14.05.2015 Views

Os imigrantes do Núcleo Colonial de São ... - Diversitas - USP

Os imigrantes do Núcleo Colonial de São ... - Diversitas - USP

Os imigrantes do Núcleo Colonial de São ... - Diversitas - USP

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>Os</strong> <strong>imigrantes</strong> <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong> <strong>Colonial</strong> <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> e a constituição <strong>do</strong><br />

subúrbio paulistano (1877-1902)<br />

Alexandre Alves<br />

Introdução<br />

A criação <strong>de</strong> <strong>Núcleo</strong>s Coloniais em <strong>São</strong> Paulo foi um processo que se instituiu<br />

dadas as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> alteração <strong>do</strong>s mecanismos <strong>de</strong> recrutamento <strong>de</strong><br />

mão-<strong>de</strong>-obra na transição para o trabalho livre. A partir <strong>de</strong> 1847 foram fundadas<br />

colônias particulares <strong>de</strong> terras que seriam cultivadas pelo sistema <strong>de</strong> parceria,<br />

pelo qual os colonos tinham direito a 50% da renda da colheita. Este sistema<br />

apoiava-se no processo imigratório, <strong>de</strong>slocan<strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>res europeus <strong>de</strong><br />

diferentes regiões, que <strong>de</strong>veriam fazer a América, fugin<strong>do</strong> das crises <strong>de</strong> abastecimento<br />

<strong>de</strong> regiões como o Veneto ou a Calábria na recém unificada Itália. As<br />

colônias apareciam como possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ascensão social a camponeses ou<br />

trabalha<strong>do</strong>res manufatureiros, ou <strong>de</strong> liberda<strong>de</strong> aos anarquistas persegui<strong>do</strong>s por<br />

problemas políticos. Entretanto as promessas <strong>de</strong> ganhos fáceis eram logo perdidas,<br />

pois os <strong>imigrantes</strong> tinham, já na chegada ao Brasil, que reembolsar os<br />

gastos com suas passagens da Europa, com alimentação, médico e moradia,<br />

acaban<strong>do</strong> por serem aprision~<strong>do</strong>s por dívida. Até a década <strong>de</strong> 80 <strong>do</strong> séc. XIX a<br />

vinda <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong> ainda era pouco significativa, mas a partir <strong>de</strong> 1884 o governo<br />

passou a subvencionar esse transla<strong>do</strong> em larga escala para as fazendas <strong>de</strong> café,<br />

cultivadas pelo sistema <strong>do</strong> colo nato - pelo qual os <strong>imigrantes</strong> ganhavam conforme<br />

a quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> café colhi<strong>do</strong>, estimulan<strong>do</strong> o trabalho familiar.<br />

Conforme já fora <strong>de</strong>finida <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a política <strong>de</strong> <strong>do</strong>ação <strong>de</strong> terras para estrangeiros<br />

por D. João VI em 1808, quan<strong>do</strong> introduziu<br />

1.500 <strong>imigrantes</strong><br />

alemães no Espírito Santo, os <strong>Núcleo</strong>s coloniais objetivavam o povoamento<br />

<strong>de</strong> áreas novas, tais como os núcleos i~stituí<strong>do</strong>s no sul <strong>do</strong> país - basea<strong>do</strong>s<br />

no cultivo <strong>de</strong> terras em pequena proprieda<strong>de</strong>.


"-./ES ~<br />

PI " 'C°<br />

~~:,:;i::'~:;:~o;~;:~;:(:/":: m ao au o, a primeira tentanva rOl a fun-<br />

54<br />

,0""""11;:,,;'0 ~::;':';:o;..:" daç ão da colônia <strong>de</strong> Santo Amaro em .1827 ,lo g o<br />

/.r~.o,""J"o".'.' . L-<br />

~.~-;::;;:'~1~':,0" aban<strong>do</strong>nada por falta <strong>de</strong> verbas para mantê-Ia. A<br />

vi?-", , r ~/'o-._~ ! o , ' , I I " fi " 'c'<br />

T;;y1;~~~~~~~::" pol1nca <strong>de</strong> Nuc eos Co omalS o lClalS SO rOl reto-<br />

, ~E~~:;-;:~..;.;:;~ mada em 1874, com a <strong>de</strong>sapropriação das terras<br />

~&..:...~~:~':j;:"-,~... ao re<strong>do</strong>r da cida<strong>de</strong>, Pertencentes à or<strong>de</strong>m benedi-<br />

~'~r5"" 7<br />

, '~7"P:,-:",!-~,;~:: tina, A criação <strong>do</strong>s <strong>Núcleo</strong>s na periferia <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

-'.~,.~~~... ~ .<br />

,;!~::;~.~~:;~~ Paulo teve três funções principais: resolver o pro-<br />

:,


Dia<strong>de</strong>ma nasceu na Gran<strong>de</strong> ABC: História Retrospectiva da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

micas marginais <strong>de</strong> natureza igual às <strong>do</strong>s posseiros e foreiros da área na<br />

época da fazenda <strong>do</strong>s beneditinos.<br />

Em 1874, foi cria<strong>do</strong> o <strong>Núcleo</strong> <strong>Colonial</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> Caetano, emancipa<strong>do</strong><br />

em 1879, viven<strong>do</strong> nos limites da miséria durante aquele perío<strong>do</strong>. Foi somente<br />

em 1887, quan<strong>do</strong> promoveu-se a reativação <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong> (com <strong>imigrantes</strong><br />

recém-chega<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à política da "gran<strong>de</strong> imigração" <strong>do</strong> governo),<br />

que esgotou-se a venda <strong>de</strong> lotes <strong>de</strong> terra <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong> <strong>Colonial</strong>. A ativida<strong>de</strong><br />

principal foi a vitivinicultura (plantio <strong>de</strong> uva e fabricação <strong>de</strong> vinho),<br />

ativida<strong>de</strong> arrasada em 1888 quan<strong>do</strong> uma praga <strong>de</strong>struiu as vi<strong>de</strong>iras. A partir<br />

daí a ativida<strong>de</strong> industrial pass~u a ser uma válvula <strong>de</strong> escape para o<br />

constante crescimento <strong>de</strong>mográfico <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> Caetano.<br />

A mesma praga atingiu o <strong>Núcleo</strong> <strong>Colonial</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> entre 1893 e<br />

1894. Naquele perío<strong>do</strong> a lavoura era uma ativida<strong>de</strong> quase inviável <strong>de</strong>vi<strong>do</strong><br />

às gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s no <strong>de</strong>sbravamento <strong>do</strong> terreno, coberto <strong>de</strong> matas<br />

virgens e à má qualida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s solos. Assim, a produção <strong>de</strong> vinho e alimentos<br />

foi substituída pela extração <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira e fabrico <strong>do</strong> carvão como única<br />

ativida<strong>de</strong> disponível aos colonos no momento, embora fosse uma ativida<strong>de</strong><br />

ilegal e punida pela chefia <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong> <strong>Colonial</strong>. Apesar disso, cresceu o<br />

número <strong>de</strong> serrarias operan<strong>do</strong> na área.<br />

Isola<strong>do</strong> pelo aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong> antigo Caminho <strong>do</strong> Mar e pela distância da<br />

ferrovia, o <strong>Núcleo</strong> ficou décadas subsistin<strong>do</strong> <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pequena expressão.<br />

Segun<strong>do</strong> o Censo <strong>de</strong> 1920, 50% da área total <strong>do</strong>s estabelecimentos<br />

rurais ainda era ocupada por matas na região <strong>do</strong> ABC.<br />

As primeiras levas <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong> para <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> estabeleceram-se entre<br />

1876 e 1886, na Se<strong>de</strong> <strong>Colonial</strong> e nas regiões rurais limítrofes, com gran<strong>de</strong>s<br />

dificulda<strong>de</strong>s, como as linhas Jurubatuba e <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> Novo. Para chegar<br />

à linha Capivary, por exemplo, em 1888, os <strong>imigrantes</strong> tiveram que percorrer<br />

<strong>de</strong> vinte a trinta quilômetros <strong>de</strong> picada na mata e, foram precisas três<br />

tentativas para a sua instalação nessa linha.<br />

Em 1889, a região <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> à qual pertencia o <strong>Núcleo</strong>, foi elevada<br />

<strong>de</strong> Freguesia a Vila e em 1902 <strong>de</strong> Vila a Município. Esse crescimento<br />

<strong>de</strong>ve-se à diversificação <strong>de</strong> funções <strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong>, que <strong>de</strong>ixavam <strong>de</strong> se <strong>de</strong>dicar<br />

exclusivamente à agricultura, ao rápi<strong>do</strong> aumento da população (em<br />

1874 tinha 2.782 habitantes, em 1886 tinha 3.667 e em 1900 tinha 10.124)<br />

e à possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> absorção contínua <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra, seja na agricultura,~<br />

55


Dia<strong>de</strong>ma nasceu no Gran<strong>de</strong> ABC: História Retrospectiva da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

S6<br />

no comércio ou na indústria5. Dos quatro núcleos, o <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> foi o<br />

que permaneceu ativo por mais tempo.<br />

Naquele contexto, os <strong>imigrantes</strong> trazi<strong>do</strong>s para os núcleos foram entendi<strong>do</strong>s<br />

como potenciais agentes da europeização da cida<strong>de</strong> no processo <strong>de</strong> transformação<br />

que a elite cafeeira esperava da mudança <strong>do</strong> regime e da implantação<br />

<strong>do</strong> trabalho livre na Província. Esse imaginário republicano das elites<br />

paulistas <strong>de</strong>smascara-se com os conflitos, que no <strong>de</strong>correr da implantação<br />

<strong>do</strong>s núcleos, ocorreram entre o governo e os colonos. Revelou-se a distância<br />

entre os projetos concebi<strong>do</strong>s e a realida<strong>de</strong> histórica, refletin<strong>do</strong>-se na mudança<br />

<strong>de</strong> função <strong>do</strong>s núcleos suburbanos <strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo após 1886, quan<strong>do</strong><br />

passam a servir como meio propagandístico para a atração <strong>de</strong> mão-<strong>de</strong>-obra<br />

no contexto da "Gran<strong>de</strong> imigração" das décadas <strong>de</strong> 80 e 90.<br />

Nas páginas seguintes analisaremos os conflitos entre o governo e os<br />

<strong>imigrantes</strong>, acompanhan<strong>do</strong> a atitu<strong>de</strong> ambígua <strong>do</strong> governo, assim como as<br />

correspon<strong>de</strong>ntes reações <strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong>, ora <strong>de</strong> submissão, ora <strong>de</strong> revolta.<br />

Perpassa esses conflitos a mudança <strong>de</strong> função <strong>do</strong>s subúrbios <strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo<br />

entre a época da implantação <strong>do</strong>s núcleos (décadas <strong>de</strong> 70, 80 e 90) e o<br />

novo contexto industrial da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo, com a constituição <strong>de</strong><br />

bairros operários ao longo da via férrea (Brás, Mooca, Ipiranga, etc). De<br />

"banlieu coloniale" os ex-núcleos coloniais tornaram-se fornece<strong>do</strong>res <strong>de</strong><br />

mão-<strong>de</strong>-obra, <strong>de</strong> matéria-prima e locais privilegia<strong>do</strong>s para a implantação<br />

da indústria em <strong>São</strong> Paulo.<br />

A partir das fontes que analisamos, estabelecemos <strong>do</strong>is perío<strong>do</strong>s para a<br />

fast: <strong>de</strong> implantação <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong> <strong>Colonial</strong> (1876-1902): <strong>de</strong> 1876 a 1886, da<br />

fundação <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong> ao seu aban<strong>do</strong>no e sua reativação; e <strong>de</strong> 1887 a 1902,<br />

da fundação <strong>de</strong> novas linhas <strong>de</strong> colonizaçã06 até sua emancipação <strong>de</strong>finitiva,<br />

quan<strong>do</strong> ele foi <strong>de</strong>volvi<strong>do</strong> à jurisdição da municipalida<strong>de</strong>.<br />

Nos <strong>do</strong>is anos após a instalação <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong>, 1878-79,<br />

diversos conflitos entre o governo e os colonos ocorreram, pela falta <strong>de</strong><br />

pagamento <strong>do</strong>s seus salários, falta <strong>de</strong> condições <strong>de</strong> moradia, <strong>de</strong> ruas carroçáveis,<br />

médico e igreja no <strong>Núcleo</strong> e pela <strong>de</strong>silusão <strong>do</strong>s colonos face à terra<br />

<strong>de</strong> má qualida<strong>de</strong> que adquiriram. Naquele perío<strong>do</strong> inicial as levas? <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong><br />

- na maior parte italianos, alguns alemães - eram exp°I'ltâneas, ou<br />

seja, eles próprios custeavam suas <strong>de</strong>spesas <strong>de</strong> viagem. O governo apenas se<br />

obrigava a pagar salários aos colonos por um ano - antes da primeira co-


Dia<strong>de</strong>ma nasceu no Gran<strong>de</strong> ABC: História Retrospectiva da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

lheita - pelos serviços <strong>de</strong> infraestrutura que <strong>de</strong>veriam realizar nas terras. De<br />

1879 a 1886, a colônia foi parcialmente aban<strong>do</strong>nada pelo Esta<strong>do</strong>, que não<br />

introduziu mais <strong>imigrantes</strong> uma vez que o governo foi assumi<strong>do</strong> por um<br />

grupo político que não via a imigração para o <strong>Núcleo</strong> como fundamental.<br />

De 1887 a 1891 foi retomada a política imigratória anterior. Foram inauguradas<br />

mais seis linhas <strong>de</strong> colonização, amplian<strong>do</strong> os limites <strong>do</strong> núcleo e<br />

introduzin<strong>do</strong> novas levas <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong>. Desta vez, o governo subsidiou, na<br />

sua maior parte, as passagens <strong>do</strong>s colonos, porém eles não recebiam salários<br />

pelas obras que tinham <strong>de</strong> realizar para o governo. Com as novas levas <strong>de</strong><br />

<strong>imigrantes</strong> que ingressaram no <strong>Núcleo</strong>, <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong> italianos, poloneses e<br />

húngaros, entre outras nacionalida<strong>de</strong>s minoritárias, houve maior diversificação<br />

e novos conflitos. Po<strong>de</strong>mos observar na tabela (próxima página) o<br />

total <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong> vin<strong>do</strong>s para o <strong>Núcleo</strong>, porém tivemos que dividir os<br />

da<strong>do</strong>s em duas tabelas <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às numerosas nacionalida<strong>de</strong>s que contribuíram<br />

para o povoamento <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong>.<br />

A chegada <strong>do</strong>s últimos grupos <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong> promoveu uma série <strong>de</strong> conflitos<br />

<strong>de</strong> menor amplitu<strong>de</strong> que o gran<strong>de</strong> conflito <strong>de</strong> 1878-79 por falta <strong>de</strong><br />

pagamento <strong>do</strong>s salários. Estes conflitos passaram a ser da responsabilida<strong>de</strong> <strong>do</strong><br />

controle da região, que para isso construiu a ca<strong>de</strong>ia pública e a seu la<strong>do</strong> o Paço<br />

Municipal. Em 1894 e 1897, inauguram-se as duas últimas linhas <strong>de</strong> colonização:<br />

Campos Salles e Bernardino <strong>de</strong> Campos. As linhas anteriores emancipam-se<br />

em 1898, as novas linhas em 1902, quan<strong>do</strong> cessa a responsabilida<strong>de</strong><br />

estatal sobre o <strong>Núcleo</strong>, <strong>de</strong>volven<strong>do</strong> suas terras ao controle municipal.<br />

57<br />

o problema da sobrevivência<br />

<strong>Os</strong> colonos viviam no núcleo em condição <strong>de</strong> isolamento, sen<strong>do</strong> constantemente<br />

vigia<strong>do</strong>s e eventualmente puni<strong>do</strong>s por seu comportamento.<br />

Havia cuida<strong>do</strong> constante com a sua saú<strong>de</strong>, dan<strong>do</strong>-lhes assistência, pois eles<br />

<strong>de</strong>veriam ser uma espécie <strong>de</strong> barreira entre o interior paulista - local da<br />

in<strong>do</strong>lência, das <strong>do</strong>enças e da insalubrida<strong>de</strong>, e a cida<strong>de</strong> -local da cultura, da<br />

or<strong>de</strong>m e <strong>do</strong> trabalho. Não se concebia que os <strong>imigrantes</strong> europeus se<br />

a<strong>do</strong>entassem ou sobrevivessem da mesma forma que os sertanejos <strong>do</strong> interior,<br />

<strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s marginais - como o corte <strong>de</strong> lenha para fazer carvão e a cultura<br />

<strong>de</strong> subsistência. Ao contrário, o seu trabalho <strong>de</strong>veria ser vigia<strong>do</strong>, seu compor-


TABELA A - Imigrantes <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong><br />

(Ano x Nacionalida<strong>de</strong>)<br />

Ano/Procedência<br />

Austrlo<br />

(nO <strong>de</strong> processos)<br />

~I~~ha , ,<br />

1876<br />

61<br />

Nacional<br />

(local <strong>de</strong> origem)<br />

TOTAL<br />

6<br />

1877<br />

597 16 19<br />

632<br />

1878<br />

30 I 22 52<br />

1879 13 5 6<br />

24<br />

1880<br />

17 17<br />

~<br />

1882 5<br />

1883 15<br />

1884<br />

20<br />

11 (Pilar) 11<br />

1885<br />

. 1886<br />

13 7 20<br />

22<br />

22<br />

58 253<br />

1887 253<br />

1888<br />

1889<br />

115 115<br />

46 48<br />

1890 18<br />

8 2 (Ceara) 28<br />

1891 35 17 19<br />

10 (Santo Amaro)<br />

81<br />

1892<br />

40 3<br />

14 (Santo Amaro) 57<br />

1893 22 32 17<br />

()<br />

1894 15<br />

71<br />

24<br />

1895<br />

1896<br />

1897 35<br />

34 34<br />

17 18<br />

36<br />

37 1535


Dia<strong>de</strong>ma nasceu no Gran<strong>de</strong> ASC: História Retrospectiva da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

OBSERVAÇÓES:<br />

1) <strong>Os</strong> da<strong>do</strong>s são referentes apenas aos colonos que adquiriram e pagaram lotes, excluin<strong>do</strong> os<br />

ainda não estabeleci<strong>do</strong>s na terra e os não resi<strong>de</strong>ntes em <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong>. Consi<strong>de</strong>ramos o ano<br />

<strong>de</strong> estabelecimento <strong>do</strong> colono na terra e não o ano da chegada ou da compra <strong>do</strong> lote.<br />

2) Na nacionalida<strong>de</strong> italiana foram incluí<strong>do</strong>s os tiroleses, pois apesar da região perrencer<br />

administrativamente ao Império Austro-Húngaro, seu habitantes são na maior parte italianos<br />

(o Titol foi <strong>de</strong>volvi<strong>do</strong> à Itália em 1919).<br />

3) Na nacionalida<strong>de</strong> austríaca foram incluí<strong>do</strong>s apenas os <strong>imigrantes</strong> <strong>de</strong>sta procedência com<br />

sobrenome alemão.<br />

4) Na nacionalida<strong>de</strong> polonesa foram incluí<strong>do</strong>s os <strong>imigrantes</strong> russos vin<strong>do</strong>s através da Polônia.<br />

59<br />

OBSERVAÇÃO: exceções ao fluxo geral <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong>: vieram os seguintes migrantes (trabalha<strong>do</strong>res<br />

nacionais): 24 da antiga Colônia <strong>de</strong> Santo Amaro. 2 pessoas <strong>do</strong> Ceará e 11 da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Pilar;<br />

reemigra<strong>do</strong>s: 13 alemães <strong>de</strong> Santa Catarina e 2 armênios que vieram reemigra<strong>do</strong>s da Argentina.


60<br />

I tamento controla<strong>do</strong>,<br />

I direciona<strong>do</strong> para as<br />

ativida<strong>de</strong>s "produtivas",<br />

como a agricultura, para<br />

a produção <strong>de</strong> vinho,<br />

cereais e verduras o abastecimento<br />

da cida<strong>de</strong>.<br />

Deste mo<strong>do</strong>, a proibição<br />

<strong>de</strong> cortar a lenha<br />

-- nas matas antes <strong>do</strong> pagamento<br />

<strong>do</strong>s lotes e,<br />

<strong>de</strong>pois <strong>de</strong> emancipa<strong>do</strong> o núcleo, proibição municipal <strong>de</strong> cortar qualquer<br />

lenha das matas em torno da povoação ("Mata Atlânticà') , sem a permissão<br />

<strong>do</strong> município, formam circunscreven<strong>do</strong> os limites <strong>de</strong> ação <strong>de</strong>stes mora<strong>do</strong>res.<br />

Ofício <strong>de</strong> 1902 pediu a criação <strong>do</strong> cargo <strong>de</strong> "zela<strong>do</strong>r das matas", para<br />

impedir a <strong>de</strong>struição <strong>de</strong>stas. O cargo já havia si<strong>do</strong> pedi<strong>do</strong> antes, em 1897, o<br />

que atesta a permanência <strong>do</strong> problema. Porém, o cuida<strong>do</strong> <strong>do</strong> governo não<br />

visava a preservação da mata virgem. Basicamente as medidas tinham três<br />

finalida<strong>de</strong>s: fixar os colonos na terra, impedir que os <strong>imigrantes</strong> se emancipassem<br />

exercen<strong>do</strong> uma ativida<strong>de</strong> lucrativa (venda <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira) e impor a<br />

i<strong>de</strong>ologia <strong>do</strong> trabalho. Da<strong>do</strong>s geográficos atestam o processo <strong>de</strong> <strong>de</strong>struição<br />

da Mata Atlântica paralelo ao processo <strong>de</strong> ocupação da região. A ma<strong>de</strong>ira<br />

era utilizada para a construção civil, em <strong>do</strong>rmentes para a ferrovia, para o<br />

fabrico <strong>de</strong> móveis e principalmente como fonte <strong>de</strong> energia na maior parte<br />

<strong>do</strong>s lares: o carvão. Com efeito, em 1920, já 50% das matas da região <strong>do</strong><br />

atual ABC haviam si<strong>do</strong> <strong>de</strong>struídas8. O Engenheiro Chefe <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong> <strong>Colonial</strong><br />

escreveu um ofício em 1887 on<strong>de</strong> afirmou:<br />

"Enquanto não seja emancipada a parte <strong>de</strong>ste núcleo colonial, e<br />

consequentemente removida a Se<strong>de</strong> da Administração para uma das<br />

linhas recém-colonizadas que mais carecem <strong>de</strong> fiscalização, torna-se<br />

difícil fazer-se observar o Regulamento em vigor [sobre o corte da<br />

mata], por quanto, pela extensão da Colônia, muitas vezes dão-se<br />

fatos reprováveis, que só muito mais tar<strong>de</strong> chegaram ao meu conhecimento...<br />

À vista <strong>do</strong> exposto venho pedir-vos, como uma boa providência,<br />

a admissão <strong>de</strong> um emprega<strong>do</strong> <strong>de</strong> confiança, ao qual fique<br />

incumbida a fiscalização das estradas coloniais, para observância <strong>do</strong>


Dia<strong>de</strong>ma nasceu no Gran<strong>de</strong> ASC: História Retrospectiva da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

artigo 31 e 32 <strong>do</strong> Regulamento <strong>Colonial</strong> e bem assim, impedir a<br />

<strong>de</strong>struição das matas <strong>do</strong>s lotes não pagos, fato este que aqui, apesar<br />

<strong>de</strong> todas as medidas tomadas, constitui um verda<strong>de</strong>iro abuso, que<br />

muitas vezes não po<strong>de</strong> ser coibi<strong>do</strong> pois, quan<strong>do</strong> chega ao meu conhecimento<br />

já o indivíduo <strong>de</strong>struiu a mata <strong>do</strong> lote e retirou-se clan<strong>de</strong>stinamente<br />

da colônia".<br />

A <strong>de</strong>struição das matas era vista como uma ativida<strong>de</strong> predatória, típica<br />

<strong>do</strong>s antigos foreiros da fazenda <strong>do</strong>s beneditinos, uma ativida<strong>de</strong> marginal,<br />

não condizente com a visão e o papel que se atribuía aos colonos europeus.<br />

Encarrega<strong>do</strong>s <strong>de</strong> serem porta<strong>do</strong>res da "civilização", eles <strong>de</strong>veriam implantar<br />

as técnicas agrícolas européias para o cultivo da terra9. Isto não era possível<br />

porque a Europa não tinha uma agricultura tropical com terras virgens e<br />

árvores imensas. A culpa <strong>do</strong> empreendimento agrícola ter falha<strong>do</strong> foi atribuída<br />

pelas elites governantes à ignorância e mau caráter <strong>do</strong>s colonos e não<br />

aos verda<strong>de</strong>iros fatores: a aci<strong>de</strong>z das terras e a total falta <strong>de</strong> infraestrutura<br />

agrícola. Quan<strong>do</strong>, na década <strong>de</strong> 90 uma praga, a fiLoxera, <strong>de</strong>vastou os vinhe<strong>do</strong>s<br />

da região, único produto exportável no momento, eles passaram a<br />

se <strong>de</strong>dicar exclusivamente à extração <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira para produção <strong>de</strong> tábuas,<br />

caixas e carvão1O. Como j~ foi dito, estas eram as únicas ativida<strong>de</strong>s que<br />

restavam aos <strong>imigrantes</strong>, mesmo sen<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>radas pelas elites como predatórias,<br />

não produtivas e relacionada à população marginal que secularmente<br />

habitou a região.<br />

Face à sua condição geográfica <strong>de</strong> isolamento, longe da ferrovia, <strong>São</strong><br />

Bernar<strong>do</strong> não se industrializou antes da década <strong>de</strong> 40, permanecen<strong>do</strong> como<br />

subúrbio rural, amplian<strong>do</strong> a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> extração <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ira para a fabricação<br />

<strong>de</strong> <strong>do</strong>rmentes para a ferrovia, <strong>de</strong> material para construção civil e fabricação<br />

<strong>de</strong> móveis. Já <strong>São</strong> Caetano e Santo André começaram a se industrializar<br />

na década <strong>de</strong> 10, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à sua maior proximida<strong>de</strong> com <strong>São</strong> Paulo e<br />

sua facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comunicação, por estarem próximos da ferrovia.<br />

<strong>Os</strong> antigos colonos adaptaram-se à nova função <strong>do</strong> subúrbio: industrial<br />

- local <strong>de</strong> terrenos baratos, com mão-<strong>de</strong>-obra abundante e facilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><br />

comunicação para a produção. Fora aban<strong>do</strong>nada a i<strong>de</strong>alização <strong>do</strong> subúrbio<br />

como "jardim da cida<strong>de</strong>", assim como <strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong> com seu trabalho<br />

familiar e agrícola como padrão moral i<strong>de</strong>al. A partir da nova situação econômica,<br />

os colonos foram coloca<strong>do</strong>s sob o signo da periferia e da negativi-<br />

61


Dia<strong>de</strong>ma nasceu no Gran<strong>de</strong> ASC: História Retrospectiva da Cida<strong>de</strong> Vermelho<br />

da<strong>de</strong>, sen<strong>do</strong> consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s apenas como mão-<strong>de</strong>-obra disponível. Com efeito,<br />

nas décadas seguintes, continuou a migração para a região, mas com<br />

pre<strong>do</strong>minância <strong>de</strong> nacionais, principalmente <strong>do</strong> nor<strong>de</strong>ste, misturan<strong>do</strong>-se<br />

aos <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>ntes <strong>do</strong>s colonos na mesma luta diária pela sobrevivência<br />

Tensões e conflitos com os po<strong>de</strong>res locais<br />

62<br />

Por um contrato com os colonos, o governo se obrigava a dar-Ihes subsídio<br />

diário para os trabalhos <strong>de</strong> infraestrutura, além <strong>de</strong> fornecer-lhes alimentação<br />

durante um ano, antes da primeira colheita. No início <strong>de</strong> 1878 houve<br />

uma revolta que se alastrou também por <strong>São</strong> Caetano e Santana por falta <strong>de</strong><br />

cumprimento <strong>de</strong>ssas obrigações <strong>do</strong> governo. <strong>Os</strong> colonos invadiram a Se<strong>de</strong><br />

colonial e seqüestraram o Engenheiro Chefe <strong>do</strong>s núcleos coloniais - Leopol<strong>do</strong><br />

José da Silva - exigin<strong>do</strong> a intervenção <strong>do</strong> governo provincial sobre sua situação.<br />

O Engenheiro Chefe estava <strong>de</strong>sprovi<strong>do</strong> <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> punir na ocasião,<br />

pois encontrava-se em situação <strong>de</strong> risco - constrangi<strong>do</strong> a escrever ao governo<br />

pelos colonos que o seqüestraram - foi obriga<strong>do</strong> a admitir que eles tinham<br />

razão, por causa <strong>do</strong> contrato efetua<strong>do</strong> com o governo, como diz neste<br />

ofício dirigi<strong>do</strong> ao Presi<strong>de</strong>nte da Província:<br />

"Levo ao conhecimento <strong>de</strong> V. Ex a que há três dias me acho neste<br />

<strong>Núcleo</strong>, afim <strong>de</strong> conter os colonos que estão <strong>de</strong>sespera<strong>do</strong>s com a<br />

<strong>de</strong>mora <strong>do</strong> pagamento <strong>de</strong> seus salários. Hoje invadiram a casa da<br />

administração, porque alguns ignorantes acreditaram que recebi o<br />

dinheiro para este fim e que não o quero entregar. Consta-me que<br />

hoje fazem uma <strong>de</strong>putação a V. Ex a afim <strong>de</strong> solicitarem o pronto<br />

pagamento e significaram-me bem claro o seu <strong>de</strong>sejo para que eu<br />

ficasse aqui até sua volta. Estou portanto reti<strong>do</strong> e peço a V. Ex a<br />

prontas providências sobre o dito pagamento, afim <strong>de</strong> evitar conflitos<br />

que po<strong>de</strong>m dar-se a to<strong>do</strong> o momento".<br />

Posteriormente o Engenheiro Chefe expôs - por ocasião <strong>de</strong> outra revolta,<br />

pouco mais <strong>de</strong> um ano <strong>de</strong>pois - seu verda<strong>de</strong>iro pensamento a respeito<br />

<strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong> e expressou a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>'Controlá-los e puní-Ios para a<br />

manutenção da or<strong>de</strong>m. Conforme o discurso <strong>do</strong> Engenheiro Chefe, os colonos<br />

"ignorantes" <strong>de</strong>mandavam a benevolência <strong>do</strong> governo, que se via


Dia<strong>de</strong>ma nasceu no Gran<strong>de</strong> ABC: História Retrospectiva da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

<strong>de</strong>sincumbi<strong>do</strong> <strong>de</strong> paga-Ios já que os subsidiara por um ano, como po<strong>de</strong>mos<br />

ler no ofício abaixo dirigi<strong>do</strong> por Leopol<strong>do</strong> José ao governo:<br />

"Tenho a honra <strong>de</strong> levar ao conhecimento <strong>de</strong> V a Ex a que alguns<br />

colonos <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> em número <strong>de</strong> 109, sen<strong>do</strong> os<br />

cabeças <strong>do</strong> motim, os colonos <strong>de</strong> nomes ...{seguem-se 6 nomes italianos)...,<br />

obrigan<strong>do</strong> os outros com ameaças a acompanharem-nos<br />

para perturbarem a or<strong>de</strong>m, como verbalmente comuniquei a V a<br />

Ex a pedin<strong>do</strong> providências, continuam <strong>do</strong> mesmo mo<strong>do</strong>.<br />

<strong>Os</strong> emprega<strong>do</strong>s estão sen<strong>do</strong> perturba<strong>do</strong>s e ameaça<strong>do</strong>s, não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong><br />

livremente encarregarem-sem seus serviços <strong>de</strong> medições. Rogo<br />

a V a Ex a para provi<strong>de</strong>nciar afim <strong>de</strong> que sejam puni<strong>do</strong>s os cabeças,<br />

para a or<strong>de</strong>m e a garantia, consi<strong>de</strong>ro a estada <strong>de</strong>les como inconveniente<br />

ao núcleo...<br />

Como oficiei a Va Ex a e verbalmente informei, o Governo marcou o<br />

prazo <strong>de</strong> 6 meses <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> qual daria a diária que for estipulada, e<br />

cumprida, finalizan<strong>do</strong> o prazo marca<strong>do</strong> os colonos <strong>de</strong> S. Bernar<strong>do</strong> e<br />

S. Caetano fizerão uma petição ao Governo que remeti ao Dr. Chefe<br />

da Diretoria <strong>de</strong> Agricultura o que se aguarda solução, não fazen<strong>do</strong>-se<br />

incluí<strong>do</strong>s, senão os mais necessita<strong>do</strong>s; mas os colonos <strong>de</strong> S. B. enten<strong>de</strong>m<br />

que <strong>de</strong>vem perturbar a or<strong>de</strong>m com suas pertinazes reclamações,<br />

sem quererem aguardar a <strong>de</strong>liberação <strong>do</strong> favor que pe<strong>de</strong>m".<br />

63<br />

A atitu<strong>de</strong> esperada <strong>de</strong> quem recorria ao paternalismo<strong>do</strong> governo seria a<br />

humilda<strong>de</strong> e não a revolta, como <strong>de</strong>monstra-se no rrecho abaixo, redigi<strong>do</strong><br />

<strong>de</strong> próprio punho pelos <strong>imigrantes</strong> italianos, justifican<strong>do</strong> sua revolta em<br />

razão da fome e da miséria e apelan<strong>do</strong> à magnanimida<strong>de</strong> <strong>do</strong> governo para<br />

socorrê-los. Há uma adaptação <strong>do</strong> discurso <strong>do</strong>~ <strong>imigrantes</strong> em relação ao<br />

<strong>do</strong> governo, após o choque enrre ambos marcan<strong>do</strong> o início <strong>de</strong> uma assimilação<br />

(lingüística inclusive) - recurso <strong>de</strong> sobrevivência <strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong> num<br />

meio social hostil.<br />

" ... nós vimos aos pés <strong>do</strong> Isenlentíssimo governo <strong>de</strong>sta província<br />

para que nos seja socorri<strong>do</strong> - ou com gênero ou com dinheiro - os<br />

abacho assigna<strong>do</strong>s - pe<strong>de</strong> este socorro por mais 6 meses e esperamos<br />

no Isenlentíssimo governo não nos fartar com esta carida<strong>de</strong> para<br />

que nos tiver <strong>de</strong> barulho e <strong>de</strong>sgraça, porque a miséria e a fome não<br />

tem lei nem justiça; e a quan<strong>do</strong> recebemos as nossas colônia era fora<br />

<strong>de</strong> tempo <strong>de</strong> fazer plantações, somente pu<strong>de</strong>mos lavra poucos tereno<br />

- estes foi afim <strong>de</strong>ste ano não ser Dossível colher lavora e Doresta farta


Dia<strong>de</strong>ma nasceu na Gran<strong>de</strong> ABC: História Retrospectiva da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

é que não temos estas misérias <strong>de</strong> sofrimentos poranto esperamos no<br />

Is<strong>de</strong>ntíssimo governo que não nos farte com esta mizericordia e<br />

dinvinda<strong>de</strong> e a quem po<strong>de</strong> nos livrar <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s os mal que po<strong>de</strong>-se<br />

proce<strong>de</strong>r nestes pobre agricultores que abacho se assignão"<br />

64<br />

Este processo permite a verificação da atitu<strong>de</strong> ambígua das elites paulistas<br />

em relação aos <strong>imigrantes</strong>, conceben<strong>do</strong>-os como <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s e temi<strong>do</strong>s: <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s<br />

pois <strong>de</strong>viam ser os agentes da construção <strong>do</strong> regime republicano, da<br />

nova or<strong>de</strong>m que se pretendia implantar, e temi<strong>do</strong>s quan<strong>do</strong> contrariassem as<br />

expectativas e agissem <strong>de</strong> forma autônoma, tornan<strong>do</strong>-se para as elites, então,<br />

gera<strong>do</strong>res <strong>de</strong> "<strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m"II.A<br />

institucionalizar<br />

o senti<strong>do</strong> da or<strong>de</strong>m pela célebre <strong>de</strong>finição da questão social<br />

ser "caso <strong>de</strong> políciá'.<br />

República passava naquelo momento a<br />

Conflito semelhante ocorreu no processo <strong>de</strong> implantação <strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong><br />

alemães na colônia <strong>de</strong> Santo Amaro em 182712. Nesse caso, o temor das<br />

elites em relação aos <strong>imigrantes</strong> era ainda mais claro. Eles foram da mesma<br />

forma isola<strong>do</strong>s <strong>do</strong> núcleo urbano e vigia<strong>do</strong>s por um Engenheiro Chefe,<br />

pois temia-se que realizassem uma revolta armada contra a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

Paulo. Este temor se justificava pelos solda<strong>do</strong>s alemães que na mesma época<br />

se revoltaram no Rio <strong>de</strong> Janeiro por falta <strong>de</strong> pagamento <strong>do</strong> governo imperial<br />

pela sua participação na guerra pela Província Cisplatina, no sul <strong>do</strong> país.<br />

A estratégia <strong>de</strong> vigilância foi semelhante, dispersan<strong>do</strong> os colonos ti<strong>do</strong>s como<br />

"inconvenientes" e manten<strong>do</strong> a localida<strong>de</strong> em isolamento.<br />

Houve também conflitos <strong>de</strong> menor envergadura opon<strong>do</strong> os colonos -<br />

que exigiam um mínimo <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong> no subúrbio - e os po<strong>de</strong>res locais,<br />

o Engenheiro Chefe, o<br />

Município e a SPR (The<br />

<strong>São</strong> Paulo Railway<br />

Company).Um ofício <strong>de</strong><br />

1894 <strong>do</strong> <strong>de</strong>lega<strong>do</strong> da<br />

Vila e outro <strong>de</strong> 1903 <strong>do</strong><br />

presi<strong>de</strong>nte da Câmara<br />

Municipal<br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong><br />

pediam que "não<br />

se faça a inumação <strong>de</strong><br />

cadáveres sem o <strong>de</strong>vi<strong>do</strong>


egistro", ou seja, sem o pagamento <strong>do</strong> certifica<strong>do</strong> e da sepultura. Em 1898,<br />

conforme outro ofício, os colonos pediam a construção <strong>de</strong> um "cemitério,<br />

templo e residência para um sacer<strong>do</strong>te católico" - pedi<strong>do</strong> nega<strong>do</strong>, pois a<br />

constituição da República vetava que "cultos religiosos fossem subvenciona<strong>do</strong>s<br />

pelo esta<strong>do</strong>". O cemitério foi concedi<strong>do</strong>, por razões sanitárias,<br />

mas a igreja foi negada.<br />

Ao la<strong>do</strong> <strong>do</strong> controle estrito <strong>do</strong> governo sobre o <strong>Núcleo</strong>, através da figura<br />

<strong>do</strong> Engenheiro Chefe, havia total falta <strong>de</strong> assistência religiosa, social ou<br />

cultural aos <strong>imigrantes</strong> - formas elementares <strong>de</strong> sociabilida<strong>de</strong>. Também não<br />

havia edifícios para o exercício das funções públicas na Vila <strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong>.<br />

O vigário <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> (elevada <strong>de</strong> freguesia a Vila em 1889), pediu no<br />

ano <strong>de</strong> 1889 que o governo mandasse construir edifícios para o Paço Municipal<br />

e a Ca<strong>de</strong>ia pública já que eles eram obrigatórios segun<strong>do</strong> lei provincial <strong>de</strong><br />

1885. O pedi<strong>do</strong> foi in<strong>de</strong>feri<strong>do</strong> pois esses edifícios <strong>de</strong>viam ser construí<strong>do</strong>s "às<br />

expensas <strong>do</strong> povo"13. Houve freqüentes reclamações a respeito <strong>do</strong> "esta<strong>do</strong><br />

sanitário" da colônia, <strong>de</strong>nuncian<strong>do</strong> casos <strong>de</strong> tifo e outras infecções. Mesmo<br />

após a emancipação <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong> <strong>Colonial</strong> em 1902, a iluminação pública e os<br />

serviços <strong>de</strong> esgoto ainda eram extremamente precários - situação que se agravara<br />

muito após o início da industrialização da região na primeira década<br />

<strong>de</strong>ste século. Para o discurso secular da República, era primordial manter a<br />

or<strong>de</strong>m, a salubrida<strong>de</strong> e impor a i<strong>de</strong>ologia <strong>do</strong> trabalho nas colônias, mas não a<br />

assistência religiosa, hospital, água encanada e a educação primária <strong>do</strong>s filhos<br />

<strong>do</strong>s colonosl4.<br />

Tais problemas, <strong>de</strong> resto comuns entre as colônias <strong>do</strong> interior <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>,<br />

<strong>de</strong>nunciaram a condição suburbana <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong>, após o aban<strong>do</strong>no <strong>do</strong><br />

projeto oficial para os <strong>Núcleo</strong>s Coloniais <strong>do</strong>s arre<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo. Do<br />

idílico projeto - inspira<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Curitiba - <strong>de</strong> construir um banlieu<br />

coloniale ao re<strong>do</strong>r da cida<strong>de</strong>, passou-se à concepção <strong>do</strong> subúrbio como "refugo<br />

da cida<strong>de</strong>", abrigo da indústria - ativida<strong>de</strong> ligada à poluição e à sujeira<br />

no imaginário das elites e por isso, isolada, posta "à margem"15.<br />

Naquele contexto - entre essas duas concepções <strong>do</strong> subúrbio: como "jardim<br />

da cida<strong>de</strong>" e como "refugo da cida<strong>de</strong>" - vieram se inserir os <strong>imigrantes</strong>,<br />

também eles marca<strong>do</strong>s pela ambigüida<strong>de</strong>: <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s e temi<strong>do</strong>s, in<strong>do</strong>lentes e<br />

morigera<strong>do</strong>s, agentes da or<strong>de</strong>m e da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m.<br />

65


Dia<strong>de</strong>ma nasceu no Gran<strong>de</strong> ABC: História Retrospectiva da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

66<br />

Houve conflitos também <strong>de</strong>vi<strong>do</strong><br />

à existência <strong>do</strong> trabalho obrigatório<br />

<strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong> nas estradas da Vila,<br />

envolven<strong>do</strong> <strong>de</strong>sta vez problemas consulares,<br />

que exigiram a intervenção<br />

<strong>do</strong> Presi<strong>de</strong>nte da Província. Conforme<br />

o Regulamento <strong>Colonial</strong>, os colonos<br />

eram obriga<strong>do</strong>s a trabalhar um<br />

número variável <strong>de</strong> dias por mês no serviço <strong>de</strong> estradas, gratuitamente,<br />

supon<strong>do</strong>-se que seria <strong>do</strong> seu interesse construir caminhos carroçáveis para<br />

sua produção. Após a emancipação <strong>do</strong> núcleo, a municipalida<strong>de</strong> passou a se<br />

utilizar <strong>do</strong> trabalho <strong>do</strong>s colonos para seus serviços públicos, dan<strong>do</strong> orige~<br />

a reclamações e a um inci<strong>de</strong>nte consular com os colonos húngaros da linha<br />

Bernardino <strong>de</strong> Campos. Na ocasião, o cônsul <strong>do</strong> Império Austro-Húngaro<br />

remeteu ofício ao Presi<strong>de</strong>nte da Província, pedin<strong>do</strong> satisfação sobre as reclamações<br />

<strong>do</strong>s colonos. Eles foram obriga<strong>do</strong>s a trabalhar em obras <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

Bernar<strong>do</strong>, <strong>do</strong>is ou três dias por mês, sob ameaça <strong>de</strong> prisão. Da mesma forma,<br />

os colonos poloneses, <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>s em outro trecho como "morigera<strong>do</strong>s"<br />

escreveram um abaixo assina<strong>do</strong> para recusar o trabalho nas estradas municipais.<br />

Veja como segue:<br />

"Como nem roubamos, nem salquegamos e nem conduzimos ma<strong>de</strong>iras,<br />

não temos tanto interesse nos melhoramentos <strong>de</strong>ste caminho.<br />

Demais temos pagos os nossos lotes e cumpri<strong>do</strong>s com as disposições<br />

legais, e os caminhos que passam por nossos lotes são quase<br />

que exclusivamente utiliza<strong>do</strong>s e estraga<strong>do</strong>s pelos gatunos, salquega<strong>do</strong>res<br />

e carroceiros <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>iras, fican<strong>do</strong>-nos, além disso, ainda impedi<strong>do</strong>s<br />

na exportação <strong>de</strong> nossos produtos...po<strong>de</strong>mos perguntar por<br />

que direito <strong>de</strong>vemos trabalhar para esses últimos, <strong>do</strong>s quais a maior<br />

parte nem quer pagar, nem quer ficar nos lotes; que nos seja permiti<strong>do</strong>,<br />

uma vez este esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> coisas acaba<strong>do</strong>, trabalhar nos consertos<br />

<strong>do</strong>s nossos caminhos, mas só <strong>de</strong>ntro da linha <strong>de</strong> Capivari'.<br />

É notório neste <strong>do</strong>cumento como os <strong>imigrantes</strong> poloneses resistiram em<br />

serem assimila<strong>do</strong>s ao meio e adaptarem-se aos mo<strong>do</strong>s tradicionais <strong>de</strong> vida<br />

da população local (extração e transporte <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>iras), ao contrário <strong>do</strong>s<br />

<strong>imigrantes</strong> italianos e espanhóis que adaptaram-se com maior facilida<strong>de</strong>'6.


Dia<strong>de</strong>ma nasceu no Gran<strong>de</strong> ASC: História Retrospectiva da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

<strong>Os</strong> poloneses consi<strong>de</strong>ravam estes últimos (italianos e espanhóis) os ditos<br />

"gatunos, saquea<strong>do</strong>res e carroceiros" que <strong>de</strong>struíam os caminhos, revelan<strong>do</strong><br />

diferentes formas <strong>de</strong> assimilação ao meio e diferentes recepções <strong>do</strong> discurso<br />

<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res locais pelos grupos nacionais <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong>.<br />

Após a emancipação <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong>, os conflitos continuaram ocorren<strong>do</strong>,<br />

porém agora direciona<strong>do</strong>s a outras dimensões sociais, num nível mais cotidiano,<br />

mais microssocial, com relações menos claras. Tomemos comoexempIo<br />

um conflito <strong>de</strong> carroceiros da Vila <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> com a <strong>São</strong> Paulo<br />

Rai/way Company - empresa que realizava as obras da construção da ferrovia<br />

- pela utilização da ponte sob o Ribeirão <strong>do</strong>s Meninos, <strong>de</strong>struí<strong>do</strong> pelas<br />

obras da ferrovia. Um abaixo assina<strong>do</strong> <strong>do</strong>s negociantes <strong>do</strong> Alto da Serra<br />

alega que<br />

a "Companhia Ingleza tem a sua linha atravessan<strong>do</strong> plena povoação<br />

[ou seja, a parte habitada e necessária como passagem aos colonos],<br />

estabelecen<strong>do</strong> fechos ilegais, não dan<strong>do</strong> passagens necessárias"; pe<strong>de</strong>m<br />

que a câmara intervenha para que a Companhia "restabeleça as<br />

primitivas passagens e aumente o viaduto para boa regularização da<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comércio".<br />

Ou seja, exigiam a reconstrução da ponte e a <strong>de</strong>molição das barragens<br />

feitas para os trabalhos da ferrovia. No embate <strong>de</strong> po<strong>de</strong>res entre o gran<strong>de</strong><br />

capital inglês e o humil<strong>de</strong> comércio <strong>do</strong>s carroceiros, que transportavam<br />

carvão ou ma<strong>de</strong>ira, o fator alega<strong>do</strong> por estes era a "liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> comércio",<br />

adaptan<strong>do</strong> o discurso liberal das elites como fator <strong>de</strong> contestação<br />

nas ativida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> seu cotidiano~<br />

67<br />

A atitu<strong>de</strong> ambígua das elites<br />

o~ <strong>imigrantes</strong> foram investi<strong>do</strong>s no imaginário<br />

das elites paulistas <strong>de</strong> um duplo atributo:<br />

<strong>de</strong>seja<strong>do</strong> ~ temi<strong>do</strong>, conforme fossem i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>s<br />

como agentes da or<strong>de</strong>m que se pretendia<br />

implantar ou como <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>iros e vadios. <strong>São</strong><br />

diversos os termos negativos aplica<strong>do</strong>s a eles nos<br />

<strong>do</strong>cumentos, principalmente aos <strong>imigrantes</strong> ita-


lianos. <strong>São</strong> trata<strong>do</strong>s como "ignorantes", "in<strong>do</strong>lentes", "insubmissos" e<br />

"atravessa<strong>do</strong>res", o termo oposto seria o "trabalha<strong>do</strong>r morigera<strong>do</strong>", como o<br />

tipo i<strong>de</strong>al <strong>de</strong> imigrante que se <strong>de</strong>sejava receber.<br />

a duplo atributo i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong> <strong>do</strong>s colonos lhes confere ora o "favor e a<br />

graça" <strong>do</strong> governo, ora a sua <strong>de</strong>sconfiança, refletida num sistema <strong>de</strong> vigilância<br />

e punições que, durante o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> implantação <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong>, pretendia<br />

disciplinar os colonos. Era necessário excluir <strong>do</strong> corpo <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong>, <strong>do</strong> seu<br />

"quadro colonial" os indivíduos "inconvenientes", perturba<strong>do</strong>res da or<strong>de</strong>m<br />

- ou seja, as células que comprometessem a saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> <strong>Núcleo</strong>, contaminan<strong>do</strong><br />

outros indivíduos, paralisan<strong>do</strong> o trabalho. Esta preocupação é paralela<br />

ao cuida<strong>do</strong> com a saú<strong>de</strong> pública no núcleo - morte <strong>de</strong> crianças, casos esporádicos<br />

<strong>de</strong> loucura, infecções eram entendi<strong>do</strong>s como fatores compromete<strong>do</strong>res<br />

<strong>do</strong> sucesso da experiência <strong>do</strong>s núcleos coloniais suburbanos. No início<br />

<strong>de</strong> 1879 foi provi<strong>de</strong>nciada a contratação <strong>de</strong> um médico para aten<strong>de</strong>r os<br />

núcleos <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> e <strong>São</strong> Caetano, o médico contrata<strong>do</strong> - Dr. Hortêncio<br />

<strong>de</strong> Men<strong>do</strong>nça Uchôa - informava periodicamente em ofícios ao Engo Chefe<br />

sobre as "condições sanitárias" <strong>do</strong>s núcleos, como no ofício abaixo:<br />

68 "Permita-me V.Ex a que eu faça algumas reflexões sobre o serviço<br />

sanitário nos núcleos coloniais. <strong>Os</strong> núcleos <strong>de</strong> Glória e <strong>de</strong> Santa<br />

Ana, além <strong>de</strong> emancipa<strong>do</strong>s, estão muito próximos da cida<strong>de</strong> e por<br />

isso no caso <strong>de</strong> necessida<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m ser recolhi<strong>do</strong>s à. Santa Casa da<br />

Misericórdia os colonos q' enfermarem.<br />

... <strong>Os</strong> núcleos <strong>de</strong> <strong>São</strong> Caetano e S. Bernar<strong>do</strong> acham-se em condições<br />

diversas. Além da distância, em que estão da cida<strong>de</strong>, não se po<strong>de</strong>m<br />

consi<strong>de</strong>rar emancipa<strong>do</strong>s e por isso enten<strong>do</strong> que durante o tempo,<br />

em que o Governo pagar aos colonos diária para subsistirem até a<br />

primeira colheita, <strong>de</strong>ve igualmente prestar-lhes socorros médicos.<br />

Além <strong>de</strong> <strong>de</strong>sumano, seria prejudicial aos interesses <strong>do</strong> País <strong>de</strong>ixar<br />

morrer quase ao aban<strong>do</strong>no colonos estabeleci<strong>do</strong>s sob a proteção<br />

oficial e já <strong>de</strong> posse <strong>de</strong>sse favor... ouso lembrar a v: Ex a a conveniência<br />

<strong>de</strong> ser contrata<strong>do</strong> um médico q. semanalmente visite os núcleos<br />

<strong>de</strong> S. Caetano e <strong>de</strong> S. Bernar<strong>do</strong>".<br />

Um <strong>do</strong>cumento redigi<strong>do</strong> três dias antes pelo pr6prio Engenh~iro Chefe<br />

expressava com clareza o paralelismo da preocupação médica e da preocupação<br />

com a saú<strong>de</strong> <strong>do</strong> corpo social nos núcleos coloniais:


):_-'--- ~~.~~.. nn ~rnnrl.. lJ.RC. Hiotnri" R"tr~~~"ctiva<br />

da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

Ia visita que faço neste núcleo, verifiquei que sete famílias insisn<br />

no propósito <strong>de</strong> recusar os lotes <strong>de</strong> terra, livres <strong>de</strong> contestação,<br />

e lhe tem si<strong>do</strong> ofereci<strong>do</strong>s.<br />

,mei a resolução <strong>de</strong> intimar-lhes o prazo <strong>de</strong> 24 horas para que,<br />

ntro <strong>do</strong> perímetro <strong>do</strong> núcleo escolham a terra que melhor lhes<br />

nvenha, sob pena <strong>de</strong>, não o fazen<strong>do</strong> <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> prazo fixa<strong>do</strong>, sen<br />

elimina<strong>do</strong>s <strong>do</strong> quadro colonial e expulsos <strong>do</strong> núcleo.<br />

ém <strong>de</strong>ssas famílias que consi<strong>de</strong>ro verda<strong>de</strong>iro foco <strong>de</strong> insubordição<br />

e in<strong>do</strong>lência, há 8, cujos chefes por s~u repreensível compornento<br />

agravam ainda mais a situação atual <strong>do</strong> núcleo. A respeito<br />

4, que po<strong>de</strong>m corrigir-se em outra parte, aconselhei o engenheichefe<br />

da comissão incumbida da medição <strong>de</strong> lotes e estabeleciento<br />

<strong>de</strong> colonos, a enten<strong>de</strong>r-se com o diretor da f-íbrica <strong>de</strong> ferro<br />

Ipanema, no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> recebê-los ali.<br />

uanto aos outros, estou resolvi<strong>do</strong> a expulsá-los <strong>do</strong> núcleo, se não<br />

udarem <strong>de</strong> conduta.<br />

~I:) w.~';\"""~~,,,\.~ \.( . ~'!<br />

~ ~,"I:)~~~","\'I:)., I:.w. ~\\.I:. ~~I:)\\' d.1:. ~~~I:.t\.d.l:.t ';}.<br />

rltrega <strong>do</strong> auxílio gratuito e o abono da diária às famílias, cujos<br />

flefes não querem estabelecer-se ou proce<strong>de</strong>m mal.<br />

no!;!;lvel aue esta medida produza alguma agitação."<br />

o corpo colonial <strong>de</strong>veria estar sob constante vigilância e ser submeti<strong>do</strong> à<br />

punição, os elementos recalcitrantes isola<strong>do</strong>s e disciplina<strong>do</strong>s ou excluí<strong>do</strong>s<br />

~m último caso. Esse mecanismo <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r,<br />

que visava construir uma "socieda<strong>de</strong><br />

disciplinar" às margens da cida<strong>de</strong> (como<br />

uma espécie <strong>de</strong> experiência), não condizia<br />

com a concepção que as elites tinham da<br />

população sertaneja <strong>do</strong> interior <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong><br />

e <strong>do</strong>s antigos mora<strong>do</strong>res da região da Vila<br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong>. O corpo <strong>de</strong>ssa população<br />

- no pensamento <strong>de</strong>ssa elite - era <strong>do</strong>ente,<br />

"in<strong>do</strong>lente", <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>, inciviliza<strong>do</strong> e por<br />

isso merecia apenas <strong>de</strong>sprezo, <strong>de</strong>ven<strong>do</strong> ser<br />

manti<strong>do</strong> à distância da cida<strong>de</strong> "sã" e or<strong>de</strong>nada.<br />

Por isso, a localização <strong>do</strong>s núcleos suburbanos<br />

<strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo também foi concehic1:1<br />

como um cordão isolante. uma barrei-<br />

9


Dia<strong>de</strong>ma nasceu no Gran<strong>de</strong> ABC: História Retrospectiva da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

ra entre o sertão <strong>do</strong>s caboclos - on<strong>de</strong> grassam as infecções, e a cida<strong>de</strong> - local<br />

70<br />

privilegia<strong>do</strong> da cultura e da sociabilida<strong>de</strong>.<br />

A i<strong>de</strong>alização <strong>do</strong> imigrante como trabalha<strong>do</strong>r levou à estratégia da punição<br />

pelo isolamento e pelo trabalho, na idéia <strong>de</strong> que o trabalho é disciplina<strong>do</strong>r<br />

e a disciplina instaura "or<strong>de</strong>m'. Isto é expresso nos qualificativos opostos<br />

atribuí<strong>do</strong>s aos colonos: "in<strong>do</strong>lente e insubmisso"f "trabalha<strong>do</strong>r morigera<strong>do</strong>".<br />

"Morigerar" sen<strong>do</strong> mo<strong>de</strong>ração <strong>do</strong>s costumes, moralização, disciplinamento,<br />

exemplarida<strong>de</strong>.<br />

O paternalismo <strong>do</strong> governo, pelo qual os <strong>imigrantes</strong> ficavam durante<br />

alguns anos submeti<strong>do</strong>s ao regime <strong>de</strong> tutela, estritamente vigia<strong>do</strong>s e disciplina<strong>do</strong>s,<br />

pretendia fazer <strong>do</strong>s colonos esse "trabalha<strong>do</strong>r i<strong>de</strong>al" - agente da<br />

constituição <strong>de</strong>ste novo corpo social a ser implanta<strong>do</strong> na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

Paulo e cujo primeiro passo foi a urbanização a partir <strong>de</strong> 1872, chamada<br />

também <strong>de</strong> "segunda fundação" da cida<strong>de</strong>.<br />

Uma carta anônima, dirigida ao Presi<strong>de</strong>nte da Província, faz um apelo ao<br />

paternalismo <strong>do</strong> governo, à propósito da atitu<strong>de</strong> <strong>do</strong> Engenheiro Chefe em<br />

relação à uma viúva com filhos recém estabelecida no <strong>Núcleo</strong>, negan<strong>do</strong>-lhe<br />

o subsídio da<strong>do</strong> pelo governo aos <strong>imigrantes</strong> durante o primeiro ano <strong>de</strong> seu<br />

estabelecimento. Uma viúva, com efeito, diverge <strong>do</strong> padrão i<strong>de</strong>al <strong>do</strong> trabalha<strong>do</strong>r<br />

que o Engenheiro esperava receber no <strong>Núcleo</strong>: agricultor, com vários<br />

membros masculinos na família e pacífico ou "morigera<strong>do</strong>" (o que inclui<br />

abster-se <strong>de</strong> reclamações):<br />

"Patma Pizami, emigrante italiana, estabelecida na colônia <strong>de</strong> S.<br />

Bernar<strong>do</strong>, <strong>de</strong>sta capital, que ten<strong>do</strong> chega<strong>do</strong> apenas há três meses da<br />

Itália, e não po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> portanto ainda obrigar os lotes <strong>de</strong> terra que<br />

lhe <strong>de</strong>ram naqu<strong>de</strong> núcleo a dar-lhe a alimentação necessária para sua<br />

subsistência e <strong>de</strong> seus filhos, não compreen<strong>de</strong> o motivo por que o engenheiro<br />

diretor das colônias nega-se a dar-lhe alimentação. O mesmo<br />

engenheiro <strong>de</strong>clarou que - se a suplicante não quisesse sujeitar-se a isso<br />

(tradução: se não quiser morrer <strong>de</strong> fome), retire-se da colônia.<br />

Oras, abusar assim da ignorância <strong>do</strong>s colonos é um ato inqualificável,<br />

além <strong>de</strong> ser uma falta <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>. Iludir pobres estrangeiros, trasêlos<br />

para esta província, e preten<strong>de</strong>r obrigá-los a atos impossíveis - é<br />

reduzí-los a uma escravidão pior que a <strong>do</strong>s nossos cativos.<br />

A suplicante, não saben<strong>do</strong> assignar o seu nome, leva este fato ao<br />

conhecimento <strong>de</strong> v: Ex a para dar as providências necessárias, certa


Dia<strong>de</strong>ma nasceu no Gran<strong>de</strong> ABC: História Retrospectiva<br />

da Cida<strong>de</strong> Vermelha<br />

<strong>de</strong> que no Brasil não é intuito trocar escravos brancos por escravos<br />

pretos. É uma obra <strong>de</strong> carida<strong>de</strong>, que muito distinguirá a administração<br />

<strong>de</strong> V. Ex a aten<strong>de</strong>r a suplicante".<br />

Essa crítica veicula um discurso liberal e abolicionista, liga<strong>do</strong> à facção da<br />

elite paulista que propugnava a pequena proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> imigrante europeu<br />

como meio para o <strong>de</strong>senvolvimento da agricultura no Esta<strong>do</strong>. O apelo ao<br />

i<strong>de</strong>al humanista que teria inspira<strong>do</strong> o projeto imigratório - o <strong>de</strong> abolir a<br />

<strong>de</strong>sumanida<strong>de</strong> da escravidão e <strong>de</strong> construir o regime republicano com trabalha<strong>do</strong>res<br />

livres, isentos <strong>do</strong> ranço da velha mentalida<strong>de</strong> escravista - pressupõe<br />

que o imigrante não seja uma mera mão-<strong>de</strong>-obra, mas seja trata<strong>do</strong><br />

como parceiro <strong>do</strong> governo na construção <strong>do</strong> novo regime. A "ignorância<br />

<strong>do</strong>s colonos" ressoa com o adjetivo pejoratiyo aplica<strong>do</strong> noutro <strong>do</strong>cumento<br />

aos <strong>imigrantes</strong> que se revoltaram em 1878 .pela falta <strong>de</strong> pagamento <strong>do</strong> subsídio.<br />

Nos <strong>do</strong>is casos há i<strong>de</strong>alização <strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong>, ora como agentes da<br />

or<strong>de</strong>m que se pretendia estabelecer com o regime republicano, ora como<br />

compromete<strong>do</strong>res da or<strong>de</strong>m disciplinar imposta na gestão d0 <strong>Núcleo</strong> <strong>Colonial</strong>.<br />

Reflete-se aí a atitu<strong>de</strong> ambígua básica <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res locais em relação<br />

aos colonos: paternalismo e <strong>de</strong>sprezo.<br />

Por vezes, os conflitos entre os colonos e os po<strong>de</strong>res locais revestiram-se<br />

<strong>de</strong> diferentes faces conforme o processo <strong>de</strong> assimilação <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong> <strong>de</strong><br />

nacionalida<strong>de</strong>s diferentes. <strong>Os</strong> chama<strong>do</strong>s colonos "polacos" estabeleceramse<br />

principalmente nas linhas <strong>de</strong> colonização Capivary, Rio Pequeno e Campos<br />

Salles. Eles fizeram parte da segunda leva <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong> para o <strong>Núcleo</strong><br />

quan<strong>do</strong> ele foi reativa<strong>do</strong> em 1887, como atesta o ofício abaixo <strong>do</strong> lnten<strong>de</strong>nte<br />

<strong>do</strong>s <strong>Núcleo</strong>s Coloniais:<br />

"...<br />

foi reinicia<strong>do</strong> o serviço (da colônia) a 8 <strong>do</strong> mês que se fin<strong>do</strong>u.<br />

dan<strong>do</strong> começo no marco n o 8 da Linha Dr. Campos Salles afim <strong>de</strong><br />

dar caminho aos colonos da mesma linha; estes colonos são os novos<br />

slavosj os quais nesta colônia <strong>do</strong> Capivary tem si<strong>do</strong> o exemplo<br />

na construção <strong>de</strong> suas casaSj morigera<strong>do</strong>s; observa<strong>do</strong>res <strong>do</strong> artigo<br />

18 <strong>do</strong> Regulamento".<br />

71<br />

Devi<strong>do</strong> aos vários conflitos ocorri<strong>do</strong>s na primeira fase <strong>de</strong> existência <strong>do</strong><br />

<strong>Núcleo</strong> entre o governo e os <strong>imigrantes</strong> italianos, agora experimenta-se outras<br />

nacionalida<strong>de</strong>s como, além <strong>do</strong>s poloneses, os húngaros e austríacos (cf. ta-


72<br />

belas A e B acima). Nesse perío<strong>do</strong> os italianos são qualifica<strong>do</strong>s nos <strong>do</strong>cumentos<br />

<strong>de</strong> "atravessa<strong>do</strong>res" -- ou seja, carrega<strong>do</strong>res <strong>de</strong> carvão e ma<strong>de</strong>ira<br />

extraída das matas, único meio <strong>de</strong> sobrevivência à sua disposição na época.<br />

A assimilação, a adaptação ao meio <strong>de</strong> vida tradicional <strong>do</strong>s ~cupantes antigos<br />

da região acaba relacionan<strong>do</strong> a sua imagem - no imaginário da elite<br />

imigrantista - à <strong>do</strong>s sertanejos <strong>do</strong> interior, ao seu corpo social "in<strong>do</strong>lente",<br />

avesso ao trabalho "produtivo". Por isso, a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> "carroceiro", ou<br />

"merca<strong>do</strong>r <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>iras" é reprimida e duramente tachada pela câmara <strong>de</strong><br />

<strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> - esquecen<strong>do</strong>-se <strong>de</strong> que é a única fonte <strong>de</strong> energia tanto para<br />

os lares quanto para as pequenas indústrias na regiãol7. Porém, como indicam<br />

os da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> entrada <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong> na colônia (cf. tabela B, acima), os<br />

italianos mantiveram os números na segunda leva, pelo procedimento <strong>do</strong>s<br />

colonos já estabeleci<strong>do</strong>s requisitarem ao governo a colocação na colônia (o<br />

custeio das passagens) <strong>de</strong> seus parentes resi<strong>de</strong>ntes na Itália. Conflitos semelhantes<br />

com o po<strong>de</strong>r local levaram a atitu<strong>de</strong>s diferentes por parte <strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong><br />

italianos e <strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong> poloneses e húngaros. <strong>Os</strong> primeiros adaptaram-se<br />

aos meios <strong>de</strong> vida suburbanos, já os outros isolaram-se em seus<br />

lotes e recorreram ao consula<strong>do</strong> <strong>de</strong> seus países, como no problema <strong>do</strong> trabalho<br />

obrigatório nas obras <strong>do</strong> município. Isso talvez explique em parte porque<br />

preservou-se uma memória histórica local <strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong> italianos e<br />

nenhuma memória <strong>do</strong>s "polacos" no Gran<strong>de</strong> ABC.<br />

Consi<strong>de</strong>rações<br />

Finais<br />

No percurso que realizamos, talvez alguns da<strong>do</strong>s pareçam um pouco<br />

<strong>de</strong>sconexos: uma revolta e muitas pequenas contestações que permeavam o<br />

cotidiano <strong>do</strong>s <strong>imigrantes</strong> na sua luta diária pela sobrevivência. Porém, contrariamente<br />

à gran<strong>de</strong> história político-social das revoluções e gran<strong>de</strong>s movimentos<br />

populacionais, a história local exige outras preocupações, como acentua<br />

o sociólogo José <strong>de</strong> Souza Martins:<br />

"Na história local e cotidiana estão as cirscunstâncias da História. É<br />

nesse senti<strong>do</strong> que a história <strong>do</strong> subúrbio é uma história ~ircunstancial.<br />

O que permite resgatá-Ia como História? A junção <strong>do</strong>s fragmentos<br />

da circunstância - quan<strong>do</strong> a circunstância ganha senti<strong>do</strong>, o<br />

senti<strong>do</strong> lhe dá a História."


Dia<strong>de</strong>ma nasceu no Gran<strong>de</strong> ABC: História Retrospectivo <strong>do</strong> Cida<strong>de</strong> Vermelho<br />

Juntan<strong>do</strong> os fragmentos <strong>de</strong>ssa história da <strong>de</strong>rrocada <strong>de</strong> um projeto das<br />

elites rurais e das contestações <strong>do</strong>s colonos contra os que pretendiam fazer<br />

<strong>de</strong>les apenas peças <strong>de</strong> um sistema, po<strong>de</strong>mos fazer uma idéia <strong>do</strong>s sujeitos<br />

sociais que <strong>de</strong>ram origem à atual região <strong>do</strong> Gran<strong>de</strong> ABC - precursores <strong>do</strong>s<br />

operários que décadas <strong>de</strong>pois preservariam a tradição <strong>de</strong> luta pela auto<strong>de</strong>terminação<br />

e pela sobrevivência.<br />

Nos apoiamos na hipótese básica <strong>de</strong> que a mudança <strong>do</strong> discurso <strong>do</strong>s<br />

po<strong>de</strong>res locais em relação à função <strong>do</strong> subúrbio e <strong>de</strong> seus <strong>imigrantes</strong> acompanha<br />

a adaptação <strong>de</strong>sses <strong>imigrantes</strong> ao meio, no <strong>Núcleo</strong> <strong>Colonial</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong><br />

Bernar<strong>do</strong>. Essa adaptação é compreendida no discurso das elites como<br />

nega<strong>do</strong>ra da sua concepção <strong>de</strong> trabalho e <strong>do</strong> imigrante como "trabalha<strong>do</strong>r<br />

i<strong>de</strong>al" e "construtor da or<strong>de</strong>m".<br />

A atitu<strong>de</strong> ambígua em relação aos <strong>imigrantes</strong>, conceben<strong>do</strong>-os ao mesmo<br />

tempo como <strong>de</strong>seja<strong>do</strong>s e temi<strong>do</strong>s, agentes da or<strong>de</strong>m e da <strong>de</strong>sor<strong>de</strong>m, é gerada<br />

pela sua i<strong>de</strong>alização como objeto das elites, como "personagens 6ccionais"<br />

<strong>do</strong> seu imaginário.<br />

Na medida em que o investimento <strong>de</strong> <strong>de</strong>sejo das elites nos <strong>imigrantes</strong> é<br />

contraria<strong>do</strong> pelas reações <strong>de</strong>stes diante <strong>do</strong>s problemas <strong>do</strong> seu cotidiano, ou<br />

seja, quan<strong>do</strong> se autonomizam, aquele imaginário passa igualmente <strong>do</strong> paternalismo<br />

ao <strong>de</strong>sprew pelos colonos. Essa passagem discursiva é também passagem<br />

<strong>do</strong> subúrbio da função rural para a função industrial, acompanhada<br />

<strong>de</strong> suas representações no imaginário: jardim <strong>de</strong> cida<strong>de</strong> e refugo da cida<strong>de</strong>.<br />

A mudança <strong>do</strong> discurso em relação ao subúrbio e aos <strong>imigrantes</strong> é acompanhada<br />

pelo processo <strong>de</strong> proletarização <strong>de</strong>stes, <strong>de</strong>dican<strong>do</strong>-se às novas ativida<strong>de</strong>s<br />

surgidas: a indústria - como operários da ferrovia, das serrarias, das<br />

olarias ou das primeiras indústrias <strong>de</strong> transformação da região.<br />

73<br />

Notas<br />

I<br />

Cf GADELHA, Regina M. A. F. <strong>Os</strong> núcleos coloniais e o processo <strong>de</strong><br />

acumulação cafeeira (1850-1920): contribuição ao estu<strong>do</strong> da colonização<br />

em <strong>São</strong> Paulo, <strong>São</strong> Paulo, 1982 (tese <strong>de</strong> <strong>do</strong>utoramento apresentada ao <strong>de</strong>partamento<br />

<strong>de</strong> História da <strong>USP</strong>) e MIYOCO, Makino - "Contribuição ao<br />

estu<strong>do</strong> da legislação sobre núcleos coloniais no perío<strong>do</strong> imperial" in: Anais<br />

<strong>do</strong> Museu Paulista, <strong>São</strong> Paulo, <strong>USP</strong>, Tomo XXV, p: 81-130.


74<br />

2 Cf. LANGENBUCH, Juergen R. "OS <strong>Núcleo</strong>s <strong>de</strong> colonizaçã oficial<br />

implanta<strong>do</strong>s no planalto paulistano em fins <strong>do</strong> século XIX" in: Boletim<br />

Paulista <strong>de</strong> Geografia, n° 46, p: 88-106, <strong>de</strong>z/1971.<br />

3 Banlieu <strong>Colonial</strong>e é uma expressão geográfica francesa, significa subúrbio<br />

rural, refere-se ao cinturão ver<strong>de</strong> construí<strong>do</strong> ao re<strong>do</strong>r <strong>de</strong> algumas cida<strong>de</strong>s.<br />

4 Cf. BERNARDES, Lysia M. C. "Problemas da utilização da terra nos<br />

arre<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Curitibà' in: Revista Brasileira <strong>de</strong> Geografia, Ano XVIII, N o<br />

2, p:169-76, abril/junho <strong>de</strong> 1956.<br />

5 Cf. AGAZZI, Constantino. Das regiões lombarda e vêneta ao <strong>Núcleo</strong><br />

<strong>Colonial</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong>: acompanhan<strong>do</strong> o imigrante italiano (tese <strong>de</strong><br />

mestra<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> História da <strong>USP</strong>), p.99.<br />

6 Linhas <strong>de</strong> colonização eram as áreas em que foi dividi<strong>do</strong> o <strong>Núcleo</strong> para a<br />

divisão <strong>do</strong>s lotes <strong>de</strong> terra, <strong>de</strong>ram origem aos atuais bairros <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong>,<br />

como Bernardino <strong>de</strong> Campos e Rudge Ramos.<br />

7 Chamamos <strong>de</strong> levas aos grupos numerosos <strong>de</strong> <strong>imigrantes</strong> que chegavam<br />

anualmente ao <strong>Núcleo</strong>.<br />

s Cf. SCIFONI, Simone. O ver<strong>de</strong> <strong>do</strong> ABC: reflexões sobre a questão<br />

ambiental urbana (tese <strong>de</strong> mestra<strong>do</strong> ao <strong>de</strong>partamento <strong>de</strong> Geografia da <strong>USP</strong>),<br />

p: 56-78.<br />

9 Cf. HOLANDA, Sérgio Buarque <strong>de</strong>. "Persistência da lavoura <strong>de</strong> tipo predatório"<br />

in: Raizes <strong>do</strong> Brasil, <strong>São</strong> Paulo, Companhia das Letras, 1996, p:<br />

66-69.<br />

]0 Em 1900 foram produzi<strong>do</strong>s no <strong>Núcleo</strong> total <strong>de</strong> 7720 tábuas para soalho,<br />

forro, caibros ou vigas; 120 mil caixas para charutos, macarrão, velas e sabão<br />

e 15750 sacos <strong>de</strong> carvão, totalizan<strong>do</strong> 160: 388 200 reis <strong>de</strong> exportação.<br />

I1 Cf. ZENHA, Edmun<strong>do</strong> - '~ colônia alemã <strong>de</strong> Santo Amaro, sua instalação<br />

em 1829" in: Revista <strong>do</strong> Arquivo Municipal, Ano XVI, Vol. CXXXII,<br />

p: 53-106, março <strong>de</strong> 1950.<br />

]2 Cf. Ofício <strong>do</strong> Vigário da Vila <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong>, Tomás Inocêncio Lustosa,<br />

ao Presi<strong>de</strong>nte da província <strong>de</strong> 11-8-1889, Arquivo <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, Ofícios diversos<br />

- <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> (1823-1889), caixa 462, n o <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m: 1257.<br />

13 Cabe exemplificar a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vigilância <strong>do</strong> trabalho pela construção<br />

<strong>de</strong> um Panopticon em Paranapiacaba, na época pertencente à Vila- <strong>de</strong>


Dia<strong>de</strong>ma nasce_~_~~AB~~istória Retrospectiv~a~ida<strong>de</strong> Vermelha<br />

<strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong>. Havia uma torre <strong>de</strong> observação no ponto mais alto da vila<br />

ferroviária, on<strong>de</strong> residia o Engenheiro Chefe da ferrovia, as casas eram<br />

construídas em forma <strong>de</strong> anel em torno <strong>de</strong>sse ponto, constituin<strong>do</strong> um espaço<br />

<strong>de</strong> visibilida<strong>de</strong> total, em que cada um era vigia<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s os outros. cf.<br />

FOUCAULT, Michel- "O olho <strong>do</strong> po<strong>de</strong>r" in: Microftsica <strong>do</strong> Po<strong>de</strong>r, Rio <strong>de</strong><br />

Janeiro, Ed. Graal, 1996, p: 209-227.<br />

14 C( MARTINS, José <strong>de</strong> Souza - Subúrbio - Vida cotidiana e História no<br />

subúrbio da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>São</strong> Paulo: <strong>São</strong> Caetano, <strong>do</strong> fim <strong>do</strong> Império ao fim<br />

da República Velha. <strong>São</strong> Paulo, Hucitec, 1992, p: 110-118.<br />

15 C( MARTINS, José <strong>de</strong> Souza - "A imigração espanhola para o Brasil e a<br />

formação da força <strong>de</strong> trabalho na economia cafeeira: 1880-1930" in: Revista<br />

<strong>de</strong> História, <strong>São</strong> Paulo, n° 121: 5-26, ago/<strong>de</strong>z. 1989.<br />

16 C( Abaixo assina<strong>do</strong>s <strong>de</strong> carroceiros da Vila <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1-8-1902<br />

e <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>res <strong>de</strong> lenha <strong>de</strong> Ribeirão Pires <strong>de</strong> 7-2-1902, pedin<strong>do</strong> dispensa<br />

<strong>de</strong> pagar o "imposto <strong>de</strong> merca<strong>do</strong>r <strong>de</strong> lenhà'; c( também Abaixo assina<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s produtores <strong>de</strong> carvão vegetal <strong>de</strong> <strong>São</strong> Bernar<strong>do</strong> contra o aumento <strong>de</strong><br />

80% <strong>do</strong> imposto municipal sobre o carvão, 20-11-1923, Museu <strong>de</strong> Santo<br />

André, Avisos ao procura<strong>do</strong>r da Câmara, localização: S18(M1).<br />

75

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!