Maria e Fidencio somam 2 séculos de história pra contar - Jornal ...
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Página 12 <strong>Jornal</strong> MARANDUBA News 01 Dezembro 2010<br />
Gente da nossa história: <strong>Maria</strong> e <strong>Fi<strong>de</strong>ncio</strong> <strong>somam</strong> 2 séculos <strong>de</strong> história <strong>pra</strong> <strong>contar</strong><br />
EZEQUIEL DOS SANTOS<br />
“Amar <strong>pra</strong> ser amado” foi assim,<br />
baseando-se nesta frase<br />
que foram criados junto com<br />
os familiares e amigos. Único<br />
casal vivo que guarda os reais<br />
segredos da aparição da santa<br />
Nossa Senhora das Graças no<br />
Morro do São Cruzeiro no Sertão<br />
da Quina, seu <strong>Fi<strong>de</strong>ncio</strong> e<br />
tia <strong>Maria</strong> possuem juntos 202<br />
anos <strong>de</strong> vida e muita história<br />
<strong>pra</strong> <strong>contar</strong>.<br />
Ele nasceu <strong>Fi<strong>de</strong>ncio</strong> Manoel<br />
<strong>de</strong> Oliveira em 16 <strong>de</strong> novembro<br />
<strong>de</strong> 1907 na Praia da Fortaleza.<br />
Ela <strong>Maria</strong> Gaspar dos<br />
Santos nascida em 29 <strong>de</strong><br />
junho <strong>de</strong> 1912 no Sertão<br />
da Maranduba (S. da<br />
Quina), filha <strong>de</strong> Messias<br />
Manoel Gaspar dos Santos<br />
e Antonia <strong>de</strong> Amorim,<br />
neta <strong>de</strong> Manoel Gaspar<br />
dos Santos e Rosa Félix<br />
Gaspar <strong>de</strong> Jesus, um dos<br />
casais que fundaram a<br />
região. Ele, filho do segundo<br />
casamento <strong>de</strong><br />
Manoel Zacarias e <strong>Maria</strong><br />
Bernardina <strong>de</strong> Santana,<br />
seus irmãos são: João<br />
Zacarias, Val<strong>de</strong>vino,<br />
Sebastiana, Benedita e<br />
<strong>Maria</strong> Conceição. O casal<br />
teve os filhos: José,<br />
Zacarias, Braz, <strong>Fi<strong>de</strong>ncio</strong>,<br />
Pedro, Sebastião, <strong>Maria</strong><br />
Conceição, <strong>Maria</strong> <strong>de</strong> Oliveira<br />
e Manoel <strong>Fi<strong>de</strong>ncio</strong>. Todos criados<br />
com muito sacrifício mais<br />
com muito amor para dar e<br />
distribuir. <strong>Maria</strong> foi até “ama”<br />
<strong>de</strong> leite <strong>de</strong> vários meninos,<br />
hoje alguns são avós.<br />
Casaram no dia <strong>de</strong> todas as<br />
almas e todos os santos- 31<br />
<strong>de</strong> novembro <strong>de</strong> 1928, isso<br />
mesmo possuem 82 anos <strong>de</strong><br />
casamento. Seu <strong>Fi<strong>de</strong>ncio</strong> relata<br />
que ganhou <strong>de</strong> presente <strong>de</strong><br />
casamento 1.500 pés <strong>de</strong> café,<br />
1.000 pés <strong>de</strong> laranja e dois alqueires<br />
<strong>de</strong> mandioca “<strong>pra</strong> capiná”.<br />
Os noivos e convidados<br />
foram um dia antes a cida<strong>de</strong><br />
para o casório, levaram quatro<br />
horas e meia a pé. Lá fizeram<br />
um pouso para casar na parte<br />
da manha para dar tempo <strong>de</strong><br />
chegar em casa casado e fazer<br />
a primeira refeição como marido<br />
e mulher literalmente a luz<br />
<strong>de</strong> velas (fifó-lamparina). Na<br />
chegada tiveram <strong>de</strong> atravessar<br />
o Rio Gran<strong>de</strong> (Maranduba)<br />
sobre um tronco talhado que<br />
servia <strong>de</strong> ponte. Os homens<br />
carregavam as mulheres no<br />
colo para não se molharem.<br />
<strong>Fi<strong>de</strong>ncio</strong> cavalheiro como era<br />
foi atravessar com a Ana Correia<br />
e como o tronco estava<br />
molhado os dois caíram na<br />
água e o agora marido molhou<br />
o terno branco que vestia.<br />
Ele trabalhou na prefeitura<br />
com o prefeito Cel. Ernesto<br />
<strong>de</strong> Oliveira, sua função era<br />
ascen<strong>de</strong>r e apagar o pavio<br />
das lamparinas da re<strong>de</strong> publica<br />
<strong>de</strong> iluminação no centro<br />
da cida<strong>de</strong>. Trabalhou ainda<br />
na Santa Casa e na fazenda<br />
Jundiaquara. Depois trabalhou<br />
na Fazenda dos Ingleses<br />
na Vila <strong>de</strong> Santo Antonio<br />
(Caraguatatuba). Lá jogou<br />
futebol na posição <strong>de</strong> ponta<br />
esquerda, apren<strong>de</strong>u Kung Fu<br />
e Box, era 1925. Ela quando<br />
menina participou <strong>de</strong> todas<br />
as visitas da Imaculada a este<br />
território. Foi peça fundamental<br />
na montagem do único documentário<br />
em ví<strong>de</strong>o sobre a<br />
historia da aparição. Muitos<br />
outros <strong>de</strong>poimentos não foram<br />
publicados por solicitação<br />
<strong>de</strong> <strong>Maria</strong>.<br />
Ela é dona <strong>de</strong> uma musica<br />
que apren<strong>de</strong>u em sonho,<br />
foi por indicação da Virgem,<br />
também <strong>de</strong> uma oração para<br />
rosário que só existe<br />
aqui em todo o<br />
planeta. Quando<br />
fala sobre o tema,<br />
lagrimas correm em<br />
seu lindo rosto, percebe-se<br />
que é pela<br />
<strong>de</strong>scrença e perda<br />
do respeito sobre<br />
o tema e também<br />
pela felicida<strong>de</strong> que<br />
a aguarda. Suas<br />
orações e cantos<br />
saem <strong>de</strong> sua boca<br />
como se não fosse<br />
ela que esta dizendo.<br />
Sai como doce e<br />
como canto <strong>de</strong> pássaro.<br />
Ela ainda recorda<br />
das gran<strong>de</strong>s roças<br />
na Pedra Preta, <strong>de</strong> mandioca<br />
brava para farinha, café,<br />
banana, dos feijões <strong>de</strong> corda<br />
como a fava, rama doce para<br />
acompanhar o café e da Mulaé,<br />
segundo moradores a<br />
rama <strong>de</strong> mandioca mais antiga<br />
do Brasil, espécie que foi<br />
trazida pelos negros escravos.<br />
<strong>Maria</strong> é da Irmanda<strong>de</strong><br />
Sagrado Coração <strong>de</strong> Jesus e<br />
da Legião <strong>de</strong> <strong>Maria</strong>, <strong>de</strong>voção<br />
<strong>de</strong>ixada a pedido da Imaculada<br />
em 1915-17, a qual não<br />
participa por conta das condições<br />
físicas, mas todos sabem<br />
que participa na fé, que<br />
é inabalável. “É tanta pouca-<br />
-vergonha hoje em dia, que se<br />
soubessem o que os aguarda<br />
pediriam perdão a Virgem”,<br />
<strong>de</strong>sabafa <strong>Maria</strong>.<br />
Perguntado o que eles<br />
aguardam a resposta foi<br />
curta: “DEUS”. Quando casaram<br />
as únicas coisas que<br />
com<strong>pra</strong>vam era a querosene,<br />
sal, “fórfi” (fósforo), sapato e<br />
fazendas <strong>de</strong> panos. <strong>Fi<strong>de</strong>ncio</strong><br />
trabalhava com as tamancas<br />
(calçado) <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira, algumas<br />
eram produzidas em<br />
Ubatuba na antiga Fazenda<br />
Usina Velha. As mais chiques<br />
eram trazidas <strong>de</strong> Portugal,<br />
umas abertas e outras fechadas.<br />
A fazenda Usina Velha<br />
tinha trazido do Porto <strong>de</strong> São<br />
Sebastião do Rio <strong>de</strong> Janeiro<br />
um automóvel que era a fascinação<br />
<strong>de</strong> todos. Um dia um<br />
pneu furou e o estepe tinha<br />
<strong>de</strong> esperar chegar <strong>de</strong> Portugal,<br />
mais um carpinteiro muito<br />
bom <strong>de</strong> Ubatuba provi<strong>de</strong>nciou<br />
uma roda completa <strong>de</strong><br />
ma<strong>de</strong>ira, a fama do carpinteiro<br />
cresceu ainda mais. Muita<br />
gente passava pelo carreiro<br />
<strong>de</strong>sta fazenda para ouvir o<br />
ronco do motor do “automóver”.<br />
Ele ainda tem a replica <strong>de</strong><br />
legítima Henrique Laporte,<br />
cartucheira <strong>de</strong> 1925 com peças<br />
<strong>de</strong> vidro calibre 40. Sempre<br />
simples o casal é hoje<br />
Patrimônio da região. Quando<br />
<strong>Fi<strong>de</strong>ncio</strong> nasceu o Sertão da<br />
Quina tinha pouco mais <strong>de</strong><br />
setenta anos <strong>de</strong> vida. Chegou<br />
a ver muitos escravos bisavós<br />
dos remanescentes quilombolas<br />
da Ubatuba atual.<br />
Seus <strong>de</strong>talhes impressionam.<br />
Ao conhecer a vida <strong>de</strong>les e<br />
<strong>de</strong> tantos outros <strong>de</strong>scobrimos<br />
que mesmo com<br />
a vida dura a região era<br />
linda e as pessoas não<br />
eram tão gananciosas<br />
como hoje, que a nossa<br />
vida é cheia <strong>de</strong> frescura,<br />
com o dizia minha avó.<br />
Tratavam-se pessoas<br />
puras, mesmo com o inicio<br />
da especulação imobiliária<br />
e a tomada das<br />
terras, como bem relata<br />
o livro Ubatuba Terra<br />
e População da Mestra<br />
<strong>Maria</strong> Luiza Marcilia.<br />
Ao ver a paz que buscam<br />
neste tempo e o<br />
silencio mostram a sabedoria<br />
que cabe a nós<br />
tirar o chapéu e agra<strong>de</strong>cer<br />
a Deus pelo privilégio e a<br />
honra <strong>de</strong> të-los como testemunhas<br />
oculares da história<br />
e da formação <strong>de</strong> nosso país.<br />
Principalmente a mim que<br />
ouviu, sentiu, abraçou, falou<br />
com <strong>Fi<strong>de</strong>ncio</strong> e <strong>Maria</strong>. Ao pedir<br />
a benção a este casal parece-<br />
-me que pedi a todos que um<br />
dia conheci e partiram, num<br />
coro imagino ouvir o “Deus<br />
Te Abençoe, Te Guar<strong>de</strong> e Te<br />
Proteja Meu Filho”. Confesso<br />
que não tem dinheiro que pague<br />
esta sensação, uma das<br />
<strong>pra</strong>zerosas que vivenciei.