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Folha de Sala - Culturgest

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do seu duplo. No entanto os ciclos não<br />

se suce<strong>de</strong>m, antes interpenetram-se<br />

<strong>de</strong> tal maneira que a forma geral é ela<br />

mesma uma combinação das três estruturas<br />

mais simples. Será suficiente dar<br />

a or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sucessão das peças para que<br />

nos apercebamos, sem mais comentários,<br />

da hierarquia <strong>de</strong>sejada:<br />

1. avant l’Artisanat furieux<br />

2. Commentaire I <strong>de</strong> Bourreaux <strong>de</strong><br />

solitu<strong>de</strong><br />

3. l’Artisanat furieux<br />

4. Commentaire II <strong>de</strong> Bourreaux <strong>de</strong><br />

solitu<strong>de</strong><br />

5. Bel édifice et les pressentiments – versão<br />

primeira<br />

6. Bourreaux <strong>de</strong> solitu<strong>de</strong><br />

7. après l’Artisanat furieux<br />

8. Commentaire III <strong>de</strong> Bourreaux <strong>de</strong><br />

solitu<strong>de</strong><br />

9. Bel édifice et les pressentiments – duplo<br />

Nesta or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> sucessões tentei<br />

imbricar os três ciclos <strong>de</strong> tal maneira<br />

que o caminho através da obra se torne<br />

mais complexo, fazendo uso da reminiscência<br />

e das relações virtuais. Apenas a<br />

última peça dá, <strong>de</strong> certo modo, a solução,<br />

a chave <strong>de</strong>ste labirinto. Esta concepção<br />

formal levou-me, aliás, muito mais<br />

longe, libertando totalmente a forma <strong>de</strong><br />

uma pré-<strong>de</strong>terminação. Aqui o primeiro<br />

passo estava ultrapassado, através da<br />

ruptura com a forma “unidireccional”.<br />

Relativamente à utilização da voz<br />

na parte central <strong>de</strong> cada um dos ciclos,<br />

l’Artisanat furieux é uma peça puramente<br />

linear, no sentido em que o texto é<br />

tratado, “posto em música”, da maneira<br />

mais directa. O poema é cantado num<br />

estilo ornamentado, acompanhado<br />

apenas por uma flauta em contraponto<br />

com a linha vocal (referência directa e<br />

<strong>de</strong>sejada à 7.ª peça do Pierrot Lunaire <strong>de</strong><br />

Schoenberg). O poema está neste caso<br />

no primeiro plano. Em Bel édifice et les<br />

pressentiments, versão primeira, um outro<br />

tipo <strong>de</strong> relação é inaugurada: o poema<br />

serve <strong>de</strong> articulação às gran<strong>de</strong>s subdivisões<br />

da forma geral. A importância vocal<br />

permanece, no entanto, o canto não<br />

tem a primazia que tinha antes: esta é<br />

disputada entre este e o contexto instrumental.<br />

Bourreaux <strong>de</strong> solitu<strong>de</strong> resolverá<br />

esta antinomia numa total unida<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

composição entre a voz e os instrumentos,<br />

ligados pela mesma estrutura musical:<br />

a voz emergirá periodicamente do<br />

conjunto para enunciar o texto. Por fim,<br />

o duplo <strong>de</strong> Bel édifice et les pressentiments<br />

verá uma última metamorfose do papel<br />

da voz. Logo que as últimas palavras do<br />

poema são pronunciadas, a voz fun<strong>de</strong>-se<br />

– com a boca fechada – no conjunto<br />

instrumental, on<strong>de</strong> ela renunciará à sua<br />

individualida<strong>de</strong> própria: o po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> articular<br />

a palavra. Ela entra no anonimato,<br />

enquanto que a flauta, ao contrário<br />

– acompanhando a voz em l’Artisanat<br />

furieux – ganha o primeiro plano e<br />

assume, por assim dizer, o papel vocal.<br />

Observamos assim que progressivamente<br />

as relações entre a voz e o instrumento<br />

são invertidas pelo <strong>de</strong>saparecimento do<br />

verbo. Esta i<strong>de</strong>ia, que tem para mim um<br />

certo valor, <strong>de</strong>screvê-la-ei do seguinte<br />

modo: o poema é o centro da música,<br />

mas ele tornou-se ausente da música, tal<br />

como a forma dum objecto restituído<br />

pela lava, mas ele próprio <strong>de</strong>saparecido<br />

– ou ainda como a petrificação <strong>de</strong> um<br />

objecto ao mesmo tempo REconhecível<br />

e IRReconhecível.<br />

Sobre a instrumentação: qual é a<br />

relação entre os diversos instrumentos,<br />

exteriormente tão diferentes Penso que<br />

será suficiente explicar certos fenómenos<br />

<strong>de</strong> enca<strong>de</strong>amento para mostrar a<br />

passagem contínua da voz ao xilofone,<br />

mesmo se isto po<strong>de</strong> parecer, à primeira<br />

vista, absurdo. A ligação da voz com a<br />

flauta é clara: o sopro humano e o po<strong>de</strong>r<br />

puramente monódico <strong>de</strong> elocução. A<br />

flauta e a viola <strong>de</strong> arco estão ligadas<br />

pela melodia, sempre que a viola é<br />

tocada com o arco. As cordas da viola<br />

po<strong>de</strong>m ser friccionadas ou beliscadas<br />

– neste último caso, ela assemelha-se<br />

à guitarra, instrumento igualmente <strong>de</strong><br />

cordas beliscadas, mas com um tempo <strong>de</strong><br />

ressonância mais longo. Enquanto instrumento<br />

ressonante a guitarra junta-se<br />

ao vibrafone, que se baseia na vibração<br />

prolongada <strong>de</strong> lâminas metálicas. As<br />

lâminas do vibrafone po<strong>de</strong>m também<br />

ser tocadas sem ressonância, aparentando-se<br />

portanto directamente às<br />

lâminas do xilofone. Estabelece-se um<br />

enca<strong>de</strong>amento <strong>de</strong> um instrumento para<br />

o outro, no qual se conserva sempre uma<br />

característica em comum. Não mencionei,<br />

expressamente, a percussão propriamente<br />

dita porque ela <strong>de</strong>sempenha um<br />

papel à margem dos outros instrumentos.<br />

A escolha dos instrumentos varia<br />

<strong>de</strong> uma peça à outra – como no Pierrot<br />

Lunaire –, que é <strong>de</strong> novo uma referência<br />

<strong>de</strong>sejada e directa. A formação total só é<br />

empregue uma única vez <strong>de</strong> forma continuada<br />

em Bourreaux <strong>de</strong> solitu<strong>de</strong>.<br />

Para muitos auditores, a primeira<br />

impressão está ligada a uma espécie<br />

<strong>de</strong> ascendência “exótica”. Com efeito,<br />

xilofone, vibrafone, guitarra e percussão<br />

afastam-se claramente dos mo<strong>de</strong>los que<br />

a tradição oci<strong>de</strong>ntal nos legou no domínio<br />

da música <strong>de</strong> câmara e aproximam-se<br />

mais da imaginação sonora proposta, em<br />

particular, pelo Extremo-Oriente, sem<br />

que o vocabulário tenha aqui qualquer<br />

participação. Devo reconhecer que<br />

escolhi este “corpus” instrumental em<br />

função das influências recebidas das<br />

civilizações extra-europeias: o xilofone<br />

transpõe o balofon africano, o vibrafone<br />

refere-se ao gen<strong>de</strong>r balinês, a guitarra<br />

lembra-se do koto japonês... Na realida<strong>de</strong>,<br />

nem a estilística nem mesmo a utilização<br />

dos instrumentos estão relacionados<br />

no que quer que seja com as tradições<br />

<strong>de</strong>stas diferentes civilizações musicais.<br />

Trata-se mais <strong>de</strong> um enriquecimento do<br />

vocabulário sonoro europeu pela escuta<br />

extra-europeia.<br />

A disposição adoptada em cena contribui<br />

para pôr em evidência as relações<br />

acústicas entre os diversos instrumentos.<br />

Quanto à voz, ela está incluída no<br />

grupo: po<strong>de</strong>ndo <strong>de</strong>le emergir como<br />

solista, ou tendo também a possibilida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> se integrar totalmente no grupo e<br />

<strong>de</strong>ixar-se suplantar pela flauta.<br />

Deverei falar brevemente da forma<br />

A duração das peças varia consi<strong>de</strong>ravelmente;<br />

os ciclos são, por seu turno,<br />

<strong>de</strong> duração e importância <strong>de</strong>sigual, e<br />

possuem a sua constituição própria. Não<br />

po<strong>de</strong>rei entrar no <strong>de</strong>talhe do seu <strong>de</strong>senvolvimento;<br />

aponto, no entanto, que os<br />

três comentários <strong>de</strong> Bourreaux <strong>de</strong> solitu<strong>de</strong><br />

formam uma única gran<strong>de</strong> peça, ela<br />

própria ligada directamente, do ponto<br />

<strong>de</strong> vista formal, a Bourreaux <strong>de</strong> solitu<strong>de</strong>.<br />

AVANT e APRÈS l’Artisanat furieux são<br />

dois breves <strong>de</strong>senvolvimentos que enquadram<br />

a peça central. Em Bel édifice et les<br />

pressentiments, a versão primeira constitui<br />

uma unida<strong>de</strong> totalmente isolada; o<br />

seu duplo mistura os elementos retirados

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