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O DESLOCAMENTO DO OLHAR NO TROMPE L'OEIL ... - anpap

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16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes PlásticasDinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – FlorianópolisO <strong>DESLOCAMENTO</strong> <strong>DO</strong> <strong>OLHAR</strong> <strong>NO</strong> <strong>TROMPE</strong> L’OEILAtila Ribeiro RegianiMestrando em Teoria e História da Arte – UDESCA dialética do trompe l’oeil deixa escapar um resíduo que leva o olhar ao vazio. O realismo ou ailusão do trompe l’oeil é definido por um limite entre a obra e um outro e que, por umdeslocamento sutil se revela esta diferenciação. Uma tênue movimentação que desconstrói arepresentação e transforma a imagem em pensamento sobre a imagem. Um deslocamento doolhar, não do olho.Palavras-chave: Trompe l’oeil, Ilusão, deslocamento, olhar.The trompe l’oeil’s dialectic allows a residue to escape, which takes the look to the emptiness.The realism or the illusion of the trompe l’oeil is defined by a limit between the work of art andthe Other. A sutil displacement revels that differentiation. A tenuous movimentation thatdeconstructs the representation and transforms the image into thought about image. Adisplacement of the look, not of the eye.Key words: Trompe l’oeil, illusion, displacement, look.Diante do grande número de obras diferentes que são reconhecidascomo trompe-l’oeil, torna-se necessário especificar que o que se refere comotrompe-l’oeil neste texto diz respeito a uma categoria específica de trompel’oeil.Uma categoria distinta das demais por certo jogo visual que se reverteem jogo mental, não se confunde necessariamente o sentido da visão, mas osentido semântico da obra. Trompe-l’oeil aqui é entendido diminuindo a ênfaseno significado exclusivamente visual atribuído a esta expressão e afirmandosua existência como procedimento sintático, sabendo que a expressãocompreende ambos os aspectos. Atenta-se para a percepção do trompe l’oeilcomo possuidor de uma sintaxe e uma semântica atípicas, distanciando-se deoutras leituras que o enxergam como realismo exacerbado. Opta-se por estaabordagem em detrimento da tradicional literatura sobre o tema, quefreqüentemente torna homogêneas as classificações de trompe l’oeil erealismo, impossibilitando distinguir, por exemplo, no duelo entre Zêuxis eParrásios qual deles realiza trompe l’oeil.Partindo da parábola que descreve o duelo entre os pintores gregos,pode-se observar algumas características que definem o trompe l’oeil.Colocam-se em jogo os aspectos constitutivos que distinguem esta práticaartística das demais (ligadas à representação) e dos diversos tipos de trompel’oeil.105


16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes PlásticasDinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – FlorianópolisNo apólogo antigo, envolvendo Zêuxis e Parrásios, o mérito de Zêuxisé de ter feito uvas que atraíam os pássaros. (...) A prova é que seuconfrade Parrásios triunfa sobre ele, por ter sabido pintar sobre aparede uma cortina, uma cortina tão parecida que Zêuxis, virando-separa ele, lhe diz – Então, agora me mostre o que fez por detrás disso.(LACAN, 1994, 100-101)Zêuxis pintava uvas tão realistas que os pássaros vinham bicá-las, masesta pintura não pode ser entendida como trompe l’oeil. Evidencia-se que o queconfigura o trompe l’oeil como tal não se basta no realismo, apesar de serconstituído por certo tipo de realismo. Como observa Jean Baudrillard sobre otrompe l’oeil: “Nunca é no excesso de realidade que pode haver milagre, masexatamente no contrário, no desfalecimento da realidade e na vertigem de nelaperder-se” (BAUDRILLARD, 1998,17). Há um realismo, mas que se difere dosdemais realismos, pois não se quer ser semelhante, mas denotar adessemelhança pela falsa semelhança. “É a descaptação do real através dopróprio excesso das aparências do real” (BAUDRILLARD, 17).Neste sentido, pode-se dizer que o que consagrou a vitória a Parrásiosnão foi a precisão de sua pintura, pois esta poderia ser igual ou inferior à deZêuxis (isto nunca foi posto em questão), mas a projeção para um plano atrásda imagem, através de uma antecipação do olhar, colocando um falsoanteparo. Não se tratava de ser algo representado, mas algo que se colocava àfrente ou sobre, atrás ou sob. Não havia como superar Zêuxis, ele dominavacom perfeição a técnica de representar o realismo, logo, para superá-lo, se feznecessário propor algo que não era realismo, ou ilusão, mas a reordenaçãodos mesmos. A invenção de camadas de imagem que se iniciavam em umasuposição e terminavam no vazio. É a justaposição de ilusões, ou acompreensão dialética destes planos ilusórios.Trata-se de um distanciamento do realismo ou da ilusão a partir dacolocação de ilusões sobre a ilusão. Com isto, surge algo que não é nemrealismo nem ilusionismo e que se distancia da própria representação, é idéiasobre a mesma. Uma imagem conceito formada por uma dialética da imagem.Uma imagem dialética que poderia ser definida tal qual Didi-Huberman propõe:Uma imagem em crise, uma imagem que critica a imagem – capaz,portanto de um efeito, de uma eficácia teórica – e por isso umaimagem que critica nossas maneiras de vê-la, na medida em que, aonos olhar, ela nos obriga a olha-la verdadeiramente (DIDI-HUBERMAN, 1998, 172).106


16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes PlásticasDinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – FlorianópolisNão é possível, portanto, definir o trompe l’oeil como ilusão, mas comoilusão dialética. Talvez se Parrásios tivesse dito a Zeuxis que havia pintadouma cortina, se teria analisado as pinceladas ou a qualidade daquelarepresentação, mas o segredo foi elemento fundamental para o engano. Otriunfo de Parrásios não se deu no plano da representação ou do realismo, masno jogo de idéias e relações. Não haveria vitória sem o correto encadeamentode informações falsas e silêncios oportunos. A obra de Parrásios é estaconstrução temporal atravessada de significados ambíguos.O trompe l’oeil é artifício, coloca-se onde possa causar engano, éconstruído por relações. A representação de objetos de forma realista, porexemplo, se localiza em uma tradição da pintura denominada natureza morta,mas a colocação de uma representação realista de objetos no lugar onde osobjetos representados estariam constituem um trompe l’oeil. Nesse contexto,que é o do objeto, não da pintura, a imagem pode passar-se por objeto,confundindo a terceira dimensão, como Copo e Pão dentro de um Nicho deBerend van der Meer (?) - 1668. Trata-se de uma dialética entre a obra de artee um ‘outro’, que deixa escapar um mínimo resíduo e faz retornar um vazioanterior, que se coloca entre o olho e a obra. A dialética desta imagem é regidapor um funcionamento de não exclusão da distância que separa ambos (objetotridimensional e obra bidimensional), o intervalo entre os distintos, um espaçosimilar ao definido por Blanchot ao analisar o processo dialético entre opostoscomo: Um nada mais essencial que o próprio Nada: o vazio do entre-dois, umintervalo que sempre se cava e cavando-se se preenche, o nada como obra emmovimento (BLANCHOT, 2001, 35). Mas que não se esgota no processodialético, pois este não se define por um mecanismo de exclusão, ou desubstituição, o que surge não é a eliminação desta distância.Certamente, terceiro termo, o da síntese, irá suprimir este vazio eocupar o intervalo, mas em princípio, não o faz desaparecer (porquetudo pararia imediatamente) ao contrário, o mantém realizando-o,realiza-o na sua própria falta, e por isso faz dessa falta um poder,ainda uma possibilidade. (BLANCHOT, 35)A dialética do trompe l’oeil deixa escapar um resíduo que leva o olhar aretornar ao vazio. O realismo ou a ilusão do trompe l’oeil é definido por um107


16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes PlásticasDinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolislimite entre a obra e este outro que, por um deslocamento sutil, revela esteresíduo de diferenciação. Uma tênue movimentação que desconstrói arepresentação e transforma a imagem em pensamento sobre a imagem. Umdeslocamento do olhar, não do olho, como observa Jaques Lacan:O que é que nos seduz e nos satisfaz no trompe l’oeil? Quando é queele nos cativa nos põe em jubilação? No momento em que, por umsimples deslocamento de nosso olhar, podemos nos dar conta de quea representação não se move com ele, e que ali há apenas trompel’oeil. Pois nesse momento ele aparece como coisa diferente daquilopelo que ele se dava, ou melhor, ele se dá agora como sendo essaoutra coisa. O quadro não rivaliza com a aparência, ele rivaliza com oque Platão nos designa mais além da aparência como sendo a Idéia(LACAN, 109)Há nesse movimento uma mutação, o que ‘parecia ser’ passa a seroutra coisa, que não é mais aparência. O deslocamento é o resíduo queconstrói a distância, pois antes deste havia apenas semelhança. Como noexemplo dos animais miméticos que operam em um limite, às vezes delicado,entre o que se pode perceber e o que não se percebe mais:A invisibilidade tem, no entanto, um limite que é o de se confundirinteiramente, para um olho dado, com o meio ambiente, a partir destelimite, a invisibilidade só muda deixando de existir, o que nos conduzaos confins do absurdo (CALLOIS, 59).O absurdo ao qual Callois se refere é supor que existam animais tãoadaptados ao olho humano que não seria mais possível percebê-los. Mas osque ainda podem ser percebidos o são graças a um mínimo resíduo (que tornaseu mimetismo constituído de intervalos de precisão) que permitiria que estesanimais fossem ainda percebidos. A lagarta l’Urapteryx sambucaria – citandoum exemplo de mimetismo apresentado por Callois – vive sobre certo tipo devegetal que possui uma cor e uma rugosidade que conferem com as da suapele, mas, ao deslocar-se ou ao encontrar-se em outros contextos, estacaracterística que a torna invisível para dado olho é irrelevante. Talvez por isto,mas não só por isto, “de modo geral, encontram-se nos estômagos dospredadores numerosos restos de insetos miméticos” (CALLOIS, 60).Há algo de falho na invisibilidade do mimetismo, tal qual a invisibilidadeproposta por Andy Warhol ao fotografar-se como Homem-Sombra, personagemde histórias em quadrinhos que ficava invisível, sendo percebido pela suasombra que aparecia apesar de sua condição. Um resquício de existência queapresenta a distância entre o olho e o olhar, que liga o visível e o invisível. É a108


16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes PlásticasDinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolisrelação entre o que seria invisível e aquilo com o qual este se confunde – o quetorna esta invisibilidade eficaz–. Esta distância entre os distintos que interrogao olho, no caso do mimetismo representa a diferença entre sair ileso e sercapturado, já no trompe l’oeil é a possibilidade de se criar pensamento a partirda semelhança que se revela dessemelhante. “Nesse ponto, o trompe-l’oeil nãoé mais pintura. Como o estuque contemporâneo, ele pode fazer tudo, tudoarremedar, tudo parodiar. Torna-se protótipo de um uso maléfico dasaparências” (BAUDRILARD, 20)Não se trata de imagem, mas de relações estabelecidas pela obra dearte com outros elementos, sejam pictóricos, espaciais ou léxicos, mesmo oespectador se insere nesse campo denominado ‘outros elementos’. Umacortina que esconde uma pintura que não existe - no caso de Parrásios -, ouuma mosca realisticamente pintada sobre o plano pictórico - Carlo Criveli (1430– 1493) Virgem e o Menino –. O trompe l’oeil opera nos limites da obra,forçando-o para dentro ou para fora, suga ou invade. Há um borramento dasfronteiras da obra, tal qual afirma Roger Callois sobre o mimetismo trata-se deum distúrbio da percepção do espaço (CALLOIS, 62).O deslocamento do olhar é um gesto que se perde no caminho.Parrásios, para vencer Zêuxis, perverte a ordem do duelo, convertendo seurival em seu aliado, pois a cumplicidade de Zêuxis é essencial para afinalização da obra. Sem o gesto de ‘tentar descortinar’, não haveria ilusãosobreposta, nem desfalecimento da realidade, sem este gesto, lançado aovazio entre a obra e o olho, a obra permaneceria inacabada, seria apenas umapintura bem feita. O gesto em falso a transforma em idéia, o deslocamento queparte do olho e se lança no espaço é a entonação correta com a qual se develer um trompe-l’oeil. Assim como alguns trocadilhos tem uma entonaçãocorreta para serem lidos, a exemplo de L.H.O.Q.Q. de Marcel Duchamp (quese lido em francês e em voz alta soa como “elle a chaud au cul”: ela tem o cúquente, legendando uma mona-lisa outrora casta e agora bigoduda) (WOOD,2002,13). O trompe-l’oeil é inacabado, completa-se com a participação doespectador, que se manifesta a partir de um gesto, o gesto do ‘toque’.Quando a organização hierárquica do espaço em proveito do olho ouda visão, quando essa simulação perspectiva – pois não passa de umsimulacro – desfaz-se, outra coisa surge, que não dispondo de nadamelhor, expressamos nas formas de tocar, de uma hiperpresença109


16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes PlásticasDinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolispalpável das coisas, “como se pudéssemos pega-las” (BAUDRILARD,17).No entanto, ‘tocar’ uma imagem ou lançar um ‘toque’ sobre a imagemnada tem a ver com o sentido do tato, ou com o gesto que Zêuxis lançou sobrea cortina pintada por Parrásios, ou a tentativa de espantar a mosca pintadasobre o plano que apresenta a composição da Virgem e o Menino de Criveli, oumesmo a sedução de tentar pegar (em um sentido literal da metáfora) o pão ouo vinho da pintura Copo e Pão dentro de um Nicho de van der Meer. Não setrata de um toque, mas de um desejo de toque, o tocar se perde nessecaminho, e tocar se tornauma metáfora da “surpresa” que corresponde a abolição da cena e doespaço representativo. Com isso essa surpresa despeja-se no mundocircundante chamado “real”, revelando-nos que a “realidade” não énunca senão um mundo encantado, objetivado segundo regras daprofundidade, que ela é um princípio a partir de cuja observaçãoregulam-se a pintura, a escultura e a arquitetura do tempo, mas umprincípio somente, e um simulacro a que pões fim a hiper-simulaçãoexperimental do trompe l’oeil (BAUDRILARD, 18)Em nossa análise, o que torna o trompe l’oeil diferente das demaisrepresentações é sua semântica permeada por intervalos, sua significação queincorpora e invade o espaço ao seu redor e uma ausência que é lançada aoespectador a partir de um deslocamento do olhar. A obra Ceci N'est Pas UnePipe de René Magritte (1928 – 29) pode ser tida como um exemplo dessaprática. Para tanto, reconhece-se o trompe l’oeil como procedimento e nãocomo imagem. A oposição entre o léxico e a imagem proposta por Magritteamplia a diferença e a partir desta consome a composição. Sua incoerêncianão vem de fora, mas de seu âmago, uma interrupção a partir de sua própriaorigem. Um paradoxo que faz com que o observador duvide do que vê ou doque lê. A imagem afirma que é um cachimbo, mas a palavra nega, não é!Michel Foucault analisa:A armadilha foi fraudada sobre o vazio: a imagem e o texto caem,cada um de seu lado, segundo a gravitação que lhes é própria. Elesnão têm mais espaço comum, mais lugar onde possam interferir,onde palavras sejam suscetíveis de receber uma figura, e asimagens, de entrar na ordem do léxico (FOUCAULT, 2002,33).110


16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes PlásticasDinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – FlorianópolisA armadilha (para aproveitar a construção de Foucault) é decorrente daimpossibilidade de coexistência de duas suposições, ambas tidas comoverdadeiras: uma atribuída à imagem e outra à palavra. Ao contrapô-las -imagem e palavra -, o que surge é o silêncio e a invisibilidade, a palavra mudae a imagem cega. Não que uma o seja pela outra, mas que a imagem queaparece a partir daquela que já existia e o significado atribuído àquelaspalavras que estão escritas são regidas por este intervalo semântico, onde nãose operam significados.Não há engano dos olhos, mas a evidência, por isso mesmo é trompel’oeil, de que o olho já não é suficiente para olhar. Warhol, quando exibe oslonga-metragens Sleep e Empire, ambos de 1963, utiliza-se deste artifício.Pois, ao propor, no caso de Sleep, um filme de seis horas de um homemdormindo, e em Empire, um filme de oito horas do Empire State Building vistopor uma câmera estática no 44º andar de um prédio vizinho, propõe tambémum esvaziamento da imagem. Retira sua função, o efêmero e fugaz se tornalento e vagaroso, estável e estático. O espaço da sala de projeção é tomadocomo espaço de acontecimento, o filme invade o plano do espectador. Sobreestes filmes, Warhol comenta:Os meus primeiros filmes, nos quais utilizei objetos imóveis, deviamsobretudo ajudar as pessoas a conhecere-se melhor mutuamente .No cinema , geralmente sentado num mundo imaginário. Se,entretanto, se vê qualquer coisa que se acha maçadora, a nossaatenção dirige-se sobretudo para a para a pessoa que está sentandoao nosso lado. Nesse aspecto, os filmes são mais apropriados do queas peças de teatro ou concertos, onde temos simplesmente que ficarsentados. Parece-me que só a televisão é possível obter melhorresultados do que com o cinema. Quando se está a ver os meusfilmes, pode-se fazer mais coisas do que quando se está a ver outrosfilmes: pode-se comer e beber, fumar, tossir e olhar para o lado e,depois, olhar de novo e verificar que ainda está tudo lá (HONNEF,2005, 83)São imagens desfuncionalizadas, deslocadas de seu sentido. Ao seremolhadas, deslocam o olhar para a sua periferia. Não são vazios, mas presençasque afastam. O afastamento ocorre por que a imagem está lá, olha-se paraoutro lugar por conseqüência dessa presença. Não se trata de uma seta queindica onde se deve olhar, consequentemente anulando-se em função daquilopara o qual se aponta, mas de um campo que repele como imãs de mesmapolaridade, que afasta violenta e aleatoriamente.111


16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes PlásticasDinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – FlorianópolisEm Sleep e Empire o sentido se interrompe antes de chegar aoobservador. Trata-se de imagens atípicas que não conduzem o olhar, masexpulsam-no. São imagens fundamentalmente ambíguas. Estas imagens-limitesão visões de imagens impossíveis, duplas e contraditórias formadas desilêncio imagético. O silêncio da imagem não é o invisível que perpassa portoda obra de arte, ou relação de signos, mas a evidência da existência de umalacuna intransponível que é por vezes negligenciada. E estas imagens fazemcontato com esta impossibilidade, pois são elas mesmas constituídas de umfragmento de indizível através da imagem, ou não visível.Propondo uma imagem igualmente auto-corrosiva, Allan Kaprow em 20março de 1981 realiza uma intervenção no periódico Die Zeit no qual publicaem diferentes partes de um jornal quatro vezes a mesma foto, porém valendosede legendas diferentes. A sobreposição destas quatro imagens com suaslegendas conflitantes retira a significação das partes isoladas e propõe umsignificado para o todo, que é que tanto as partes, quanto o todo nãosignificam. Não significar se difere de significar nada, pois refere-se àimpossibilidade de se estabelecer um significado. Contudo, não se trata deuma ausência atribuída à imagem, mas de um vazio que surge a partir daimagem, um intervalo semântico entre o olhar e a obra, ou seja, a construçãode uma ausência, resultado de um deslocamento do olhar promovido pelaimagem. O olhar está lá, mas a construção realizada pela imagem nele mesmo,o faz escapar, fugir para outro plano.Pressupõe-se que toda obra de arte carrega consigo um grau maior oumenor de incomunicabilidade, de não dizer. Todavia, no trompe l’oeil esteesvaziamento do signo é sua matéria prima. A imagem é a ignição para estaperda de algo. Descontinua o trajeto, o olho e a obra. A precisa imprecisão, ouo delineamento exato do vazio é por si só a descontinuidade do processo designificação. Propondo um dialogo impossível, desvela questões semânticasda imagem, coloca a em seu limite, a pergunta sem resposta. O deslocamento,este gesto em falso, quando executado, redefine o território do olhar que sejulgava estável, delimitando um novo espaço de acontecimento da obra, sejapela perspectiva que se projeta invasivamente ou pela mudança de significaçãodo espaço de fruição. Com este gesto de desintegração entre o significante e osignificado da obra, de separação entre o olho e o que se vê, de dissolução das112


16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes PlásticasDinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolisfronteiras entre a realidade e a representação se faz com que o olho erre. Eerrar, bem mais do que se opor ao certo, está ligado a errância, a vagar semrumo. Não se perde o rumo, mas deixa-se de se importar com ele.Referencias BibliográficasBLANCHOT, Maurice. A Conversa infinita. São Paulo: Escuta, 2001BAUDRILARD, Jean. A arte da desaparição. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1997.CAILLOIS, Roger. Mimetismo e psicastenia legendária. Revista Che Voui, ano 1, nº,Cooperativa Cultural Jacques Lacan, Porto Alegre: 1986.DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo, ed. 34, 1998FUCAULT, Michel. Isto não é um cachimbo. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2002.HONNEF, Klaus. Andy Warhol. Taschen Editora: Lisboa, 2005.LACAN, Jacques. O Seminário 11: Os Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise.Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.WOOD, Paul. Arte conceitual. São Paulo: Cosac & Naify, 2002Graduado pela Universidade de Brasília (UNB) em 2005.Mestrando em História e Teoria da Arte pela Universidade do Estado de SantaCatarina (UDESC).113

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