em língua <strong>de</strong><br />

si<strong>na</strong>is no Brasil, conforme registra<strong>do</strong> <strong>na</strong> primeira publicação da Feneis, já<br />

mencio<strong>na</strong>da, sobre esse tema. Nela se afirma que a presença <strong>do</strong> <strong>intérprete</strong> <strong>de</strong><br />

línguas <strong>de</strong> si<strong>na</strong>is é fundamental e que ele <strong>de</strong>ve atuar “como intermediário <strong>na</strong><br />

transmissão <strong>de</strong> informações” (1988:13). Em publicação recente da<br />

SEESP/MEC, também citada anteriormente, os requisitos como confiabilida<strong>de</strong>,<br />

imparcialida<strong>de</strong>, discrição, distanciamento profissio<strong>na</strong>l e fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> estão<br />

coloca<strong>do</strong>s como preceitos éticos que <strong>de</strong>vem ser observa<strong>do</strong>s durante a<br />

interpretação da língua falada para a língua si<strong>na</strong>lizada e vice-versa. (cf.<br />

MEC/SEESP, 2002:28). Essa mesma publicação apresenta o Código <strong>de</strong> Ética<br />

<strong>do</strong>s <strong>intérprete</strong>s <strong>de</strong> LIBRAS no Brasil, o qual enfatiza em sua introdução que “[o]<br />

<strong>intérprete</strong> tem a responsabilida<strong>de</strong> pela veracida<strong>de</strong> e fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> das<br />

informações.” Dessa maneira, é possível observar que as literaturas oficiais<br />

apresentadas – MEC e FENEIS – estabelecem e validam, para o Brasil, um<br />

saber que permanece no imaginário das pessoas, sen<strong>do</strong> toma<strong>do</strong> como regras<br />

a serem seguidas pelos <strong>intérprete</strong>s durante as interações em que mediam<br />

conversas face-a-face entre participantes sur<strong>do</strong>s e ouvintes. Isto po<strong>de</strong> ser<br />

constata<strong>do</strong> <strong>na</strong>s palavras <strong>de</strong> Ricar<strong>do</strong> San<strong>de</strong>r que, <strong>na</strong> qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>intérprete</strong> <strong>de</strong><br />

LIBRAS, com muitos anos <strong>de</strong> exercício profissio<strong>na</strong>l, registra sua própria<br />

experiência em artigo, recentemente publica<strong>do</strong>, on<strong>de</strong> diz o seguinte:<br />

Um profissio<strong>na</strong>l <strong>intérprete</strong> ([e]mbora, não exista uma neutralida<strong>de</strong> total<br />

em sua função e por isso o uso <strong>de</strong> aspas) <strong>de</strong>verá sempre usar <strong>de</strong><br />

“neutralida<strong>de</strong>” em suas atuações, atitu<strong>de</strong>s corporais e ento<strong>na</strong>ções <strong>de</strong><br />

voz (DA MANEIRA MAIS NEUTRA POSSÍVEL), para que o discurso <strong>do</strong><br />

apresenta<strong>do</strong>r não seja <strong>de</strong>turpa<strong>do</strong>, mal interpreta<strong>do</strong>, ou pior, seja o<br />

contrário daquilo que é da intenção <strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong>r 1 (2003: 131).<br />

No presente relato fica clara a consciência <strong>do</strong> autor com relação às suas<br />

responsabilida<strong>de</strong>s durante o ato <strong>de</strong> interpretar, mas, também, parece<br />

<strong>de</strong>monstrar um conflito entre aquilo que acredita ser a ato interpretativo,<br />

<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s princípios éticos da neutralida<strong>de</strong>, e o que, realmente, acontece<br />

em sua prática. Esse conflito evi<strong>de</strong>ncia-se pela necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> usar aspas<br />

para apalavra neutralida<strong>de</strong>, mais a expressão em letras maiúsculas<br />

apresentada entre parênteses que parecem revelar sua necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

1 A citação <strong>de</strong> San<strong>de</strong>r conserva o uso <strong>de</strong> aspas, parêntese e maiúsculas, conforme o origi<strong>na</strong>l (MARQUES).


justificar a que tipo <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong> está se referin<strong>do</strong>. San<strong>de</strong>r parece<br />

contraditório ao dizer que, “[e]mbora não exista neutralida<strong>de</strong> total”, ela <strong>de</strong>ve<br />

estar presente “[e]m suas atuações, atitu<strong>de</strong>s corporais e ento<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> voz<br />

<strong>do</strong> <strong>intérprete</strong>”. É Roy (2000) quem esclarece muito bem essa visão <strong>do</strong><br />

<strong>intérprete</strong>, dizen<strong>do</strong> existir uma tendência, da parte <strong>de</strong>les, em criar metáforas<br />

para i<strong>de</strong>alizar um comportamento conversacio<strong>na</strong>l, mesmo quan<strong>do</strong> suas<br />

práticas violam as noções que eles mesmos têm sobre esse comportamento<br />

e suas expectativas referentes à condução <strong>de</strong> uma conversa durante a<br />

transmissão <strong>de</strong> mensagens. (cf. 2000:103). Wa<strong>de</strong>nsjö (1998), ao tratar<br />

<strong>de</strong>sse tema, diz que a “[n]eutralida<strong>de</strong> é uma noção relacio<strong>na</strong>da a um<br />

<strong>de</strong>termi<strong>na</strong><strong>do</strong> relato da fala <strong>de</strong> outros, e po<strong>de</strong> <strong>de</strong>stacar-se como parcial ou<br />

não, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> como a fala é entendida” (cf.1998:284). Wa<strong>de</strong>nsjö<br />

(1998) e Metzger (1999a) discutem a questão <strong>de</strong> que nem sempre as<br />

crenças <strong>do</strong>s <strong>intérprete</strong>s sobre seu trabalho, correspon<strong>de</strong>m à realida<strong>de</strong> da<br />

interpretação.<br />

Em conversas informais, <strong>na</strong>s discussões em palestras, seminários, ou<br />

durante aulas em cursos realiza<strong>do</strong>s pelo Brasil, esta pesquisa<strong>do</strong>ra tem<br />

observa<strong>do</strong>, através <strong>do</strong>s diversos discursos <strong>de</strong> pessoas que têm<br />

<strong>de</strong>sempenha<strong>do</strong> a função <strong>de</strong> <strong>intérprete</strong> <strong>de</strong> Libras, que elas, <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com<br />

suas crenças, <strong>de</strong>monstram enten<strong>de</strong>r como sen<strong>do</strong> características próprias <strong>de</strong><br />

sua função, ser: um elemento neutro <strong>na</strong> interação, invisível e imparcial<br />

quan<strong>do</strong> interpreta; e que para ser fiel ao texto origi<strong>na</strong>l, <strong>de</strong>ve funcio<strong>na</strong>r como<br />

máqui<strong>na</strong> (transferir o produto <strong>de</strong> uma língua para outra), <strong>de</strong>ve ser um<br />

media<strong>do</strong>r, facilita<strong>do</strong>r e condutor da comunicação. Esse confronto entre as<br />

crenças e a realida<strong>de</strong>, po<strong>de</strong> ser comprova<strong>do</strong> no discurso <strong>de</strong> San<strong>de</strong>r (2003),<br />

apresenta<strong>do</strong> anteriormente, pois segun<strong>do</strong> Metzger (1999a), existe um<br />

para<strong>do</strong>xo em relação às metas <strong>de</strong> neutralida<strong>de</strong> traçadas pelo profissio<strong>na</strong>l<br />

<strong>intérprete</strong>, e, aquilo que, verda<strong>de</strong>iramente, acontece no ato da interpretação<br />

(cf. 1999a: 24). San<strong>de</strong>r parece ter consciência da impossibilida<strong>de</strong> em ser<br />

neutro, “[e]mbora, não exista uma neutralida<strong>de</strong> total” são suas palavras, ao<br />

mesmo tempo em que afirma que o <strong>intérprete</strong> “[d]everá sempre usar <strong>de</strong><br />

“neutralida<strong>de</strong>”. Segun<strong>do</strong> a autora, os quatro mo<strong>de</strong>los <strong>de</strong> <strong>papéis</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>intérprete</strong>, a seguir, surgem e resultam nesse para<strong>do</strong>xo: 1) ajuda<strong>do</strong>r; 2)<br />

condutor; 3) facilita<strong>do</strong>r da comunicação; e 4) especialista bilíngue e<br />

bicultural. Este último é um mo<strong>de</strong>lo mais recente entre os <strong>papéis</strong> <strong>do</strong><br />

<strong>intérprete</strong>, e, que Metzger consi<strong>de</strong>ra como relevante para o <strong>de</strong>sempenho da<br />

tarefa <strong>de</strong> interpretar. A autora esclarece que o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> ajuda<strong>do</strong>r tem<br />

relação com o tempo em que a profissão <strong>de</strong> <strong>intérprete</strong> encontrava-se em<br />

fase <strong>de</strong> organização, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s, quan<strong>do</strong> a maioria das pessoas<br />

(amigos ou familiares <strong>de</strong> sur<strong>do</strong>s), que tinham alguma fluência <strong>na</strong>s duas<br />

línguas, <strong>de</strong>sempenhavam essa função. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> condutor projeta o


<strong>intérprete</strong> como se fosse máqui<strong>na</strong> e aparece ao longo <strong>do</strong>s últimos estágios<br />

<strong>de</strong> profissio<strong>na</strong>lização. Na tentativa <strong>do</strong>s <strong>intérprete</strong>s em cumprir o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong><br />

condutor, como se fossem máqui<strong>na</strong>s, surge o problema da qualida<strong>de</strong> e da<br />

responsabilida<strong>de</strong> pela interpretação realizada, diz Metzger. Dessa<br />

problemática anterior é que surge o mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> facilita<strong>do</strong>r da comunicação,<br />

mo<strong>de</strong>lo este, muito semelhante ao <strong>de</strong> condutor. O mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong> especialista<br />

bilíngue e bicultural é o mo<strong>de</strong>lo que leva em consi<strong>de</strong>ração os fatores<br />

situacio<strong>na</strong>is e culturais como sen<strong>do</strong> relevantes para o <strong>de</strong>sempenho da<br />

tarefa <strong>de</strong> interpretar. (cf. Metzger, 1999a: 21-22). Até aqui levantei algumas<br />

consi<strong>de</strong>rações, apresentadas por alguns autores, acerca das crenças <strong>do</strong>s<br />

<strong>intérprete</strong>s sobre a sua atuação durante uma interpretação. Entretanto, se<br />

faz necessário, consi<strong>de</strong>rar, também, a questão por parte <strong>do</strong> usuário da<br />

interpretação. Mason (1999) chama atenção para: a) o <strong>de</strong>sencontro que<br />

existe, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, entre o entendimento que o público usuário <strong>do</strong> serviço<br />

<strong>de</strong> interpretação sustenta sobre o <strong>intérprete</strong> <strong>de</strong> diálogos, consi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong>-os<br />

como sen<strong>do</strong> espécies <strong>de</strong> “máqui<strong>na</strong>s <strong>de</strong> interpretar”, que transferem<br />

simplesmente o produto <strong>de</strong> uma língua para outra; b) e, por outro la<strong>do</strong>, a<br />

observação da realida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma situação em que o significa<strong>do</strong> é subjetivo,<br />

estan<strong>do</strong> o <strong>intérprete</strong> em processo <strong>de</strong> constante negociação, e on<strong>de</strong> uma<br />

tradução literal levaria a constantes mal entendi<strong>do</strong>s, contrarian<strong>do</strong> a tentativa<br />

<strong>do</strong>s <strong>intérprete</strong>s em transmitir o senti<strong>do</strong> <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>, colocan<strong>do</strong>-os,<br />

frequentemente, em situações difíceis. (1999:149-150). Refletin<strong>do</strong> sobre as<br />

crenças <strong>do</strong>s <strong>intérprete</strong>s sobre o seu trabalho, e <strong>na</strong>s consi<strong>de</strong>rações <strong>de</strong><br />

Mason (1999) sobre o pensamento <strong>do</strong>s usuários da interpretação, parece<br />

que os <strong>intérprete</strong>s enfrentam uma pressão constante em relação ao<br />

<strong>de</strong>sempenho da tarefa <strong>de</strong> interpretar.<br />

Retor<strong>na</strong>n<strong>do</strong> ao registro <strong>de</strong> San<strong>de</strong>r (2003), o autor <strong>de</strong>monstra a sua<br />

preocupação com uma interpretação que zele pela imparcialida<strong>de</strong>, mesmo<br />

que para ele não exista neutralida<strong>de</strong> total. Entretanto, não <strong>de</strong>seja que o<br />

produto <strong>de</strong> sua interpretação sofra interferências pessoais. San<strong>de</strong>r <strong>de</strong>ixa<br />

claro em suas palavras, “[p]ara que o discurso <strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong>r não seja<br />

<strong>de</strong>turpa<strong>do</strong>, mal interpreta<strong>do</strong>, ou pior, seja o contrário daquilo que é da<br />

intenção <strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong>r”, ele precisa ser o mais “neutro” possível.<br />

(2003:131). Mas, como po<strong>de</strong> o <strong>intérprete</strong> regular sua neutralida<strong>de</strong> no<br />

momento em que interpreta Como po<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> humano, tor<strong>na</strong>r sua<br />

participação isenta <strong>de</strong> interferências pessoais Questões como essas e<br />

outras não são novas para a interpretação <strong>de</strong> uma forma geral, mas ainda<br />

continuam a influenciar o pensamento e a prática das pessoas que,<br />

também, atuam <strong>na</strong> área da interpretação em língua <strong>de</strong> si<strong>na</strong>is, é o que<br />

estudiosos têm constata<strong>do</strong>. Essa realida<strong>de</strong> parece não estar sen<strong>do</strong><br />

diferente, aqui no Brasil, sen<strong>do</strong> necessárias pesquisas que mostrem aquilo


que realmente acontece, entre to<strong>do</strong>s os participantes, durante uma<br />

interpretação, como enfatiza Wa<strong>de</strong>nsjö (1998).<br />

Para Roy (2000), a interpretação é um “[a]to comunicativo, linguístico e<br />

social e o papel <strong>do</strong> <strong>intérprete</strong> nesse processo está no engajar-se<br />

inteiramente, no conhecimento e compreensão <strong>do</strong> to<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssa situação<br />

comunicativa, inclusive em relação à fluência <strong>na</strong>s línguas, competência e<br />

uso apropria<strong>do</strong> <strong>de</strong> cada língua e o manejo <strong>do</strong> fluxo cultural que atravessa a<br />

fala.” (cf. 2000:3). Essa afirmativa <strong>de</strong> Roy é resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> novos estu<strong>do</strong>s<br />

basea<strong>do</strong>s em aspectos sociais e culturais, introduzi<strong>do</strong>s primeiro no estu<strong>do</strong><br />

da tradução e, posteriormente, no da interpretação. Esse assunto será<br />

trata<strong>do</strong>, posteriormente, <strong>na</strong> seção 3.3.<br />

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