Março 2000Revista <strong>Adusp</strong>MÚLTIPLOS IMPACTOSSOBRE A UNIVERSIDADEO ensino superior passou a sernegócio de bilhõesde dólares e éaltamentepreocupante que aOrganização Mundial doComércio o tenhaincluído em sua agendade “liberalização de barreiras”.Universidades dos países centraisjá estão invadindo a periferia doplaneta, por meios interativos eem associação com parceiroslocais, gerando colonialismocultural e maior dependênciaWladimir Pirró e LongoProfessor titular da Universidade Federal Fluminense,assessor do Ministério da Ciência e Tecnologia6
Revista <strong>Adusp</strong>Março 2000Em razão da TerceiraRevoluçãoIndustrial, a universidadebrasileirasofre impactosque afetamo ensino superior em nívelmundial e impactos de naturezalocal. No quadro internacional,talvez o mais preocupante para auniversidade brasileira seja o fatode que a educação esteja sendo levadapara a área dos serviços e,portanto, a ser regulada como comércio.Ou seja, a OrganizaçãoMundial doComércio (OMC), assimcomo trouxe parao seu âmbito a propriedadeintelectual,cujo foro apropriadoera a OMPI e cuja baseera o Acordo de Paris,está colocando nasua pauta a liberalizaçãodas barreiras à comercializaçãodos serviçosde educação e detreinamento. O ensino,em geral, é considerado,hoje, um negóciode bilhões de dólares— e os países centrais queremmanter a hegemonia, inclusivevendendo educação. Isso é altamentepreocupante.Enquanto a nova ordem nãodesaba sobre a periferia planetária,despreparada para enfrentaros atuais desafios educacionais emuito menos uma competição oficializadade porte global, as universidadesestrangeiras vão invadindo,pacificamente, os seus territórios.A invasão utiliza meiosinterativos a partir das suas sedes,através de associação com parceiroslocais, ou atua diretamente,através de filiais. Os retardatáriospagarão cada vez mais ao exteriorpelo que já deveriam ter feito, ouseja, oferecer possibilidades deacesso ao conhecimento a todosque o desejassem, até o mais altonível que lhes conviesse ou quepudessem atingir. Muito pior doque isso, a periferia aumentará asua dependência e subordinaçãoaos países hegemônicos, atravésO ethos da ciência mudou brutalmente.Empresas começaram a investir emciência. Dez dos pesquisadores dos BellLaboratories receberam prêmios Nobelde física, mais do que o Japão.Há universidadescorporativas e outras,como a Phoenix, dosEUA, que colocam suas açõesna bolsa de valoresdo pior tipo de colonialismo: o colonialismocultural, não só econômicoe em ciência e tecnologia,mas, também, na própria maneirade pensar, de ser e de agir.A experiência mostra que os paíseshegemônicos sempre ganhamna OMC. Então, temos de estarpreparados para encarar a educaçãocomo comércio e enfrentar aconcorrência externa. Precisamoster força política internacional parafazer face a isso. Devemos, rapidamente,fazer alianças educacionais,científicas e tecnológicas na AméricaLatina, a partir do Mercosul, paraobter maior poder de barganhafrente aos países hegemônicos.Outra grande ameaça é colocadapela transformação da sociedadeem decorrência do progressodas comunicações. A escola perdeuo monopólio do conhecimento.Antigamente o garoto aprendia estruturadamentena escola. Hoje eleaprende caoticamente, de modonão seqüencial. As informações, emesmo os conhecimentos,estão disponíveispor todos os lados: televisão,revistas do tipoGalileu, Ciência Hoje,Internet, joguinhos eletrônicose principalmenteCDs educativos.Aprende-se não somentena escola, masvendo, ouvindo e interagindocom coisas. Éoutro desafio: mudar oprocesso educacional.Para a cultura dos alunosmodernos, é muitoentediante ficar sentadonuma sala um atrásdo outro, ouvindo alguém falar.Outro desafio são as profundas,e cada vez mais freqüentes, mudançassociais resultantes dos avançosda ciência e da tecnologia. Atualmente,empresas são capazes de absorverum conhecimento científico,ou uma invenção tecnológica, etransformá-los em inovação no mercadoem menos tempo do que se levapara formar um engenheiro. Comolidar com isso? O jeito é ensinaro jovem a “aprender a aprender”.7