28.01.2015 Views

Título: Corte e Costura Autora: Cristiane Curi Abud Endereço: Al ...

Título: Corte e Costura Autora: Cristiane Curi Abud Endereço: Al ...

Título: Corte e Costura Autora: Cristiane Curi Abud Endereço: Al ...

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

e sentou, permanecendo na sessão até que a angústia se dissipasse. A minha angústia,<br />

pelo menos, se dissipou!<br />

A partir de então passou a me telefonar com alguma freqüência, como por<br />

exemplo, num sábado que estava sozinha em casa pensando em se matar. Seus pais<br />

haviam saído e precisei ficar com ela durante duas horas ao telefone até que seu pai<br />

retornou. Pedi para falar com ele e marquei uma consulta familiar na mesma semana, na<br />

qual reafirmei a necessidade de não deixar Angélica sozinha. Soube nessa sessão que<br />

Angélica dormia na cama com seu pai, e sua mãe dormia na sala. Orientei para que a<br />

mãe voltasse a dormir com seu marido, ao que ela se recusou, pois o casamento não ia<br />

bem. De qualquer forma, Angélica passou a dormir sozinha.<br />

Outros sintomas apareceram. Angélica começou a se queimar e a vomitar tudo o<br />

que comia. Achava-se gorda e passou a comer alface. Ás vezes não resistia aos doces,<br />

mas os vomitava em seguida. Pergunto se seu avô lhes dava doces caso elas o<br />

obedecessem e ela confirmou. Disse que os doces eram para que elas nada revelassem a<br />

seus pais. Ao mesmo tempo em que rejeitava o alimento oferecido pelo avô,<br />

representante da mãe, a paciente, já sem peito, sem curvas e quase amenorreica, negava<br />

sua sexualidade.<br />

Angélica emagreceu muito a ponto da psiquiatra que a atendia pensar em<br />

interná-la. Nesse momento senti muita raiva e disse a Angélica, do fundo de minha<br />

alma, que bastava, não queira mais ver seu corpo passar por tanto sofrimento, não<br />

queria vê-la internada correndo risco de vida. Saí da sessão com a nítida impressão de<br />

ter atuado minha raiva num desabafo desesperado, e que aquilo, do ponto de vista<br />

analítico, de nada serviria...<br />

O fato é que a paciente começou a alimentar-se melhor e engordou um pouco.<br />

<strong>Al</strong>gum tempo depois começou uma sessão dizendo que achava que estava grávida ao<br />

que eu respondi “que bom!”. Ela estranhou dizendo “como que bom Todo mundo, lá<br />

em casa, está desesperado”. E eu disse que ela me contava que havia uma vida nova<br />

crescendo dentro dela e isso era muito bom sim! Diante da possível gravidez, Angélica<br />

parou de tomar todos os remédios psiquiátricos, que não eram poucos. Mais uma vez<br />

fiquei aflita, mas a apoiei em sua decisão, uma vez que considerei tratar-se de um<br />

movimento de vida que a paciente fazia.<br />

A gravidez biológica não se confirmou, mas, a partir de então, desde meados de<br />

2005, Angélica não mais se cortou, queimou ou vomitou, confirmando assim sua<br />

gravidez psíquica.<br />

Para a psicanálise, os sintomas neuróticos, assim como as parapraxias e os<br />

sonhos, têm um sentido e se relacionam com a experiência dos pacientes. Freud 1<br />

exemplifica esta afirmação com um caso de neurose obsessiva. A paciente apresentava<br />

o seguinte sintoma: várias vezes ao dia, corria de seu quarto até um outro, ficava em<br />

determinada posição ao lado de uma mesa que estava coberta por uma toalha manchada,<br />

chamava a empregada com um sino, dava-lhe um recado e a dispensava. A paciente se<br />

posicionava diante da mesa do outro quarto, de tal forma que, necessariamente, a<br />

1 FREUD,S. (1916) O sentido dos sintomas, In: Ed. Standard Brasileira das Obras Psicológicas<br />

Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976, Vol. XVI.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!