Título: Corte e Costura Autora: Cristiane Curi Abud Endereço: Al ...
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<strong>Corte</strong> e costura<br />
<strong>Cristiane</strong> <strong>Curi</strong> <strong>Abud</strong><br />
Ângela procura atendimento psicoterápico, no Projeto Quixote do Hospital São<br />
Paulo/UNIFESP, por acreditar que seu pai poderia estar abusando de sua filha de quatro<br />
anos de idade. A equipe avaliou o caso, e Ângela relatou ela mesma ter sido abusada<br />
pelo avô materno dos cinco aos oito anos de idade. O avô abusava dela e de sua irmã<br />
Angélica ao mesmo tempo. O suposto abuso da filha de quatro anos se devia a uma<br />
intensa ansiedade de Ângela que não a confiava aos cuidados de ninguém, temendo que<br />
a filha sofresse da mesma sina que ela sofreu.<br />
A equipe decidiu então atender Ângela em psicoterapia, e logo, ela pede<br />
atendimento para sua irmã.<br />
Angélica vem então para o atendimento, no auge de seus 21 anos de idade. Uma<br />
mestiça muito bonita, índia de cabelos negros e lisos, negra de traços fortes, e branca de<br />
pele morena. Entretanto, toda sua formosura esconde-se atrás de uma postura dura e<br />
distante, quase masculina. Queixa-se de muita ansiedade, que transparece nos<br />
movimentos de seu corpo. Pernas e pés que não param de chacoalhar, e mãos sempre<br />
ocupadas com algum objeto que, não raramente, acaba sendo quebrado.<br />
A paciente atribui esta ansiedade à sua infância, pois dos três aos seis anos de<br />
idade foi abusada por seu avô materno. Sua mãe saía para trabalhar e o avô aproveitava<br />
para abusar de Angélica e de sua irmã, dois anos mais velha. Angélica contava os<br />
minutos no relógio para que seu avô terminasse logo o “serviço”. Ao terminar, ele a<br />
levava ao banheiro para limpar seu sangue anal e vaginal com papel higiênico, evitando<br />
que a mãe percebesse algo.<br />
Angélica vinha para as sessões sempre muito angustiada, falava pouco, agitava<br />
muito seu corpo, e contava os minutos no relógio para que a sessão acabasse.<br />
Combinamos então que a sessão acabaria quando ela quisesse, pois estava ali porque<br />
queria, nada a forçava a vir e muito menos a ficar. E assim tem sido. Angélica decide o<br />
encerramento da sessão, com o qual eu geralmente concordo, exceto em situações onde<br />
avalio que se trata de resistência.<br />
As sessões transcorrem com Angélica me contando, sempre com poucas<br />
palavras seu cotidiano de trabalho e os acontecimentos familiares. E ela, que saía pouco<br />
aos finais de semana, começa a sair com os colegas do trabalho. Até que um dia, me<br />
conta que foi a uma boate com esses colegas e “ficou” com um rapaz. Não gostou muito<br />
e sentiu muito sono. Chegou a dormir na boate após tê-lo beijado. Mas continuou a sair<br />
com os amigos e o rapaz insistiu e começaram a namorar. Fiquei, confesso, aflita com a<br />
notícia, pois imaginei que uma sexualidade mais ativa traria problemas para Angélica.<br />
Partilhei minha aflição com o psiquiatra que a atendia e ele muito tranquilamente disse<br />
que uma hora isso teria que acontecer e que seria muito bom se Angélica conseguisse<br />
ter uma vida amorosa. Com o consentimento do “pai”, fiquei mais tranqüila para<br />
acompanha-la nessa novidade que se instalava em sua vida.