10.07.2015 Views

ATOS DE IDENTIDADE NA AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA - IEL

ATOS DE IDENTIDADE NA AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA - IEL

ATOS DE IDENTIDADE NA AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA - IEL

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong><strong>ATOS</strong> <strong>DE</strong> I<strong>DE</strong>NTIDA<strong>DE</strong> <strong>NA</strong> <strong>AULA</strong> <strong>DE</strong> LÍNGUA <strong>ESTRANGEIRA</strong>Roberta Ferroni 11.IntroduçãoOs estudos sobre a alternância de código (language alternation) ou troca decódigo (codeswitching), fenômeno que consiste na inserção de uma ou mais línguas nomesmo turno ou no mesmo enunciado (Lüdi; Py, 2003), em um ambiente escolar, são denatureza gramatical, interacional ou sociocultural.A alternância de código, segundo a perspectiva gramatical, diz respeito à naturezadas restrições morfológicas e sintáticas que condicionam a passagem de uma língua àoutra (MYERS-SCOTTON, 1992; POPLACK, 1988; POPLACK; SANKOFF, 1984). Aperspectiva interacional, ao contrário, estuda o sentido e as funções da alternância decódigo. Pertencem a essa linha de pesquisa, que foi elaborada, a partir dos anos 1980,por um grupo de sociolinguistas de várias universidades europeias (cf. ALBER; PY, 1986;LÜDI; PY, 1986), os estudos funcionais de Castellotti (1997; 2001), Causa (1997),Cambra e Nussbaum (1997), Garabedian e Lerasle (1997). De acordo com essespesquisadores, a quantidade de língua materna utilizada pelo professor é insignificanteem comparação com a quantidade de língua estrangeira (doravante LE) e serve paraexplicações, para socializar, chamar a atenção, dirigir e organizar as atividades e realizarreflexões gramaticais.As pesquisas que abordam a utilização da língua materna (doravante LM ou L1)nas interações entre aprendizes, são relativamente poucas e quase todas foramrealizadas em âmbito sociocultural 2 . Da análise desses estudos emerge que o uso da L1 éum importante suporte à disposição do aprendiz, porque é graças ao poder exercido pelalinguagem que o indivíduo se constrói cognitivamente. Portanto, o uso da língua maternaconstitui um meio privilegiado para adquirir competências novas, especialmente quandose prevê a construção de uma língua diferente da própria.Se na Europa, no final dos anos de 1990, o interesse por esse assunto arrefeceudevido à adoção de uma política linguística baseada no plurilinguismo, da qual o QCER1 Doutoranda USP.2 Cf. SCOTT; de la FUENTE 2008; CENTENO; JIMÉNEZ, 2004; SWAIN; LAPKIN, 2000; ANTÓN,DiCAMILLA 1998; BROOKS; DO<strong>NA</strong>TO; McGLOANE, 1997; McCAFFERTY, 1992).


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>(2002) é o porta-voz 3 , em outros países, especialmente naqueles de tradição anglo-saxã,o debate está ainda muito vivo e encobre a vontade política de impor o inglês comolíngua da maioria (PENNYCOOK, 2001).Partindo do pressuposto de que a tolerância linguística deve ser considerada umvalor agregado, pretendemos, nesse artigo, analisar as relações entre codeswitching eidentidade.2. Codeswitching e identidadeA classe de língua estrangeira é considerada um lugar social singular, onde obilinguismo 4 está em fase de construção e onde os interagentes possuem competênciasassimétricas entre a LM e a língua-alvo (PY, 1994).Embora a noção de codeswitching proposta por Auer (1995), de acordo com aqual a troca de código deve ser vista como um recurso de que os falantes se servem paradar destaque às suas falas durante a interação, constitua um instrumento valioso para adescrição das passagens da LE para a L1 na fala do professor, ela é inadequada para adescrição do vasto leque de trocas de código presente nas falas dos estudantes. Éverdade que muitas das trocas produzidas na aula de língua estrangeira têm o objetivode favorecer a compreensão, mas há outras que não se enquadram nessa classificação esão, precisamente, todas as passagens em que a L1 pode ser usada pelos aprendizescomo emblema de identidade.Os exemplos de codeswitching discutidos aqui se enquadram dentre aqueles queLa Page e Tabouret-Keller (1985, p.14) denominam “atos de identidade”. Para essesautores, o comportamento linguístico pode ser concebido como uma série de atos deidentidade por meio dos quais os falantes revelam seja sua identidade pessoal seja opapel social que almejam alcançar. De maneira específica, serão analisados os atos queapresentam as tentativas dos estudantes para se alinhar a uma dada identidade eaqueles em que, ao contrário, eles buscam recusar ou resistir a uma identidade imposta.Esses dois atos são expressos por meio do codeswitching.3 O conceito de competência plurilíngue e pluricultural que pretendemos enfatizar aqui é aqueleintroduzido por COSTE, MOORE e ZARATE (1997) e adotado em 2001 pelo Conselho da Europa noQCER. Ele designa o conjunto de conhecimentos e capacidades que permitem mobilizar, de acordocom a função e as circunstâncias, todo o repertório plurilíngue de que cada falante dispõe. Serplurilíngue significa saber passar de uma língua a outra, de acordo com as necessidades e assituações, mesmo tendo uma competência muito assimétrica.4 Concordamos com MACKEY (1976) e GROSJEAN (1982) que afirmam que o bilinguismo é umfenômeno que não se restringe apenas a algumas comunidades específicas, mas deve serconsiderado como um fenômeno individual, presente na maior parte da população do planeta.


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>Uma das principais características da aula de língua estrangeira é a capacidade depoder se passar, com certa frequência, de trocas em que a atenção está dirigida para ocódigo linguístico que é objeto de estudo − trocas essas que constituem o assimchamado nível de comunicação didática e são funcionais para a aprendizagem −, paratrocas que pertencem a um nível de comunicação de outro tipo, nas quais a palavra nãoestá mais dirigida ao você-aluno como aprendiz, mas ao você-pessoa que manifesta suadificuldade de aprendizagem (CICUREL, 1990).As trocas pertencentes à primeira categoria, ou seja, aquelas em que a atençãoestá dirigida para o conteúdo e que são funcionais para a aprendizagem, são aspreferidas na aula de língua estrangeira. Ao contrário, as trocas em que os aprendizesmanifestam certa dificuldade, não serão bem-vistas pelo professor (VAN DAM, 2002).Ellwood (2008) denomina atos de alinhamento (acts of classroom alignment), as trocasdo primeiro tipo, aquelas em que a atenção é dirigida para o conteúdo. Pertencem a essacategoria todos os atos em que os alunos, embora apresentem dificuldade para arealização da tarefa, para não se saírem mal e defenderem o papel de “bons alunos” 5 ,simulam um conjunto de intervenções em que a LM serve para mostrar que se esforçampara agradar o professor. Nesse caso, o codeswitching servirá para prestar mais atençãono intuito de realizar a tarefa.São atos de resistência (acts of classroom resistance) aqueles em que osaprendizes se recusam a aceitar o papel de estudantes e, por meio de comentários feitosna LM, manifestam hostilidade pela atividade que estão desenvolvendo ou pelo professor.Nesse segundo caso, o codeswitching, além de oferecer ao estudante a possibilidade deexpressar a sua própria identidade, lhe permite manifestar uma dificuldade sobre umaatividade em curso de realização, apresentando indicações didáticas úteis para oprofessor.3. O contextoOs dados que vamos analisar foram levantados mediante a observação de duasturmas de aprendizes de italiano LE, de língua materna português-brasileiro, inscritosnos cursos de italiano no Campus da Universidade de São Paulo/USP 6 , com umacompetência linguística correspondente ao nível B1 do QCER.5 O “bom estudante” é aquele que, além de possuir capacidades intelectuais, tem condição deadequar-se a determinados comportamentos e atitudes culturais impostos pelos outros, nessecaso, pelo professor (ELLWOOD, 2008).6 Cursos pagos de língua, abertos ao público interno e externo.


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>O professor responsável pelo grupo 1 era brasileiro, com graduação em Língua eLiteratura Italiana na Universidade de São Paulo; o professor do grupo 2 era italiano comformação em universidade italiana. O grupo 1 estava realizando atividades com aatenção dirigida principalmente para a forma, ao passo que o grupo 2 estava realizandotarefas (taski) 7 alicerçadas na convicção de que é por meio da interação que é possíveladquirir a LE.No grupo 1, as atividades linguísticas apareciam de maneira isolada, uma após aoutra, deixando em segundo plano seja o sentido seja a comunicação. No grupo 2, aocontrário, os aprendizes estavam envolvidos num conjunto de atividades que ofereciam aoportunidade de observar a língua inserida num contexto. 84. MetodologiaA presente pesquisa utilizou instrumentos de investigação da etnografia, dado queum dos valores agregados de uma pesquisa etnográfica é a dimensão qualitativa e não aquantitativa, possibilitada pela observação direta e a imersão na situação que está sendoestudada. A técnica empregada para a coleta dos dados baseou-se na observação dasaulas, na gravação e na posterior transcrição. Dispomos de aproximadamente 15 horaspara cada classe. As gravações foram efetuadas por meio de um gravador de áudio,instrumento que permite manter uma certa distância em relação aos dados que estãosendo levantados e que permite registrar também outros aspectos que poderiam passardespercebidos por um observador familiarizado com o contexto da sala de aula (NU<strong>NA</strong>N,1992. VAN LIER, 1988). Não esquecemos, porém, que, como destacam Nussbaum, Tusóse Unamuno, o gravador substitui, às vezes, a presença do professor, dado que se coloca,em relação aos participantes, como “observador e avaliador passivo” (2002, p. 160,tradução nossa). As etapas da transcrição dos dados foram as seguintes: num primeiromomento, foram ouvidas todas as gravações; a seguir, foram selecionados os segmentosem que era utilizado o codeswitching. Após a seleção do segmento, era feita atranscrição. Para facilitar a legibilidade das transcrições, adotamos o sistemajeffersoniano descrito por Sacks, Schegloff e Jefferson (1974), que tem a vantagem, emcomparação com o formato de duas colunas paralelas de Ochs (1979), de apresentar osturnos seguindo o formato típico dos roteiros teatrais. Para respeitar a privacidade dosparticipantes, eles foram identificados com as iniciais de seus nomes.7 As tarefas são atividades em que a atenção do aluno está focalizada no desenvolvimento datarefa e não em ponto específicos da língua (NU<strong>NA</strong>N, 1989).8 Para indicar esse segundo tipo de atividades, Long e Robinson (1998) utilizam a expressão FocusON Form, que se diferenciam daquelas em que a forma é tratada de maneira isolada, indicada coma expressão focus-on-formS.


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>A pesquisa tinha como objetivo:1. Verificar se a fala de estudantes de italiano LE, cuja língua materna é oportuguês-brasileiro, empenhados na realização de atividades em grupo, é caracterizadapela presença de atos de identidade, especialmente, por atos de adesão (acts ofclassroom alignment) e atos de resistência (acts of classroom resistance), evidenciadospela passagem da LE à L1.2. Verificar se o tipo de atividade que se realiza influencia, ou não, a presença dedeterminados comentários.5. Análise dos dados do grupo 1O primeiro exemplo que vamos comentar é constituído por diversos atos deadesão. Por ser uma sequência bastante longa, analisaremos somente uma parte.O professor, identificado com a inicial P, atribuiu uma atividade lúdica, cujoobjetivo é de natureza gramatical, para ser realizada em pequenos grupos. Trata-se deuma espécie de memory. Cada grupo recebeu um jogo de cartas. O jogo consiste emsortear uma carta do conjunto e uni-la à resposta correspondente; obviamente, vence ogrupo que formar o maior número de duplas.Exemplo 1 9P: no no attenta tu devi formare… le coppie come? comprando da un compagno((confusão)) solo che dovete aspettare i vostri turni::: ((vozes)) aspetta un po’ quemcome è::: S tu compri da L o da O? stabiliamo l’ordineS: acho que de LP: de L… alloraO: L compra de mim?S: sim daí formamos um círculoO: certo9 As normas que utilizamos para transcrever: P professor; S, O, L, Ad, F, Pa, A são iniciaisutilizadas para indicar os alunos; …, …, etc. pausa de um segundo; = dois turnos de palavras emsobreposição; ((inc)), ((risos)) o parêntese duplo indica uma parte da conversação incompreensívelou comentários sobre a transcrição, como risos etc.; ? entoação ascendente; ! entoaçãodescendente; texto mudança de código.


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>Nesse exemplo, nota-se que, após a intervenção do professor, cuja função éreestabelecer a ordem, os estudantes, apesar das dificuldades, mergulham totalmente nopapel que lhes foi atribuído. Nenhum deles se atreve a pedir outras explicações ou acriticar a atividade. S e O preferem parecer “bons alunos” aos olhos do professor,empenhados na realização da tarefa. As passagens frequentes para o português servemjustamente para confirmar seu empenho e esforço para concluírem a tarefa que lhes foiatribuída. A essa altura, os jogadores estão prontos. Após uma série de imprevistos, aatividade parece alcançar bons resultados, mas os problemas continuam:Exemplo 2P: oh ((ruídos)) ma voi dovete correggere anche! ((lendo as cartas)) le dofastidio se fumo? sì sì non c’è problemaS: é bomP: ((fazendo sinal de não com a cabeça)) è corretto? le do fastidio se fumo? sì sìnon c’è problemaO: sim não há problemacorrettoP: ah não? eu atrapalho se eu fumo? sì sì no no no no non sì sì… quindi non èO professor está passando entre as cadeiras e percebe que o exercício não estásendo feito corretamente. Por isso, incentiva os alunos a conferir se os acoplamentosestão corretos. Nesse caso, o uso do codeswitching por parte de O e P pode serinterpretado como um ato de adesão. Os comentários em L1 revelam que os estudantesestão se empenhando na atividade e que desejam sair-se bem diante do professor,apesar das dificuldades que encontram na execução da tarefa. Toda essa sequência, emnossa opinião, revela o jogo de papéis que se cria na aula de língua estrangeira e queCicurel denomina “enjeu communicatif” (CICUREL, 1990, p. 26). Essa noção retoma opacto estipulado, tacitamente, entre aprendizes e professor que consiste em demonstrar,nesse caso diríamos em simular, que as explicações do professor foram compreendidas,dado que, se o professor tem obrigação de se fazer compreender, os estudantes, por suavez, deverão satisfazer a essa exigência.Diante do impacto que esses atos de submissão, manifestados pelos doisestudantes por meio do uso da sua L1, podem ter em nível pedagógico, constatamosque, apesar do empenho, os resultados não compensam os esforços, como demonstra aúltima sequência, na qual o problema não é mais de ordem organizativa, mas diz


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>respeito ao conteúdo. Embora esse tipo de identidade seja o preferido do professor(MILLER, 1998), cabe perguntar se está alinhado com os valores compartilhados porqualquer contexto que tenha um objetivo educativo. Em outras palavras, observando-seessa sequência, tem-se a impressão de que o professor, por estar excessivamentepreocupado com seu planejamento, ou seja, que se “fale em LE”, apesar do desejo dosestudantes de não decepcioná-lo, ignore que a tarefa, provavelmente, é inadequada paraa classe, seja em termos de instruções do professor, seja em termos de capacidades dosestudantes. As consequências de tudo isso são mais do que evidentes, dado que aatividade não decola: os estudantes estão preocupados, mais do que em falar italiano,em entender as regras do jogo, porque não conseguem realizar as atividadescorretamente. Fica clara, de um lado, a tentativa dos estudantes de ocultar suadificuldade na execução da tarefa e, de outro, a tentativa do professor de ocultar suaincapacidade de ajudá-los.Vamos analisar, agora, os atos de resistência, que são os atos com que osestudantes se recusam a assumir o papel institucional de alunos e, por meio decomentários em LM, se contrapõem à identidade imposta pelo professor. Esses atospodem ser dirigidos contra o professor, contra a metodologia ou contra a atividade.Convém precisar que os sinais de insatisfação que percebemos no corpus estão dirigidosprincipalmente à atividade que está sendo desenvolvida. Isso pode depender da idadedos estudantes. No nosso caso, por ser uma classe de adultos, é provável que tenhahavido autocontrole dos estudantes. Veja-se o exemplo seguinte:Exemplo 3P: chi continua? L. O.L: eu não sei falar ((ruídos))P: no no in italiano piano pianoO professor, que durante as gravações realizou sempre atividades muitocontroladas do tipo “drill”, que consistem em pedir uma informação cuja resposta já éconhecida e com uma estrutura interativa fortemente controlada pelo professor(PEKAREK, 2002), pede que a classe, por heterosseleção, participe de uma conversa nãoestruturada. Consideramos normal a reação do estudante, o qual, não tendo acompetência conversacional esperada pelo professor, sente-se autorizado a romper o“ritual didático” (CICUREL, 1990, p. 43) e a expressar livremente, em português, suarecusa de realizar a tarefa. O que mais impressiona, nesse exemplo, não é tanto a recusa


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>do estudante, mas a insistência do professor que ignora o ato de resistência, preocupadosomente em cumprir sua obrigação de fazer o estudante falar em italiano.6. Análise dos dados do grupo 2De outra natureza são os atos de identidade presentes no corpus do grupo 2. Emprimeiro lugar, observamos que se trata de atividades não previsíveis e nas quais aabordagem gramatical é de tipo “comunicativo”, no sentido de que as análises partem dosentido para chegar à forma. Além disso, para a execução de tarefas exige-se umaparticipação ativa dos aprendizes, que deverão negociar entre si, tanto é verdade que asatividades são realizadas em pequenos grupos, sendo a intervenção do professorreduzida ao mínimo. Após essa premissa, observamos que os atos que Ellwood (2008)denomina de adesão quase não aparecem nas interações.Esse último dado não deve causar surpresa, visto que não se trata de atividadespredefinidas e com um controle externo excessivo do professor (PEKAREK, 2002). Emoutras palavras, vindo a faltar o controle discursivo do professor, desaparece também asubmissão dos estudantes, e assim caem por terra os papéis impostos. Instaura-se,deste modo, uma nova ordem interacional, em que todos os participantes terão osmesmos direitos e os mesmos deveres de conversação. Um reflexo disso é que apassagem de turno será feita por autosseleção e não por heterosseleção. Esse tipo deambiente irá estimular uma colaboração efetiva e pontual melhorando a competênciafuncional e a competência linguística. Veja-se o exemplo seguinte:Exemplo 4Ad:è perche dopo…michelina…F:((indicando uma parte do texto)) ah è perché ((lendo)) minacciando didenunciarla al capo vagone quindi c’è qualcosa che… lei ha fatto =Ad:=F:hanno scoperto hanno detto a lei ah fai questa cosa un’altra volta…oppurequando quando ((inc)) la minaccia fa qualcosa su quello che lei aveva già fatto peresempio fumare la sigarettaAd:hai fumato… una suora non può fumare non può avere i capelli rossi!Nessa sequência, os estudantes devem reconstruir uma parte do texto que foiomitida e estão formulando algumas hipóteses. Observa-se que eles não se limitam a


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>reproduzir modelos fixos e que suas falas nascem de uma lógica criativa em que cada umtoma posição e expressa seu ponto de vista. Por isso, os turnos são mais longos ecomplexos em comparação com os anteriores do grupo 1. O investimento discursivo dosestudantes se traduz em produtividade discursiva, que, dessa vez, não é imposta decima (pelo professor). Exemplos desse tipo são frequentes no corpus 2, com aconsequente diminuição de atos de resistência (registramos apenas um caso), emcomparação com o corpus 1. Veja-se a sequência 5:Exemplo 5A: já acabou? ((em voz baixa))Pa: falta pouquinhoCom essa pergunta dirigida ao colega em voz baixa 10 , gravada pouco antes dotérmino da aula, A manifesta, claramente, o desejo de ir embora, muito provavelmenteporque não gostou da aula. Isso corresponde à verdade porque, durante uma entrevista,A declarou não ter gostado da abordagem da professora e preferir atividades menoscomunicativas e mais gramaticais 11 .7. DiscussãoVamos responder, agora, às perguntas da nossa pesquisa. Comparando os dadosextraídos do corpus 1 com aqueles do corpus 2, podemos afirmar que a fala dosestudantes de italiano LE, cuja língua materna é o português falado no Brasil,empenhados na realização de tarefas em grupo, é caracterizada por atos de adesão (actsof classroom alignment) e por atos de resistência (acts of classroom resistance),evidenciados por meio da passagem da LE para a L1. Os atos de adesão se manifestamsomente no corpus 1, não aparecendo no corpus 2. Achamos que essa diferença dependedo tipo de atividade que está sendo desenvolvida. As atividades do primeiro grupo sãoexercícios que consistem em solicitar informações que são conhecidas antecipadamente esão reguladas por uma estrutura interativa fortemente controlada pelo professor 12 , por10 ELLWOOD (2008) observa que os atos de resistência costumam ser acompanhados por umabaixamento da voz, risos ou gestos.11 É provável que as críticas feitas por A decorram também das dificuldades de expressãomanifestadas no decorrer das gravações.12 CAZ<strong>DE</strong>N (1988), HALL (1995) e, posteriormente, FASULO e GIRAR<strong>DE</strong>T (2002), ao estudarem aestrutura comunicativa que caracteriza a maior parte das trocas entre professor e aluno na sala deaula, denominada Initiation-Response-Follow-up (IRF), comentam que uma rotina desse tipo nãooferece aos estudantes a oportunidade de desenvolverem, em sua complexidade, o conhecimentointeracional, linguístico e cognitivo necessário para a conversação corriqueira, porque a perguntapode apresentar aspectos que bloqueiam a comunicação ou, pelo menos, a limitam dentro dedeterminados esquemas.


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>uma lógica comunicativa alicerçada na reprodução, provocando, assim, uma reduçãodrástica das responsabilidades discursivas dos aprendizes. O trabalho em duplas, ou emgrupos pequenos do segundo grupo, ao contrário, ofereceu aos estudantes apossibilidade de produzir e interagir em LE, como também de participar de atividadescomunicativas semelhantes àquelas que ocorrem em contextos naturais, aumentando amotivação e a integração social. Os estudantes, trabalhando em conjunto, ficaram mais àvontade, dado que não estavam sujeitos à avaliação do professor. 13Analisando esses dados, constatamos que um maior controle de cima para baixo(professor-aluno), como aquele que acontece no grupo 1, torna os aprendizes menosautônomos do ponto de vista linguístico e provoca mais dependência do professor. Essemecanismo só reforça o poder e o controle exercido pelo professor sobre os estudantes,os quais, para não se saírem mal, passam a demonstrar seu empenho por meio de atosde adesão. Ao contrário, em um contexto como aquele do grupo 2, que alimenta umintercâmbio maior, com colaboração e participação mais espontânea, diminui anecessidade de manifestar a identidade de estudantes.8. ConclusõesPara concluir, gostaríamos de retomar as reflexões de Cicurel (1990) sobre asobrigações do professor de língua estrangeira em relação aos alunos. Em resumo, oprofessor, além de ser um juiz justo, além de oferecer explicações eficazes e conceder odom da palavra, deveria, em nosso modo de ver, ouvir mais o que os estudantes têm adizer. Os dados levantados confirmam que o exercício de ouvir poderia ajudar a melhorara prática educativa.9. Referências bibliográficasALBERT, J.L.; PY, B. Vers un modèle exolingue de la communication interculturelle:interparole, coopération et conversation. Études de Linguistique Appliquée, v. 61, n.1, p. 78-90, 1986.ANTÓN, M.; DiCAMILLA, F. Socio-cognitive functions of L1 collaborative interactions inthe L2 classroom. Canadian Modern Language Review, v. 54, n. 3, p. 314-342, 1998.13 Veja-se NUSSBAUM, TUSÓN, U<strong>NA</strong>MUNO (2002) e GRIGGS (1997).


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>AUER, P.The pragmatics of code-switching: a sequential approach. In: MILROY,L.;MUYSKEN, P. (orgs.) One speaker, two languages: cross disciplinaryperspective on code – switching. Cambridge: Cambridge University Press, 1995, p.115-135.BROOKS, F. B.; DO<strong>NA</strong>TO, R.; McGLONE, V. When are they going to say "it" right?Understanding learner talk during pair-work activity. Foreign Language Annals, v. 30,n. 1, p. 524-541, 1997.CAMBRA, M.; NUSSBAUM, L. Gestion des langues en classe de LE. Le poids desreprésentations de l’enseignant. Études de Linguistique Appliquée, v. 108, n. 1, p.423- 432, 1997.CASTELLOTTI, V.La langue maternelle en classe de langue étrangère. Paris: CLEInternational, 2001. 124 p.______.Langue étrangère et français en milieu scolaire: didactiser l’alternance? Étudesde Linguistique Appliquée, v. 108, n. 1, p. 401-410, 1997.CAUSA, M. Maintien, transformation et disparition de l’alternance codique dans lediscourse de l’enseignant: du niveau débutant au niveau avancé. Études deLinguistique Appliquée, v. 108, n. 1, p. 457- 465, 1997.CAZ<strong>DE</strong>N, C. B. Classroom discourse: the language of teaching and learning.Portsmouth: Heinemann, 1988. 208 p.CENTENO-CORTÉS, B.; JIMÉNEZ JIMÉNEZ, A. F. Problem-solving tasks in a foreignlanguage: the importance of the L1 in private verbal thinking. International Journal ofApplied Linguistics, v. 14, n. 1, p. 7-35, 2004.CICUREL, F. Elements d’un rituel communicatif dans les situations d’enseignement. In:DABÈNE, L.; CICUREL, F.; LAUGA-HAMID, M.C.; FOERSTER, C. (orgs.). Variations etrituels en classe de langue. Paris: Hatier, 1990, p. 22-52.COSTE, D.; MOORE, D.; ZARATE, G. Compétence plurilingue et pluriculturelle. Versun Cadre Européen Commun de reference pour l’einseignement et l’apprentissage des


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>langues vivantes: etudes préparatoires. Strasbourg: Editions du Conseil de L’Europe,1997. 301 p.ELLWOOD, C. Questions of classroom identity: what can be learned from codeswitchingin classroom peer group talk? Modern Language Journal, v. 92, n. 4, p. 538-557,2008.FASULO, A.; GIRAR<strong>DE</strong>T, H. Il dialogo nella situazione scolastica. In: BAZZANELLA, C.(org.). Sul dialogo. Contesti e forme di interazione verbale. Milano: Guerini Studio,2002, p. 59-72.GARABEDIAM, M.; LERASLE, M. L’alternance codique. La double contrainte. Études deLinguistique Appliquée, v. 108, n. 1, p. 433-43, 1997.GRIGGS, P. Cómo tratan los aprendientes adultos los problemas de lengua en tareascomunicativas efectuadas en pareja. In: PUJOL BERCHÉ, M; NUSSBAUM, L.; LLOBERA, M.(orgs.). Adquisición de lenguas extranjeras: perspectivas actuales en Europa.Madrid: Edelsa, 1998, p. 207-218.GROSJEAN, P. Life with two languages: an introduction to bilingualism. Cambridge:Harvard University Press, 1982. 374 p.HALL, J.K. “Aw, man, where you goin?”: classroom interaction and the development of L2interactional competence. Issues in Applied Linguistics, v. 6, n. 2, p.37-62, 1995.LE PAGE, R.B.; TABOURET-KELLER, A. Acts of identity: creol-based approaches tolanguage and ethnicity. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. 354 p.LONG, M.; ROBINSON, P. Focus on form: theory, research and practice. In: DOUGHTY,C;WILLIAMS, J. (orgs.). Focus on form in classroom second language acquisition.Cambridge: Cambridge University Press, 1998, p. 15- 41.LÜDI, G.; PY, B. Être bilingue. Berna: Peter Lang, 1986. 203 p.McCAFFERTY, S. G. The use of private speech by adult second language learners: across-cultural study. The Modern Language Journal, v. 76, n. 2, p. 179-189, 1992.


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>MACKEY, W.F. Bilinguisme et contact de langues. Paris: Klincksieck, 1976. 234 p.MILLER, R. The arts of complicity: pragmatism and the culture of schooling. CollegeEnglish, v. 61, n. 1, p. 10-28, 1998.MYERS SCOTTON, C. Duelling languages: grammatical structure in codeswitching.Oxford: Clarendon Press, 1992. 237 p.NU<strong>NA</strong>N, D. Research methods in language learning. New York: Cambridge UniversityPress, 1992. 249 p.______. Designing tasks for the communicative classroom. Cambridge: CambridgeUniversity Press, 1989. 205 p.NUSSBAUM, L.; TUSÓN, A.; U<strong>NA</strong>MUNO, V. Procédures de contournement des difficultésde langue dans l’interaction entre apprenants. In: CICUREL, F.; VÉRONIQUE, D. (orgs.).Discours, action et appropriation des langues. Sorbonne: Presses SorbonneNouvelle, 2002, p. 147-162.OCHS, E. Transcription as theory. In: OCHS, E.; SCHIEFFELIN, B. (orgs.).Developmental pragmatics. New York: Academic Press, 1979. p. 123-135.PEKAREK, S. Formes d’interaction et complexité des tâches discursives: les activitésconversationnelles en classe de L2. In: CICOUREL, R.; VÉRONIQUE, D. (orgs.).Discours, action et appropriation des langues. Paris: Publications de la SorbonneNouvelle, 2002, p. 117-130.PENNYCOOK, A. Beyond hegemony and heterogeny: english as a global and worldlylanguage. Paper presented at the MAVEN/GNEL, Freiburg, Germany, 2001.


III Simpósio Nacional Discurso, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E <strong>DE</strong>SAFIOS <strong>NA</strong> CONTEMPORANEIDA<strong>DE</strong>POPLACK, S. Contrasting patterns of code switching in two communities. In: HELLER, M.(org.). Codeswitching. Anthropological and sociolinguistic perspectives. Berlin:Mouton de Gruyter, 1988, p. 243-261.POPLACK, S.; SANKOFF, D. Borrowing: the synchrony of integration. Linguistics, v. 22,n 1, p. 99-135, 1984.PY, B.Place des approches interactionnistes dans l’étude des situations de contacts etd’acquisition. In: VÉRONIQUE, D. (org.). Créolisation et acquisition des langues. Aixen Provence: Publications des Universités de Provence, 1994, p. 136-147.QUADRO comune europeo di riferimento per le lingue: apprendimento insegnamentovalutazione. Firenze: La Nuova Italia-Oxford, 2002. 263 p.SACKS, H,; SCHEGLOFF, E.; JEFFERSON, G. A simplest systematic for the organizationof turn-taking in conversation. Language, v. 50, n. 4, p. 696-735, 1974.SCOTT, V. M.; de la FUENTE, M. J. What’s the problem? L2 learners’ use of the L1 duringconsciousness-raising, form-focused tasks. The Modern Language Journal, v. 92, n. 1,p. 100-113, 2008.SWAIN, M.; LAPKIN, S. Task-based second language learning: the use of the firstlanguage. Language Teaching Research, v. 4, n. 3, p. 251-274, 2000.VAN DAM, J. Ritual, face, and play in a first english lesson: bootstrapping a classroomculture. In: KRAMSH, C. (org.). Language acquisition and language socialization:ecological perspective. London: Continuum, 2002, p. 237-265.VAN LIER, L. The classroom and the language learner. London: Longman, 1988. 236p.WELLS, G. Using L1 to master L2: a response to Antón and DiCamilla’s “Socio-cognitivefunctions of L1 collaborative interaction in the L2 classroom”. The Modern LanguageJournal, v.. 83, n. 2, p. 248-254, 1999.

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!