Título: Corte e Costura Autora: Cristiane Curi Abud Endereço: Al ...
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e sentou, permanecendo na sessão até que a angústia se dissipasse. A minha angústia,<br />
pelo menos, se dissipou!<br />
A partir de então passou a me telefonar com alguma freqüência, como por<br />
exemplo, num sábado que estava sozinha em casa pensando em se matar. Seus pais<br />
haviam saído e precisei ficar com ela durante duas horas ao telefone até que seu pai<br />
retornou. Pedi para falar com ele e marquei uma consulta familiar na mesma semana, na<br />
qual reafirmei a necessidade de não deixar Angélica sozinha. Soube nessa sessão que<br />
Angélica dormia na cama com seu pai, e sua mãe dormia na sala. Orientei para que a<br />
mãe voltasse a dormir com seu marido, ao que ela se recusou, pois o casamento não ia<br />
bem. De qualquer forma, Angélica passou a dormir sozinha.<br />
Outros sintomas apareceram. Angélica começou a se queimar e a vomitar tudo o<br />
que comia. Achava-se gorda e passou a comer alface. Ás vezes não resistia aos doces,<br />
mas os vomitava em seguida. Pergunto se seu avô lhes dava doces caso elas o<br />
obedecessem e ela confirmou. Disse que os doces eram para que elas nada revelassem a<br />
seus pais. Ao mesmo tempo em que rejeitava o alimento oferecido pelo avô,<br />
representante da mãe, a paciente, já sem peito, sem curvas e quase amenorreica, negava<br />
sua sexualidade.<br />
Angélica emagreceu muito a ponto da psiquiatra que a atendia pensar em<br />
interná-la. Nesse momento senti muita raiva e disse a Angélica, do fundo de minha<br />
alma, que bastava, não queira mais ver seu corpo passar por tanto sofrimento, não<br />
queria vê-la internada correndo risco de vida. Saí da sessão com a nítida impressão de<br />
ter atuado minha raiva num desabafo desesperado, e que aquilo, do ponto de vista<br />
analítico, de nada serviria...<br />
O fato é que a paciente começou a alimentar-se melhor e engordou um pouco.<br />
<strong>Al</strong>gum tempo depois começou uma sessão dizendo que achava que estava grávida ao<br />
que eu respondi “que bom!”. Ela estranhou dizendo “como que bom Todo mundo, lá<br />
em casa, está desesperado”. E eu disse que ela me contava que havia uma vida nova<br />
crescendo dentro dela e isso era muito bom sim! Diante da possível gravidez, Angélica<br />
parou de tomar todos os remédios psiquiátricos, que não eram poucos. Mais uma vez<br />
fiquei aflita, mas a apoiei em sua decisão, uma vez que considerei tratar-se de um<br />
movimento de vida que a paciente fazia.<br />
A gravidez biológica não se confirmou, mas, a partir de então, desde meados de<br />
2005, Angélica não mais se cortou, queimou ou vomitou, confirmando assim sua<br />
gravidez psíquica.<br />
Para a psicanálise, os sintomas neuróticos, assim como as parapraxias e os<br />
sonhos, têm um sentido e se relacionam com a experiência dos pacientes. Freud 1<br />
exemplifica esta afirmação com um caso de neurose obsessiva. A paciente apresentava<br />
o seguinte sintoma: várias vezes ao dia, corria de seu quarto até um outro, ficava em<br />
determinada posição ao lado de uma mesa que estava coberta por uma toalha manchada,<br />
chamava a empregada com um sino, dava-lhe um recado e a dispensava. A paciente se<br />
posicionava diante da mesa do outro quarto, de tal forma que, necessariamente, a<br />
1 FREUD,S. (1916) O sentido dos sintomas, In: Ed. Standard Brasileira das Obras Psicológicas<br />
Completas. Rio de Janeiro: Imago, 1976, Vol. XVI.