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Revista Biotecnologia

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EM MAIO DE 1997 PLANTAMOS A PRIMEIRA SEMENTEDE BIOTECNOLOGIA NA IMPRENSA BRASILEIRA2 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


AGORA VOCÊ PODE COLHER OS FRUTOSwww.biotecnologia.com.brKL3<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 3


AmbienteENTREVISTAMeioO maior desafio é a conservação da megadiversidade existente no território nacionalAluízio BorémEng. Agrônomo, M.S., Ph.D. e Professor daUniversidade Federal de Viçosaborem@ufv.brDr. Aluízio Borém é Coordenador do nosso conselhocientífico, é um membro sempre presente e atuante, tem 26livros publicados no Brasil e no exterior, fora os inúmerosartigos dedicados à periódicos, como para a <strong>Revista</strong><strong>Biotecnologia</strong>. Prof. Borém possui doutorado em Genética eMelhoramento pela University of Minnesota, Pós-doutoradoem Genética Molecular pela mesma universidade e é presidenteda Regional Minas Gerais da Sociedade Brasileira deMelhoramento de Plantas. Prof. Borém foi membro da CTNBioe vice-presidente da Câmara de <strong>Biotecnologia</strong> e Agronegócioda Federação das Indústrias de Minas Gerais - FIEMG.Nessa entrevista para a <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong>, essetambém professor da Universidade de Viçosa, nos faz umrelato dos principais questionamentos sobre aquilo quenunca poderemos esquecer, uma vez que não podemos nemao menos sobreviver sem ele: o meio ambiente.4 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.32 - janeiro/junho 20044 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


BC&D - Dr Borém, foi o Senhorquem providenciou e elaborouessa edição especial. O que o fezpensar nesse tema em particular,ou melhor, por que o meioambiente?Aluízio Borém - A biotecnologiadisponibilizou sua primeira variedadegeneticamente modificada emfevereiro de 1994, o tomate FlavrSavr, desenvolvido pela entãoCalgene. Para a aprovação desta edas variedades GM que chegaram aomercado nos anos seguintes, órgãosgovernamentais de diferentes paísessubmeteram estes produtos àrígidas e criteriosas análises debiossegurança. Estas análises se baseiamem experimentação e testesrealizados por várias instituições depesquisa para avaliar a segurançasob o ponto de vista alimentar eambiental. Nos primeiros anos dosOGMs no mercado, várias ONGs questionaram,especialmente, a segurançaalimentar destes produtos.Mais recentemente, o foco dosquestionamentos se voltaram para asegurança ambiental. Aliás esse foi oprincipal tema debatido no BioworkVII. Considerando que críticas atuaisaos OGMs estão relacionadas a possíveisefeitos adversos ao Meio Ambiente,surgiu então a idéia de reuniros maiores especialistas em diferentesáreas da interface da biotecnologiacom o meio ambiente, para abordaremjustamente este tema, que foimuito debatido no Biowork VII,evento esse realizado na UniversidadeFederal de Viçosa, agora emAgosto e que, simultaneamente,disponibilizou estas informaçõesàqueles que não tiveram oportunidadede participar do workshop.BC&D - Dr. Borém, poderia nosresumir, em poucas palavras,sobre quais são os principais problemasque o Brasil enfrenta naárea de meio ambiente?Aluízio Borém - Com o avançotecnológico, não só o Brasil, mas agrande maioria dos países, enfrentamhoje problemas de degradaçãoambiental. Nestes incluem-se poluiçãodo solo, da água e do ar, reduçãoe fragmentação das florestas, reduçãoda biodiversidade etc.BC&D - A seu ver, o que poderiaser feito?Aluízio Borém - O Brasil possuilegislação satisfatória para preservaçãodo meio ambiente, mas infelizmentea certeza de impunibilidade“Hoje o Brasil já é o celeiro domundo. A perspectiva é aindamais promissora, pois temostecnologia genuinamentenacional desenvolvida paraprodução em regiões tropicais”tem motivado muitos a ignorarem asleis. A crescente consciência públicasobre a necessidade de conservaçãodos recursos naturais tem resultadoem maior vigilância da população àações degradadoras do meio ambiente.Entretanto, há necessidade deque o governo tome medidas enérgicascontra as grandes agressões aomeio ambiente, como as queimadas“O Brasil possui legislaçãosatisfatória para preservaçãodo meio ambiente, masinfelizmente a certeza deimpunibilidade tem motivadomuitos a ignorarem as leis”por exemplo, ou contra o uso demetais pesados na extração do ouro,etc.BC&D - Do seu ponto de vista,quais os marcos que transformaramo Brasil em potência naárea de biotecnologia no cenáriomundial?Aluízio Borém - Os investimentosrealizados pelo governo brasileiro, apartir dos anos 80, na formação derecursos humanos no exterior inicialmentee posteriormente no próprioBrasil, resultou numa massa críticaaltamente qualificada, que tem contribuídopara o progresso da ciênciano cenário mundial.BC&D - A biossegurança está,realmente, preservando os interessesna saúde humana e nomeio ambiente no Brasil?Aluízio Borém - As variedades GMdesenvolvidas são seguras para consumohumano e para plantio emlarga escala nos países em que foramliberadas. Estas variedades têm trazidobenefícios para a saúde humanade forma indireta, pois muitos destesalimentos, como o milho Bt, possuemmenor teor de micotoxinascancerígenas, como a fumonisina,bem como menor teor de resíduosde inseticidas. E em breve estaráchegando ao mercado as variedadesque estão sendo desenvolvidas paraserem mais nutritivas e saudáveispara o homem.BC&D- Como você vê a discussãodo decreto que regulamenta aLei de Biossegurança aprovadaesse ano pelo congresso nacional?Aluízio Borém - A discussão doProjeto da Lei de Biossegurança, emboratenha se arrastado demasiadamente,fez parte do processo democráticoe permitiu que toda a sociedade,bem como os parlamentares,se inteirassem de seus vários aspectosantes de aprová-la. Na nossaanálise, o mais importante agora éque as pesquisas voltem ao seu rítmonormal, para evitar prejuízos aindamaiores ao País e à comunidade científicabrasileira.BC&D- Como pesquisador, quala sua opinião sobre a evoluçãodas pesquisas OGM´s no Brasil?Aluízio Borém - As pesquisas estãoevoluindo, apesar do excesso deentraves burocráticos exigidos paraa condição dos trabalhos. Os avançospoderiam ser maiores se maior agilidadefosse dada às autorizações elicenças de pesquisa.BC&D - Temos uma CTNBio ideal?Qual seria esta CTNBio?<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 5<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 5


Aluízio Borém - A nova Lei deBiossegurança, aprovada pelo CongressoNacional e sancionada peloPresidente da República, em marçodeste ano, estabelece o novo formatoda CTNBio, com seus 54 membros,titulares e suplentes. Mais importantedo que ter uma CTNBioideal é termos a CTNBio com regrasclaras e exeqüíveis para nossos pesquisadoresseguirem. A Comunidadecientífica certamente desenharia umaCTNBio diferente da estabelecidacom a nova legislação, mas nossaexpectativa é a de que será possíveltrabalhar de forma produtiva mesmocom este novo formato.BC&D - O Senhor acha que opesquisador em geral, seja nasuniversidades ou nos centros depesquisa, se sente apoiado pelalei de patentes? Há em nossasUniversidades departamentosque fornecem real apoio a essespesquisadores?Aluízio Borém - No Brasil aindaexiste muito tabu sobre este assunto.Muitos de nossos colegas aindanão enxergam os benefícios para suainstituição e para o seu laboratórioque as patentes podem trazer, masisto está mudando. Algumas instituiçõespossuem bons escritórios paradarem apoio aos pesquisadores nasolicitação de patentes para seusinventos, mas ainda há um longocaminho a ser percorrido.BC&D - Qual a maior ameaça aomeio ambiente, especificadamente,no Brasil?Aluízio Borém - A maioria dos pesquisadoresbrasileiros entendem queo maior desafio é a conservação damegadiversidade existente no territórionacional. O Brasil é detentor damaior biodiversidade do planeta, masmuito vem sendo perdido com asqueimadas e a fragmentação de nossosbiomas. Na Mata Atlântica a parteresidual é lamentavelmente muitopequena. Nos outros biomas brasileiros,como a caatinga, o cerrado, campossulinos e floresta amazônica, háa necessidade de uma ação maisforte por parte do governo brasileiro.A participação da população brasileiratambém pode ter importantepapel nesta preservação.BC&D- Muito se fala sobre o temorda engenharia genética proporcionandoimpacto no meioambiente. Há o que temer?“Mais importante do que teruma CTNBio ideal é termos aCTNBio com regras claras eexeqüíveis para nossospesquisadores seguirem”Aluízio Borém - Embora abiotecnologia possua grande potencialpara modificar as plantas, a populaçãopode ficar tranqüila que somentevariedades que são aprovadasem todos os testes de segurançaambiental são liberadas para plantioem escala comercial. Estes testes sãorealizados por vários anos e por diferentesinstituições de pesquisa, avaliandopossíveis efeitos adversos paraa microbiota do solo, para organismosnão-alvo da tecnologia, para abiodiversidade, para o lençol freático,etc. Qualquer evidência de possíveldanos ao meio ambiente é suficientepara que se vete a liberação comercialdo produto. Estas análises debiossegurança foram validadas internacionalmentepela United Nations“Nos outros biomas brasileiros,como a caatinga, o cerrado,campos sulinos e florestaamazônica, há a necessidadede uma ação mais forte porparte do governo brasileiro”Environment Programme (UNEP),programa da ONU voltado para apreservação do Meio Ambiente. Adicionalmente,estas análises vem sendorealizadas desde o começo dosanos 90, quando se iniciou a avaliaçãode segurança ambiental das primeirasvariedades GM. Uma evidênciade que estes procedimentos sãorígidos e eficientes é que nenhumdano ao Meio Ambiente ocorreu emdecorrência do plantio destas variedadesao longo destes mais de 10anos, e em uma área acumuladasuperior a 385 milhões de ha.BC&D - Também muito se falaque o Brasil será o celeiro domundo. Há um exagero nisso?Será que, só com o domínio dasnovas tecnologias, isso seriapossível?Aluízio Borém - O Brasil já é oceleiro do mundo. Com o progressoexperimentado pelo País nestes últimosanos, tornando o segundo maiorprodutor de soja, maior produtor defeijão, maior produtor de carne bovina,dentre vários outros alimentos,hoje o Brasil já é celeiro do mundo.A perspectiva é ainda mais promissora,pois temos tecnologia genuinamentenacional desenvolvida paraprodução em regiões tropicais. Asuniversidades, a Embrapa e outrasinstituições de pesquisa do País transformarameste sonho de 20 anosatrás em realidade nos dias atuais.BC&D - Para finalizar, já que“somos os arquitetos de nossodestino”, teremos o destino queconstruírmos baseado na direçãoque dermos ao aproveitamentoe exploração do meioambiente, principalmente agoraem que dominamos tecnologiasjamais imaginadas. Qual o recadoque enviaria aos pesquisadoresque começam a ter o domíniode tais tecnologias?Aluízio Borém - Minha palavra finalnão poderia deixar de ser de estímulo.Muitos não acreditavam que oBrasil se destacasse como grandeprodutor e exportador de alimentos,e hoje nossa posição já está consolidada.Portanto, gostaria que nossoscolegas continuassem sonhando alto.Os desafios para o sucesso em qualquerprojeto em geral são grandes,mas somente com persistência, muitotrabalho e acreditando no futurodo Brasil poderemos dar nossa contribuiçãoe transformar o Brasil, passandode um País grande, para um"Grande País". O sonhar antecede orealizar!6 <strong>Biotecnologia</strong> 6 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência Ciência & Desenvolvimento & Desenvolvimento n.34 - n.34 janeiro/junho - janeiro/junho 2005 2005


Colaboraram nesta ediçãoBIOTECNOLOGIA Ciência & DesenvolvimentoKL3 Publicações LtdaFundadorDr. Henrique da Silva CastroDireção Geral e EdiçãoAna Lúcia de AlmeidaDiagramação e designLuiz Dourado BezerraE-mailbiotecnologia@biotecnologia.com.brHome-Pagewww.biotecnologia.com.brProjeto GráficoKL3 Publicações LtdaSHIN CA 02 Bloco "C"Edifício Garden Place salas 225/226Lago Norte - Brasília - DFCep 71503-502Tel.: (061) 3468-6099Fax: (061) 3468-3214Aluízio BorémAntônio Vargas de Oliveira FigueiraCelso OmotoChristine Claire GaylardeDeise Maria Fontana CapalboGaldino AndradeGilson Paulo ManfioGislaine Trindade Vilas-BôasItamar Soares de MeloLuciano Lourenço NassLuiz Roberto Guimarães GuilhermeMarco Antônio NogueiraMaria C. M. D PavaniMaria de Lourdes BellinasoMarise T. SuzukiMaurício Antônio LopesOlívia M. Nagy ArantesReginaldo Lopes MinaréRobison A. PitelliSamuel MartineiliWagner Augusto BeneditoNOTA: Todas as edições da <strong>Revista</strong> <strong>Biotecnologia</strong>Ciência & Desenvolvimento estão sendo indexadaspara o AGRIS (International Information System forthe Agricultural Sciences and Technology) da FAOe para a AGROBASE (Base de Dados da AgriculturaBrasileira).Os artigos assinados são deinteira responsabilidadede seus autores.ISSN 1414-6347Portal <strong>Biotecnologia</strong> - www.biotecnologia.com.br8 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Conselho CientíficoDr. Aluízio Borém - Genética e Melhoramento VegetalDr. Henrique da Silva Castro - Saúde;Dr. Ivan Rud de Moraes - Saúde - Toxicologia;Dr. João de Deus Medeiros - Embriologia Vegetal;Dr. Naftale Katz - Saúde;Dr. Pedro Jurberg - Ciências;Dr. Sérgio Costa Oliveira - Imunologia e Vacinas;Dr. Vasco Ariston de Carvalho Azevedo - Genética de Microorganismos;Dr. William Gerson Matias - Toxicologia Ambiental.Conselho Brasileiro de Fitossanidade - CobrafiDr. Luís Carlos Bhering Nasser - FitopatologiaFundação Dalmo Catauli GiacomettiDr. Eugen Silvano Gander - Engenharia Genética;Dr. José Manuel Cabral de Sousa Dias - Controle Biológico;Dra. Marisa de Goes - Recursos GenéticosInstituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares - IPENDr. José Roberto RogeroSociedade Brasileira de <strong>Biotecnologia</strong> - SBBiotecDr. Luiz Antonio Barreto de Castro - EMBRAPADr. Diógenes Santiago Santos - UFRGSDr. José Luiz Lima Filho - UFPEDra. Elba P. S. Bon - UFRJEntrevistaMeio ambiente - Aluízio Borem pág. 04ESPECIAL - Meio AmbienteA história da biotecnologia pág. 10Bioindicadores para uma análise de risco ambiental pág. 13Impacto da biotecnologia na biodiversidade pág. 22Bioprospecção pág. 29Biorremediação pág. 36Fundamentos da análise de risco pág. 44Risco e segurança ambiental pág. 56O princípio da precaução pág. 65Resistência de insetos a plantas geneticamente modificadas pág. 67Bacillus thuringiensis pág. 78Considerações sobre o fluxo gênico pág. 86Variedades transgênicas e meio ambiente pág. 91Feralidade vegetal e transgeníese pág. 100<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 9


Meio ambienteA HISTÓRIA DABIOTECNOLOGIAA ciência que está surpreendendo até os mais otimistasAluízio BorémEng. Agrônomo, M.S., Ph.D. e Professor daUniversidade Federal de Viçosaborem@ufv.bruito antes mesmo que ohomem entendesse a biologia,ele já lidava com abiotecnologia na produçãode vinhos e pães. Após oacúmulo de conhecimentos e experiênciaa respeito da biotecnologia moderna,sua definição deve cobrir asvárias técnicas que utilizam o DNArecombinante para gerar produtos ouserviços. Não restam dúvidas de que abiotecnologia do século XXI é muitodiferente daquela quando este termofoi, pela primeira vez, usado no séculopassado para descrever procedimentosde produção de vinhos, pães ederivados lácteos. No contexto atual,essas técnicas não se enquadrariam nabiotecnologia. De forma semelhante,embora se adote uma definiçãoabrangente, a manipulação gênica pormeio de enxertia e, ou, o uso demicrorganismos para fermentação nãosão tratados neste livro. O que distingueessas procedimentos dabiotecnologia moderna não são os princípiosenvolvidos, mas as técnicas utilizadas.Por exemplo, o melhoramentogenético de plantas e o melhoramentomolecular compartilham váriosaspectos e têm, muitas vezes, o mesmoobjetivo. Ambos buscam desenvolvervariedades mais úteis ao homem.O melhoramento molecular diferedo melhoramento genético convencionalao tornar o desenvolvimentovarietal um procedimento com resultadosprevisíveis. Com a engenhariagenética, é possível transferir genesespecíficos de uma espécie doadorapara a receptora, de forma controlada.O ser humano, as plantas e demaisseres vivos são constituídos pormoléculas que contêm carbono, hidrogênio,oxigênio, nitrogênio, fósforo eenxofre, além de outros elementosem diferentes proporções. Os seresvivos são constituídos de proteínas, asquais executam a maior parte dasfunções celulares e são responsáveispor vias metabólicas. Estas vias geramtodos os produtos orgânicos secundários,como carboidratos e lipídios, componentesdos tecidos nos animais, dacelulose nas plantas etc.A biotecnologia opera em nívelmolecular, onde as barreirasestabelecidas na formação das espéciesdesaparecem; isso é possível porquetodos os seres vivos possuem oDNA como molécula fundamentalportadora da informação gênica e compartilhamo mesmo código genético,que codifica e determina as proteínasdos homens, dos animais, das plantas,dos insetos e microrganismos. Essecódigo simplesmente transforma aseqüência dos nucleotídeos no DNA(A, C, G ou T) em seqüências deaminoácidos, que constituem as proteínas.Cada proteína é derivada, portanto,da transcrição e tradução de umgene. O conjunto de vários genes emuma mesma molécula de DNA formao cromossomo. Finalmente, cada espécietem um genoma próprio, compostode todos os seus genes organizadosnos cromossomos, cujo númerovaria com as espécies.Uma das características dabiotecnologia que têm contribuído parao receio que muitos manifestam emrelação a ela é a velocidade como estaciência evoluiu nos últimos anos ecomo sua aplicação em benefício dasociedade atingiu o mercado de formatão inesperada.Quando a biotecnologia passou aocupar a atenção dos cientistas e dosleigos de forma intensa, a partir dosanos 80, a maioria das pessoas sesentia desconfortável com ela.Freqüentemente se escutavam debatessobre a possibilidade de abiotecnologia resolver todos os problemasda produção de alimentos.Lamentavelmente, a forma e a rapidezcomo a biotecnologia apareceu nomeio científico levaram muitos dosque estavam trabalhando há anos pararesolver os problemas da agricultura auma situação desconfortável. Em determinadaocasião, chegou-se a pensarque a biotecnologia, uma ciênciaemergente, fosse substituir o melhoramentogenético clássico, uma ciênciaque produziu variedades de milho,arroz, laranja, rosas etc. e novas linhagensde suínos, aves etc., contribuindopara a maior oferta de produtosagropecuários. Essa jamais seria umaboa notícia para aqueles que já haviamdedicado grande parte de sua vidaprofissional ao desenvolvimento devariedades melhoradas ou daquelesque tinham concluído cursos de graduação,mestrado ou doutorado em genéticaclássica. A falta de marketing dabiotecnologia em muito contribuiu parauma postura de reserva de muitos emrelação a ela. Felizmente, hoje, debatessobre a ameaça de o melhoramentomolecular substituir o melhoramentoclássico são anacrônicos; atualmente,essas duas ciências são vistas comocomplementares.A biotecnologia anteriorao século XXIEmbora os microrganismos fossemutilizados na produção de vinhosdesde a mais remota história, foi a10 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Quadro 1. Algumas características genéticas de diferentes espéciesEspécieNúmero decromossomosdescoberta das células em um pedaçode cortiça por Robert Hooke, em 1665,que desencadeou a onda de descobertase invenções em biologia. Cerca de10 anos mais tarde, Anton vanLeeuwenhoek construiu um microscópiocom capacidade de ampliaçãode 270 vezes, o que o permitiu ver,pela primeira vez, os microrganismos.O microscópio descortinou um novomundo, anteriormente invisível aohomem.Somente 170 anos mais tarde queMatthias Schleiden e TheodoreSchwann lançaram a teoria de quetodos os organismos vivos são constituídosde células. Novas questões sugiramdiante dos recentes conhecimentos,incentivando os cientistas aquestionar por que os filhos tendem aapresentar características semelhantesàs dos pais. Foi somente no final doséculo XIX que o monge GregorMendel, que trabalhava em Brno, RepúblicaTcheca, conseguiu desvendaros segredos da hereditariedade. Oscruzamentos de ervilhas com diferentescores de flores realizados porMendel, em 1865, criaram uma novaciência: a genética.No Quadro 1 apresentam-se onúmero típico de cromossomos e estimativasdo tamanho do genoma e donúmero de genes em diferentes espécies.O ano de 1953 foi um marco paraa genética, com a descoberta da estruturahelicoidal do DNA por dois cientistasda Universidade de Cambridge,Inglaterra: o americano James Watsone o inglês Francis Crick. Os trabalhosde ambos revolucionaram a genética eaceleraram as descobertas da estruturafina do DNA. Eles demonstraram quea dupla hélice se constituía de duasTamanho dogenoma (Mb)Homem463.00024.000Númerode genesTrigo4216.00050-75.000Milho202.50050.000Soja401.100-Arroz2443025.000Arabidopsis5 12526.000fitas pareadas, cada uma com sua seqüênciade nucleotídeos, complementara outra, isto é, na posição ondehavia um A na primeira, aparecia um Tna segunda, e onde havia um G apareciaum C, e vice-versa.A Era da Engenharia Genéticacomeçou com a primeira transformaçãogênica obtida com sucesso em1973, realizada por Hebert Boyer eStanley Cohen na Califórnia. Estescientitas construíram um gene comparte do DNA bacteriano e parte doDNA de sapo (Xenopus laevis). Aexperiência destes pesquisadores abriuas portas para uma nova forma de sefazer o melhoramento genético e desenvolvimentode variedades.O melhoramentogenético convencionalNos primórdios da agricultura,quando os agricultores iniciaram adomesticação das espécies, selecionandoos tipos mais desejáveis, o melhoramentorealizado subjetivamenteresultou nas primeiras alteraçõesgenotípicas direcionadas. Os resultadosdesses esforços primitivos contribuíram,de forma decisiva, para o processoevolucionário das espécies cultivadas.Com a descoberta do sexo noreino vegetal, a hibridação de tiposdiferentes foi incorporada às técnicasde melhoramento. Todavia, foram osclássicos experimentos de GregorMendel que forneceram as bases parao entendimento e a manipulação dahereditariedade, visando ao melhoramentoe desenvolvimento de novasvariedades. Ainda hoje, algunsmelhoristas acreditam que o melhoramentodepende quase que exclusivamenteda habilidade do cientista emdetectar diferenças que possam terimportância econômica. Muitos dosprimeiros melhoristas eram agricultorescom aguçado instinto de observaçãoque, ao detectarem plantas atípicasem um campo, colhiam-nas para obtençãode sementes. Atualmente, como avanço do conhecimento em genética,fisiologia, estatística, botânica,agronomia e outras áreas, o melhoramentode plantas tem-se tornado maisciência que propriamente arte.Quando se pensa no aumento daprodução de alimentos, isso pode ocorrerde três maneiras: pela expansão daárea cultivada, item em que o Brasil sesobressai por ter ainda diversas fronteirasagricultáveis. Todavia, essas áreassão limitadas e, no futuro, não estarãomais disponíveis. Por absoluto imperativode sobrevivência, agricultoreschineses têm avançado emecossistemas frágeis e em reservasbiológicas, com irreparáveis danos ecológicos.A expansão da área cultivadanão deve ser considerada, em muitoscasos, a alternativa de aumento daprodução de alimentos. Uma segundamaneira de se aumentar a produçãode alimentos é por meio da melhoriadas condições do ambiente, como adubação,práticas culturais corretas, controlede pragas e doenças, uso desementes de qualidade, irrigação etc.A terceira maneira é por meio domelhoramento genético das plantas.Algumas das característicasfreqüentemente consideradas em diversosprogramas de melhoramentosão: aumento de produtividade, resistênciaàs pragas e doenças e qualidadenutricional dos alimentos, dentre outras.A resistência às pragas e doençastem sido um dos principais alvos domelhoramento genético convencional.Por exemplo, o Centro Internacionalde Agricultura Tropical (CIAT)desenvolveu, pelo melhoramento clássico,variedades de feijão resistentesaos carunchos (bruquídeos), com aintrodução do gene que codifica paraa proteína arcelina, que é letal a essesinsetos, porém inócua ao homem eaos demais animais.Alguns acreditam que os alimentosatualmente disponíveis foram encontradosna natureza pelo homem daforma que hoje são conhecidos. 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feijão que se consome, o milho que seutiliza na alimentação humana e animalsão completamente diferentesdaqueles que os antepassados utilizavam.Os feijões silvestres domesticadospelo homem nos últimos 12.000anos, e que hoje ainda existem noMéxico e em alguns países andinos,são completamente diferentes dos atuais.Com sementes menores que as demamão, de difícil cocção, baixadigestibilidade e com saboradstringente, o feijão silvestre foi geneticamentemodificado pelos agricultoresprimitivos, de forma que hojese dispõe de variedades com grãosgrandes, de fácil cocção e com boadigestibilidade. O ancestral do milho,o teosinto, foi também modificadopelo homem ao longo dos milênios,dando origem ao milho moderno. Foia engenhosidade humana, trabalhando-seos princípios da genética, deforma inconsciente, que resultou nasespécies agronômicas hoje utilizadas.Com a descoberta das leis dagenética por Mendel, publicadas em1865, o homem passou a ter acesso aum conhecimento que lhe permitiriaa modificação genética das espéciesde forma mais precisa e rápida. Entretanto,Mendel foi ignorado porseus contemporâneos e seus escritospermaneceram inutilizados por35 anos, até que em 1900 as Leis daGenética foram redescobertas e amodificação genética das plantaspôde ser realizada de forma científica.Nascia então o melhoramentogenético das plantas, mostrando queMendel estava certo!Até cerca de 30 anos atrás, oBrasil não figurava nas estatísticas daprodução mundial de soja. Hoje, oPaís é o segundo maior produtor domundo, com produtividade superiora 2.400 kg/ha (comparável à dosEstados Unidos – principal produtormundial). Foi o melhoramento genéticoque, ao desenvolver variedadesmais produtivas e resistentes àspragas e doenças, permitiu que asoja pudesse ser cultivada de norte asul do País.A maçã talvez seja um dos exemplosmais facilmente perceptíveis dacontribuição do melhoramento deplantas para a disponibilização dealimentos no Brasil. Quem não selembra de, ao comprar maçãs, encontrarapenas as importadas e de custoelevado até cerca de 25 anos atrás? Oprimeiro trabalho de melhoramentoem macieiras no Brasil foi feito em1940, pelo agricultor paulista A.Bruckner, que selecionou a primeiravariedade nacional dessa fruteira. Desdeentão, inúmeras outras variedadesforam desenvolvidas, o que vem garantindoo abastecimento do mercadobrasileiro com maçãs de excelentequalidade: frutos vermelhos, suculentos,firmes e de preço acessível.Melhoramento genéticobiotecnológicoO conhecimento científico continuouevoluindo desde Mendel e agenética clássica passou a contar comrecursos ainda mais modernos, dandoorigem à genética molecular, novaciência dentro da biotecnologia.O domínio da biotecnologia temlevado algumas pessoas a pensar queos cientistas estão “brincando de serDeus” ao desenvolverem novas variedades.A modificação genética dasespécies, tornando-as mais úteis aohomem, não é uma prática dos temposmodernos. A inteligência humanavem sendo utilizada para modificargeneticamente as espécies desde amais remota antiguidade. Naquelaépoca, o homem utilizava os conhecimentospré-mendelianos. Hoje utilizatodo o conhecimento gerado ao longoda história. Essa é a tendência naturalda evolução do conhecimento científico.No período em que abiotecnologia dava seus primeiros passos,os meios de comunicação devotaram-lheexagerada atenção. O interessepelo assunto cresceu de formainacreditável, e tanto pessoas informadasquanto leigas passaram a especularsobre as aplicações da biotecnologia,gerando expectativas que não se concretizaramno tempo previsto.Após alguns anos de investimentoem pesquisas biotecnológicas, asvariedades transgênicas tornaram-secomercialmente disponíveis. Seus benefíciosno aumento da produção dealimentos e na redução do uso dedefensivos agrícolas já podem ser avaliados.BibliografiaAlcamo, E. 1999. DNA technology: theawesome skill. New York: HardcourtAcademic Press. 348 p.Borém, A. 2005. <strong>Biotecnologia</strong> e meioambiente. Viçosa, MG: UFV. 1. ed.425 p.Borém, A. 1999. Melhoramento deespécies cultivadas. 1. ed. Viçosa,MG: UFV.Borém, A. 2001. 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PesquisaMeio ambienteBIOINDICADORES PARA UMA ANÁLISE DERISCO AMBIENTALOrganismos geneticamente modificados e grupos funcionais de microrganismos do soloGaldino AndradeBiólogo, Doutor, Professor da Universidade Estadualde Londrina, CCB, Departamento de MicrobiologiaLaboratório de Ecologia Microbiana,Londrina, PR.andradeg@uel.brMarco Antonio NogueiraEngenheiro-Agrônomo, Doutor, Professor daUniversidade Estadual de LondrinaImagens cedidas pelos autores1. Introduçãonecessidade de alimentara população mundial emcrescente aumento fazcom que novas tecnologiase técnicas de cultivosejam empregadas, muitas dasquais eram utópicas para o homemhá não mais que duas décadas. Nessecenário estão as plantas e microrganismosgeneticamente modificados,ou simplesmente organismos geneticamentemodificados (OGMs). Sepor um lado seus defensores vislumbramuma forma de produção agrícolae defesa das culturas quanto apragas, doenças e plantas concorrentesde uma forma totalmente inédita,por outro, muito pouco se sabesobre seus efeitos em longo prazono ambiente. Os possíveis riscosambientais em decorrência de seus(possíveis?) efeitos colaterais, somenteas pesquisas poderão responder.Afirmações calorosas pró oucontra, sem embasamento científico,são apenas especulações quenão contribuem em nenhum sentidopara o desafio da produção de alimentospara uma população cadavez maior, num planeta cada vezmais escasso de recursos naturaisque precisam ser conservados.O desenvolvimento e o usode plantas geneticamente modificadas(PGMs) é polêmico e o debatepúblico é intenso. O uso de PGMs naprodução agrícola pode ter um grandepotencial para a melhora dosníveis nutricionais dos alimentos ouna proteção do solo devido à produçãode maior quantidade de matériaorgânica, de ácidos orgânicos narizosfera, que podem melhorar asqualidades físicas, químicas e biológicasdo solo, bem como promover aobtenção mais eficiente de nutrientesdo solo pelas raízes das plantas.Neste artigo será abordado o efeitoque as PGMs podem ter sobre ascomunidades microbianas do solo eo meio ambiente.2. O SoloQuando se fala em meio ambiente,é impossível dissociar os ambientesterrestres do solo e dos organismosque nele habitam. Os processospedogenéticos envolvem complexasinterações físicas, químicas ebiológicas que dependem do materialde origem, da topografia, doclima e da ação de organismos vivos.Os primeiros organismos habitantesdo solo em formação são as algas,que além de realizarem fotossíntesetambém fixam nitrogênio atmosférico.Quanto associadas a determinadosfungos formam os liquens, osquais constituem as primeiras fontesde carbono orgânico e de nitrogêniono solo em formação, o que possibilitao estabelecimento de outros microrganismose plantas (Figura 1). Oestabelecimento de outros microrganismos,incrementa a produção deCO 2, o qual é convertido em ácidocarbônico (H 2CO 3) e atua na dissoluçãodos minerais, contribuindo aindamais para a formação do solo. Alémdisso, muitos microrganismos produzemácidos orgânicos, que tambématuam nesse processo.Além de ser a base de sustentaçãofísica para as plantas, o solo é afonte dos nutrientes essenciais para<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 13


Figura 1. Liquens colonizando um afloramento de rocha, propiciando oestabelecimento de outros (micro)organismos que aturarão nas etapas iniciaisde formação do soloo desenvolvimento vegetal. Com oestabelecimento dos vegetais superioresnesse ambiente, surge umaimportante zona ao redor de suasraízes, a rizosfera, a qual será abordadamais detalhadamente neste artigo.Nessa complexa interação entrevegetais, animais e minerais, os microrganismosdesempenham umpapel essencial no funcionamentodos ecossistemas pelo seu papelfundamental nos ciclos biogeoquímicos,que compreendem aciclagem de nutrientes e do carbono.A fração orgânica do solo, compostapor restos vegetais, animais emicrobianos em diversos estágios dedecomposição e síntese microbiana,é chamada húmus, a porção estávelda matéria orgânica do solo. Ele é oreservatório de energia para microrganismose nutrientes para plantas emicrorganismos, além de desempenharimportante papel na estabilidadede agregados do solo e retençãode água. Além disso, água e gasestambém ocupam a porção porosa dosolo. A interação entre esses fatoresfísicos e químicos resulta na diversidadede habitats que se formam nosolo, o que determina a composiçãoe a atividade da comunidademicrobiana do solo num determinadolocal e tempo.Depois da rizosfera, os locais demaior atividade microbiana são assuperfícies das partículas de solo eos microporos, formando diversosTabela1.Métodos de detecção de microrganismos geneticamente modificados apóssua liberação no solo.Métodosin situ- Microscopia direta(imunofluorescência, outrascolorações específicas,bioluminescência)Métodos extrativosDetecção celula r- Contagem em placas- Estimativaprovávelpelo número mais- Métodos imunológicos- Citometria- Concentraçãode fluxode afinidade- Técnicas baseadas emluminescênciaDetecçãogenética- Amplificação degenes por PCR- Seqüenciamentoe mapeamento degenesAnálises -RNAdemicrohabitats. Mesmo um únicomicroagregado de solo pode apresentardiversos microambientes e,conseqüentemente, hospedar umagama diversificada de microrganismos(Figura 2). As condições físicoquímicasem um microhabitat podemmudar rapidamente no tempoe no espaço; a concentração de O 2representada na Figura 2 é apenasuma representação instantânea epode mudar drasticamente em funçãoda atividade microbiana e daumidade do solo.Raízes de plantas, microrganismose animais que compõem a comunidadebiológica do solo produzemenzimas intra e extracelularesque têm grande participação nosciclos biogeoquímicos. Essas enzimaspodem continuar ativas por longotempo após terem sido liberadas nosolo, desempenhando sua atividadede acordo com sua especificidade. Arazão pela longa viabilidade no ambientereside no fato de que essasenzimas interagem com as superfíciescarregadas dos colóides do solo,orgânicos e minerais, onde permanecemprotegidas da ação deproteases, mas ainda mantém suacapacidade catalítica.2.1 OGMs e comunidademicrobiana do soloAs alterações genéticas deplantas representam uma das áreasde mais rápido desenvolvimento14 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Distância(mm)Distância(mm)Figura 2. Diagrama ilustrando as concentrações (%) de O 2ao redor de umapartícula de solo. Em termos de exigências de O 2para diversos gruposmicrobianos, pode-se dizer que cada região delimitada por uma isolinharepresenta um microhabitat.dentro da biotecnologia. Essas alteraçõestêm vários objetivos, tais comoo aumento da resistência de plantasa fungos, vírus, insetos, congelamento,herbicidas e mesmo para aumentara eficiência fotossintética das plantascom conseqüente aumento daquantidade de CO 2fixado. Não édifícil concluir que qualquer modificaçãogenética que altere a fisiologiada planta também alterará a comunidademicrobiana no solo em queessa planta for cultivada, visto que,em última análise, os microrganismosheterotróficos do solo têm suaatividade dependente dos produtoresprimários de substrato para obtençãode energia, as plantas. Essaalteração deverá ser mais evidentena rizosfera, mas também deverá serpercebida nos demais microhabitatsdo solo.Além das alterações genéticasde plantas, também existe potencialde uso dessa tecnologia em microrganismos,principalmente simbiontesou promotores de crescimento deplantas. A introdução de uma plantageneticamente modificada no ambientepode ser menos problemáticaque a introdução de um microrganismo,pois estes quando introduzidosao solo e sendo estranhos àqueleambiente, precisam ser hábeis emcompetir com os microrganismosnativos por nichos específicos. Poroutro lado, qualquer risco associadoa organismos geneticamente modificadosno ambiente são mais previsíveise mais facilmente controláveisquando se empregam plantas emcomparação com microrganismos,porque o gene do microrganismoengenheirado pode ser transferidopara outros grupos microbianos dosolo por meio de recombinação genética.No caso de microrganismossimbiontes como os rizóbios, sejaqual for o mecanismo de alteraçãogenética, o objetivo final é o aumentodos níveis de produtividade dacultura a se beneficiar da interaçãomicrobiana, quer seja por meio doaumento da eficiência do simbiontena associação com a planta ou peloaumento de sua competitividade nosolo. Esse último caso pode ser alcançadopela manipulação genéticado próprio rizóbio ou ainda por umaestratégia indireta de co-inoculaçãodo rizóbio com bactérias produtorasde antibióticos para aumentar a colonizaçãoe a nodulação dasleguminosas. No caso de introduçãode genes de resistência a antibióticos,bem como a co-inoculação combactérias já resistentes, é possívelque haja efeitos sobre a comunidademicrobiana do solo, já que as bactériasmodificadas terão um mecanismoa mais para competir por umnicho com os microrganismos nativos.Caso esses microrganismos nativosdesempenhem um papel importantenos ciclos biogeoquímicos,este poderá deixar de ocorrer emsua plenitude, comprometendo a funcionalidadedaquele ecossistema.O desenvolvimento biotecnológicode plantas e microrganismosgeneticamente modificados, emborapossa trazer muitos benefícios paraa agricultura ou para outras aplicações,como a biorremediação, podeter efeitos ambientais adversos. Todosesses possíveis efeitos devemser avaliados, de preferência em condiçõescontroladas, antes que sejafeita qualquer introdução desses organismosno ambiente.2.2 Estratégias demonitoramento dos efeitosde OGMs no ambienteOs efeitos de plantas e microrganismosgeneticamente modificadosno ambiente podem sermonitorados por meio de várias estratégias,cada qual dependendo dogene inserido e do organismo envolvido.A competição (persistência einvasão de comunidades indígenas),patogenicidade e toxicidade a organismosnão-alvo, transferência degenes a organismos indígenas e adispersão para além do ambientealvo, devem ser avaliados em condiçõescontroladas antes que se faça ouso desses organismos modificadosem ambiente aberto. As técnicas necessáriaspara se fazer tais avaliaçõessão bem definidas no caso de plantasem comparação a microrganismos. Aavaliação de determinados gruposmicrobianos que desempenham funçõesespecíficas no solo, os chama-<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 15


Figura 3. Rizosfera. Os microrganismos crescem aoredor da raiz (Ra) formando a rizosfera (Ri).dos grupos funcionais, pode ser umaferramenta útil para avaliar o efeitode organismos geneticamente modificadosno ambiente solo, visto queesses grupos são bastante sensíveisa alterações ambientais, podendo serutilizados como indicadores. Os gruposfuncionais de microrganismosdo solo serão abordados com maisdetalhes neste artigo.A detecção e monitoramentode microrganismos geneticamentemodificados no solo podem ser feitospor técnicas que envolvem extraçãoou ainda in situ (Tabela 1).As técnicas ideais de detecçãoe monitoramento de organismosgeneticamente modificados seriamaquelas que pudessem identificaruma única célula in situ, avaliar suaatividade e facilitar o rastreamentodo gene em questão. Uma estratégiautilizada envolve a clonagem degenes lux provenientes de vibriõesmarinhos em organismos carregandoalgum gene estranho de interesse.Dessa forma, poder-se-á obter a imagemda célula modificada, bem comoa sua atividade metabólica, que seráproporcional à bioluminescência catalisadapela enzima luciferase. Omarcador envolvendo bioluminescênciatem a vantagem de não trazerconsigo preocupações ambientaisadicionais associadas aos marcadorespara resistência a antibióticos, utilizadosem muitas situações.2.3 OGMs no ambienteA sobrevivência e dispersão demicrorganismos geneticamente modificadosdependerão da suainteração com a biota nativa do solo(plantas, microrganismos e animais)bem como com as característicasfísico-químicas do solo em questão.Microrganismos exógenos, quandoadicionados ao solo, geralmente têmbaixa sobrevivência devido à suaincapacidade de habitar um ambientedistinto, ou ainda competir com osmicrorganismos nativos, já adaptadosàquele ambiente. Por exemplo,se um microrganismo geneticamentemodificado é introduzido numsolo úmido, as células se localizarãopredominantemente na solução dosolo. Nessas condições, essas célulasserão alvo fácil para protozoáriosque se alimentam de bactérias, diminuindorapidamente o número decélulas das bactérias recémintroduzidas. No que se refere à dispersãode microrganismos, o potencialde água no solo desempenhaimportante papel, pois a maior partedo movimento de células microbianasestá restrita a períodos após ocorrênciade chuvas ou irrigação, quando amaior parte dos macroporos do soloestá cheia de água, que se movimentapor drenagem ao longo do perfilou mesmo por movimento lateral,caso haja um gradiente de potencialde água no solo em determinadosentido. Outro fator que pode colaborarna dispersão de microrganismosgeneticamente modificados nosolo é a ação de minhocas eprotozoários, ingerindo microrganismosnum ponto e evacuando emoutro.Alguns autores defendem quea liberação de microrganismos geneticamentemodificados no ambientenão afetaria a integridade funcionaldo solo, uma vez que as diferençasentre os microrganismos selvagens eos modificados são muito sutis: apenasum ou dois genes são inseridosou deletados entre milhares, a nãoser nos casos em que apatogenicidade do microrganismoseja alterada. Assim como os efeitosde pesticidas e outros químicos sobreprocessos e integridade funcionaldo solo são avaliados, o mesmodeve ser feito para os organismosgeneticamente modificados e paraisso os bioindicadores com alta sensibilidadedeverão ser empregados.Entre eles, podem ser citados osgrupos funcionais de microrganismosdo solo envolvidos nos ciclos docarbono, nitrogênio e fósforo.Uma estratégia para minimizaros efeitos da introdução de micror-16 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


ganismos geneticamente modificadosno solo pode ser a limitação desua persistência por meio da inserçãode genes suicidas, os quais sãoacionados sob determinada situaçãoambiental, levando as células que oscontém à morte. Entretanto, há quese considerar a questão darecombinação genética entre microrganismos,os quais podem incorporarfragmentos de DNA das células mortas.3. RizosferaA maior parte da atividademicrobiana do solo está localizadaprincipalmente em uma zona do soloque está em íntimo contato com asuperfície das raízes que é chamadade rizosfera (Figura 3). Nesta zonaocorrem inúmeros processos deinteração entre os diferentes gruposde macro e microrganismos e aplanta.Como pode ser visto na Figura 3,uma comunidade microbiana se estabeleceao redor das raízes até ondea concentração de nutrientes liberadapelos exsudatos e lisatosradiculares é suficiente para suportarseu crescimento. A rizosfera éuma fronteira ainda inexplorada paraa engenharia genética. Os processosque ocorrem nesta zona do soloinfluenciam a incidência de doençasdas plantas e a sua nutrição, por suavez, as raízes influenciam a dinâmicae a composição das comunidadesmicrobianas qualitativa equantitativamente.Por estas razões, os microrganismosrizosféricos são excelentesbio-indicadores para avaliar qualqueralteração benéfica ou maléfica quepossa ocorrer no solo. As PGMs devidoà introdução de novos genespodem expressar proteínas ou produtosdo metabolismo que seguramenteserão liberados pelosexsudatos ou lisatos radiculares; oefeito benéfico ou maléfico destesprodutos no meio ambiente podeser avaliado pelas alterações queocorrem nas comunidadesmicrobianas que vivem na rizosfera(Figura 4).Por outro lado, as PGMs podemtambém alterar qualitativamente microrganismosbenéficos da rizosfera,resultado da composição dos seusexsudatos. Uma PGM poderia termaior resistência a fitopatógenos oupragas por conter nos seus exsudatoscompostos que estimulam populaçõesde microrganismos antagonistasdestes patógenos ou pragas. Tambémpoderiam ser estimulados outrosgrupos de microrganismos queparticipam ativamente da nutriçãodas plantas como as bactériasfixadoras de nitrogênio e fungosmicorrízicos arbusculares (MA)4. Grupos funcionaisde microrganismosFigura 4. Possíveis alterações que as PGMs podem causar na comunidademicrobiana da rizosfera.A ecologia do solo tem muitopara contribuir na compreensão dosimportantes processos que ocorremem diferentes níveis do ecossistemaque afetam o crescimento da plantatais como a microbiota da rizosfera, adinâmica da matéria orgânica, aciclagem de nutrientes e a estruturado solo. A proposta é discutir o papeldos grupos funcionais de microrganismosque vivem na rizosfera eparticipam da ciclagem de nutrientese sua importância como bioindicadoresda saúde do solo ou dedistúrbios que podem ocorrer devidoà ação antrópica.Muitos destes grupos atuamdiretamente na nutrição da planta,como os rizóbios e os fungosmicorrízicos que são microrganismossimbióticos. Nas décadas anteriores,estes grupos foram estudados extensivamente,mas muito pouco foifeito com relação às interações comoutros grupos de microrganismos funcionais,esquecendo-se que no sistemarizosférico existem muitas outrasinterações que possuem grande importânciaecológica para a manutençãoda vida no planeta e conseqüentementeno solo, já que este é partede um todo.Muitas etapas da ciclagem de<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 17


Parte aérea da plantaRaízesMatéria orgãnicaNematóidespredadores deplantasFungosmicorrízicosFungossapófritasCupinspredadores defungosCupinsColembolaNematóidespredadores defungosBactériaNematóidespredadores debactériaNematóidespredadoresFigura 5. Esquema simplificado da cadeiaalimentar e os diferentes níveis tróficos queocorrem no soloFlageladosAmebasCiliadosnutrientes são realizadas exclusivamentepor microrganismos, sendoque alguns podem participar de umou mais ciclos biogeoquímicos. Acompreensão das interações entrediferentes populações de acordo comfenótipos específicos pode nos daruma maior visão dos processos queestão ocorrendo no solo. Agrupar ascomunidades microbianas porfenótipos é mais realístico do quedeterminar as espécies que estãoenvolvidas nos processos. É certoIndivíduoFigura 6. A partir de uma célula é formada uma populaçãoPopulaçãoque somente uma pequena porcentagemda comunidade microbiana écapaz de crescer em meio de cultura,mas mesmo assim se considerarmosque temos uma amostra da comunidademicrobiana, podemos obterdados de qualidade para omonitoramento dos efeitos de produtosquímicos ou biológicos e seuimpacto ambiental e os eventuaisefeitos na ciclagem de nutrientes ena fertilidade do solo.Os aspectos da funcionalidadesão muito mais importantes doque a biodiversidade nos sistemasnaturais e agrícolas. Algumas questõespodem ser levantadas com relaçãoà biodiversidade. A primeirapergunta que devemos fazer é: Oque é mais importante para oecossistema: o número de espéciesque compõe um grupo funcional ouo potencial de transformação quepossui este grupo? Por outro lado,algumas questões podem ser levantadascomo: Dentro da dinâmica biológicao que representa uma espécieno sistema? Qual é a importânciaque uma espécie pode ter naciclagem de nutrientes? Estas perguntaspodem nos levar a concluirque precisamos começar a rever nossavisão em relação ao microcosmodo solo. Devemos ampliar a compreensãodos processos biológicosque ocorrem no sistema solo-planta,assumindo estes processos como umtodo, e cada grupo funcional comouma fração deste todo. Somente as-18 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Figura 7. Várias populações de microrganismos podem participar de um ou maisciclos biogeoquímicossim, vamos poder determinar o impactoambiental ou a influência dasPGMs sobre as comunidades de microrganismosdo solo, não apenassobre um grupo funcional. É tambémnecessário fazer uma avaliaçãodos diversos grupos funcionais queparticipam de diferentes etapas dosciclos biogeoquímicos do carbono,fósforo, enxofre e nitrogênio, buscandoas correlações entre eles.Os grupos funcionais tambémestão diretamente relacionados coma cadeia alimentar do solo (Figura 5),que é mantida pelo equilíbrio dainterações entre a parte biótica (microrganismos,macrorganismos e planta)e abiótica (solo e água) do solo.Estas interações entre os diferentesníveis tróficos são responsáveis emFigura 8. A partir da introdução de novos genes, as PGMs poderiam ter umarizosfera engenheirada capaz de mediar as interações microrbianas que beneficiariamo meio ambiente, a nutrição e a saúde da plantagrande parte pela sustentabilidadedo ecossistema.A cadeia alimentar pode sofrergrandes variações tanto positivascomo negativas sob a influência dasPGMs. Qualquer população que forafetada pode desequilibrar todo osistema. Em relação à biodiversidadeda microbiota, esta é importante paraoutros objetivos, como na busca deprodutos específicos com uso potencialna indústria. A importância nomeio ambiente ainda deve serinvestigada, já que as técnicasmoleculares utilizadas atualmentenão nos permitem avaliar os mecanismosde interação microbiana nomicrocosmo do solo.No solo, uma única célula dáorigem a uma população (Figura 6).Populações metabolicamente semelhantesformam grupos chamados defuncionais, e esses grupos funcionais,desempenhando processos fisiológicoscomplementares e interagempara formar comunidades microbianas.Por sua vez, essas comunidadesmicrobianas interagem comcomunidades de macrorganismos,para definir o ecossistema em suaplenitude.Podemos definir grupos funcionaiscomo um grupo de populaçõesde microrganismos que participa deum mesmo processo de transformaçãode um dado nutriente no solo,sendo que uma mesma populaçãode microrganismo pode participarde uma etapa de um ou mais ciclosbigeoquímicos (Figura 7). Comoexemplo, podemos citar o grupofuncional de microrganismoscelulolíticos. Ao inocular uma suspensãode solo em uma placa dePetri com meio seletivo para microrganismoscelulolíticos, em que a únicafonte de carbono é a celulose, serãoobservadas várias colônias formadorasde halo de degradação compostaspor várias espécies de fungos,actinomicetos e bactérias, geralmentenessa ordem numérica decrescente.A biodiversidade dos fungos,actinomicetos e bactérias que formameste grupo funcional sãoparâmetros secundários, quando oobjeto de estudo é avaliar a funcionalidadedo ciclo biogeoquímico.<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 19


T abela 2.Efeito de diversas PGMs na comunidade microbiana do solo (Kowalchuk et al., 2003)PGMModificaçãoEfeitoAlfafaAlfafaGlucanase ácida (Aglu 1) e quitinasebásica de arroz (RCH 10)αNão apresentou efeitos na nodulação e não foideletério para os fungos fitopatogênicosStemphylium alfalfae ouColleototrichum trifolii-amilaseModificou a comunidade de bactérias na raizAlgodãoProduçãoda endotoxina do BacillusthuringiensisvarkurstakiAumentou a população de bactérias e fungosBatataProdução de lisozima T4Diminuia população de Bacillussubtilisnospêlos radiculares; não influencia a microbiota darizosfera; não foi observado efeito em bactériasassociadas à raizBatataBeterraba açucareiraCanolaMedicago truncatulaMilhoMilhoTabacoTabacoTabacoTabacoBarnase/BarnstaregenegusResistência a kanamicina e aoglifosinato de amôniaTolerância ao glufosinato de amônia eao glifosateAgrobacterium rhizogenestransformado Gus A e npt IIP rodução endotoxina (Cry1 Ab) de B.thuriingiensisvar kurstakiGene Pat para resistência aoglufosinatoQuitinas eExpressão de proteínas anti-fúngica sBiossíntese de ligninaInibidor de proteinaseEfeitos na interação espaço x tempo sobre acomposição da comunidade microbianaO DNA transgênico foi encontradomeses no solo no campopor váriosBaixo efeito nas comunidades microbianas; Perfisfenotípicos avaliados pelo FAME e Biolog demicrorganismos endofíticos e rizosféricos foramdiferentes da variedade não OGM; Diminuiu adiversidade de bactérias endofíticas nas raízesRaízes transformadas tiveram boa nodulação comSinorhizobium meliloti e boa colonização commicorrizaarbuscular (MA) Glomus intraradicesLignina da PGM foi degradada mais rapidamentee a população de bactérias nas fezes dePorcellioscaber alimentado com milho Bt era60% menor do que nas fezes de P. scaberalimentado com milho híbrido; Não foi observadoefeito deletério nas populações de minhoca,nematóides, protozoários, bactérias e fungosNão foi observado efeito deletério na diversidadeou composição das comunidades microbianas narizosferaEfeito deletério sobre os fungos micorrízicosarbuscularesNão afetou aG. mosseaecolonização das raízes por fungoA lignina de PGM foi decomposta maisrapidamenteDiminuiu a população de nematóide, emicroartrópodos, não teve efeito na respiraçãomicrobianaMA5. A rizosfera de uma plantageneticamente modificadaComo foi visto até o momento,os microrganismos também atuamna ciclagem de nutrientes econsequentemente na nutrição e saúdedas plantas. Quando a comunidademicrobiana na rizosfera das plantasestá em equilíbrio, os grupos demicrorganismos interagindo entre siparticipam em seu potencial máximona nutrição e proteção da plantae na saúde do solo. Entretanto, esseequilíbrio pode ser rompido, principalmentenos sistemas agrícolas intensivos,devido a vários fatores quenão serão abortados aqui.Desde que Cohen & Boyer iniciarama era da modificação genéticanos anos 70, a idéia do uso de organismosgeneticamente modificadosé cercada de expectativas e apreensões.A primeira planta modificadafoi obtida há mais de 15 anos, edesde o início inúmeras técnicas têmsido desenvolvidas para a introduçãode vários genes em um grande númerode plantas. A maioria das plan-20 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


tas geneticamente produzida até omomento é produtora de alimentos(milho, soja, batata, canola e arroz) ede plantas não alimentícias (algodão,plantas ornamentais, tabaco).No entanto, estas modificações genéticasvisam diretamente a proteçãoda planta ou a melhora do processode cultivo. Até o momento,muitos críticos das PGMs as vêemcomo contaminantes em potencialdo meio ambiente devido aos novosprodutos metabólicos por elas produzidos.É verdade que a liberaçãodestas plantas deve ser feita apóscriteriosa avaliação de risco ao meioambiente, à saúde animal e humana,mas não se pode desprezar o potencialque existe nesta tecnologia paramelhorar a prática agrícola em váriosaspectos.No solo, os efeitos das plantasengenheiradas são muito pouco estudados,apesar de ser grande o conhecimentoda importância de váriosgrupos de microrganismos para anutrição e proteção da planta e tambémna ciclagem de nutrientes. Osmicrorganismos são responsáveispela maioria da biomassa, excluindoas raízes, e pela atividade metabólica(respiração), além de participaremativamente dos ciclosbiogeoquímicos e na ciclagem damatéria orgânica.PGMs influenciam a micro emacrobiota na rizosfera e certamenteos novos produtos metabólicosproduzidos devido à introdução denovos genes vão influenciar a comunidademicrobiana da rizosfera. Nestesentido, o importante é determinarse o efeito é positivo ou negativoe dimensionar quanto estes produtosinfluenciam. Apesar de serempoucos os experimentos realizadosaté o momento, é grande o impactodessas plantas na microbiota do soloque consome os novos produtosmetabólicos liberados pelas PGMs.Kowalchuk et al. (2003), em umarevisão, descreve os efeitos das PGMsna microbiota do solo. Como podeser observado na Tabela 2, os estudosde impacto têm resultados muitovariáveis, cada planta e cada geneintroduzido tem diferentes efeitosna comunidade microbiana darizosfera.Uma estratégia interessante quepossa influenciar de forma positivaos grupos funcionais de microrganismosna rizosfera é a produção dePGMs com a rizosfera engenheiradapara selecionar microrganismos benéficosna sua rizosfera, alterandoassim sua função para benefício domeio ambiente, da nutrição e saúdeda planta (Figura 8). Métodos clássicose de biologia molecular aindanão permitem um profundo estudode monitoramento da rizosfera. Noentanto, várias propostas neste sentidotêm surgido, aumentando o interessepelo estudo da biologia dasraízes, da rizosfera e das interaçõesentre rizosfera e microrganismos.Engenheirar a rizosfera requernovas técnicas para introduzir e regulara expressão de novos genes,assim como compreender a expressãodos genes nos tecidos radicularese de promotores que regulam ascélulas em tecidos específicos daraiz. A camada mais externa de célulasda raiz poderia ser um alvo a serengenheirado, pois está em contatodireto com o solo e influencia diretamentena rizosfera. Esta camada ébastante promissora para a modificaçãogenética porque é formada porum tipo de tecido diferente das demaispartes da planta, expressa umúnico complemento de genes e semostra adaptada a mediar os processosda rizosfera. Tais PGMs, porexemplo, poderiam ser alteradas paraapresentar mais sítios específicospara microrganismos simbiontes taiscomo fungo MA e rizóbios, ou aindaserem mais eficientes em absorver Pe/ou fixarem N por si próprias. Tambémpoderiam produzir e excretaratravés dos seus exsudatos fatoresde crescimento que estimulariamgrupos funcionais de microrganismosque atuam em etapas chave dosdiferentes ciclos biogeoquímicos.A produção e liberação de sinaisquímicos para a expressão de genesintroduzidos em microrganismos GMa serem disseminados no solo tambémpoderia ser uma excelente ferramentapara o controle da expressãodesses genes, os quais poderiamser ativados em diferentes etapas docrescimento da planta, conforme aconveniência.6. Considerações finaisOs efeitos dos OGM no ambientee mais especificamente sobre acomunidade microbiana do solo aindasão pouco conhecidos, de modoque os potenciais riscos e impactosambientais somente poderão serconhecidos após uma avaliaçãocriteriosa desses novos genes e seusprodutos no ambiente. Por outro lado,o potencial desta tecnologia podefazer com que as plantas tenhampapel importante na revitalização damicrobiota do solo, recuperando assima fertilidade e suas propriedadesfísico-químicas, tornando a agriculturauma atividade menos impactantedo meio ambiente. É claro que, mesmotendo genes que possam beneficiaro meio ambiente, estas plantase eventuais microrganismos devemobrigatoriamente ser avaliados quantoao impacto que possam causar àfuncionalidade do ecossistema.ReferênciasBorém, A. <strong>Biotecnologia</strong> e Meio Ambiente.Viçosa: UFV, 2004. 325 p.Callaway, R.M.; Thelen, G.C.; Rodriguez,A.; Holben, W.E. Soil biotaand exotic plant invasion. 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PesquisaMeio ambienteIMPACTO DA BIOTECNOLOGIA NABIODIVERSIDADESaiba como a biotecnologia pode contribuir para a conservação da biodiversidadeAluízio BorémEng. Agrônomo, M.S., Ph.D. e Professor daUniversidade Federal de Viçosaborem@ufv.brImagens cedidas pelos autoresBiodiversidadeBiodiversidade pode ser definidacomo o conjunto de todos osseres vivos em um ecossistema, emuma região ou em toda a Terra.O valor intrínseco das espéciese dos ecossistemas vai além de seuvalor como matéria-prima para odesenvolvimento dos produtos. Abiodiversidade possui valor econômico,social, recreativo, cultural eestético. A biodiversidade hoje existenteé o resultado da evolução durante3,5 bilhões de anos, períodoem que as espécies surgiram, muitasdelas hoje não encontradas na faceda terra. Os dinossauros não são osúnicos seres vivos que desapareceramda Terra.Existem estimativas de que amaioria das espécies que já existiramdesapareceram, evidenciando anatureza dinâmica da biodiversidade.Em longo prazo, os ecossistemasnunca foram estáticos. Eles sempreexperimentam alterações com espéciesnovas surgindo e outras sendoextintas. Essas oscilações sãomuito lentas e graduais quando comparadasao tempo de vida do homem.Certamente, hoje, com o crescimentopopulacional e sua interferêncianos ecossistemas, as alteraçõese o desequilíbrio são muitosmaiores que em quaisquer outrasépocas da existência da Terra.Além da biodiversidade silvestre,existe a biodiversidade exploradanos sistemas silvo-agropastoris.Na agricultura, cerca de 7.000 espéciesvegetais são utilizadas pelosagricultores. Entretanto, 30 espéciesrespondem por 90% da dieta dohomem (Ammann, 2003). Dentrodessas poucas 30 espécies existemmilhares de biótipos (linhagens,variedades crioulas, nativas, melhoradas,estoques genéticos etc.)adaptados a diferentes condiçõesedafo-climáticas, práticas agrícolasetc. Entretanto, a variabilidade genéticapresente nas variedades cultivadas,em geral, é relativamentelimitada, uma vez que a maioria delasdescende de um pequeno grupode genitores. As três principaisespécies agronômicas, trigo, milho earroz, produzem individualmentecerca de 500 milhões de toneladaspor ano. O melhoramento genéticodessas espécies resultou em variedadesaparentadas entre si. Adicionalmente,a distância genética entreessas variedades e a maioria dosacessos dos bancos de germoplasmaé muito grande, limitando suautilidade para a introgressão de novavariabilidade. A biotecnologia possuigrande potencial para expandir abase genética das variedadesatualmente cultivadas e para a transferênciade características importantesdos acessos dos bancos degermoplasma para as modernasvariedades, sem o arraste de genesde características indesejáveis(Borém, 2001).Convenção sobrebiodiversidadePor iniciativa da ONU, foi realizadaem 1992, no Rio de Janeiro, aConvenção sobre Biodiversidade. Areunião ficou conhecida como Eco-22 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Figura 1. Área cultivada com variedades transgênicas no período de 1996 a 200492. O resultado deste encontro foique a maioria dos países participantesconcordou em seguir as normasentão estabelecidas para a conservaçãoda biodiversidade e o uso sustentáveldos recursos genéticos. Estaconvenção reconheceu a soberaniade cada país sobre os recursos genéticosem seu território. Os termos daEco-92 contemplam tanto as espéciessilvestres quanto as cultivadas.Os artigos 16 e 19 da Eco-92 sãodedicados à biotecnologia e têm geradoretornos econômicos para paísesque exploram racionalmente seusrecursos genéticos. Um exemplo foio convênio firmado entre a Merck ea Costa Rica para a bioprospecção deingredientes com fins medicinais. Essaparceria permitiu a identificação denovos princípios ativos e um retornode US$ 2 milhões durante um períodode cinco anos, além de possíveisroyalties, se produtos comerciais foremlançados.A Eco-92 requer que todo paíssignatário tome medidas para preservarsua biodiversidade. Uma segundaConvenção sobreBiodiversidade aconteceu em Johanesburgo,em 2002. Essa convenção,conhecida como Rio +10, representounovos progressos e compromissosdos países na preservação dabiodiversidade.Protocolo de Biossegurança deCartagenaO Protocolo de Cartagena, comoficou conhecido, estabeleceu as basespara a normatização internacionaldo desenvolvimento dos OGMs.Esta reunião foi realizada emCartagena, Venezuela, em 2000.Este protocolo é um conjuntode normas para a manipulação, otransporte e o uso de OGMs quepossam trazer algum risco para abiodiversidade. Nele é mencionadoexplicitamente o princípio da precauçãoe estabelecidas as diretrizespara o comércio internacional deOGMs. Este Protocolo só foi assinadopelo Brasil em 2003, depois dasolução dos conflitos de interesseentre diferentes ministérios do governofederal.O princípio da precaução foielaborado para proteger o meio ambiente.Esse princípio deve ser amplamenteobservado pelos Estados,de acordo com suas capacidades.Quando houver ameaça de danossérios ou irreversíveis, a ausência deabsoluta certeza científica não deveser utilizada como razão para postergarmedidas eficazes e economicamenteviáveis para prevenir adegredação ambiental.A aplicação do princípio da precauçãosignifica que, se há incertezacientífica, devem ser adotados procedimentospara prevenir e evitardano ao meio ambiente. No tocanteaos riscos dos OGMs para o meioambiente, o Brasil adotou uma leimoderna de biossegurança, a qual,além de contemplar o princípio daprecaução, estabelece outros instrumentosjurídicos para a preservaçãoda biodiversidadebrasileira. O que não se devefazer é invocar o princípio daprecaução como subterfúgiopara impedir que variedadesgeneticamente modificadasseguras para a saúde humanae para o meio ambiente sejamimpedidas de serem plantadaspelos agricultores brasileiros.Neste particular, existemevidências de que o princípioda precaução tem sidopreconceituosamente utilizadono Brasil por alguns gruposvestidos de defensores domeio ambiente. Uma discussãomais profunda sobre estetema é apresentada no capítulo 8deste livro.Erosão genéticaA perda na biodiversidade podeser detectada pela extinção de espéciesou pela redução na variabilidadegenética dentro das espécies.Considerando que as florestastropicais são ricas em recursos genéticos,o seu desmatamento é particularmentenocivo à biodiversidade.Pimm e Revem (2000) estimam que,dos 16 milhões de quilômetros quadradosdessas florestas existentes 100anos atrás, somente a metade permanece.É importante notar que abiodiversidade não está uniformementedistribuída na Terra. Existemdeterminados ecossistemas especialmentericos em biodiversidade, aexemplo da Floresta Amazônica, doPantanal Mato-grossense e da MataAtlântica, no caso do Brasil.A principal causa da redução dabiodiversidade é a fragmentação edestruição do habitat. O contínuocrescimento das cidades, da malharodoviária e a expansão da fronteiraagrícola são os maiores responsáveispela destruição dos ecossistemas. Apopulação mundial, hoje de 6,4 bilhõesde habitantes, deverá dobrarnos próximos 50 anos, exercendoenorme pressão sobre os habitatsremanescentes. O Brasil, país detentorde uma mega biodiversidade eem contínuo crescimentopopulacional, precisa encontrar al-<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 23


QuadroSojaMilhoAlgodãoTomateArroz1.Variedades transgênicas em fase de pré-comercializaçã oEspécieCana-de-açúcarCaféEucaliptoternativas para a preservação de seusrecursos genéticos. Uma das váriasalternativas à incorporação de novasáreas do sistema produtivo é o aumentoda produtividade das lavouras.Muitas outras medidas técnicas,socioeconômicas e políticas precisamser adotadas simultaneamentepara se assegurar a preservação dosrecursos genéticos ainda existentes.A moderna biotecnologia podecontribuir para a preservação dabiodiversidade. Se adequadamentetestadas quanto aos riscos para omeio ambiente, as variedadesCaracterística sMaior produtividadeTolerância à salinidadeTolerância à secaResistênciaa SclerotiniaComposição alterada da fração oléicaTolerância a herbicidasResistência a insetosMaior produtividadeMaior teor de triptofanoMaior teor de lisinTolerância à salinidadeTolerância à secaResistênciaa SclerotiniaResistência a RhizoctoniaComposição alterada da fracção oléicaColoração das sementesTolerância a herbicidasResistência a insetosQualidade da fibraComposição alterada da fração oléicaResistênciaa RhizoctoniaTolerância a herbicidasResistência a insetosQualidade nutricionalTempo de prateleiraQualidade do frutoTolerância ao calorResistência a doençasesistência a insetosMaior produtividadeQualidade nutricionalResistência a doençasNanismoTolerância a herbicidasResistência a doençasResistência a insetosBaixo teor de cafeínaBaixo teor de ligninaF onte:Information systems for biotechnology (http://www.nbiap.vt.edu/ )transgênicas contribuem paraprotegê-lo. Entretanto, cada casodeve ser considerado separadamente.Os resultados de experimentose as evidências obtidas nos plantioscomerciais mostram um balançoambiental positivo nas regiões queadotaram as variedades GM, observando-seo repovoamento comanimais e aves que haviam abandonadoessas regiões.A segunda principal causa daredução da biodiversidade é a invasãoe colonização por plantas exóticas.O intercâmbio de espéciesentre países tem sido um dos maisimportantes fatores para o crescimentoda agricultura mundial. Em geral, asprincipais espécies agronômicas cultivadasem uma região são importadasde outras. No Brasil, a introdução dasoja, do milho, do arroz, dos citros, docafé, do feijão, do trigo e de outrasespécies viabilizou a agricultura e aprodução de alimentos no País. Omesmo se verifica em países de outroscontinentes. Entretanto, as espéciesexóticas introduzidas poderãoameaçar as nativas, se aquelas apresentaremalta adaptação às condiçõeslocais. Em geral, as espéciesintroduzidas não são ameaçadas porpragas e doenças em seu novo habitat,o que lhes confere vantagemadaptativa.As análises de biossegurança realizadasantes da liberação comercialdas variedades GM devotam especialatenção à possível tendência de elasinvadirem e colonizarem o meio ambiente(Borém, 2001). Essas variedadessão, portanto, analisadas quanto àsalterações morfo-fenológicas que aintrodução do transgene possa ter causado.Alterações que confiram maioragressividade ou habilidade de competiçãono meio ambiente poderãovetar sua liberação comercial. A maioriadas espécies agronômicas cultivadaspelo homem perdeu, ao longo doprocesso de domesticação, a capacidadede sobreviver sem a interferênciahumana. Com a eliminação decaracterísticas como dormência dassementes, maturação desuniforme,deiscência de vagens na maturação ehábito de crescimento inderteminadodo tipo sarmentoso, durante adomesticação, as espécies tornam-sedependentes do homem para sobreviverem.Embora a maioria dos cientistasacredite que a introdução de apenasum ou poucos genes não possa reverteras espécies cultivadas aos seusancestrais com elevada capacidade deinvadir e habilidade de sobrevivênciano meio ambiente, toda variedadeGM é submetida à análise debiossegurança para se avaliar seu potencialefeito adverso ambiental.Crawley (2001) conduziu um estudodurante 10 anos, em 12 localidades,com quatro espécies (canela, batata,24 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


milho e beterraba-açucareira), com oobjetivo de avaliar a agressividade einvasivilidade das variedades GM.Em nenhum caso as variedades GMforam mais invasivas ou persistentesque seus equivalentes convencionais.Entretanto, apesar da expectativade as variedades GM não seremmais invasíveis que as convencionais,cada caso deve ser estudadoindividualmente.Utilização da biotecnologiana biodiversidadeEstudo da biodiversidadeAtualmente, a maioria das pesquisasbiológicas tira proveito dasferramentas biotecnológicas para asolução de problemas ou aquisiçãode conhecimento. Na taxonomia, osmarcadores moleculares são utilizadospara identificar ecótipos de organismosou espécies. Essas técnicasmoleculares são importantes na manipulaçãodas coleções vivas de recursosgenéticos, os bancos de germoplasma.Informações molecularesde cada acesso podem esclarecersua origem e o grau de parentescocom outros acessos, evitando a manutençãode duplicatas nesses bancos.Os projetos genoma em andamentoem diferentes países estãoseqüenciando o DNA de várias espécies.O conhecimento da seqüênciagenômica dessas espéciesdisponibilizará uma variabilidade genéticaainda pouco explorada pelohomem. O genoma da planta modelopara as dicotiledôneas,Arabidopsis-thaliana, foi seqüenciadoem 2000. Os 126 Mbp de seqüênciadessa planta silvestre hojese encontram à disposição do público,para consulta, e de toda a comunidadecientífica para utilização. Ogenoma do arroz, seqüenciado em2002, possui 430 Mbp. Atualmente,existem projetos de seqüenciamentogenômico em andamento para alfafa,milho, café, banana, eucalipto, tomatee outras espécies. O Brasil entroupara o seleto grupo de pesquisagenômica após ter seqüenciado ogenoma do primeiro fitopatógenono mundo, em 2002, a bactériaXylella fastidiosa.Transferênciainterespecífica de genesUma vez que o código genéticoé universal, isto é, os genes dosdiferentes seres vivos são codificadoscom a mesma linguagem e omesmo material genético, é possíveltomar um gene de um organismo etransferi-lo para qualquer outro, deforma que o indivíduo receptor possatambém apresentar a característicaconferida pelo gene transferido(transgene). Esta tecnologia permitea ampliação da variabilidade genéticanas espécies, gerando oportunidadepara os cientistas desenvolveremvariedades adaptadas às maisdiferentes situações. Organismos assimobtidos são denominadostransgênicos ou simplesmente geneticamentemodificados. A primeiraplanta trangênica foi obtida em1985 e, em 1994, após os testes debiossegurança, a primeira variedadeGM chegou às prateleiras dos supermercados,o tomate Flavr Savr. Aárea comutativa plantada com asdiferentes variedades GM em diferentespaíses, desde então, atingiu302 milhões de ha (Figura 1). EstadosUnidos, Canadá, Argentina, China,Austrália, África do Sul e Brasilpossuem grandes áreas plantadascom variedades GM.Em 2003, as variedades GM foramplantadas pelos seguintes países:Estados Unidos, Argentina, Canadá,China, Brasil, México, Espanha,Austrália, África do Sul, Colômbia,Índia, Indonésia, Romênia, Uruguai,Bulgária, Honduras e Alemanha. Astrês principais espécies agronômicasGM cultivadas são: soja, milho e algodão.Embora tolerância a herbicidase resistência a insetos ainda sejam asprincipais características introduzidasnestas variedades, já se encontramem fase final de avaliação, em diferentespaíses, variedades GM com asmais diferentes características, asquais em breve deverão estar disponíveiscomercialmente (Quadro 1).O principal motivo de adoçãodas variedades GM pelos produtorestem sido econômico. Como o custode produção destas variedades emgeral é menor, elas oferecem maiorlucratividade para os produtores. Namaioria das circunstâncias, a produtividadedas lavouras GM é semelhanteou superior à das convencionais.Entretanto, o principal benefício dessasvariedades não pode sermensurado em termos econômicos.Nas regiões onde foram plantadasvariedades GM, ocorreu substancialredução no uso de defensivos agrícolas.Com o menor uso dessesagrotóxicos, é menor a contaminaçãodo ambiente, com claros benefíciospara a biodiversidade local. Emmuitas dessas regiões, tem-se notadoa tendência de repovoamentocom a fauna e flora nativas. Essesbenefícios são notórios nos casos dasvariedades tolerantes a herbicidas edas resistentes a insetos.Como pode ser observado noQuadro 3.1, muitas das característicasintroduzidas nas variedades oraem fase final de avaliação trarãobenefícios diretos para o meio ambiente,reduzindo a dependência dosprodutores aos agrotóxicos, enquantooutras trarão benefícios diretosaos consumidores, como nos casosda melhoria na qualidade nutricional,a exemplo da alteração na fraçãooléica, desenvolvida para prevençãode doenças cardiovasculares.Biodiversidade silvestreA biodiversidade silvestre estásendo reduzida de forma sistemáticana Europa há vários milênios. Osecossistemas são alterados definitivamentecom o desmatamento parao plantio de pastagens e lavouras. AAmérica ainda possui parte das suasflorestas nativas, as quais têm permanecidointocadas com o estabelecimentode reservas biológicas. Apesardos esforços de conservação dabiodiversidade, cerca de 50% dasflorestas tropicais já foram destruídas.O grande desafio dos cientistas éestabelecer alternativas queviabilizem a produção de alimentose fibras que atendam a demandamundial sem a necessidade de sefragmentar ou mesmo destruir abiodiversidade silvestre remanescente.Esse desafio é ainda maior para ospaíses em desenvolvimento, como oBrasil. A produtividade de muitas<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 25


espécies cresceu substancialmentenas últimas décadas, mas a pressãopela expansão da fronteira agrícola,com a inclusão de novas áreas aosistema produtivo, tem sido observada.Essas áreas têm sido adicionadasao sistema produtivo com o ônusprincipalmente de reservas nativascom importante biodiversidade.Segundo Conway (1999), a maneiramais promissora para se reduzira destruição da biodiversidaderemanescente é o aumento da produtividade.Neste particular, o melhoramentogenético convencionale o biotecnológico têm grande potencialde contribuição. A introduçãode genes para maior eficiênciafotossintética, maior eficiência natranslocação e melhor distribuiçãodos fotoassimilados entre a produçãobiológica e a produção econômicapoderá viabilizar um novo saltoem produtividade das culturas. Essasmodificações genéticas, algumas jáem fase de avaliação (Quadro 1),poderão ser a melhor alternativa paraaliviar a pressão de fragmentaçãodos ecossistemas ainda virgens. Abiotecnologia, ainda incompreendidapor alguns grupos ambientalistas, ésua maior aliada na preservação dosecossistemas. Ao aliviar a pressãopor novos desmatamentos, preserva-sea biodiversidade. Certamenteque a preocupação dos ambientalistasé correta e a avaliação da segurançadestas variedades geneticamentemodificadas para o meio ambiente éessencial. Por isso mesmo, cada novavariedade de GM é avaliada em diversosambientes durante sucessivosanos antes de seremdisponibilizadas para o plantio comercial.Biodiversidade agrícolaA biodiversidade existente nogermoplasma utilizado pelos agricultoresdeve ser conservada. O fluxogênico das variedades melhoradasconvencionais ou trangênicaspara o germoplasma crioulo tem sidoalvo da atenção dos cientistas. Portanto,o fluxo gênico não é umapreocupação peculiar à era dabiotecnologia. O intercâmbio degenes entre as variedades crioulas eas melhoradas tem ocorrido desdeque os melhoristas começaram a lançarsuas variedades. Apesar disso, asvariedades crioulas têm permanecidoestáveis e suas características nãotêm desaparecido. Adicionalmente,como uma precaução extra, essasvariedades têm sido preservadas nosbancos de germoplasma.Com o desenvolvimento de novasferramentas da biotecnologia, temsido mais fácil e precisa a mediçãodo fluxo gênico, motivo da maiorcontrovérsia atual sobre os OGMs. Asubstituição das variedades crioulaspelas modernas, uma prática naturalentre os agricultores, à medida queestas se tornam disponíveis, poderesultar em perda de germoplasma.No Brasil, muitos tipos de feijão estãodesaparecendo dos campos dosagricultores e, conseqüentemente,do mercado, em razão da crescentepreferência do consumidor por apenasfeijão tipo carioca e preto. Atécerca de 30 anos atrás, os feijõesroxinho, bico-de-ouro, pardo,mulatinho, dentre outros, eram amplamentecultivados. Para preservaçãoda grande biodiversidade dosfeijões cultivados, amostras têm sidocoletadas e armazenadas em câmarasfrias dos bancos de germoplasma.O fluxo gênico das variedadesGM para as espécies silvestres limita-seàquele que pode ocorrer naespécie ou entre espécies sexualmentecompatíveis. Isto é, no casodo feijão, este fluxo gênico se limitariaapenas aos seus ancestraisPhaseolus vulgarais var. mexicanusou P. vulgaris var. aborigeneus,ecótipos da mesma espécie do feijãocultivado P. vulgaris var. vulgaris.Essas três entidades se intercruzamfacilmente. A soja (Glycine max) sóé sexualmente compatível com seuparente silvestre G. soja. A espécieG. max não cruza com quaisqueroutros tipos silvestres de Glycine oude outras espécies. Adicionalmente,para que uma variedade melhoradade feijão ou de soja cruze com ostipos silvestres com os quais ela ésexualmente compatível, há necessidadede que ambos ocorram nomesmo habitat (proximidade espacial)e floresçam na mesma época(proximidade temporal).Nenhum problema ecológico éesperado após o fluxo gênico, a nãoser que o gene transferido modifiquea adaptação (agressividade,invasivilidade ou capacidade de colonização)do indivíduo receptor. Estudoscomparativos entre o milhocultivado e seu parente silvestreteosinto revelam que o número degenes necessários para conferir elevadacapacidade competitiva é grande(Doubley, 1999). Dessa forma, aintrodução de apenas um ou poucosgenes, via fluxo gênico, não seriasuficiente para criar uma superplantadaninha. Maiores detalhes sobre esteassunto o leitor encontrará no capítulo13.Acreditando na importância dese desenvolver seu programa embiotecnologia, o Brasil, por meio doCNPq e de outras agências de fomentoà pesquisa do governo, enviou,para treinamento, anualmente,a partir dos anos 80, grande númerode cientistas para várias universidadesno exterior. Com grande massacrítica adequadamente treinada, várioscentros de excelência embiotecnologia se estabeleceram noPaís. Em 1995, foi homologada a Leide Biossegurança, que normatiza aavaliação dos OGMs quanto à segurançapara a saúde humana e animale para o meio ambiente. Desde então,o Brasil tem realizado pesquisascom plantas geneticamente modificadase avaliado, em condições controladas,a segurança das novas variedadesGM. Em 1998, a CTNBio,após avaliar a segurança da soja toleranteao glifostato, recomendou sualiberação para plantio comercial.Entretanto, uma liminar judicial suspendeuesse direito, até que em2003 o governo federal regulou estamatéria por meio de uma medidaprovisória. Os motivos que levaramo governo a autorizar o plantio dessasoja foram a segurança da sojatransgênica para o homem e para omeio ambiente, conclusão à qual aCTNBio já havia chegado anteriormente.O atraso na liberação dessavariedade GM no Brasil obrigou os26 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


sojicultores a continuarem usandoherbicidas mais tóxicos e residuaisque o glifosato. Esse herbicida tevesua patente expirada há alguns anose hoje é produzido por mais de 18empresas no País. Portanto, o atrasono uso dessa tecnologia representougrande ônus para o meio ambientedo Brasil e para o produtor brasileiro.BibliografiaAdam A. 2000. Now for the hardones. Nature 408: 792-793.Ammann, K. 1997. Botanists toblame? Plant Talk 8: 4.Ammann, K. e Papazov, Ammann, B.1999. Where do we come from,where do we go from here ? p.199-204 In: Ammann, K., Jacot,Y., Simonsen, V. e Kjellson, G.(eds.). 1999. Methods for riskassessment of transgenic plantsIII. Ecological risks and prospectsof transgenic plants, where dowe go from here? A dialoguebetween biotech industry andscience. Proceedings of the BernInternational Conference, 28-31.January 1998, Berne, Switzerland.Birkhäuser, Basel.Ammann, K., Jacot, Y. e Rufener, M.P. 1996. Field release oftransgenic crops in Switzerland:an ecological assessment of verticalgene flow. In: Schulte, E. eKäppeli, O. (orgs.)SchwerpunktprogrammBiotechnologie, BATS, Basel.p.101-157. http://www.bats.ch/data/english/k3titel.htmAmmann, K., Jacot, Y., Kjellsson, G.e Simonsen, V. 1999. Methods ofrisk assessment of transgenicplants, III. Ecological risks andprospects of transgenic plants,where do we go from here? Adialogue between biotechindustry and science. Amultifaceted conference report.Birkhäuser Verlag, Basel, Boston,Berlin. 260 p.Anonymous: FAO World FoodSummit, Technical BackgroundDocuments, v. 1, 1996. p. 9.Anonymous: Population division ofthe Department of Economic andSocial Affairs of the UN Secretariat“Long Range Populationprojections based on the 1998revision” New York, 1999. (Versãoeletrônica).Anonymous: UNEP/CBD/SBSTTA/4/8. http://www.biodiv.org/doc/sbstta/sbstta4/english/sbstta-4-08-e.docBorém, A. 2005. <strong>Biotecnologia</strong> e meioambiente. Viçosa, MG: UFV. 1.ed. 425 p.Borém, A. 2000. Escape gênico: osriscos do escape gênico da sojano Brasil. <strong>Biotecnologia</strong> Ciência& Desenvolvimento 10:101-107.Borém, A. 2001 Escape gênico etransgênicos. Visconde do RioBranco: Editora Suprema. 2.004p.Borém, A. 2001. Avaliação dos riscosde escape gênico. <strong>Biotecnologia</strong>Ciência & Desenvolvimento 18:54-59.Borém, A. e Ramalho, M.A.P. 2002.Escape gênico e impactoambiental. <strong>Biotecnologia</strong> Ciência& Desenvolvimento 28: 44-47.Borém, A., Freire, E.C., Penna, J.C.V.e Barroso, P.A.V. 2003.Considerations about cotton geneescape in Brazil: a review. CropBreeding and AppliedBiotechnology 3: 315-332.Buhenne-Guilmin, F. e Glowka, L.“An Introduction to the CBD” In:Krattiger, A. et al. 1994.“Widening Perspectives onBiodiversity”. IUCN, The WorldConservation Union and theInternational Academy of theEnvironment.Bull, A. T. 1994. University of Kent,UK, 7th IUMS Congress.Burslem, D. F. R. P., Garwood, N. C.e Thomas, S. C. 2001. Tropicalforest diversity – the plotthickens. Science 291: 606-607.Cohen, J. 2000. Ground zero: AIDSresearch in Africa. Science 288:2150-2153.Comstock, G. 2000. http://www.agbioworld.org/.Conway, G. 1999. The Doubly GreenRevolution: Food for All in the21st Century. London PenguinBooks.Crawley, M. J., Brown, S. L., Hails, R.S., Kohn, D. D. e Rees, M. 2001.Transgenic crops in naturalhabitats. Nature 409: 682-683.Crosby, A. W. 1986. EcologicalImperialism, The BiologicalExpansion of Europe, 900-1900.Cambridge University Press.Dennis, C. e Surridge, C. 2000. A.thaliana genome. Nature 408: 791.Haywood V. PersonalCommunication, Workshop onBiodiversity and Biotechnology,Botanical Garden. University ofBern, March 9-11, 2000.Dickson, D. e Cyranoski, D. 2001.Commercial sector scores successwith whole rice genome. Nature409: 551.Freire, E.C., Barroso, P.A.V., Penna,J.C.V. e Borém, A. 2002. Fluxogênico: análise do caso do algodãono Brasil. <strong>Biotecnologia</strong> Ciência& Desenvolvimento 29:104-113.Gianessi, L. P. e Carpenter, J. E.2000. Case study in benefits andrisks of agriculturalbiotechnology: roundup readysoybeans,ftp://debate:friends@sgiserv.unibe.ch/home/debate/soy85.pdfGirsberger, M. A. 1999. Biodiversityand the concept of farmers’ rightsin international law, factualbackground and legal analysis.In: Th. Cottier, Series on GlobalEconomic Law, n. 1, p. 283-291.Gura, T. 1999. New genes boost ricenutrient. Science 285: 994-995.Hector, A. et al. 1999: Plantbiodiversity and productivityexperiments in Europeangrasslands. Science 286: 1123-1127.IRRI, 2000. Press release. http://www.cgiar.org/.James, C. 2000. www.isaaa.orgJayaraman, K. S. 2000. Indiaintends to reap the full economicbenefits. Nature 402: 342-343.Jennings, S. et al. 2000. To conserverainforests, we have to help localpeople live sustainable. Nature405: 507.Jensen, M. N. 2000. Silk moth deathsshow perils of biocontrol. Science290: 230-231Johnson, B. 2000. Genetically<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 27


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BIOPROSPECÇÃOMeio Edição ambiente especial<strong>Biotecnologia</strong> aplicada a prospecção e uso de serviços e funções da biodiversidadeMaurício Antônio LopesEng. Agrônomo, Ph.D., Pesquisador da EmbrapaRecursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>.mlopes@cenargen.embrapa.brLuciano Lourenço NassEng. Agrônomo, Ph.D., Pesquisador da EmbrapaRecursos Genéticos e <strong>Biotecnologia</strong>.llnass@cenargen.embrapa.brItamar Soares de MeloEng. Agrônomo, Ph. D., Pesquisador da EmbrapaMeio Ambiente.itamar@cnpma.embrapa.brImagens cedidas pelos autores1. Introduçãobusca do desenvolvimentosustentável representaum dos maioresdesafios para a humanidadee, em especial,para o Brasil. Ao longo deséculos, o modelo de desenvolvimentono país tem evoluído doextrativismo e da agricultura de subsistênciapara uma exploraçãoagroindustrial intensa, com a aplicaçãode tecnologias modernas e, emmuitos casos, com ocupação e utilizaçãodesordenada dos recursos doambiente, o que coloca em risco anossa rica biodiversidade.Apesar de o desenvolvimentode um setor agroindustrial pujante emoderno, ainda ocorrem no país asqueimadas, provocadas e espontâneas,que consomem grandes áreasde cobertura vegetal, além de açõesantrópicas diversas que provocamdegradação do solo e dos recursoshídricos, redução progressiva da vegetaçãonativa de diversos biomas,em especial a Floresta Atlântica, oSemi-Árido, o Cerrado e a Amazônia,a maior floresta úmida do planeta,que abriga um percentual significativoda diversidade biológica conhecidae porcentagem ainda maior dasreservas de água doce do planeta.O Brasil reúne em seu territórioentre 15% e 20% de toda abiodiversidade mundial, o que lheconfere o título de país megadiverso.São 55 mil espécies vegetais, ou22% do total mundial, 524 mamíferos(dos quais 131 endêmicos), 517anfíbios (294 endêmicos), 1622 aves(191 endêmicas) e 468 répteis (172endêmicos), 3 mil espécies de peixesde água doce (ou três vezes maisque qualquer outro país), provavelmenteentre 10 e 15 milhões deespécies de insetos (muitas famíliasainda não catalogadas), além de desconhecidariqueza de microrganismos,abrangendo imensa diversidadede espécies e de populaçõesdentro de cada espécie, além degrande diversidade de interaçõesentre espécies em cada ecossistema.Globalmente, aproximadamente1,7 milhões de organismos têmsido identificados. Contudo, o conhecimentosobre a riqueza de espéciesé incompleto, especialmentenos trópicos. Estimativas conservadorascom relação ao número deespécies ainda não descritas nos trópicospodem chegar a 30 – 50 milhõesde espécies. Daí a necessidadepremente da conservação dos grandesbiomas da Terra, pois quasetodas as espécies que outrora viveramsobre o nosso planeta estão hojeextintas.Para o Brasil, a Convenção sobreDiversidade Biológica (CDB), de1992, foi um marco para novas abordagenspolíticas, econômicas e técnicasrelacionadas ao acesso e utilizaçãosustentável desta ricabiodiversidade. A Convenção temmotivado grande debate emobilização pública, individual e coletiva,em relação à diversidade biológica,tornando-se tema de preocupaçãocentral no país na última década.A Convenção determina que adiversidade biológica, além de preocupaçãocomum da humanidade, é<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 29


Figura 1. Bancos de Caracteres e Funções viabilizam o acesso à variabilidade genética de espécies silvestres, variedadestradicionais e coleções ex-situ, visando à organização de acervos de recursos de interesse do melhoramento genético eda biotecnologia. Estes acervos são constituídos por populações, linhas endogâmicas e suas progênies, que expressemde diferentes maneiras caracteres ou funções biológicas de interesse (genótipos constrastantes, populações segregantes,linhas recombinantes etc.) sendo úteis para introgressão de variabilidade aos programas de seleção, bem como paraprodução de estoques apropriados para estudos detalhados (genético-fisiológico-moleculares) das bases biológicas dessescaracteres ou funções. Segundo este modelo, pode-se criar repositórios de variabilidade útil aos programas demelhoramento genético, prospecção de genes e estudos das bases biológicas de processos importantes como tolerância/resistência a estresses bióticos e abióticos ou programas de diversificação de uso e agregação de valor comodesenvolvimento de novos alimentos, matérias-primas e biomateriais aplicáveis a diversos ramos dos setores agroalimentare agroindustrial.patrimônio de cada país onde ocorre,sendo seu uso sujeito a sua legislação,o que tem ensejado a discussãoe a definição de arcabouços legaise normativos para regulação doseu acesso, compartilhamento e usoem diversos países, incluindo o Brasil.A principal ênfase deste novocódigo de uso da biodiversidade é aconservação e o seu aproveitamentosustentável, através da regulamentaçãodo seu acesso, compreendendomodelos e formas de contratos,que reconheçam direitos de propriedadeintelectual ou formas alternativasde proteção do conhecimentoassociado, incluindo aqueles relativosaos conhecimentos tradicionais.A grande ênfase na discussão destearcabouço legal para regulação doacesso e uso da biodiversidade noBrasil se situa geralmente na visãode que a Biodiversidade nacional éuma imensa riqueza inexplorada ouum grande potencial de oportunidadeseconômicas para os setores farmacêutico,agroindustrial, biotecnológico,etc, o que é sem dúvidaverdadeiro.No entanto, há que se considerarque, a despeito do potencial econômicorepresentado pelabiodiversidade, o foco central da CDBfoi a busca de formas de contraposiçãoao problema global causado pela30 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Figura 2. Vertentes de inovação da biotecnologia moderna. A biotecnologia moderna tem gerado impactos significativosa partir: a) da genética molecular, baseada na utilização de marcadores para desenvolvimento de mapas genéticos, kits eferramentas para análises moleculares detalhadas; b) engenharia genética para produção de organismos modificados parafunções e caracteres de interesse econômico, social e ambiental; c) das ciências genômicas que permitem compreensãoda composição e funcionamento de genomas completos, seus produtos, interações e funções; d) das tecnologiasreprodutivas avançadas, que permitem potencializar e especializar sistemas de produção animal para diversos fins. Oavanço nessas grandes vertentes de inovação tem provocado ainda o surgimento de diversas disciplinas e tecnologiasassessórias, como a bioinformática, a biossegurança etc.perda acelerada da biodiversidade esuas conseqüências diretas e indiretas,como a degradação do solo e daágua, o aquecimento global com aconseqüente intensificação deestresses hídricos, térmicos enutricionais, além de outros perigososriscos ambientais, como a perdada diversidade de vida, que certamentecolocam sob risco a própriasustentabilidade da civilização.Considerando este objeto centralda CDB, grande parte das atividadeseconômicas hoje desenvolvidasem diversos setores, como oextrativista, o industrial, oagroindustrial etc., deverão ser gradualmentereconvertidas a modelosmais sustentáveis de exploração dosrecursos naturais. O grande desafioé, portanto, a antecipação de alternativas,especialmente no campotecnológico, além da implementaçãode políticas públicas e mecanismosde gestão que viabilizem estratégiasde acesso e uso sustentável dosrecursos naturais para suporte a atividadesessenciais para o bem-estare o progresso do homem, como aagricultura, a mineração, o lazeretc.2. Sustentabilidade daAgriculturaRecursos chaves para produçãode alimentos (sementes, solo, matériaorgânica, água etc.) são renováveis,o que potencialmente permitiria quea agricultura fosse uma atividade altamentesustentável. Por outro lado,a agricultura moderna tem outrascaracterísticas que mais a aproximamde uma indústria extrativa, similar,por exemplo, à mineração, oque tende a torná-la não sustentável.Adicionalmente, a agricultura podeenvolver custos não ambientais delongo prazo, como impactos para ostrabalhadores, comunidades, regiõese consumidores, em diferentes graus,de acordo com a atividade.Apesar de os grandes avançostecnológicos das últimas décadas, elestêm sido ainda tímidos para superaro desafio de tornar a agricultura eatividades associadas, como um todo,mais sustentáveis. Hoje vivemos anecessidade premente de produzirvolumes crescentes de alimentos ematérias-primas e de gerar superávitseconômicos que aumentem a capacidadede investimentos do país.Não há dúvidas que o agronegóciobrasileiro se definirá, cada vez mais,pela nossa capacidade de incorporar,de forma contínua, inovaçõestecnológicas que permitam atenderàs crescentes demandas do mercadointerno e desafiar os subsídios doscompetidores e a tendência históricade preços decrescentes no mercadointernacional de produtos agrícolas.Em futuro próximo, as inovaçõesdemandadas da pesquisaagropecuária terão que propiciar aincorporação de avanços simultâneosnas vertentes da produtividade eda qualidade, com uma velocidadecomparável ou superior à velocidadede avanço tecnológico dos nossoscompetidores.Esta pressão, que tenderá a seintensificar no futuro, dada a vocaçãoagrícola do país, submete a nossaagricultura, que tem sido o setormais responsivo da economia brasileiradurante a última década, a umapressão de crescimento e expansãopouco compatíveis com as demandasde tempo e esforço na direçãode modelos mais sustentáveis deprodução. É, portanto, difícil imaginarque os avanços tecnológicos ba-<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 31


seados nas estratégias convencionaisde inovação nos permitirão dargrandes saltos em direção a sistemassustentáveis em curto espaço detempo.Modelos de reconversão deverãoser buscados, muitas vezes sustentadosem soluções do próprioambiente, que aplicadas a estas atividades,as tornem menos agressivas.Em certa medida, a agriculturabrasileira dá exemplos da possibilidadede se alcançar tal objetivo. Autilização do manejo de culturas baseadono plantio direto ocupa, noBrasil, cerca de 20 milhões de hectaresde lavouras, com expressiva contribuiçãopara redução de erosão,melhoria geral da qualidade do soloe recarga do lençol freático. A fixaçãobiológica do nitrogênio, atravésda inoculação de bactériasdiazotróficas, tem possibilitado a reduçãosignificativa da aplicação defertilizantes químicos em culturascomo a soja e, mais recentemente,cana-de-açúcar, com importante reduçãode impactos ambientais como,por exemplo, a contaminação derecursos hídricos por nitratos. O controlebiológico utilizado regularmenteem diversas culturas, como soja,cana-de-açúcar, algodão e fruteirastambém tem reduzido a demandapor controle químico de pragas edoenças em diversos sistemas demanejo, com impactos positivos parao meio ambiente, a qualidade devida dos trabalhadores rurais e para asegurança e qualidade dos produtos.Azevedo (1998) destacou a importânciado emprego do controle biológicoem países de clima tropical ecom vastas áreas plantadas como écaso do Brasil. O autor ressaltou,ainda, que o país tem um bom contingentede pesquisadores envolvidosem controle biológico e detémquase que uma supremacia no setortanto em termos de pesquisa básicacomo principalmente aplicada.Há, no entanto, que se considerarque, pela diversidade e complexidadeda agricultura brasileira, estesavanços, embora relevantes, dificilmentebastarão para melhorposicionar a atividade do ponto devista de sustentabilidade. Quandose avalia o conjunto da agriculturabrasileira, há claras evidências deque as tecnologias tradicionais, consagradasna chamada Revolução Verde,já não resolvem todos os problemase cobram um alto preço emtermos de qualidade ambiental e desaúde humana, especialmente pelouso crescente de insumos químicos.A taxa de crescimento médio norendimento das safras, por exemplo,caiu de 3% ao ano na década de 70para cerca de 1% ao ano na décadade 90, indicando a gradual exaustãodeste modelo.3. Agroecossistemas,Biodiversidade e ServiçosAmbientaisA grande pressão da agriculturasobre o meio ambiente indica queprecisamos buscar um novo patamarde conhecimento, um novoparadigma científico e tecnológico,a fim de romper estes limites, emespecial na região tropical do globo,onde estão os ambientes mais desafiadorespara a agricultura, além dasnações mais pobres. Os sistemas deinovação para agricultura terão, cadavez mais, que se referenciarem emaspectos que compreendam, alémda visão utilitária da agricultura, comoprodutora de alimentos e matériasprimasessenciais para a sobrevivênciae progresso do homem, outrasdimensões e valores.Em 1998, a FAO realizou emconjunto com a Secretaria Executivada CDB e o Governo da Holanda umencontro técnico denominado“Sustaining Agricultural Biodiversityand Agro-ecosystem Functions”quando foram discutidas oportunidades,incentivos e estratégias paraconservação e uso sustentável dabiodiversidade em agroecossistemas.Considerando as discussões ocorridasno evento, o documento finalapresentou uma série de recomendaçõesimportantes, dentre as quaisse destacou a necessidade de seampliar a compreensão de quebiodiversidade agrícola engloba grandediversidade de animais, plantas emicrorganismos, necessários paramanutenção de funções vitais dosagroecossistemas, sua estrutura e processosque suportam a produção dealimentos e matérias-primas vitaispara a humanidade. Três dimensõesda agrobiodiversidade foram apresentadascomo úteis para estruturaçãode futuros programas e planos:1.Sustentabilidade dos sistemasprodutivos em todos os níveis, comênfase em diversidade, contrapondoa visão de homogeneização emassificação de sistemas;2.Ênfase na conservação emelhoria dos recursos biológicos quesuportam os sistemas de produção,especialmente o solo e a microbiota,os polinizadores e predadores;3.Reconhecimento, recuperaçãoe incorporação aos sistemas produtivosdos serviços ecológicos e sociaisdos agroecossistemas, como proteçãoda paisagem e da vida selvagem,proteção do solo e promoção de suaqualidade (fertilidade, estrutura e funções),proteção dos cicloshidrológicos, da qualidade do ar, sequestrode carbono etc.O encorajamento da manutenção,da sustentabilidade e adinamização da diversidade biológicaem todos os sistemas de produçãoagrícola, dos diversificados aosespecializados, intensivos ou extensivosé uma necessidade. É prementeque se reconheça a intedependênciaentre plantas e animais quese colhem dos sistemas produtivoscom a intrincada teia de organismose sistemas que provêem suportebiológico e serviços ambientais vitaispara o funcionamento dessessistemas.Assim, melhorar a integração e acoordenação das atividades e processosque sustentam a diversidadebiológica em agroecossistemas, suaprodutividade e o provimento dasfunções e serviços ambientais delesprovenientes são fundamentais paraque se alcance e se mantenha asustentabilidade dos agroecossistemas.A valoração desses recursos,com diretrizes para prospectar epotencializar serviços e funções32 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


como balanço de gases atmosféricos,regulação do clima, regulaçãodos ciclos hidrológicos, controle deerosão, formação e qualidade do solo,detoxificação/eliminação de resíduos,polinização, controle biológico,refúgio, produção de alimentos seguros,desenvolvimento de novasfontes de biomateriais, suporte paraculturas e valores, incluindo valoresestéticos e espirituais, além de oportunidadespara recreação, lazer eturismo, é um grande desafio a serencarado e superado, em especialpelas organizações de ciência etecnologia agropecuária.4. <strong>Biotecnologia</strong> Aplicada àProspecção e Uso de Serviços eFunções da BiodiversidadeA revolução na base de conhecimentosdos sistemas biológicos apartir da biotecnologia moderna vemgerando novas e fascinantes oportunidadesde inovação nas áreas dasaúde, agricultura, meio ambiente,além de grandes avanços na base deconhecimentos no âmbito das ciênciasda vida (life sciences). Este é ummovimento global, e o acervo deconhecimentos sobre organismosvivos vem estimulando o desenvolvimentode novas vertentes de inovaçãocomo a genômica, abioinformática, a engenharia metabólicaetc., além de novas aplicaçõesde processos e funções biológicasnos mais variados campos da atividadehumana, com profundas implicaçõeseconômicas e sociais.Apesar de as atenções estaremmuito centradas na produção e nouso de plantas geneticamente modificadasna agricultura, as implicaçõese impactos das diversas vertentes deinovação que compõem abiotecnologia moderna vão muitoalém da transgenia.Com o seqüenciamento completode genomas de diversos organismos,expandem-se as possibilidadesno campo da genômica comparativa,que faz uso das similaridades,muitas vezes significativa, existentesentre espécies. Conhecimentosgerados por estudos de espéciesbastante distintas, como por exemploo camundongo, também contribuempara a compreensão da organizaçãoe do funcionamento dogenoma humano, enquanto espéciesmais relacionadas, como o arroz,sorgo, milho, trigo e outras gramíneasapresentam similaridades surpreendentesem organização genômica,seqüências e funções gênicas. Assim,com os novos recursos e técnicasbaseadas em manipulação gênicae transgenia, um novo universo seabre para identificação de nova variabilidadeque, ordenada, estudada edefinida como útil, poderia sertransferida às espécies de interessepor meio de transformação genética.O acúmulo de informações dedados de seqüência de DNA e demapeamento de genes no genomade diferentes espécies vegetais evidencioua conservação de genes eda ordem de genes no genoma dediferentes organismos. Recentesavanços da genética molecular e dagenômica vêm permitindo a identificaçãoem espécies com genomamenos complexo, principalmentenaquelas que tiveram o genoma completamenteseqüenciado como o arroze arabidopsis, genes ou regiõesgenômicas associadas ao controle decaracterísticas econômicas. Por meioda genômica comparativa é possívelidentificar em espécies com genomasmais complexos (ex., milho e trigo)regiões ortólogas com função gênicasimilar, acelerando o conhecimentobásico e facilitando o trabalho comoutras espécies. Estes avanços têmestimulado o desenvolvimento deprogramas inovadores na interfaceRecursos Genéticos-Biodiversidade-<strong>Biotecnologia</strong>, onde residem possibilidadesextraordinárias para seprospectar serviços & funções quepossam ser integrados à agricultura,tornando-a mais competitiva, segurae sustentável. Além de aumentar aspossibilidades de utilização dos acessosmantidos nos bancos degermoplasma, intensificando os esforçosde caracterização e desenvolvimentode acervos de variabilidadepara o melhoramento genético eprogramas de bioprospecção, aintegração da genômica aos programasde recursos genéticos emelhroramento permite acesso a umnovo acervo de caracteres dabiodiversidade, antes inacessível.Hoje, programas de pesquisa queintegram estratégias tradicionais,como o melhoramento genético e agenômica comparativa buscam identificar,manipular e validar a expressãode diferentes genes de importânciaeconômica e ambiental, culminandono desenvolvimento denovos recursos genéticos com umvalor agregado potencial muito maiordo que os disponíveis.5. Bancos de Caracteres paraProspecção e Uso de Serviços eFunções da BiodiversidadeConforme aumenta o interessepor diversificação e agregação devalor à agricultura, na forma de novosalimentos, fibras, aromas ebiomateriais aplicáveis a diversosramos industriais, além de caracterese funções que agreguem segurançaambiental e sustentabilidade aos sistemasprodutivos, o interesse domelhoramento genético se voltaráinevitavelmente para abiodiversidade, buscando-se diversificaçãode espécies, sistemas e processos.Adequadamente estudadase conhecidas, muitas funções biológicasimportantes poderão gradualmenteser incorporadas às espéciesde interesse. Assim, caracteres àsvezes pouco considerados no âmbitodos programas de melhoramentogenético, como aqueles relacionadosà qualidade ambiental, deverãodespertar cada vez mais interesse,em função da mobilização da sociedadepor um ambiente mais limpo,além do crescimento das barreirasnão tarifárias, que imporão penalidadesaos nossos produtos e processos,caso não levem em conta critérios epráticas ambientalmente seguros. Abusca de funções que tenham impactopositivo em processos comoregulação da composição química daatmosfera, regulação do clima, absorçãoe reciclagem de resíduos, suprimentode água, ciclo de nutrientes,polinização e controle biológico,dentre outros, se tornará mais intensana medida em que cresçam os<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 33


impactos das atividades do homemsobre o meio físico, com a conseqüenteredução na disponibilidadede recursos. Neste cenário, o melhoramentogenético combinado àbiotecnologia poderá se tornar importanteestratégia de descoberta edisponibilização de funções biológicasviabilizadoras de uma agriculturamais sustentável.Os programas de pré-melhoramentopodem se tornar, além de elode ligação entre os recursos genéticosvegetais e o melhoramento genético,uma importante estratégiade ligação destes com os programasbiotecnológicos, em especial aquelesdedicados à genômica comparativa.Considerando que o principalobjetivo dos programas de pré-melhoramentoé buscar a identificaçãode genes e/ou características de interesseem germoplasma exótico ouem populações não melhoradas paraincorporação em materiais elites, elespoderão se tornar importantes fontesde variabilidade para composiçãode “Bancos de Caracteres eFunções” para os mais variados objetivos(Figura 1). Na verdade, parafunções biológicas com variabilidadegenética insuficiente, composição deBancos de Caracteres a partir dosmateriais elite poderá ser inviável,havendo necessidade da busca devariabilidade em parentes silvestres,raças locais (landraces), ou mesmoem outras espécies do mesmo poolgênico e, em casos mais extremos,em espécies completamente distantesfilogeneticamente. A existênciade tais bancos abrirá oportunidadesextraordinárias para se prospectarserviços & funções que possam serintegrados à agricultura, tornando-amais competitiva, segura e sustentável.Além do mais, os bancos decaracteres ampliariam a possibilidadede se aumentar a utilização dosacessos mantidos nos bancos degermoplasma, intensificando os esforçosde caracterização e desenvolvimentode acervos de variabilidadepara o melhoramento genético eprogramas de bioprospecção (Figura1).O conceito de Bancos deCaracteres se baseia no fato de queestudos de mecanismos e funçõesbiológicas são extremamente dependentesde técnicas de screening eseleção de genótipos úteis, de preferênciagenótipos contrastantes quepermitiriam a geração de populaçõesestruturadas para estudos detalhadosdos caracteres em questão.Os melhoristas trabalham continuamentecom screening e seleção,muito embora não seja usual os programasidentificarem e manteremgenótipos constrastantes. Indivíduoscom desempenho inadequadopara o caráter em questão são usualmentedescartados ao longo das váriasetapas do processo. No entanto,para organização de Bancos deCaracteres, há necessidade de seidentificar padrões reconhecidamentecontrastantes, na forma de populações,linhagens ou outrosgenótipos de interesse, que são essenciaispara desenvolvimento deconjuntos de progênies segregantes(recombinantes) F 2, F 3, F 4,retrocruzamentos na direção dos doisgenitores e, quando desejável, conjuntosde linhas recombinantes. Aexistência desses acervos derecombinantes poderá viabilizar progressosconsideráveis no estudo decaracteres complexos, utilizando osmodernos recursos disponíveis paramapeamento e estudos funcionais.Linhas recombinantes são acervosespecialmente desejáveis nacomposição de Bancos de Caracteres.Estas linhas endogâmicas são produzidaspor meio de sucessivasautofecundações de indivíduos F 2,oriundos de um cruzamento entreduas linhagens divergentes e comcaracterísticas bem definidas. Os indivíduos(S 1) provenientes de cadaautofecundação de indivíduos F 2contêm cerca da metade dos genesem homozigose em relação à geraçãoanterior. Após certo número degerações de autofecundação (singleseed descent), cada linharecombinante terá teoricamente,aproximadamente 100% dos alelosdos genitores em homozigose e fixadosaleatoriamente. Quanto maior onúmero de progênies F 2autofecundadas, maiores serão ascombinações de genes dos genitores,permitindo análises detalhadas demúltiplas combinações de genes eQTLs (Quantitative Traits Loci) envolvidosna definição de caracterescomplexos. Em relação a outros tiposde progênies segregantes comoF 2, F 3e retrocruzamentos, as linhasrecombinantes apresentam comoprincipal vantagem o fato de constituíremuma população permanente,na qual o processo de segregação écompleto ou quase completo, mantendoindefinidamente sua composiçãogênica para estudos detalhadosdo caráter em questão. Em adição,linhagens recombinantes podem seravaliadas em condições diferentesde ambientes. Desde que umgenótipo é representado por umalinhagem, ao invés de um indivíduoheterozigoto, avaliações mais precisasdos componentes genéticos decaracteres mais complexos poderãoser realizadas com vantagem nessesgenótipos. Uma desvantagem daslinhas recombinantes é o fato deque, sendo homozigotas, poderãolimitar a avaliação do impacto daheterozigose e da heterose na expressãode determinados caracteres.Também, a depender do modo dereprodução da espécie, pode serdifícil produzir tais linhas em quantidadessuficientes.Muito embora o esforço tradicionalem recursos genéticos vegetaisseja direcionado à produção deinsumos úteis ao melhoramento genético,há possibilidades de se ampliara utilidade desses acervos, deforma a incluir de forma mais eficienteoutros potenciais usuários, comoos programas de bioprospecção edescoberta de genes e funções biológicasde interesse. Com o avançonas tecnologias que permitem análisesgenéticas detalhadas,fenotipagem eficiente via análisesfisiológicas e bioquímicas, além degenotipagem de alta resolução viatécnicas moleculares, amplia-se tremendamentea nossa capaciade deextrair mais valor dos recursos genéticos,aumentando a produtividadedos acervos dos Bancos Ativos deGermoplasma (BAGs) e das coleçõesde trabalho dos programas demelhoramento. Hoje existem mi-34 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


lhares de genes de vários organismosseqüenciados cuja função biológicaprecisa ser determinada. A disponibilidadede recursos genéticosvegetais adequadamente caracterizadose organizados e a capacidadede determinação massiva da funçãode um grande número desses genesabre possibilidade para avanços significativosno campo da genômicacomparativa e funcional. Umatecnologia para caracterização dosníveis de expressão de grande númerode genes que vem ganhandodestaque é a tecnologia demicroarrays ou microarranjos. Atecnologia de microarranjos de DNAé baseada em clones de DNAs quesão roboticamente fixados em placasde vidro e subseqüentementehibridizados com sondas marcadascom diferentes tipos de fluorescência.Essa metodologia tem auxiliado aanálise funcional de um grande númerode genes em um curto espaçode tempo e poderá gerar grandesvolumes de informações úteis acercade caracteres complexos, especialmentese Bancos de Caracteres ecoleções de mutantes adequadamenteorganizados proverem os fenótipose genótipos adequados paraanálises.6. ConclusõesDiferentemente dos grandesprodutores de alimentos localizadosem regiões de clima temperado, oBrasil apresenta a maior parte do seuterritório marcado por grande fragmentaçãoambiental, com marcantesdiferenças edafoclimáticas, estruturafundiária complexa e padrões deutilização tecnológica, de infra-estruturae logística bastante díspares.Apesar disso o Brasil é líder mundialna produção agropecuária tropical,tanto com respeito à diversidade daprodução quanto à produtividade eeficiência do sistema agroindustrial.O Brasil vem experimentando nosúltimos anos contínuos aumentos deprodutividade em praticamente todasas culturas de importância estratégica,culminando com os avançosextraordinários observados nas últimassafras, quando a produção degrãos rapidamente superou a barreirados 100 milhões de toneladas. Naúltima década a produtividade dasprincipais commodities mais quedobrou, o que tem evitado avançodesordenado sobre regiões sensíveisdo ponto de vista ambiental; os avançosem melhoramento genético,manejo integrado de pragas, emmanejo de solos, nutrientes e culturasde acordo com a lógicaconservacionista do plantio diretotêm sido fatores importantes naviabilização de uma agricultura maissustentável com redução na utilizaçãode agroquímicos e de práticasque levem à degradação oufragilização da nossa base de recursosnaturais.Conforme aumenta o interessepor diversificação e agregação devalor à agricultura, na forma de novosalimentos, fibras, aromas ebiomateriais aplicáveis a diversosramos industriais, o interesse domelhoramento genético se voltaráinevitavelmente para abiodiversidade, buscando-se diversificaçãode espécies, sistemas e processos.Adequadamente estudadase conhecidas, muitas funções biológicasimportantes poderão gradualmenteser incorporadas às espéciesde interesse. Por outro lado,caracteres às vezes pouco consideradosno âmbito dos programas demelhoramento genético, como aquelesrelacionados a qualidadeambiental, deverão despertar cadavez mais interesse, em função damobilização da sociedade por umambiente mais limpo, além de barreirasnão tarifárias, que imporão penalidadesaos nossos produtos, casonão sejam produzidos de acordo comcritérios e práticas ambientalmenteseguros. Assim, a busca de funçõesque tenham impacto positivo emprocessos como regulação da composiçãoquímica da atmosfera,regulação do clima, absorção ereciclagem de resíduos, suprimentode água, ciclo de nutrientes,polinização e controle biológico,dentre outros se tornará mais intensana medida em que cresçam os impactosdas atividades do homemsobre o meio físico, com aconsequente redução nadisponbilidade de recursos. Nestecenário, espera-se que a combinaçãode estratégias da biotecnologiamoderna com as estratégias tradicionaisde inovação tecnológica para aagricultura, como o melhoramentogenético, o controle biológico e outras,se torne o caminho para descobertae incorporação de funções biológicasviabilizadoras de uma agriculturamais sustentável.Literatura consultadaDuvick, D.N. 1990. Geneticenhancement and plantbreeding. In: J. Janick; Simon, J.E.(Ed.) Advances in new crops.Timber Press, Portland, OR. P.90-96.Lopes, M.A. 1999. Banco deCaracteres: Desenvolvimento deRecursos Genéticos Utilizáveisna Investigação de Mecanismosde Controle de Caracteres deImportância Econômica em Milho.Embrapa Milho e Sorgo, 13pp. (manuscrito não publicado).Lopes, M.A. 2002. Biodiveridade e<strong>Biotecnologia</strong>. In: Anais da ConferênciaNacional de Ciência,Tecnologia & Inovação - Tema:Desafios Estratégicos, Simpósio3: Biodiversidade e<strong>Biotecnologia</strong>. <strong>Revista</strong> ParceriasEstratégicas. Ministério da Ciênciae Tecnologia - MCT.Nass, L.L.; Paterniani, E. 2000. Prebreeding:a link between geneticresources and maize breeding.Scientia Agricola, v.57, p.581-587.Nass, L.L.; Valois, A.C.C.; Melo, I.S.;Valadares-Inglis, M.C. 2001. (Ed.)Recursos genéticos e melhoramento– plantas. Rondonópolis,MT - Fundação MT. 1183p.World Resources Institute. 1992.World resources 1992-93: anassessment of the resource basethat supports the globaleconomy. New York: WRI.<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 35


BIORREMEDIAÇÃOMeio ambienteAspéctos biológicos e técnicos da biorremediação de xenobióticosChristine Claire GaylardeMicrobiologista, M.Sc., Ph.D., Profa. do Depto. deBiofísica, UFRGScgaylarde@yahoo.comMaria De Lourdes BellinasoBioquímica, M.Sc., Ph.D., Profa. do Depto. de Biologiae Química, UNIJUÍmalou@cpovo.netGilson Paulo ManfioBiólogo, M.Sc., Ph.D., Pesquisador da NaturaInovação e Tecnologia em Produtos Ltdagilsonmanfio@natura.netImagens cedidas pelos autoresBiorremediação é um processono qual organismos vivos, normalmenteplantas ou microrganismos,são utilizados tecnologicamente pararemover ou reduzir (remediar)poluentes no ambiente. Este processobiotecnológico de remediação temsido intensamente pesquisado e recomendadopela comunidade científicaatual como uma alternativa viávelpara o tratamento de ambientescontaminados, tais como águas superficiais,subterrâneas e solos, alémde resíduos e efluentes industriaisem aterro ou áreas de contenção.Embora outras tecnologias que usamprocessos físicos e/ou químicos sejamtambém indicadas paradescontaminar ambientes poluídos,o processo biológico debiorremediação é uma alternativaecologicamente mais adequada eeficaz para o tratamento de ambientescontaminados com moléculas orgânicasde difícil degradação e metaistóxicos.As moléculas orgânicas de difícildegradação, denominadas “recalcitrantes”,podem ser de origem natural,sintetizadas pelo metabolismobiológico, ou sintéticas, produzidaspor tecnologias industriais modernase estranhas ao ambiente natural,por esta razão denominadas“xenobióticas” (xenos, do grego =estrangeiro). Estas moléculasxenobióticas, introduzidas no ambientedesde o início do século XX,compreendem vários tipos de compostos,aplicados na industria químicae de materiais, tal comoagrotóxicos, corantes, fármacos,polímeros e plásticos, podendo sertóxicas a sistemas biológicos e/ourecalcitrantes, uma vez que não fazemparte do conjunto de moléculasproduzidas pelo metabolismoevolutivo que propicia a vida naTerra. Muitos dos xenobióticos e/ouseus produtos de degradação resultamem efeitos nocivos e/oumutagênicos aos organismos vivos,podendo levar à eliminação seletivade indivíduos e acarretar modificaçõesna estrutura ecológica e funcionalda comunidade biológica.Por estas razões há, atualmente,uma grande preocupação em sedesenvolverem biotecnologias paradescontaminar ambientes poluídospor xenobióticos. Os processos biológicosde descontaminação, enquadradosna categoria de biorremediação,utilizam, geralmente, microrganismosautóctones (do próprioambiente) ou introduzidos (em estadonativo ou geneticamente modificados)com capacidade de biodegradarxenobióticos, resultando emprodutos de degradação com estruturamenos recalcitrante em relaçãoà molécula original, ou namineralização do xenobiótico, produzindocompostos químicos simples,como: CO 2, H 2O, NH 3, SO 4-2,PO 4-2.Biodegradação dosxenobióticosO sistema metabólico que setem mostrado mais apto parabiodegradar moléculas xenobióticasrecalcitrantes, nos processos debiorremediação, é o microbiano, umavez que os microrganismos desempenhama tarefa de reciclar a maiorparte das moléculas da biosfera, participandoativamente dos principaisciclos biogeoquímicos e, representando,portanto, o suporte de manutençãoda vida na Terra. Esta extraordináriadiversidade metabólica sedeve à combinação do potencialgenético individual das diferentesespécies microbianas em um sistemanatural, com enzimas e vias metabólicasque evoluíram ao longo debilhões de anos, e a capacidade demetabolismo integrado apresentadapela comunidade microbiana emconjunto: produtos do metabolismode um microrganismo pode sersubstrato para outros. Este intensosinergismo metabólico entre microrganismos,praticamente ausente nosorganismos mais complexos, é defundamental importância nabiodegradação de xenobióticos. Muitosfatores ambientais de naturezafísica, química e biológica influenciamna capacidade de um sistemamicrobiano de biodegradar uma36 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


molécula.Fatores físicos e químicosOs principais parâmetros físicosque influenciam na degradabilidadesão: natureza física da matriz onde ocomposto é encontrado (solo, água,sedimento), temperatura e luz. Porexemplo, ambientes complexos, taiscomo solos e sedimentos, têm apropriedade de, através da atraçãode cargas opostas, adsorver moléculas,diminuindo, desta maneira, abiodisponibilidade do poluente. Nasregiões temperadas do globo, a atividademetabólica de microrganismospode ser reduzida em funçãodas baixas temperaturas médias anuais,reduzindo, conseqüentemente,a taxa de degradação de poluentesnestas áreas.Diversos fatores químicos podeminfluenciar, acelerando ou reduzindo,a taxa de degradação de umpoluente. Entre estes fatores incluem-sea composição química damatriz ambiental, que define a capacidadenutritiva, o pH, umidade, teorde oxigênio dissolvido, o potencialredox do meio e a composição eestrutura química do poluente. Metaispesados, quando presentes, podeminteragir com enzimas produzidaspelos microrganismos, inibindo asua atividade e, por conseguinte, acapacidade degradativa destes. Poroutro lado, concentrações adequadasde metais que têm ação decofatores enzimáticos podem melhorara capacidade degradativa domeio. A presença de outros compostosxenobióticos de estrutura simplespode também dificultar o metabolismode moléculas mais complexas,pois a comunidade microbianase direcionaria seu metabolismo paradegradar, preferencialmente, osmenos complexos.Como exemplo da influência daestrutura química na degradação deum poluente, pode-se citar a altapersistência de compostosnitroaromáticos no ambiente. Apesarde intensos esforços, ainda nãoforam isoladas bactérias capazes demineralizar muitos dos nitroaromáticosproduzidos pelo homem,como, por exemplo, o TNT (utilizadoem explosivos) e os herbicidasorizalin e trifluralina. Os três compostosapresentam, em comum, trêsgrupos nitro no anel aromático quedificultam sua mineralização.Fatores biológicosA biodegradação de um compostoquímico no meio ambientedepende, sobretudo, da presença deuma população de microrganismoscapaz de metabolizar a moléculaoriginal e seus produtos de degradação.Não existem, na biosfera atual,rotas enzimáticas catabólicas capazesde degradar todos os compostosnovos que a cultura humana sintetizoudurante os últimos 100 anos.Sabe-se, entretanto, que algunsxenobióticos podem serbiodegradados por microrganismosque possuam enzimas capazes decatabolizar moléculas específicas, oumesmo pela ação conjunta de consórciosmicrobianos, em que cadamicrorganismo atua individualmentesobre diferentes etapas do processode biodegradação.A biodegradação é mais provávelquando a estrutura química doxenobiótico é semelhante à estruturade moléculas naturais. Por exemplo,existe uma grande diversidadede moléculas naturais com estruturascomplexas, tais como a lignina, ricaem anéis benzênicos - estruturamolecular natural mais abundante nabiosfera depois da glicose -, osesteróides, os terpenos e compostoshalogenados naturais, que ocorremem grande abundância e são normalmentemetabolizados por microrganismosno ambiente.As enzimas que catabolizam adegradação de compostos naturaispodem apresentar baixaespecificidade pelo seu substrato e,desta maneira, os xenobióticos comestrutura química semelhante a compostosnaturais podem ser reconhecidospelo sítio ativo da enzima,possibilitando, assim, que sejam quimicamentetransformados. Quandoo xenobiótico tem a possibilidade depercorrer todos os passos catalíticosde uma determinada rota catabólicaenzimática, provavelmente ele setorna uma possibilidade nutritiva parao microrganismo, sendo os produtosde sua degradação aproveitados peloseu metabolismo construtivo eenergético. Porém, quando o compostoé apenas parcialmente degradado,por ação de uma ou maisenzimas de uma rota catabólica semque o produto resultante contribuapara a sobrevivência do microrganismo,esta transformação metabólica édenominada de “co-metabolismo”.O produto do co-metabolismo,muitas vezes, pode servir de substratopara transformações enzimáticas deoutras espécies microbianas, possibilitandoa degradação completa doxenobiótico (mineralização). O cometabolismo,aparentemente umatransformação fútil quando analisadasob a ótica de um microrganismoisolado, tem um papel importantenas biotecnologias de remediaçãode sítios contaminados, pois, geralmente,nenhum microrganismo possuitodas as enzimas necessárias paraa metabolização completa de umxenobiótico.Trocas de material genéticopodem ocorrer entre microrganismosna natureza e constituem umoutro fator que contribui para o potencialbiodegradador de uma comunidade.Muitas rotas catabólicas decompostos complexos estão localizadasno genoma plasmidial.Plasmídeos podem ser trocados entrebactérias de uma mesma espécie,ou mesmo entre microrganismosde espécies diferentes, atravésde mecanismos de conjugação outransformação de células naturalmentecompetentes (células com capacidadede assimilar DNA exógeno nanatureza). Estes processos de intercâmbiode material genético favorecema disseminação de genes, e,conseqüentemente, a disseminaçãopotencial de enzimas relacionadasao metabolismo catabólico de umamolécula recalcitrante.Obviamente, as característicasfísico-químicas e nutricionais do meioexterno e o compartimentointracelular microbiano estão estritamenterelacionados. Mesmo que umsistema microbiano porte todos osrequisitos bioquímicos e genéticosnecessários para a degradação deum xenobiótico, se as característicasfísico-químicas e componentesnutricionais do meio não condizem<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 37


Figura 1. Esquema geral dasetapas para definição eimplementação de um processode biorremediaçãoAvaliação da naturezado ambiente contaminado(p.ex., solo, sedimento, aqüífero)Caracterização da contaminação(natureza do composto,quantidade, distribuição)Planejamento dotipo de biorremediação(análises biológicas, geológicas,geofísicas, hidrológicas)Decisão por biorremediaçãoin-situ ou ex-situUtilização de plantas(fitorremediação)Utilização demicrorganismosSeleção eintrodução deplantas(geralmentealóctones com aspropriedades deinteresse)GEPs(introduçãode plantasgeneticamentemodificadas)Bioestimulação(favorecimento depopulações demicrorganismosautóctonesdegradadores)Bioaumentação(introdução de microrganismos degradadores)OGMs (introduçãode microrganismosgeneticamentemodificados)Autóctones(isolamento eseleção demicrorganismoscom aspropriedades deinteresse a partirde amostras doambiente a sertratado)Alóctones(seleção demicrorganismoscom aspropriedades deinteresse a partirde material exsitu disponívelem coleções deculturas ou outrasfontes)Propagação e introduçãono ambienteMonitoramento do processoe intervenções para ajustecom as necessidades metabólicas domicrorganismo, a biodegradação nãoocorrerá.Visão interdisciplinarA pesquisa técnico-científica,com o objetivo de tornar os fenômenosnaturais mais facilmente compreensíveis,geralmente enfoca oestudo de parâmetros físicos, químicose biológicos relacionados à degradaçãode maneira separada. Comoabordado anteriormente, estesparâmetros são estritamente relacionadosem um processo debiorremediação. Por esta razão, aimplementação de processos deremediação em um ambiente contaminadorequer a condução de umestudo detalhado, com uma visãointerdisciplinar, envolvendo profissionaisde diferentes áreas de conhecimento,como microbiologia, bioquímica,biologia molecular, químicaorgânica e analítica e engenharia.Por exemplo, é necessário umconhecimento aprofundado das característicasquímicas da moléculaxenobiótica que se pretende eliminarem um processo debiorremediação, uma vez que a estruturaquímica influencia vários aspectosdo metabolismo biológico. Apresença de grupos químicos na estruturamolecular, como halogênios,-NO 2, -SO 3H, CN, -CH 3, -CF 3, -NH 2, -OCH 3,bem como arranjos específicosdestes radicais na cadeia de carbono,que interferem na distribuiçãoeletrônica da molécula (propriedadesenantioméricas ou quirais), podedificultar a catálise enzimática, con-38 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


ferindo à molécula maiorrecalcitrância. Por exemplo, os detergentessintéticos alquilbenzenosulfonados, comercializado nos anos60-70, provocaram sérios impactosambientais decorrentes de elevadograu de persistência no ambiente.Espessas camadas de espumas seacumulavam nos rios, acarretandogrande mortandade de peixes. Pesquisasbiológicas mostraram que asua alta persistência no ambienteestava relacionada à presença detrês grupos metilas na molécula. Umnovo desenho químico da molécula,em que foram retirados os gruposmetilas, permitiu o aumento dabiodegradabilidade destes detergentessintéticos, diminuindo, destamaneira, o impacto ambiental.O grau de toxicidade de umamolécula também é relacionado comsua estrutura molecular. A estruturamolecular define o tipo e a intensidadede interação com diferentescomponentes e metabólitosintracelulares (estruturas da paredee membrana celular, organelas, eestrutura terciária de proteínas e ácidosnucléicos), que podem ocasionarefeitos citotóxicos e/oumutagênicos.Um outro efeito importante associadoà estrutura molecular quetambém deve ser considerado é abiodisponibilidade da molécula.Muitos xenobióticos têm caráterapolar, o que muitas vezes não écompatível com sítios de entrada etransportadores da membrana celular,indisponibilizando-o, desta maneira,para o metabolismo intracelular.Alguns microrganismos contornameste obstáculo produzindosurfactantes e possibilitando, assim,a entrada de moléculas apolares parao interior da célula. A busca debiossurfactantes que possam ser utilizadoscomo aditivos em solos contaminadoscom compostos poucosolúveis é hoje uma das linhas comgrande desenvolvimento em pesquisasde biorremediação.Outro aspecto a ser analisado éa composição química do ambiente,a qual contribui para definição dovalor nutritivo do meio. Quando omeio não fornece macro emicronutrientes necessários para ometabolismo celular dos microrganismosdegradadores, é necessária aadição controlada destes ao sistema,por meio do emprego de técnicas deengenharia, como, por exemplo, ainjeção de nutrientes via galerias e/ou buracos no solo e uso de formulaçõesde liberação lenta nos ambientesaquáticos. Como conseqüênciadestas adições, a taxa de degradaçãopode ser aumentada.Técnicas de aplicação de nutrientestêm se mostrado eficientespara a despoluição de ambientesaquáticos contaminados com petróleo.Experimentos de campo demonstraramum aumento de 5 a 10vezes nas taxas de degradação. Noentanto, existem dúvidas sobre osefeitos a longo prazo, uma vez queas taxas de degradação em áreastratadas e não-tratadas tendem a seequalizar com o tempo. A introduçãode nutrientes e/ou surfactantes como objetivo de aumentar a atividademicrobiana ou a biodisponibilidadedo poluente é um tipo debiorremediação conhecido comobioestimulação.Outra opção que pode ser adotadapara se melhorar o potencialbiodegradador de um ambiente contaminadoé a adição de populaçõesde microrganismos degradadoresautóctones (que já presentes naqueleambiente), ou de organismosdegradadores ou mediadores debiodegradação (e.g, produtores debiossurfactantes) estranhos ao sistema(alóctones), repicados em laboratório.A utilização de técnicas parase aumentar populações microbianasdegradadoras é denominada debioaugmentação.Portanto, cada processo debiorremediação é particular e quasesempre necessita de uma adequaçãoe de uma otimização específica paraaplicação em diferentes sítios afetados,requerendo sempre uma análiseintegrada de parâmetros físicos,químicos e biológicos.Etapas de implementaçãode um processo deBiorremediaçãoA biorremediação é umatecnologia complexa e suaimplementação ocorre em etapasque compreendem um estudo doambiente, do tipo de contaminante,dos riscos e da legislação pertinente(Figura 1). Em primeiro lugar, é necessáriouma caracterização do tipoe da quantidade do poluente, bemcomo avaliações de natureza biológica,geológica, geofísica ehidrológica do sítio contaminado.As avaliações biológicas ocorrem,em primeira estância, em laboratório,e têm como objetivo aotimização da biodegradação do composto.Elas compreendem os testesde bioestimulação, pela adição denutrientes e/ou surfactantes, e ostestes de bioaugmentação, pelaadição de culturas de microrganismosbiodegradadores ou mediadores.Com base nos dados obtidos é,então, escolhida a técnica debiorremediação mais adequada paraa situação e testes de campo sãorealizados, para verificar a eficiênciado processo in situ.Porém, devido à complexidadedesta biotecnologia, cuja eficiênciaenvolve vários fatores, muitos problemasde difícil equacionamentopodem surgir no decorrer do processo.Entre os principais problemasencontrados na aplicação de processosde biorremediação estão:• a poluição geralmente envolvevários compostos, de diferentesclasses químicas, requerendo a seleçãoe utilização de diferentes microrganismoscom metabolismo específicopara os diferentes poluentes;• quando as concentrações dospoluentes são baixas, os microrganismospodem não produzir asenzimas necessárias; quando sãomuito altas, os microrganismos podemser inibidos;• alguns dos poluentes presentespodem ser incompatíveis com oprocesso de biodegradaçãoimplementado;• alguns compostos são rapidamenteadsorvidos pelo solo, sedimentoe/ou água, diluindo-se abaixodo nível exigido para a ativação dabiodegradação, contudo permanecendoainda em concentrações acimada desejável;• a taxa da biorremediação podeser muito baixa, resultando em um<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 39


ecombinações entre cepas com diversosplasmídeos, foram obtidas váriaslinhagens de bactérias capazes dedegradar mais de um tipo dehidrocarboneto. A mais conhecida foia capaz de degradar cânfora, naftalina,octano e xileno.Obviamente, a produção de umabactéria capaz de degradar múltiplospoluentes em laboratório não significaa resolução completa dos problemasda biorremediação. Muitosquestionamentos de ordem técnica eética necessitam ser respondidos:• os organismos sobreviverão noambiente?• eles se reproduzirão?• eles se espalharão para outroslocais?• causarão danos ao ambiente?• transferirão os genes para outrosorganismos no ambiente?A seguir serão examinadas essasquestões.Figura 2. Possíveis estratégias de trabalho para detecção, monitoramento ecaracterização da diversidade em amostras ambientais utilizando abordagenstradicionais e independentes-de-cultivo (adaptado de diferentes fontes).processo de longa duração.Alguns dos problemas acima relatadospodem ser superados atravésdo uso de microrganismos geneticamentemodificados, os OGMs (GeneticallyEngineered Microorganisms,ou GEMs, em inglês).OGMs na despoluição ambientalO uso de organismos-geneticamente-modificados(OGMs) oferecea possibilidade de se contornar algumasdas limitações dos processos debiorremediação, principalmente asrelacionadas à taxa da degradação dopoluente. A manipulação genética deum microrganismo pode permitir oaumento da taxa de degradação atravésde diferentes estratégias:· inserção de genes que codificamenzimas catabólicas específicaspara a molécula-alvo;· inserção de genes que conferemresistência a compostos inibitóriosno ambiente ou aos produtos dedegradação da molécula-alvo;· inserção de genes ou alteraçõesgenéticas que auxiliam na soluçãode problemas ligados à baixaconcentração do poluente, como, porexemplo, aumento da captação/absorçãodo composto pela célula ou daexpressão da enzima.A incorporação destes genes emuma bactéria geralmente é feita viaplasmídios ou transposons, e poderesultar na manutenção do DNAexógeno na forma de plasmídio ou nainserção dos genes no cromossomobacteriano.Os primeiros OGMs a serem aplicadosna despoluição do ambienteforam as bactérias recombinantesdesenvolvidas por Chakrabarty, nosanos 70. Através de sucessivasSobrevivênciaMicrorganismos modificados emlaboratório podem ser selecionadospara apresentarem baixacompetitividade com o objetivo deserem eliminados ou, ainda, para perderemas características especiais derecombinação após um certo tempode vida, sendo, assim, pouco competentespara sobrevivência no ambientenatural.No entanto, um dos problemasprincipais dos OGMs é a instabilidadede seus genes exógenos, principalmentequando inseridos em forma deplasmídios. Quando esta instabilidadeé devido à segregação deficiente,ou seja, parte da população geradaapós um ciclo de divisão celular podenão ter o plasmídio, o problema podeser superado com a inserção dos genesde interesse no cromossomobacteriano, mediante o uso detransposons. Entretanto a inserção denovos genes no cromossomo de ummicrorganismo pode ter efeitos inesperados,como interferência naregulação de outras vias metabólicas,acarretando, por exemplo, o aumentoda produção de toxinas ouinativação da expressão de outraspropriedades de interesse.Multiplicação no local40 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Quando o poluente é o únicosubstrato para crescimentomicrobiano, a multiplicação das célulasterminará na presença de baixosníveis do mesmo. Esta é uma boamaneira de controlar a população deOGMs no ambiente. Contudo os microrganismospodem perder a atividadeantes que a concentração dopoluente atinja o nível desejado. Esteproblema pode ser superado comengenharia genética, utilizando promotoresinduzidos pela deprivaçãode nutrientes. Como exemplo, podemoscitar os genes T4MO (tolueno4-monoxigenase) de Pseudomonasmendocina KR1, que foram clonadossob o controle do gene groEL. Abactéria geneticamente modificadapromoveu, nas mesmas taxas, a degradaçãode tolueno, fenol etricloretileno sob condições adequadase sub-óptimas de glicose, nitrogênioe fósforo.Riscos e dispersão dos OGMsno ambienteQuais são os efeitos indesejáveisda liberação de OGMs no meioambiente? Sem dúvida, conhecer osefeitos indesejáveis da inserção deorganismos vivos geneticamente modificadosna natureza é uma dasmetas mais importantes da comunidadecientífica atual. Entre os efeitosmais questionados estão:• competição do OGM com amicrobiota, flora e fauna local, podendolevar à extinção destas espéciesnativas;• a troca de genes entre microrganismosgeneticamente modificadose populações microbianas autóctones,já cientificamente comprovada,pode levar à degradação genéticadas espécies autóctones;• a possibilidade de introduçãoao ambiente de espécies que apresentemfatores de patogenicidadepara a população autóctone, espéciesque produzem endo-e/ouexotoxinas ou que contenham genesde resistência a antibiótico; esta éuma situação que deve de ser avaliadaem laboratório antes da liberaçãodos microrganismos no ambiente;• o desequilíbrio da estrutura dacomunidade, podendo levar à degradaçãoambiental;• a impossibilidade da eliminaçãodos microrganismos introduzidosdepois que eles terminam o seutrabalho.Grande parte destes efeitos poderiamser contornados através doisolamento físico dos OGMs, ou seja,pelo confinamento do sítio contaminadodurante o tratamento comOGMs. Porém surge uma nova questão:É possível o isolamento físicodos OGMs?Microrganismos têm uma grandecapacidade de disseminação, sendocapazes de se espalhar através dosolo, na água, no vento, por colonizaçãoou adsorção a outros seresvivos, incluindo microrganismos(protozoários, algas), pequenos animais,raízes e sementes de plantas.Por estas razões, é razoável que aresposta desta pergunta seja: “Provavelmente,na maioria dos casos, éimpossível o isolamento de OGMs”.Em vista disso, é necessário que omicrorganismo seja construído demaneira que seus efeitos no meioambiente sejam mínimos e/ou seutempo de sobrevivência seja limitado.Avanços científicos, contudo, sugeremque OGMs no ambiente nãotrazem necessariamente efeitos insuperáveis.No ano 1993, noHorticultural Research Internationalde Littlehampton, e no Institute ofVirology and EnvironmentalMicrobiology de Oxford, no ReinoUnido, uma linhagem dePseudomonas fluorescenscromossomalmente modificada foiaplicada em sementes do trigo evaporizada nas folhas emergentes.As conclusões das investigações foramas seguintes:• a vaporização não causou grandeespalhamento do OGM nas áreaslocais adjacentes aos locais de aplicação;• P. fluorescens normal erecombinante causaram mudançastemporárias (de até 69 dias) namicrobiota do filoplano e na rizosferadas plantas inoculadas, mas não norestante do solo, e os microrganismosmais sensíveis foram os nãoformadoresde esporos de crescimentorápido;• as mudanças produzidas pelaintrodução da linhagem recombinantenão foram diferentes daquelascausadas pela não-recombinante;• as perturbações foram pequenas,sem efeitos para o crescimentoe/ou saúde das plantas.Mesmo que estes resultados sugiramque o ambiente não tenha sidosignificativamente alterado, é semprerecomendado, diante das poucasevidências experimentais e práticasexistentes, limitar o espaço e otempo de vida dos OGMs. Devido àquase impossibilidade doconfinamento físico dos OGMs, pesquisas,hoje, sugerem que o próprioDNA do microrganismo porte emseu código o limite de espaço físicoe de tempo de vida. Por exemplo,estes atributos são contempladosquando os OGMs são construídospara sobreviverem somente em condiçõesde poluição ou, ainda, até queum evento específico, geneticamenteprojetado, ocorra na fisiologia domicrorganismo ou no ambiente. Umexemplo de evento geneticamenteprojetado é o uso dos elementossuicidas, tais como o gene hok, quecontrola a produção de uma proteína“killer” (assassina) nas células, ativadapela ausência de poluente. Oproblema do uso deste gene suicidaé que pode sobreviver até 1 em 10 4células por geração, devido às taxasde mutações normais em estirpessuicidas negativas. Utilizando-se umsistema suicida de 2 componentes(cada um dos quais codifica um mecanismosuicida diferente), a taxa desobrevivência cai para 10 -7 a 10 -8células/geração. Entretanto, esta taxade sobrevivência ainda pode serconsiderada elevada, em função dasdensidades que as populaçõesintroduzidas no ambiente podematingir. Cálculos mostram que umnível de confinamento satisfatório éatingido somente quando os organismosmodificados carregam 8 mecanismossuicidas separados, cada qualcom um tipo de controle diferente.Contudo, um outro problemasurge. Pesquisas mostram que o DNA,de OGMs ou, mesmo, o liberadoapós a morte das células podem ser<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 41


transferidos para outras célulasTransferência de genes e seucontroleOs microrganismos podemtransferir DNA através dos processosde conjugação (transferência deplasmídios entre células), transdução(transferência mediada por vírus) etransformação (entrada de DNA domeio em células competentes). Sãoprocessos naturais, cujos mecanismosnão cabem nos objetivos destecapítulo. Entretanto, cabe ressaltarque existe a possibilidade desta transferênciade DNA e, conseqüentemente,dos genes de degradação oucontrole, entre os OGMs e os microrganismosnaturalmente presentes noambiente.Para evitar transferências degenes dos OGMs para populaçõesautóctones, cientistas têm desenvolvidoestratégias moleculares, como,por exemplo, vetores suicidas deconfinamento que não permitem areplicação ou causam a destruiçãodo DNA após serem transferidos paraoutros microrganismos.Uma outra possibilidade paraevitar a transferência de genesindesejados é optar pela utilizaçãode genes marcadores ou reguladoresque não representem riscos de danosao ambiente. Por exemplo, genesde resistência a antibióticos,comumente utilizados comomarcadores de OGMs, podem sersubstituídos por genes marcadoresde resistência a sais de Hg, arsenito,telurito, herbicidas, ou outrosmarcadores que não apresentem riscoambiental.Detecção de microrganismos egenes de degradação noambienteA introdução de microrganismos,sejam eles OGMs ou não, e/ou autilização de estratégias que favoreçamo aumento de populaçõesmicrobianas específicas em um dadoambiente para fins de biorremediaçãorequer, necessariamente, a adoçãode práticas de monitoramentomicrobiológico voltadas para adetecção e/ou quantificação de microrganismose/ou dos genes introduzidosno ambiente. Este tipo deprática pode visar diferentes objetivos,ligados direta ou indiretamenteà atividade de degradação desejada:• quantificar a população dosmicrorganismos de interesse, ligadosao processo de degradação dopoluente ou xenobiótico;• avaliar a disseminação deOGMs e não-OGMs introduzidos noambiente;• avaliar a possibilidade de transferênciados genes para comunidadesmicrobianas locais, e, ainda;• fornecer informações valiosaspara avaliação de possíveis impactosambientais da introdução ou dofavorecimento de populações específicas,refletido em alterações nacomposição e estrutura de comunidadesmicrobianas naturais do sítio.Diferentes estratégias podemser adotadas para a realização destesmonitoramentos. Os métodos experimentaisutilizados podem ser divididos,basicamente, em dois grandesgrupos, de acordo com a abordagemque é empregada:• métodos baseados em isolamentoe cultivo: o monitoramentoé realizado utilizando-se protocolosconvencionais de microbiologia,baseados no isolamento dos microrganismosda amostra ambiental einoculação em meios de cultivo seletivose/ou não-seletivos, avaliandoos resultados através do crescimentode colônias em placas de Petri ou emensaios de diluição utilizando tubosmúltiplos, e;• métodos independentesde-cultivo:o monitoramento de linhagensmicrobianas e/ou de gruposmicrobianos específicos na amostraé realizado através da análise decélulas e/ou ácidos nucléicos extraídosda amostra, utilizando-se sondasmoleculares para genes determinadosou a amplificação destes pormetodologias de PCR.Dependendo da estratégia debiorremediação utilizada, do tipo deamostra e ambiente alvo, os métodosde cultivo podem ser facilmenteempregados e fornecer parâmetrosadequados para avaliação das populaçõesde microrganismosbiodegradadores e aspectos geraisdas populações microbianas na amostra.No caso de sítios e estratégias debiorremediação onde populaçõesmicrobianas altamente diversificadassão favorecidas (alta diversidade deespécies envolvidas no processo),onde existam fatores limitantes aocultivo, como presença de compostosrecalcitrantes altamente tóxicosou amostras de difícil coleta e manipulação(subsolo, aqüíferos profundos,resíduos industriais tóxicos), emcasos onde os OGMs introduzidosnão são diferenciáveis de populaçõesnaturais por cultivo, os métodosbaseados em isolamento e cultivonão são adequados para omonitoramento. Nestes casos, o usode métodos independentes-de-cultivopodem representar uma alternativamais eficaz e eficiente para omonitoramento.Os métodos independentes-decultivo,por sua vez, permitem adetecção e monitoramento tanto dosmicrorganismos específicos como dosgenes de degradação relacionadosao processo de biorremediação. Dentreos métodos mais utilizados paradetecção específica de microrganismose genes podemos citar ahibridização com sondas molecularesem ensaios de FISH (fluorescent insitu hybridization) ou em membranade nylon (dot blot), e a amplificaçãodos genes-alvo em reações dePCR.Uma representação de diferentespossíveis estratégias emetodologias que podem ser empregadasem um estudo de populaçõesmicrobianas em amostrasambientais é apresentada na Figura2. O detalhamento destes métodos eapresentação de protocolos não sãoobjetos deste capítulo. Porém, comoestes são amplamente difundidos, éfácil a localização de trabalhos naliteratura que relatam a aplicação dediferentes estratégias moleculares aoestudo de processos debiorremediação.Algumas estratégias emetodologias independentes-de-cultivopodem ser utilizadas para umacaracterização fina das comunidadesmicrobianas presentes na amostra epopulações específicas. A amplificaçãode genes ribossomais utilizandoiniciadores (primers) grupo- ou es-42 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


pécie-específicos permite avisualização de padrões de bandasrepresentativos da comunidade estudadaem análises eletroforéticas,como no caso do DGGE/TGGE(denaturing gradient gelelectrophoresis e thermal gradientgel electrophoresis), métodos quepermitem a separação de fragmentosde mesmo tamanho, porém comseqüências gênicas diferentes, e doARDRA (amplified ribosomal DNArestriction analysis) ou t-RFLP (terminalfragment lengthpolymorphism), métodos que permitema diferenciação de microrganismosnas amostras pela análise dopadrão de bandas gerados por restriçãoenzimática do DNA amplificado.Por outro lado, a construção debancos genômicos, produzidos apartir da clonagem dos fragmentosde genes ribossomais (ou de outrosgenes de interesse, incluindo genescodificadores de enzimas de viascatabólicas), amplificados por PCR,permite a geração de material paraseqüenciamento de DNA e análiseposterior filogenética de seqüênciasde DNA ribossomal e proteínas.A aplicação de métodosmoleculares geralmente implica emcustos mais elevados, comparadocom a utilização de protocolos tradicionaisbaseados em isolamento emcultivo. Contudo, métodos independentes-de-cultivopermitem a geraçãode dados com elevado conteúdode informação e de natureza complementaraos métodosmicrobiológicos tradicionais, possibilitandoa detecção e quantificaçãode OGMs e microrganismos nãomodificadostambém pela presençados genes de degradação no DNA epelo nível de atividade metabólica(quantidade de RNA intracelular)presente na célula. Na Figura 2 observa-serelacionamento entre astécnicas que podem ser utilizadasnos estudos tradicionais e molecularesde amostras ambientais.Referências BibliográficasAlexander, M. (1999). Biodegradationand bioremediation. 2nded. New York: Academic Press.453 pp.Amann, R.I.; Krumholz, L.; Stahl,D.A. (1990). Fluorescent-oligonucleotideprobing of wholecells for determinative,phylogenetic, and environmentalstudies in microbiology.Journal of Bacteriologyv.172, p. 762-770.Amann, R.I.; Ludwig W.; Schleifer,K.H. (1995). Phylogenetic identificationand in situ detection ofindividual microbial cells withoutcultivation. MicrobiologicalReviews v.59 (1), p. 143-169.Atlas, R.M.; Bartha, R. (1998). Microbialecology. 4 th ed. MenloPark: The Benjamin/Cummings.533 pp.Borém, A.; Santos, F.R. (2004). Biorremediação.In: Borém A.; dosSantos, F.R. (Eds) <strong>Biotecnologia</strong>simplificada. UniversidadeFederal de Viçosa/MG, p. 179-187.Crawford, R.L. (Eds). (2002). Biotransformationand biodegradation.Section VIII. In: Hurst, C.J.;Crawford, R.L.; Knudsen, G.R.;McInerney, M.J.; Stetzenbach,L.D. (Eds.) Manual of environmentalmicrobiology. 2nd ed.ASM Press, Washington DC. p.898-1094.Fernandes, F.M. (1998). Bioremediation– State of the art. In: ThirdLatin American Biodegradation& Biodeterioration Symposium.Florianópolis, 27-30Abril.Glazer, A.N.; Nikaido, H. (1995).Microbial biotechnology. NewYork: W.H. Freeman. 662 pp.Grimberg, S.J.; Aitken, M.D. (1995).Biodegradation of phenanthrenesolubilized in surfactant micelles.In: Hinchee, R.E.; Brockman, F.J.;Vogel, C.M. Microbial processfor bioremediation. Columbus:Battelle Press. p. 59-66.Leung, K.; Errampalli, D; Cassidy, M.;Lee, H.; Trevors, J.T.; Okamura,H.; Bach, H.J.; Hall, B. (1997). Acase study of bioremediation ofpolluted soil: biodegradation andtoxicity of in soil. In: van Elsas,J.D.; Trevors, J.T.; Wellington,E.M.H. (Eds.). Modern soilmicrobiology. Marcel Dekker,New York. p. 577-605.Melo, I.S.; Azevedo, J.L. (1997).Microbiologia ambiental.Embrapa-CNPMA. 440 pp.Melo, I.S.; Souza Silva, C.M.M. (2003).Biorremediação de solos poluídos.In: Borém, A.; Santos, F.R.; Almeida,M.R. (Eds.). <strong>Biotecnologia</strong> de Aa Z. Universidade Federal de Viçosa/MG,p. 95-125.Spain, J.C.; Hughes, J.B.; Knackmuss,H.-J. (2000). Biodegradation ofnitroaromatic compounds andexplosives. New York: LewisPublishers. 434 pp.Spilborghs, M.C.F.; Casarini, D.C.P.(1998). Biorremediação do solocontaminado com compostos orgânicos.<strong>Revista</strong> Meio AmbienteIndustrial v. 12, maio-junho, p.66-69.Trevors, J.T.; van Elsas, J.D. (Eds.)(1995). Nucleic acids in theenvironment: methods andapplications. Springer-Verlag,Heidelberg, Germany. 256 pp.Whyte, L.G.; Bourbonnière, L.G.;Bellerose , C.G.; Greer, C.W. (1999)Bioremediation assessment ofhydrocarbon-contaminated soilsfrom the high Arctic.Bioremediation Journal, v. 3,n. 1, p. 69-79.Yarden, O.; Salomon, R.; Katan, J.;Aharonson, N. (1990).Involvement of fungi and bacteriain enhanced and nonenhancedbiodegradation of carbendazimand other benzimidazolecompounds in soil. CanadianJournal of Microbiology, v.36, p. 15-23.Zarda, B.; Hahn, D.; Chatzinotas,A.; Schönhuber, W.; Neef, A.;Amann, R.; Zeyer, J. (1997).Analysis of bacterialcommunity structure in bulksoil by in situ hybridization.Archives of Microbiology v. 168,p. 185-192.<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 43


Meio ambienteFUNDAMENTOS DAANÁLISE DE RISCOConceitos em Análise de Risco ecológica e para a saúde humanaLuiz Roberto Guimarães GuilhermeProfessor Adjunto, Universidade Federal de Lavras,Departamento de Ciência do Solo, Lavras, MGPesquisador Bolsista do CNPqguilherm@ufla.brImagens cedidas pelo autorIntroduçãoEste artigo apresenta alguns fundamentosa respeito do que venha aser a análise de risco e de como estaferramenta pode ser usada. Antes,porém, é necessário tornar clara adiferença entre o que é o “risco” e oque é o “perigo”. Freqüentemente,há confusão relativa ao significadodestes termos. Risco é a probabilidadee a intensidade de dano (porexemplo, doença) resultante da exposiçãoa um perigo. Em contraste, operigo é um agente (físico, químicoou biológico) ou uma ação que podecausar dano. Por exemplo, doençashumanas têm sido associadas àingestão de alimentos contaminadoscom alguns elementos-traço, e.g., ochumbo. O perigo é o chumbo (nassuas mais diversas formas), uma substância(agente) química. O risco representaa quantidade de pessoasque estão ou que podem ser afetadasde uma forma danosa, dentro doconjunto da população como umtodo, informação esta advinda deuma avaliação de risco. Esta distinçãoé apresentada com mais detalhesno item Avaliação de riscospara a saúde humana deste artigo.O que vem a ser, então, a análisede risco, e para que finalidadeela é usada? A análise de risco é umprocesso composto de três partes:avaliação de risco, gerência de riscoe comunicação do risco. É usada paraavaliar os dados científicos, comparare selecionar as políticas de açãodisponíveis e comunicar toda a informaçãoobtida no intuito de prevenirou controlar riscos não desejados.Cada um destes elementos da análisede risco tem um papel distinto.Os elementos da análise de riscosão usados por um agente reguladorqualquer (de saúde pública oudo meio ambiente) na tomada dedecisões para prevenir ou controlarriscos. Neste contexto, é importanteressaltar que todas as nossas decisõesdo dia-a-dia - independentementese foram tomadas por umindivíduo, um agente regulador ouuma indústria, por exemplo - acontecema partir de uma “análise derisco”. A única diferença é o nível decomplexidade que é necessário parase tomar uma decisão após a análisede cada caso.Conceitos envolvidos naanálise de riscoO problema já previamente levantadocom relação à terminologia“risco” e “perigo” tem levado a umasérie de discussões sobre o uso segurode substâncias químicas, visto queusos os mais diversos têm sido dadoa estes termos. No intuito de estabelecerum consenso acerca dos termos(e de seus usos) envolvidos noprocesso de avaliação de risco, constituiu-seum grupo de trabalho dentrodo Programa Internacional deSegurança Química da Organizaçãopara a Cooperação Econômica eDesenvolvimento (IPCS/OECD), oqual iniciou os trabalhos de padronizaçãode terminologia (Lewalle,1999) que resultaram então numapublicação posterior a este respeito(Duffus, 2001). Os conceitos apresentadosa seguir advêm de uma44 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


tentativa de se adaptar a terminologiadescrita na língua inglesa para oportuguês. Os termos consideradosorientadores das ações, conformedescrito no artigo original (Duffus,2001), são apresentados no corpodesse artigo. Alguns outros termosconsiderados básicos dentro do contextoda avaliação de risco são descritosno glossário da publicação editadapor Borém (2004).A associação dos diferentestermos descritos a seguir foiestabelecida através de um diagramaconceitual, o qual é mostrado nafigura 1.Antes de iniciarmos a discussãodos termos descritos no diagramaem si, cabe ressaltar a distinção queé feita no trabalho de Duffus (2001)entre as expressões “análise” e “avaliação”.A análise consiste no examedetalhado de algo complexo, feitocom a finalidade de entender suanatureza ou determinar suas característicasessenciais. A avaliação é descritacomo sendo a combinação deanálise de fatos e da inferência depossíveis conseqüênciasconcernentes a um objeto particular.Neste contexto, são destacados doistermos de uso freqüente em avaliaçãode risco, mas que não fazemparte do diagrama da figura 1, quaissejam:• Indicador ou ponto final daavaliação (do inglês, endpoint):expressão quantitativa de um fatorespecífico a que um risco pode estarassociado, conforme determinado poruma avaliação de risco apropriada.• Fator de avaliação: ajustenumérico usado na extrapolação derelações de dose-resposta determinadasexperimentalmente, para seestimar o nível de exposição a umasubstância acima do qual efeitos adversospodem acontecer.Avaliação do perigoA avaliação do perigo é o processodesignado para determinarquais são os fatores que contribuempara os possíveis efeitos adversos deuma substância à qual uma populaçãohumana ou um compartimentoambiental poderiam estar ou estãoexpostos. O processo inclui três passos:identificação do perigo, caracterizaçãodo perigo e levantamento doperigo (Figura 1). Os fatores acimareferidos podem incluir mecanismosde toxicidade, relações de dose-efeitoe dose-resposta, variações nasuscetibilidade do alvo, etc.• Identificação do perigo: a primeirafase da avaliação do perigo,que consiste na determinação dassubstâncias de interesse e dos efeitosadversos inerentes que elas podemestar causando a sistemas alvosob certas condições de exposição,levando em conta dados sobre suatoxicidade. (Nota: as definições podemvariar na sua formulação, dependendodo contexto. Assim, nocontexto da avaliação de risco, aidentificação de risco consiste naprimeira fase onde são determinadosos perigos particulares a que umdeterminado sistema alvo pode estarexposto, incluindo dados detoxicidade associados).• Caracterização do perigo: osegundo passo no processo de avaliaçãodo perigo, consistindo na descriçãoqualitativa e, quando for possível,quantitativa, da natureza doperigo associado com um agentebiológico, químico ou físico, baseadoem um ou mais elementos, comomecanismos de ação envolvidos,extrapolação biológica, relações dedose-resposta e dose-efeito e as suasrespectivas incertezas associadas.• Levantamento do perigo: oterceiro passo no processo que tempor finalidade a determinação darelação qualitativa e quantitativaexistente entre exposição a um perigosob certas condições, incluindoas incertezas associadas, e o resultanteefeito adverso.Avaliação de riscoA avaliação de risco é o processocujo objetivo é calcular ou estimaro risco que possa existir para umdeterminado sistema alvo em decorrênciada sua exposição a uma substânciaparticular, levando-se em contaas características inerentes da substânciaem questão, assim como tambémas características do sistemaalvo específico. O processo incluiquatro passos: identificação do perigo,avaliação da dose-resposta, avaliaçãoda exposição e caracterizaçãodo risco (Figura 1). É também oprimeiro passo dentro da análise derisco.• Identificação do perigo: a primeirafase na avaliação de risco,consistindo na determinação dosperigos particulares a que um determinadosistema alvo pode estar exposto,incluindo dados de toxicidadeassociados: (Nota: vide definição alternativano contexto da avaliaçãodo perigo).• Avaliação da dose-resposta: osegundo dos quatro passos da avaliaçãode risco, que consiste na análiseda relação entre a quantidadetotal de um agente que é absorvidapor um grupo de organismos e asmudanças desenvolvidas no grupoem reação a este agente, assim comoinferências derivadas de tal análisecom respeito à população inteira.• Avaliação da exposição: passoda avaliação de risco que consisteem uma análise quantitativa equalitativa da presença de um agente(incluindo seus derivados) em umdeterminado ambiente e a inferênciadas possíveis conseqüências que elepode ter para uma determinada populaçãode interesse particular.• Caracterização do risco:integração das evidências, dos argumentose das conclusões coletadasnas fases de identificação do perigo,avaliação da dose-resposta e avaliaçãoda exposição, e estimativa daprobabilidade, incluindo as incertezasa esta associada, de ocorrênciade um efeito adverso se um agenteé administrado, ingerido ou absorvidopor um organismo particular ouuma população. É o último passo daavaliação de risco. (Nota: na avaliaçãode risco ecológico, a avaliação dadose-resposta é substituída pela avaliaçãoda concentração-resposta, ou,então, é feita uma estimativa qualitativae, ou, quantitativa, incluindo asincertezas a ela associadas, da severidadee da probabilidade de ocorrênciade efeitos adversos conhecidose potenciais de uma substânciaem uma determinada população).Ainda dentro do contexto daavaliação de risco, procura-se definiro risco aceitável, que é aquele risco<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 45


tal em que os benefícios derivadospara um organismo, uma populaçãoou um sistema ecológico excedemem valor os efeitos adversos quepoderiam resultar da exposição a umagente particular.Gerência de riscoA gerência de risco constitui-seno processo de tomada de decisãoque envolve a consideração de fatorespolíticos, sociais, econômicos etécnicos, bem como informação relevanteproveniente da avaliação derisco pertinente a um perigo, nointuito de desenvolver, analisar ecomparar opções regulatórias e nãoregulatórias e ainda selecionar eimplementar as melhores decisões eações para assegurar a segurançacontra aquele perigo. Essencialmente,a gerência de risco é a combinaçãode três passos: avaliação do risco-benefício,controle de emissão eexposição e, finalmente, oAvaliação do perigoIdentificação do perigoCaracterização do perigoLevantamento do perigoGerência de riscoAvaliação do risco-benefícioControle da emissão eda exposiçãoMonitoriamento do riscomonitoramento do risco (Figura 1).No passo intermediário (controle deemissão e exposição), a expressãocontrole é usada mais num sentidogeral do que com conotaçãoregulatória.• Avaliação do risco-benefício:estabelecimento de uma relaçãoqualitativa ou quantitativa entre riscose benefícios, envolvendo o processocomplexo de determinar aimportância dos perigos identificadose dos riscos estimados para aquelesorganismos ou pessoas interessadosou afetados. É o primeiro passodentro da gerência de risco.• Monitoramento do risco: processode acompanhamento internodas decisões e ações para averiguarse a redução ou contenção de riscorelativo a um perigo particular estáassegurada.Análise de riscoFinalmente, após a definiçãoAvaliação de riscoIdentificação do perigoAvaliação de dose-respostaAvaliação da exposiçãoCaracterização do riscoAnálise de riscoAvaliação de riscoGerência de riscoComunicação de riscoFigura 1. Diagrama conceitual envolvendo as várias etapas da análise de risco.Fonte: Adaptado de Duffus (2001).prévia de alguns de seus termosassociados, a análise de risco é entãodescrita por Duffus (2001) comosendo o processo usado para controlarsituações onde populações ousistemas ecológicos poderiam estarexpostos a um perigo. Normalmenteinclui três passos, quais sejam, aavaliação de risco, a gerência derisco e a comunicação do risco (Figura1). Os termos avaliação de riscoe gerência de risco já foram previamentedefinidos, restando apenas adefinição a seguir:• Comunicação do risco: trocainterativa de informação sobre riscosentre avaliadores de risco, gerentes,imprensa, grupos interessados e opúblico em geral.Entendendo melhor a avaliaçãode riscoApós apresentarmos uma tentativade padronização de terminologiaenvolvendo a avaliação e a análisede risco, procura-se, nos tópicosa seguir, abordar com mais detalhesalguns aspectos da avaliação de riscode per si. O enfoque desta discussãoé basicamente o mesmo adotadopela Agência de Proteção Ambientaldos Estados Unidos, em documentosconceituais relacionados a este assunto(USEPA, 1998; 1992a,b,c).Adicionalmente, procurou-se tambéminserir recomendações advindasde relatório específico sobre o assunto,editado pela AgênciaAmbiental Européia (Fairman et al.,1999).A avaliação de risco tem se tornadouma ferramenta analítica importantena tomada de decisãoambiental. Ela pode ser definidacomo a identificação de efeitos adversospotenciais a humanos ou aecossistemas que resultam da exposiçãoa perigos ambientais. O riscoenvolvido (dano, infecção, deficitsfuncionais ou morte) pode ser expressoem condições quantitativasou qualitativas. Conforme já descritoanteriormente, o processo de avaliaçãode risco para a saúde humanafreqüentemente envolve os passosseguintes:1.Identificação de perigo - determinaçãose um poluente afeta46 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


adversamente a saúde humana;2.Avaliação de dose-resposta -determinação da relação entre o nívelde exposição e a probabilidadede ocorrência de efeitos adversos;3.Avaliação da exposição - determinaçãoda extensão de exposição;4.Caracterização do risco - descriçãoda natureza e, freqüentemente,da magnitude do risco, incluindo asincertezas acompanhantes.O fato de pode acontecer simultaneamentea exposição a muitosperigos potenciais e em magnitudevariada faz com que o processo deavaliação de risco seja complexo. Aavaliação de risco emprega um processode avaliação sistemático paradeterminar se um perigo existe eque risco ele poderia representar.Efeitos observados, julgamentos eextrapolações são todos usados noestabelecimento de estimativas e desuas incertezas para apoiar o planejamentoe a tomada de decisão.A avaliação de risco éfreqüentemente usada no desenvolvimentode ações regulatórias paraproteger o público da exposição apoluentes tóxicos. A avaliação derisco também é aplicada na análisede ecossistemas e em assuntos comoa depleção de ozônio na estratosferae as mudanças climáticas globais.Devido ao fato de geralmente haverlacunas no levantamento de dadosda avaliação de risco, esforços paracomparar e classificar riscosambientais devem sempre levar emconta o julgamento profissional.Definição do ProblemaAnálise dos DadosRiscos para a Saúde Humana, oAmbiente e a Qualidade de VidaMetasPrioridadesEstratégiasAvaliação eRetroalimentaçãoAvaliação de risco comparativaA maioria das avaliações de riscoenvolve a análise de uma substânciaespecífica ou de uma área consideradaproblema. Outro uso da avaliaçãode risco como uma ferramenta épara comparar riscos advindos deproblemas múltiplos no âmbito estadual,regional, nacional ou global.Este processo de avaliação de riscocomparativo envolve os passos seguintes.1.Listagem de todas as áreascom problema na região, estado oupaís;2.Ranqueamento dos problemascom base no risco (saúde humana,ecológico, bem-estar ou qualidadede vida); esta classificação está baseadaem uma análise de dados disponíveisespecíficos para o problemadaquela região, estado ou país;3.Desenvolvimento de umaagenda de ações para cuidar dasáreas com problema, baseando-sena classificação de risco e em outrosfatores (por exemplo, viabilidade,opinião pública, etc.).A avaliação de risco comparativaé uma metodologia que usa conhecimentocientífico, políticasregulatórias, análise econômica eparticipação das partes interessadaspara identificar e tratar das áreas querepresentam maiores riscosambientais, provendo uma estruturaorganizacional que permita apriorização dos problemasambientais. Os resultados de umaanálise de risco comparativa podemImplementação do Planode Ação AmbientalFigura 2. Abordagem sistemática para a tomada de decisão envolvendo riscoscomparativos.ser usados para prover uma basetécnica indicativa das ações de controlee das prioridades administrativase de uso de recursos.Um exemplo envolvendo o usoda avaliação de risco comparativa noestabelecimento de prioridades decontrole é aquele adotado pela Agênciade Proteção Ambiental dos EstadosUnidos (USEPA) e pela Agênciapara Registro de Substâncias Tóxicase Doenças (ATSDR) para a classificaçãode substâncias consideradaspoluentes prioritários, nos EstadosUnidos. Este levantamento é realizadoa cada dois anos e, em função dedados atualizados relativos à possibilidadede exposição e ao perigoenvolvendo cerca de 275 substâncias,estas são então ranqueadas. Atabela 1 mostra a classificação das 20principais substâncias, em 2003. Alista completa das substâncias avaliadasencontra-se em http://www.atsdr.cdc.gov/clist.html. Adicionalmente,informações extensivasrelacionados à toxicidade e comportamentoambiental da maioria dessassubstâncias podem ser consultadosem http://www.atsdr.cdc.gov/toxpro2.html.Um outro exemplo de avaliaçãode risco comparativa é aquele quefoi usado também pela USEPA paraclassificar problemas ambientais consideradosde alto, médio e baixorisco para a população humana oupara o ambiente, nos Estados Unidos,no documento intituladoUnfinished Business: A ComparativeAssessment of EnvironmentalProblems, publicado em 1987. Estedocumento foi considerado pontode referência sobre o assunto e basepara inúmeros trabalhos futuros, incluindodentre estes um softwaredesenvolvido em 1995 por pesquisadoresda Universidade de Purdue(EUA), o qual encontra-se disponívelpara carregamento em http://www.epa.gov/seahome/comprisk.htmlA figura 2 ilustra a abordagemadotada nesse software e a tabela 2traz a classificação de riscos relativosrepresentados por alguns dos 31 problemasambientais consideradosprioritários, ranqueados em 4 grandescategorias de risco, a saber: 1)<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 47


Tabela1.Classificação de risco de substâncias perigosas consideradasprioritárias para controle nos Estados Unidos.Classificação2003emNome da substânciaClassificaçãoem 20011 Arsênio12 Chumbo23 Mercúrio34 Cloretode vinila45 Bifenilaspolicloradas56 Benzeno67 Cádmio78Hidrocarbonetos aromáticospolicíclicos9 Benzo(a)pireno810Benzo(b)fluoranteno1011Clorofórmio1112DDT,p, p1213Aroclor12541314Aroclor12601415Dibenzo(a,h)antraceno1616Tricloroetileno1517Cromo,hexavalent e1818Dieldrin1719Fósforo,branco2420Clordane19Fonte: http://www.atsdr.cdc.gov/clist.htmlriscos à saúde humana -carcinogênicos; 2) riscos à saúdehumana - não carcinogênicos; 3) riscosecológicos; e, 4) riscos para obem-estar (qualidade de vida).Um resumo dos resultados desseestudo de 1987 revela que:•Nenhum problema foiranqueado como sendo de risco relativamentealto ou baixo em todas as4 grandes categorias de risco;• Problemas classificados comode médio a alto risco em 3 categoriasforam: poluentes atmosféricos comuns,depleção da camada de ozôniona estratosfera, resíduos depesticidas em alimentos e outrosriscos associados a pesticidas (e.g.,lixiviação, escorrimento superficial);• Problemas classificados comode alto risco para a saúde e de baixorisco ecológico e para o bem-estarforam: poluentes atmosféricos tóxicosou perigosos, radônio em recintofechado, poluição de ar em recintofechado (exclui radônio), aplicaçãode pesticidas, exposição a produtosde consumo diversos e exposição dotrabalhador a substâncias químicas;• Problemas classificados comode alto risco ecológico ou para obem-estar foram: efeito estufa, fontespontuais e não pontuais de poluiçãode águas de superfície, alteraçãofísica de habitats aquáticos (incluindoáreas pantanosas e estuários) erejeitos de mineração.Ressalta-se que embora os9exemplos apresentados para análisede risco comparativa sejam provenientesde um país com condições dedesenvolvimento diferentes daquelasexistentes no Brasil, o que éimportante nesse contexto é a necessidadede estabelecimento de prioridades.Este é o ponto principal aser considerado quando se pergunta:Por que fazer uma avaliação derisco comparativa? Independentementeda situação financeira queatravessa um determinado país, estadoou município, não há recursosdisponíveis para tratar de todos aspreocupações ambientais de umacomunidade ao mesmo tempo. Comoos tomadores de decisão trabalhamsempre com restrições orçamentárias,então esses são obrigados a escolhero que deve ser priorizado, querseja através de um processo definidode tomada de decisão, quer sejaatravés de decisões circunstanciais.Além disso, esses tomadores dedecisão estão sempre enfrentandopressões políticas e da opinião públicapara agir no sentido de reduzirriscos ambientais ditos “percebidos”,os quais podem ou não representaruma ameaça atual para a saúde humana,o ambiente ou a qualidade devida.Relação entre avaliaçãode risco e gerência de riscoConforme já definido anteriormente,a gerência de risco é o processode tomada de decisão atravésdo qual uma ação ou uma política édesenvolvida uma vez que um riscotenha sido determinado. Ela integraa avaliação de risco com assuntostécnicos, políticos, sociais e econômicospara desenvolver estratégiasde redução e prevenção do risco. Aintegração de todos esses fatoresenvolvidos na gerência de risco ébastante complexa e um caso especialmenteinteressante e para o qualtem sido dada uma grande ênfasemais recentemente é o que diz respeitoà análise econômica de benefíciosecológicos, visto que as diferentesvisões e perspectivas de economistase ecologistas devem serintegradas visando uma avaliaçãointerdisciplinar das questões48 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Tabela2.Classificação comparativa de risco de alguns problemas ambientais nos Estados Unidos, de acordo com quatrograndes categorias de riscoCategoria de riscoProblema ambientalRiscos à saúdehumana1carcinogênicosRiscos à saúdehumana não2carcinogênicosRiscos3ecológicosRiscos para o4bem-estarPoluentesatmosféricos comuns (SO , NO, ozônio, CO,2 xchumbo, particulados) provenientes de fontes móveis eestacionáriasClasse3 (22)Alto3 Alto (1)Poluentes atmosféricoscarcinogênicos)tóxicos ou perigosos (incluipossíveisClasse1 (6)Alto4Baixo (23)P oluição do ar em recinto fechado (exclui radônio)Classe1 (4)Alto- Mínim oSubstâncias suspeitas de afetar acamada de ozônio naestratosferaGás carbônico & efeito estufaFontes pontuaissuperfícieFontes nãosuperfíciediretas de descarrega em águas depontuais (difusas) de descarrega em águas deClasse2 (8)Classe 5 (28)Classe4 (23)Classe3 (20)Médio1 Alto (6)Nãoranqueado 1 Alto (5)Baixo3 Alto (8)Médio3 Alto (2)L odo de esgoto (biossólido) contaminadoClasse3 (17)Baixo5Baixo (22)P oluição de água potável (na torneira)Classe2 (9)L ocais de descarte de resíduos perigosos - inativosClasse2 (7)L ocais de descarte de resíduos não perigosos - municipais Classe3 (16)L ocais de descarte de resíduos não perigosos - industriais Classe2 (14)R ejeitos de mineraçãoClasse3 (18)V azamentos acidentais - produtos tóxicosClasse4 (25)V azamentos acidentais - derramamento de óleoClasse4 (26)A ltoBaixo (19)Baixo5 Médio (9)Médio5 Médio (10)Médio5 Baixo (15)Baixo2 Baixo (21)Alto5 Baixo (17)Nãoranquead o 5 Baixo (18)V azamentos de tanques de armazenamentoClasse3 (19)Baixo6Baixo (16)O utras fontes de contaminação de água de subsuperfície Classe3 (21)Nãoranquead o 5 Mínim oResíduos deselvagem)pesticidas no alimento (humano e de vidaClasse1 (3)Alto3MínimoA plicação de pesticidasClasse2 (10)Alto-MínimoOutros riscos associadosescorrimento superficial)Riscos da biotecnologiamodificados)a pesticidas (e.g., lixiviação,(inclui organismos geneticamenteExposição a produtos químicos em artigos de consumodiversosClasse2 (12)Classe5 (27)Classe1 (4)Médio3 Médio (13)Nãoranquead o - Médio (14)Alto- Mínim oE xposição do trabalhador a substâncias químicasClasse1 (1)Alto- Mínim o1Classe 1 representa o mais alto risco e classe 5 representa risco de câncer não identificado (número entre parêntesesidentifica ranqueamento dentro das classes); 2 Classificação relativa – alto, médio ou baixo; 3 Número 1 representa omaior risco e 6, o menor (problemas classificados com mesmo número não foram ranqueados); 4 Classificação relativa– alto, médio, baixo ou mínimo (número entre parênteses identifica ranqueamento dentro das classes de alto, médioou baixo risco relativo).<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 49


ambientais. Para informações adicionaispertinentes a esta questão sugere-seuma consulta ao documento AFramework for the EconomicAssessment of Ecological Benefitsrecentemente editado pela USEPA(disponível em http://www.epa.gov/osa/spc/pdfs/feaeb3.pdf), bem comoao texto de Guilherme (2000).A gerência de risco tem quelevar em conta as incertezas associadascom as várias suposições e julgamentosfeitos em cada passo doprocesso envolvendo a avaliação derisco. Quando possível, a avaliaçãode risco deve discutir as incertezasde tal forma que o responsável porgerenciar o risco possa levar isto emconsideração na sua tomada de decisão.Como ilustração, apresenta-se,na figura 3, a relação entre os elementosda avaliação de risco e dagerência de risco, levando-se emconsideração a saúde humana.Sumarizando-se as informaçõesconstantes na figura 3, nota-se quediferentes tipos de informação sãousados na avaliação de risco à saúde.A “identificação do perigo” é umadeterminação qualitativa de que umdeterminado agente está casualmenteligado a efeitos específicos à saúde.Dados avaliados neste processo podemincluir estudos epidemiológicos,estudos com animais, ensaios de curtaduração e comparações baseadas nasrelações entre atividade e estrutura.Uma “avaliação de dose-resposta” éexecutada por pessoal especializadoque usa dados disponíveis sobreo indicador ou ponto final de avaliaçãoenvolvendo a saúde tanto paraestudos com humanos quanto comanimais. Esta avaliação de dose-respostainclui o exame de como osdados dos estudos com humanos eanimais são influenciados pelo nívelde exposição ao agente químico,assim como também diferenças entreespécies ou na respostatoxicológica de um determinado órgão.O componente “avaliação daexposição” usa informação sobre níveisambientais, destino e transporte,análises ecológicas, exposiçõesno ponto de contato, modelagemfarmacocinética dos dados e característicasdemográficas. O componentefinal, denominado “caracterizaçãodo risco”, é uma medida do risco aoindivíduo ou para a população queleva em conta a informação colecionadadurante a identificação do perigo,a avaliação de dose-resposta e aavaliação de exposição, as quais sãocaracterizadas completamente pormeio da discussão e interpretaçãodos pontos fortes e fracos envolvendoos dados, do conhecimento e ouda falta de conhecimento sobre osfenômenos biológicos avaliados esobre as incertezas qualitativas ouquantitativas da análise. Esses passosda avaliação de risco para a saúdehumana são discutidos com maisdetalhes no item a seguir.Avaliação de riscos para asaúde humanaNo sentido mais simples, riscosà população advindos de poluentestóxicos existem em função de doisfatores mensuráveis: perigo e exposição.Para gerar um risco, uma substânciaquímica tem que apresentarperigo e estar presente no ambientePesquisa Avaliação de risco Gerência do riscoObservações delaboratório e de campodos efeitos adversospara a saúde advindosda exposição a agentesparticularesIdentificação do perigo(o agente causa efeitoadverso?)Desenvolvimento deopções regulatórias enão regulatóriasInformações sobremétodos deextrapolação de dosealta para baixa e detestes com animaispara humanosMedições de campo,estimativas deexposições ecaracterização dapopulaçãoAvaliação da doseresposta(qualé arelação entre dose eincidência do dano emhumanos?)Avaliação da exposição(que exposiçõesocorrem atualmente oupodem ser esperadassob diferentescircunstâncias?)Caracterização do risco(descrição do risco quecombina resultados deidentificação do perigo,estudos de doserespostae avaliação daexposição)Avaliação da saúdepública e dasconseqüênciaseconômicas, sociais epolíticas das opçõesregulatóriasDecisões das agênciasregulatórias e açõesFigura 3. Elementos da avaliação e gerência de risco50 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Figura 4. Ilustração gráfica do conceito de risco (intersecção das áreas querepresentam o perigo e a exposição), comparando-o com o conceito de entradadiária aceitável ou dose de referência (área em preto).em um certo nível tal que sejasignificante. A avaliação de risco éuma interpretação da evidência dessesdois pontos. A figura 4 procurailustrar isso.Nota-se na figura 4 que o riscorepresentado pela substância químicaou agente (ilustrado graficamentepela área em cinza claro derivada daintersecção entre o perigo e a exposição)será tanto maior quanto maioresforem a exposição e o perigo(maiores áreas dos círculos). Se aárea de intersecção - que representao risco - puder ser avaliada em termosde quantidade de um agenteperigoso qualquer que atinge umdeterminado indivíduo ou população,então a mesma poderá ser comparadacom os valores representadospela “entrada diária aceitável”ou “dose de referência” (vide definiçõesem Borém, 2004), obtendo-se,assim, um parâmetro comparativoentre o risco estimado e aquele consideradoaceitável. Caso o valor estimadopara o risco (área daintersecção) seja igual ou menor queo valor que representa a entradadiária aceitável ou dose de referência(área em preto), então uma intervençãono ambiente afetado poderáser descartada. Do contrário – se orisco estimado for maior que o acei-tável – então há que se proceder auma estratégia de remediação quepossa tornar o local seguro para usoatual e futuro.Pode-se inferir também pela figura4 que se o perigo é pequeno(pequeno tamanho do círculo emcinza escuro), então mesmo que aexposição seja grande (círculos embranco), o risco estimado poderá sernegligível ou estar próximo do nívelaceitável. Analogamente, se a exposiçãoé pequena, então mesmo queo perigo seja grande, há a possibilidadede que o risco estimado sejaigual ou menor que aquele consideradoaceitável. Esse último caso é deespecial interesse, pois controlar aexposição (por exemplo, medianteo uso de equipamentos de proteçãoindividual ou da correta utilização deprodutos químicos) representa amelhor maneira de se reduzir o riscoadvindo de um agente qualquer quepossui um perigo intrínseco a eleassociado. Obviamente, nas circunstânciasem que inexiste o perigo e,ou, a exposição a um agente qualquer,então o risco é consideradonulo. Essa situação de “risco zero”,entretanto, é utópica.A avaliação de risco permitejulgar se efeitos adversos acontecerãoou não e, caso aconteçam, quaisseriam os cálculos necessários parase estimar a extensão total dos efeitos.A estrutura organizacional daavaliação de risco é útil para auxiliarno agrupamento de informações enas interpretações científicas dosfatos, o que ajuda na formulação depolíticas regulatórias e de estratégiasde gerenciamento ambiental. Emcada um dos quatro passos no processode avaliação de risco, dadossão agrupados e interpretados visandoconclusões sobre fatores de risco.Freqüentemente a interpretação dainformação é expressa como sendoo melhor julgamento científico possívelpor parte dos avaliadores derisco. Para auxiliar no estabelecimentode referências toxicológicas,freqüentemente lança-se mão debancos de dados como aquele daUSEPA (The Integrated RiskInformation System - IRIS), o qualcontém informações resumidas acercade efeitos crônicos à saúde humanapara aproximadamente 500 substânciasquímicas e outros agentes.Esse sistema de informação de riscoinclui seções sumarizando efeitospotenciais da exposição oral a (dosede referência oral) ou da inalação de(concentração de referência para inalação)substâncias consideradas nãocarcinogênicas, bem como informaçãosobre risco de carcinogênicos.Essa base de dados representa umrecurso inicial útil para a identificaçãodo perigo e para a busca deinformações sobre dose-resposta,permitindo ainda que o usuário busqueinformações sobre os dados originaisnos quais a informação foibaseada. Para acessar esse banco dedados, consulte a lista de websitessugeridos ao final deste artigo.Identificação do perigoA Identificação do perigo, o primeiropasso no processo de avaliaçãode risco para a saúde humana,envolve o julgamento da evidênciadisponível acerca da possibilidadede uma substância particular causarum efeito adverso para a saúde.Também pode envolver a caracterizaçãodo comportamento de umasubstância química dentro do corpoe sua interação com órgãos, células<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 51


ou até mesmo componentes das células.Idealmente, estudosepidemiológicos são os mais adequadose importantes nesses casos,porém, a disponibilidade destes dadosé limitada. Estas avaliações dependemmais freqüentemente detestes com animais. Estes testes permitemo controle rigoroso de muitosfatores que podem gerar incertezas.Porém, sistemas biológicos de animaissão diferentes daqueles dosseres humanos. Algumas espéciesde animais parecem ser mais sensíveisque os humanos a certas substânciase menos sensíveis a outras.Avaliação da dose-respostaA avaliação da dose-resposta é oprocesso de caracterização da relaçãoexistente entre a dose recebidade um agente qualquer e a incidênciade efeitos adversos na populaçãoexposta. Enquanto a identificação doperigo procura determinar se é provávelque uma substância químicacause um efeito particular em humanosou animais, o estudo da doserespostaquantifica este efeito, ouseja, determina qual é a intensidadede resposta obtida em vários níveisde exposição (dose). A intensidadede dano causado por diferentes substânciasvaria amplamente; por exemplo,uma substância química A eoutra B podem, ambas, causar câncerem animais, mas pode ser necessáriouma dose muito maior da substânciaA do que da B para produzirtumores em animais testados no laboratório.Quando os resultados daavaliação da dose-resposta com animaissão extrapolados para sereshumanos, devem ser feitos ajustespara se corrigirem diferenças entrehumanos e animais no que diz respeitoà sensibilidade e àfarmacocinética (taxa de transformaçõesfisiológicas das substâncias).Normalmente, efeitos de baixas dosagenssão deduzidos de resultadosde estudos de laboratório ouepidemiológicos com altas dosagens.Embora algumas diferenças possamser ajustadas, muitas outras não sãosuficientemente entendidas, gerando,assim, incertezas (por exemplo,animais e humanos podem diferirem suscetibilidade em função deidade, sexo, diversidade genética,estado de saúde, estilo de vida ououtros fatores). Para informação atualizadarelativa a estudos de doseresposta,sugere-se uma consulta àbase de dados descrita anteriormente(IRIS).Avaliação da exposiçãoA exposição acontece quandoos seres humanos entram em contatocom um agente qualquer. Poroutro lado, a dose é a quantidade dasubstância que realmente penetrano organismo. A exposição podeacontecer por ingestão, inalação ouabsorção dermal (Figura 5). A rota deexposição geralmente afeta a extensãoda absorção e, conseqüentemente,a dose. Exposição e dose sãoconsideradas ao se avaliar o risco,pois: 1) um agente tem que alcançarreceptores biológicos (por exemplo,órgãos ou células) para produziruma resposta; 2) a produção de umaresposta e a intensidade da mesmasão relacionadas com a dose do agenteno receptor; e, 3) a concentraçãoe a rota de exposição afetam significativamentea dose do agente noreceptor.A avaliação da exposição estábaseada em monitoramentoambiental ou em modelagem, podendotambém advir da combinaçãodesses. Ressalta-se, entretanto, quedados concretos provenientes daexposição de humanos bem comodados extensivos de monitoramentosão geralmente limitados, devido alimitações orçamentárias. Um resumodos dados disponíveis sobre váriosfatores usados na avaliação daexposição humana, incluindo consumode água potável, consumo dediferentes alimentos (como frutas,verduras, carnes, laticínios e peixes)padrões para solos e massa corpórea,pode ser encontrado nas publicaçõesEPA/600/8-89/043 ExposureFactors Handbook e EPA/600/R-03/029 CSFII Analysis of Food IntakeDistributions, as quais podem serobtidas consultando-se um doswebsites sugeridos ao final deste artigo(http://www.epa.gov/nepis/).Caracterização do riscoA caracterização do risco é acombinação da identificação do perigocom informações sobre doserespostae exposição. Embora oscálculos finais para se estimar o riscosejam diretos, o modo através doqual a informação é apresentada éimportante. A avaliação final deverevelar toda a informação pertinenteao assunto que estava disponível nomomento da tomada de decisão, incluindoaquela relativa a fatores taiscomo a natureza e a relevância daevidência levantada em cada passodo processo, as incertezas associadase a distribuição do risco atravésdos vários segmentos da população.Avaliação de riscos ecológicosA abordagem usada na avaliaçãode riscos ecológicos éconceitualmente semelhante àquelausada na avaliação de riscos para asaúde humana. A avaliação de riscosecológicos determina a probabilidadede que efeitos ecológicos adversosestejam acontecendo ou acontecerãocomo resultado da exposição aum ou mais agentes. O termo ‘’agente’’pode ser definido como qualquerentidade química, física ou biológicaque pode induzir efeitos adversosem indivíduos, populações, comunidadesou ecossistemas. Esses agentespodem ser representados tantopor uma drenagem de uma áreapantanosa quanto pela liberação desubstâncias químicas no ambiente.Assim, a avaliação de riscos ecológicosdeve ser flexível o suficiente demodo a proporcionar uma estruturalógica e científica que permita acomodaruma ampla gama de agentesque possam resultar em um risco. Aavaliação de riscos ecológicos podeajudar na identificação de problemasambientais, no estabelecimento deprioridades e no provimento de umabase científica para açõesregulatórias. Esse processo podeidentificar riscos existentes ou entãoprever os riscos de advindos de agentesque ainda não estão presentes noambiente.A avaliação de riscos ecológicosinclui três fases primárias: formula-52 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Figura 5. Rotas principais de exposição na avaliação de risco à saúde humana.Fonte: Adaptado de Fairman et al. (1999)ção do problema, análise e caracterizaçãodo risco (Figura 6). Durante aformulação do problema, os avaliadoresde risco estabelecem metas eselecionam os indicadores da avaliação,preparam o modelo conceituale desenvolvem um plano de análise.Durante a fase de análise, são avaliadasa exposição ao(s) agente(s) e arelação entre nível de exposição eos efeitos ecológicos. Na terceirafase, caracterização do risco, os avaliadoresestimam os riscos com baseno cruzamento das informações deexposição com o perfil de respostaao(s) agente(s). Estes riscos são entãodescritos, discutindo-se as evidênciase determinando-se as adversidadesecológicas, sendo posteriormenterelatados em um relatório.Uma estreita cooperação entre aspartes interessadas e os avaliadorese gerentes de risco, durante o planejamentoinicial, bem como a corretacomunicação do risco, ao término daavaliação, são críticos para assegurarque os resultados da avaliação derisco possam ser usados para suportaras decisões de gerência.Em função da necessidade departicipação de pessoas com notórioconhecimento numa determinadaárea específica (especialmente emavaliações de risco ecológico complexas),avaliadores de risco e gerentesde risco freqüentementetrabalham em equipes multidisciplinares.Tanto os gerentes quanto os<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 53


Figura 6. Modelo de avaliação de riscos ecológicos utilizado pela Agência deProteção Ambiental dos Estado Unidos.Fonte: USEPA Risk Assessment Forum (vide website ao final deste artigo)avaliadores de risco devem contribuirsignificativamente para as atividadesiniciais de planejamento daavaliação de risco ecológico. Gerentesde risco encarregados de protegero ambiente devem identificar ainformação que eles precisam paratomar suas decisões, enquanto queos avaliadores de risco devem assegurarque o conhecimento científicoseja usado efetivamente para enfocaras preocupações ecológicas. Juntos,avaliadores e gerentes podem julgarse a avaliação de risco realmentefocalizou os problemas identificados.Ressalta-se que o processo envolvidonesse planejamento inicial édistinto daquele procedimento científicorequerido para uma avaliaçãode risco ecológico. Esta distinçãodeve assegurar que questões políticase sociais possam ajudar na definiçãodos objetivos da avaliação derisco sem, entretanto, induzir a decisõestendenciosas.Considerações finaisConforme foi relatado neste artigo,a análise de risco é um processode avaliação, gerenciamento ecomunicação usado para avaliardados científicos, comparar e selecionaras políticas de ação disponíveise comunicar toda a informação obtidano intuito de prevenir ou controlarriscos não desejados advindos daexposição de um indivíduo ou populaçãoa um agente particular.A avaliação de risco é um passocrucial nesse processo, pois é nestafase que são levantadas todas asinformações sobre os riscos estimados,os quais tendem a ser comparadoscom riscos considerados aceitáveis,visando respaldar, de maneiraobjetiva, as futuras ações degerenciamento e comunicação derisco. Entretanto, a tentativa de secomparar, em termos quantitativos,um risco calculado (a partir da estimativada exposição de um indivíduoou uma população a um agenteperigoso qualquer) com um riscoconsiderado aceitável (valor esteproveniente de testes toxicológicosou ecotoxicológicos), nem sempre épossível, especialmente em se tratandode avaliações de riscos ecológicos.Mesmo sabendo-se que algumasincertezas qualitativas e quantitativascercam as estimativas de riscopara a saúde humana, a possibilidadede comparação de valores calculadoscom aqueles consideradosaceitáveis traz um referencial maisobjetivo para a tomada de decisãopor parte dos agentes regulatórios.Já no caso da avaliação de riscosecológicos e, mais especificamente,aqueles associados aos organismosgeneticamente modificados (OGMs),a multitude dos indicadores a seremavaliados, aliada ao pouco conhecimentoacerca dos efeitos ecológicosem longo prazo torna o processo decaracterização de risco bem menospreciso e a tomada de decisão bemmais complexa, diante do desafio dedecidir o que venha a ser o riscoaceitável. Esta situação tem levadoalguns autores a sugerir uma abordagemdo risco de OGMs baseada noprincípio da precaução (Ervin et al.,2000), sem que isto signifique, entretanto,uma moratória aos organismosgeneticamente modificados(Batie, 2003).No caso da avaliação de riscodos OGMs ou de outro agente qualquer,embora seja desejável, do pontode vista da proteção da saúdehumana e do ambiente, que não hajaefeitos adversos às populações ouaos ecossistemas, é razoável que seadmita, do ponto de vista da gerênciade risco, que a filosofia do “riscozero” é impraticável numa sociedadeonde a intervenção antrópica atingiuos níveis correntemente observadosnas civilizações atuais. Assimsendo, é de se esperar que os benefíciosderivados para um organismo,uma população ou um sistema ecológicoexcedem em valor os efeitosadversos resultantes da exposição aum agente particular. O uso de vacinas(um agente biológico) é umexemplo concreto disso e é facilmenteaceito pela população, já queos benefícios são bastante mais evidentesque os prováveis efeitos adversos.Finalizando, vale ressaltar, porém,que por ocasião da comunicaçãode risco para a sociedade, estadeve ser alertada para o fato de quesuas necessidades básicas, bem como54 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


os bens de consumo que a cerca - osquais lhe trazem graus variáveis desatisfação ou de benefício - somentepodem existir a partir da exploraçãode recursos naturais que, mesmoque sejam extraídos ou produzidosde modo a gerar o menor efeitoadverso possível ao ambiente, possuemuma taxa de renovação ou dereposição geralmente menor do queaquela em que atualmente são consumidos.Literatura ConsultadaBATIE, S.S. 2003. The environmentalimpacts of genetically modifiedplants: challenges to decisionmaking. Oxford: American Journalof Agricultural Economics,85(5):1107-1111.BORÉM, A. (Org.). <strong>Biotecnologia</strong> emeio ambiente. 1 ed. Viçosa, EDI-TORA UFV, 2004. 425 p.DUFFUS, J.H. 2001. Risk assessmentterminology. Research TrianglePark: Chemistry International,23(2):34-39.ERVIN, D.; BATIE, S.; WELSH, R.; CAR-PENTIER, C.; FERN, J.; RICHMAN,N. & SCHULZ, M. 2000. Transgeniccrops: an environmental assessment.Arlington: Henry A. WallaceCenter For Agricultural and EnvironmentalPolicy at Winrock International,81p. (Policy Studies ReportN o 15)LEWALLE, P. 1999. Risk assessmentterminology: methodological considerationsand provisional results.Vienna: Terminology Standardizationand Harmonization, 11(1-4):1-28.FAIRMAN, R.; MEAD, C.D. & WILLIA-MS, W.P. 1999. Environmental riskassessment - approaches, experiencesand information sources.Denmark: European EnvironmentAgency. Environmental issue reportN o 4. (disponível em http://reports.eea.eu.int/GH-07-97-595-EN-C2/index_html)GUILHERME, L.R.G. 2000. Impactoambiental e análise de risco: risco ecusto como elementos para tomadade decisão. Lavras: Editora UFLA,26 p.USEPA. 1998. Guidelines for ecologicalrisk assessment. Washington,DC: Risk Assessment Forum, U.S.Environmental Protection Agency.EPA/630/R-95/002F.USEPA. 1992a. Guidelines for exposureassessment. Washington, DC:Risk Assessment Forum, U.S. EnvironmentalProtection Agency. EPA/600/Z-92/001.USEPA. 1992b. Framework for ecologicalrisk assessment. Washington,DC: Risk Assessment Forum, U.S.Environmental Protection Agency.EPA/630/R-92/001.USEPA. 1992c. Risk assessment. Washington,DC: Office of Researchand Development, Office of InternationalActivities, U.S. EnvironmentalProtection Agency. EPA/600/M-91/034.Web Sites SugeridosAgency for Toxic Substances and Disease Registry: http://www.atsdr.cdc.govA Citizen’s Guide to Risk Assessments and Public Health Assessments: http://www.atsdr.cdc.gov/publications/CitizensGuidetoRiskAssessments.htmlEEA (European Environment Agency): http://www.eea.eu.int/EEA Multilingual Environmental Glossary:http://glossary.eea.eu.int/EEAGlossaryEEA Reports: http://reports.eea.eu.int/index_table?sort=ThematicallyGlossary of IRIS (Integrated Risk Information System) Terms: http://www.epa.gov/iris/gloss8.htmThe Society for Risk Analysis: http://www.sra.org/Terms of the Environment: http://www.epa.gov/OCEPAterms/USEPA (United States Environmental Protection Agency): http://www.epa.gov/USEPA Integrated Risk Information System (IRIS): http://www.epa.gov/iris/USEPA Office of Research and Development: http://www.epa.gov/ord/USEPA National Center for Environmental Assessment: http://www.epa.gov/ncea/USEPA National Environmental Publications Information System: http://www.epa.gov/nepis/USEPA Comparative Risk Assessment: http://www.epa.gov/seahome/comprisk.htmlUSEPA Risk Assessment Forum: http://cfpub.epa.gov/ncea/raf/index.cfm<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 55


PesquisaMeio ambienteRISCO E SEGURANÇAAMBIENTALEfeitos potenciais da introdução de plantas transgênicasVagner Augusto BeneditoDr, Engenheiro Agrônomo, M.Sc., PhD e Pósdoutorandodo Centro de Energia Nuclear naAgricultura (CENA) Universidade de São Paulo (USP).benedito@cena.usp.brAntonio Vargas de Oliveira FigueiraDr, Engenheiro Agrônomo, PhD, Livre Docente eProfessor Associado do Centro de Energia Nuclearna Agricultura (CENA), Universidade de São Paulo(USP).figueira@cena.usp.brIntroduçãofalta de conhecimentopelos consumidores daspráticas agrícolas tende aenfatizar as preocupaçõessobre o impactoambiental do cultivo de plantas geneticamentemodificadas. Um aspectoimportante quando se avalia oimpacto das plantas transgênicas é adefinição de uma base comparativa,uma vez que todos os tipos de agricultura,mesmo o cultivo orgânico,causam grandes impactos ao meioambiente. A origem do desequilíbrioambiental causado pela agriculturareside na necessidade primordial defornecer alimentos e matéria-primapara a manutenção e desenvolvimentodas sociedades humanas,muito mais numerosas hoje do quenum equilíbrio pré-civilização.O impacto dos transgênicos sobreo ambiente vem sendo muitodiscutido, chegando a envolver seriamenteas esferas científicas, políticase da sociedade leiga. A tecnologiatransgênica tem o potencial de revolucionara agricultura, prometendodesde maiores produtividades (pelaresistência a estresses bióticos eabióticos, ou melhor eficiênciafotossintética) até menor aplicaçãode pesticidas e fertilizantes, além depossibilitar a produção de fármacose alimentos com melhores propriedadesnutricionais. Contudo, ostransgênicos têm sido alvo de discussãoem relação aos possíveis riscosde desequilíbrio do ecossistemaoriundos da introdução de variedadestransgênicas no campo.A natureza dos riscos ambientaisde transgênicos depende das característicasparticulares da biologia decada espécie, do transgene, doecossistema no qual a lavoura seráimplantada, além do manejo do sistemade produção e de umaregulação governamental e sua aplicação.Entretanto, não se deve perdera perspectiva do impactoambiental causado pela própria agriculturaconvencional.Para a maioria dos riscos potenciaisdas plantas transgênicas, estratégiastêm sido desenvolvidas eadotadas para minimizá-los. A adoçãode transgênicos no Brasil precisa,assim, ser considerada caso a casoe os dados experimentais acerca doimpacto no ambiente necessitam servalidados em condições tropicais esubtropicais.Neste artigo, uma análise dodebate sobre os transgênicos e deseus potenciais riscos ambientais inicia-seà luz do legado de RachelCarson, do princípio da precaução eda revolução verde, culminando nosproblemas ambientais levantados arespeito das plantas transgênicas eda perspectiva de superação dessesproblemas.O legado de CarsonO momento após a II GuerraMundial trouxe um desenvolvimentonunca antes presenciado pelahumanidade e a maioria dos membrosda sociedade acreditava que aciência levava a criação de coisasessencialmente boas. Essa era avisão da sociedade acerca de todo oprogresso tecnológico pós-guerra,incluindo o que passou a se chamarde revolução verde, um pacote denovas tecnologias de produção agrí-56 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


cola, como tratores, cultivares melhorados(milho híbrido, trigo-anão),o uso massivo de fertilizantes e defensivos(incluindo-se o inseticidaDDT, usado contra o vetor da maláriae na agricultura).Rachel Carson (1907-1964) observoue relatou em seu livro “PrimaveraSilenciosa” (1962), o impactoimprevisto na natureza e na sociedadehumana causado pelo uso desenfreadodo DDT, como o desequilíbrioem insetos não-alvo, o acúmulo doinseticida nas cadeias tróficas e nohomem e os seus potenciais efeitoscarcinogênicos nas futuras gerações.O livro causou grande impacto, levandoà proibição de seu uso emdiversos países a partir da década de1970. Entretanto, esse livro foi maislonge, ajudando a firmar a consciênciade uma relação entre as atividadeshumanas e o equilíbrio da natureza,além de deixar a sociedadealerta quanto aos riscos potenciaisdas novas tecnologias e conquistascientíficas. Rachel Carson é lembradapor ter alertado a humanidadeque o progresso científico deve estarsempre aliado à conservaçãoambiental. É nesse contexto que sefaz premente e salutar o debate emtodo o mundo sobre a segurança eriscos potenciais envolvidos na produçãodas plantas transgênicas.Risco e SegurançaAmbiental e o métodocientíficoO risco ambiental de umatecnologia envolve a probabilidadeinerente dessa tecnologia trazer danoao ambiente. Por outro lado, segurançaambiental é a certeza dessatecnologia ser inofensiva ao bioma.Infelizmente, dada à complexidadeenvolvida nas relações ecológicasnaturais, é muito difícil de seremestabelecidos com precisão todos osriscos potenciais ou de se dar umíndice absoluto de segurançaambiental para uma tecnologia aindaa ser implementada.Da mesma forma, o rigor científicotambém não permite oferecerconclusões absolutas fora do âmbitoda experimentação e análise, ou seja,não é possível concluir a segurançaambiental de uma tecnologia semantes testá-la nas mesmas condiçõesde sua utilização, nem de certificá-lapor um tempo maior do que aqueleavaliado experimentalmente.Entretanto, há avaliações científicasque poderão oferecer níveis desegurança ambiental, embora perguntasinovadoras poderão ficar semresposta até que uma experimentaçãoadequada seja concluída.Os riscos ambientais causadospela inovação biotecnológica sãobasicamente o desequilíbrio dosecossistemas biológicos pela introduçãode novos agentes catalisadoresde mudanças nas relações ecológicas;a perda da biodiversidade naturalde um ecossistema pelos danoscausados pelo potencial de seleçãode uma ou mais espécies (adaptabilidade);e o fluxo gênico entre espéciesrelacionadas ou não (transferênciagênica vertical ou horizontal). Éimportante ressaltar que riscosambientais semelhantes derivam daatividade agrícola tradicional.Com relação aos riscos inerentesà biotecnologia, incluindo atransgenia, diversos documentos oficiaisde governos e organizaçõestrabalharam no tema ambiente eimpacto causado pelo homem, estabelecendo-seo “princípio da precaução”.Princípio da PrecauçãoO princípio da precaução é aformulação em redação jurídica doditado popular “antes prevenir doque remediar” e descreve a “procurapela imposição de medidas preventivasantecipadas para prevençãodaqueles riscos para os quais setem pouco ou nenhum conhecimentono qual se possa predizer a probabilidadede dano futuro” (Conko,2003). É a aplicação da máximalatina “in dubio pro reo”, que setorna “in dubio pro natura”.Tendo surgido na década de1980, o princípio da precaução foireformulado tantas vezes em documentosoficiais, que Sandin (1999)encontrou 19 formulações diferentes.Assim, pode-se dizer hoje queexistem vários princípios da precaução,seguindo duas correntes: umaforte e outra mais branda (Morris,2000).A corrente forte do princípio daprecaução dita que a incerteza sobrea exposição ou magnitude de umrisco justifica necessariamente umaresposta regulatória para prevenirou minimizar o risco. Essa acepçãodo princípio da precaução exige umagarantia de segurança absoluta, oque é impossível de ser oferecidapelo rigor do método científico.Já a versão mais branda do princípio,mais amplamente adotada,pondera que a incerteza não deveser usada como uma desculpa para ainação governamental nem comojustificação para prevenir uma respostaregulatória. O exemplo clássicodessa definição é dada pela DeclaraçãoMinisterial da II Conferênciadas Nações Unidas sobre Meio Ambientee Desenvolvimento, ocorridano Rio de Janeiro em 1992 (ECO-92). O documento, conhecido comoDeclaração do Rio, afirma no Princípio15 da Carta da Terra: “ondeexistam ameaças de riscos sérios ouirreversíveis, não será utilizada a faltade certeza científica total comorazão para o adiamento de medidaseficazes em termos de custos paraevitar a degradação ambiental” (ONU,1992).Mais recentemente, a Convençãosobre Diversidade Biológica, em2000, levou à formulação do Protocolode Biossegurança de Cartagena,que busca a proteção dabiodiversidade ecológica dos riscospotenciais impostos por organismostransgênicos, referindo-se ao princípioda precaução e reafirmando oPrincípio 15 da Declaração do Rio.Ademais, o protocolo também estabelecemedidas de compensaçãopara a biossegurança (BiosafetyClearing-House) no intuito de facilitaro intercâmbio de informaçõescientíficas, técnicas, ambientais elegais e as experiências com os organismosgeneticamente modificados.O Brasil ratificou o protocolo emnovembro de 2003, o qual entrouem vigor em fevereiro de 2004.Inerente à precaução que o princípiopostula, há dialeticamente orisco de paralisação (Sustein, 2002),uma vez que novas tecnologias, pela<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 57


própria definição de inovação, trazemincertezas e riscos. Não sepodendo calcular riscos imprevisíveis,o que deve ser analisado na decisãosobre uma tecnologia ou produtosão os parâmetros que levem a julgarsobre os possíveis custos ambientaisem relação aos prováveis benefíciossociais trazidos por suaimplementação ou banimento.Revolução Verdee <strong>Biotecnologia</strong>A revolução verde, trazendonovas perspectivas de produção eprodutividade agrícola, foi um elemento-chavena conquista da segurançaalimentar atual. A fome mundialjá não se deve mais à falta dealimento, mas à má distribuição deriquezas entre países e classes sociais(FAO, 2001). A revolução naprodução agrícola ocorrera no períodopós-guerra, mas toda a tecnologiaprodutiva estava limitada ao potencialgenético-produtivo inerente àsculturas.Hoje, com o advento dabiotecnologia, se fala numa segundarevolução verde, que não mais estarialimitada ao potencial genéticonatural das espécies, mas que permiteo intercâmbio gênico de uma espéciea uma outra não relacionada,superando até mesmo barreiras entreos domínios da vida, como aintrodução de genes de uma bactériaou animal em uma planta ou viceversa.A biotecnologia tem, assim, apotencialidade de aumentar enormementea produtividade agrícola,bem como gerar produtos até entãoinexistentes e facilitar a obtenção oumelhorar a qualidade dos produtosprimários.É certo que o sistema produtivoproveniente da revolução verde trouxeraconsigo um imenso impactoambiental, no uso em grande escalade máquinas e agroquímicos, alterandodrasticamente as relações ecológicasnaturais, embora a agriculturaseja essencialmente impactante aoambiente, até mesmo a agriculturaecológica, ao estabelecer novas relaçõestróficas e introduzir novas espéciesno ecossistema ou modificaras proporções das espécies nativas.O que se busca atualmente éuma agricultura que apresente o menorimpacto ambiental possível, quenecessite de um menor consumoenergético no sistema produtivo ecom a maior produtividade possível,para minimizar a expansão das terrasagrícolas e atender ao aumentopopulacional.Embora o problema nos diasatuais não seja o volume da produçãoagrícola, mas sua distribuição, apopulação mundial vem crescendoem índices elevados e a ciência nãopode deixar para pensar a questãoalimentícia quando o fato já estiverinstalado. Ao invés, é um dever doscientistas buscar respostas antecipadamenteà instalação dos problemase, assim, garantir o curso da humanidade.É nesse fato que as plantastransgênicas de alto desempenhoprodutivo podem exercer um papelpreponderante.Riscos potenciaisassociados aos cultivostransgênicosOs riscos ambientais potenciaisda introdução das plantastransgênicas incluem: a) o fluxogênico para espécies selvagens, quedependendo da vantagem seletivaoferecida pelo transgene poderialevar ao aumento da população deervas daninhas; b) os efeitos colateraisindesejáveis em organismos nãoalvo,sejam os microorganismos ouos insetos inimigos naturais presentesnas culturas, afetando abiodiversidade de um ecossistema;c) ou mesmo o aumento das chancesde extinção de populações de espéciesvegetais selvagens causada peladepressão genética devido à introduçãode novos genes noecossistema. Todos esses riscosambientais não são exclusivos dasculturas transgênicas, sendo tambéminerentes aos sistemas convencionaisde agricultura, seja pelo empregode novas culturas ou cultivaresgeneticamente melhoradas ou pelocontrole agroquímico de pragas, doençase ervas daninhas.Entretanto, o que se conjecturamais fortemente em relação aostransgênicos é a utilização de genesoriundos de outros domínios da vida,especialmente os genes bacterianose virais, cujas plantas transgênicaspoderiam servir de ponte genéticapara o surgimento de variedades oucepas incontroláveis pelo homem.Cada um dos pontos levantados sobreos riscos ambientais dostransgênicos é examinado abaixo.Fluxo Gêniconão intencional.Entende-se por fluxo gênico nãointencional (escape gênico) a capacidadede um gene chegar indesejavelmentee ser inserido em populaçõesonde este gene não exista. Emrelação aos transgênicos, temem-setrês casos, em ordem crescente daprobabilidade: a) de uma plantatransgênica para organismos não relacionados,como microorganismosou plantas de outras famílias botânicas;b) de uma planta transgênicapara uma outra espécie da mesmafamília; c) de uma planta transgênicapara a mesma espécie nãotransgênica.Em relação às possibilidades dofluxo gênico dos transgênicos a outrosorganismos, a transferência naturalde um transgene para organismosnão relacionados não foi relatadaaté o momento, podendo serconsiderada, portando, de baixo risco.Do mesmo modo, a transferênciagênica entre espécies vegetaisnão relacionadas é dificultada porbarreiras biológicas naturais, incluindoincompatibilidades de polinizaçãoe fecundação.A transferência de genes de umaespécie transgênica a uma espéciebotanicamente relacionada é maisplausível e deve ser analisada cautelosamente.Espécies ou famílias deculturas silvestres apresentam maiorpotencial de fluxo gênico pela maiorprobabilidade de existirem outrasespécies geneticamente compatíveispor cruzamento, algumas podendoser espécies invasoras de culturas,criando-se o risco de se produzirsuper-ervas daninhas, dependendodo transgene. No Brasil, muitas espéciescultivadas são nativas do paísou da América do Sul e possuemespécies selvagens no país, como58 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


POTENCIALIDADES DAS PLANTAS TRANSGÊNICASA possibilidade da inserção de genes de interesse produtivo ou qualitativo que antes não estavam disponíveis em umadada espécie aumentou enormemente as perspectivas do melhoramento genético. Um dos genes mais comentados nos meiosde comunicação é o que confere resistência ao glifosato, um herbicida não seletivo. A introdução desse gene em culturascomo a soja facilita a tarefa de controlar as plantas daninhas no campo, ao necessitar apenas um herbicida para conter ocrescimento do mato na cultura, podendo até mesmo diminuir o consumo de agroquímicos no ciclo da cultura.Também se fala muito na mídia sobre o gene Bt, que confere resistência a insetos mastigadores em culturas comomilho, algodão, batata, tabaco e tomate. Esse gene codifica endotoxinas cry (cristal) originárias da bactéria do soloBacillus thuringiensis. O cultivo de plantas Bt traz menor custo de produção, ao diminuir a pulverização de inseticidascontras as pragas. No caso do algodão, cujo cultivo está limitado no Brasil por causa do bicudo, o uso de cultivaresBt poderia trazer aumentar a produtividade e reduzir o consumo de inseticidas. Alternativamente ao gene bacterianoBt, já existem alternativas de genes derivados do reino vegetal na conferência de resistência a insetos, como o geneOC1 (orizacistatina1), derivado do arroz.Além das pragas, muitas culturas têm sua produção dificultada ou inviabilizada por doenças produzidas porinfecções virais. No Brasil, podem-se citar exemplos como o mosaico dourado do feijoeiro, a mancha anelar domamoeiro, o mosaico da batateira e o enrolamento da batateira. A expressão de fragmentos do gene da capa protéicado vírus em uma planta pode conferir resistência ao ataque viral, possibilitando o plantio ou o aumento da produçãoem áreas infestadas. Também se explora o potencial dos transgenes na conferência de resistência a estressesabióticos, como seca, salinidade e temperaturas extremas.Apesar de muito se falar no ganho produtivo conferido pelos transgênicos, há vários estudos que objetivam oaumento da qualidade dos produtos agrícolas, como uma maior vida de prateleira dos produtos hortícolas eornamentais e uma melhor qualidade nutricional de alimentos como o milho, a soja e o arroz. Esses produtos, aoinvés de visarem facilitar o processo produtivo, visam fornecer produtos com maior qualidade ou incluir novascaracterísticas de interesse direto do consumidor. Um exemplo de alimento transgênico funcional é o arroz dourado(Golden Rice ® ), que através da introdução de dois genes que codificam enzimas importantes na rota metabólica dob-caroteno, aumentam a quantidade de vitamina A no grão, o que pode ajudar a suprir a deficiência dessa vitaminaem crianças de regiões pobres do globo. Na mesma linha, têm-se conduzido pesquisas para aumentar as quantidadesde ferro e outros micronutrientes e vitaminas em outras culturas alimentares (Potykrus, 2001; Welch e Graham, 2004).Algumas plantas transgênicas também têm como objetivo único o benefício do ambiente. A fitorremediação porplantas transgênicas visa a descontaminação de águas e solos poluídos pela alteração no metabolismo das plantasque permite absorver substâncias poluentes a um nível não alcançado por plantas não transgênicas. Um dos exemplosé na absorção de metais pesados (como arsênio, cádmio, chumbo, cobalto, cobre, cromo, mercúrio, níquel, lítio,selênio, zinco). As plantas podem, então, ser removidas do lugar para possibilitar um trabalho de purificação ereutilização do metal pesado absorvido.mandioca, cacau, batata, amendoim,tomate, maracujá, goiaba e abacaxi.Em alguns casos, mesmo sendo asespécies cultivadas originárias deoutros continentes, podem existir nopaís espécies relacionadas selvagenscom potencial de serem sexualmentecompatíveis. Como o caso doarroz, originário da Ásia, mas quepossui espécies daninhas sexualmentecompatíveis no Brasil (“arroz vermelho”).A capacidade de cruzamentosinterespecíficos deve serinvestigada caso a caso e nota-seuma falta de informação acerca daspossibilidades dos cruzamentos existentesentre as espécies e as culturasbrasileiras.Já o caso mais plausível de fluxogênico é a contaminação de umalavoura não transgênica pelo pólenoriundo de culturas transgênicas damesma espécie. Aqui é importantelembrar a classificação das culturasvegetais em dois tipos distintos depolinização: as de fecundação cruzada(alógamas, cuja biologia favorecea dispersão do pólen no intuito defecundar outras plantas, com taxanormalmente superior a 90% de fecundaçãocruzada), e as deautofecundação (autógamas, cujabiologia floral favorece aautopolinização, com um máximode 5% de fecundação cruzada).Quanto maior a dispersão do pólen ea taxa de fecundação cruzada, maiora probabilidade de o fluxo gênicoatingir locais mais distantes.Também se deve levar em contaos vetores da polinização. Muitasespécies utilizam vetores abióticospara a dispersão, especialmente ovento e a água. Outras espéciesutilizam vetores biológicos, comoinsetos (abelhas, mamangavas), pássaros(beija-flores) e mamíferos (morcegos).Uma análise do fluxo gênicono impacto ambiental deve levar emconsideração a eficiência e alcanceda dispersão do pólen.O milho, originário do México, éespécie alógama e usa especialmenteo vento para a dispersão de pólen.Um trabalho conduzido por Easthame Sweet (2002) indica que a distânciamáxima alcançada pelo pólen domilho Bt foi de 100 m, enquanto umamédia de 98% do pólen se restringiuaos primeiros 50 m da lavoura. Valeressaltar que as distâncias de alcancedo pólen podem variar de regiãopara região, dependendo da variedadedo milho, da força do vento nolocal e período de florescimento dacultura, da geografia do terreno, dostratos culturais etc.A soja, por outro lado, é espécieautógama originária do continente<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 59


asiático. Estudos conduzidos comvariedades não transgênicas de soja,ao analisar a polinização natural emcampo aberto no delta do Mississipi,mostraram uma taxa de polinizaçãocruzada de 0,41% a 0,9 m e 0,03% a5,4 m da fonte de pólen (Ray et al.,2003). Já um trabalho envolvendodispersão de pólen transgênico dacultivar BR-16 no cerrado brasileirorelata uma taxa de 0,45% depolinização cruzada a 0,5 m, chegandoa 0,14% a 1,0 m e atingindoassintoticamente a nulidade a 6,5 mda cultura transgênica (Abud et al.,2003).Portanto, o alcance do pólen dasplantas transgênicas, a possibilidadede ocorrência de fluxo gênico entresuas espécies relacionadas e o impactoque o transgene possa ter emespécies selvagens compatíveis devemser avaliados criteriosamente.É importante ressaltar, entretanto,que o fluxo transgênico só será bemsucedido se conferir vantagemadaptativa nas condições naturais doambiente.Impacto das culturastransgênicas nas relaçõestróficas do ecossistemaOutro ponto de debate sobre ostransgênicos refere-se ao seu impactono ecossistema quanto às mudançasdas relações alimentares entre osinsetos, as plantas e outros organismos.O caso mais lembrado doefeito das culturas transgênicas sobreo meio ambiente é a morte daslarvas de borboletas monarcasprovocada pela alimentação compólen de milho Bt (Losey et al.,1999). Houve ampla discussão nacomunidade científica e chegou-se àconclusão que os ensaios conduzidosem laboratório não refletiriam asreais condições que as larvas enfrentariamno campo, (cuja dieta nãoseria exclusivamente de pólen demilho, como feito no experimento),embora o trabalho tenha contribuídopara levantar o debate sobre os possíveisefeitos das plantas transgênicassobre as relações tróficas doecossistema.Junto às pragas de uma lavouraco-habitam inúmeras espécies deinsetos, incluindo espécies benéficasque atuam como controladorasdos níveis das pragas (espécies deparasitóides e predadores de insetos,como vespas e joaninhas). Asplantas transgênicas que possuemresistência a insetos abaixam os níveisdas pragas tão drasticamente,que as relações ecológicas do sistemase modificam e podem tambémlevar à perda da fauna benéfica dalavoura.É inútil, porém, qualquer discussãosobre o impacto das culturastransgênicas sobre as populações deinsetos (benéficos ou pragas) semrelacioná-los com os impactos dasculturas não transgênicas e os tratosculturais tradicionais, como a pulverizaçãodas culturas com inseticidasde amplo espectro, que tambémterão vários níveis de impacto sobrea população de insetos benéficos.Também se deve ter em mente queanálises ecológicas preliminaresconduzidas em laboratório podemnão refletir as condições encontradasno campo e que, dependendo dametodologia adotada, podem levara, quando muito, indicações das possibilidadesa serem alcançadas nocampo. Também se levanta a discussãosobre a presença da proteínainseticida nos tecidos dostransgênicos durante todo o ciclo dacultura, em comparação à presençaocasional de inseticidas nos cultivostradicionais, que são degradados apósum período de carência de dias ousemanas.Head et al. (2001) estudou apresença da proteína Cry1Ab nostecidos de pragas alimentadas commilho transgênico, para analisar opotencial de risco de exposição àproteína pelos inimigos naturais dessaspragas. O trabalho concluiu queos níveis da proteína transgênicaencontrados nos tecidos das pragaseram extremamente baixos para seremdanosos ao metabolismo dosinimigos naturais. Dessa forma, pelomenos diretamente, a proteínaCry1Ab parece segura ao nível tróficosuperior aos das pragas das culturas.O impacto da canola transgênicacom o gene da orizacistatina1 (OC1)sobre a população de joaninhas (Harmoniaaxyridis) foi avaliado porFerry et al. (2003), concluindo que oconsumo de pragas que se alimentamde cultura transgênica não teveimpacto no desenvolvimento nemna sobrevivência da espéciepredadora de insetos. Essa conclusãoé reforçada pelos estudos deBouchard et al. (2003), que encontraramuma compensação digestivano metabolismo dos predadores naturaisde insetos que consumiampragas da batata transgênica com aproteína OC1.Schuler et al. (1999) confirmaramque a presença da toxina Bt emlarvas da traça da canola não teveefeito significativo na população devespas parasitóides, mas que osparasitóides não emergiam das larvasde traças alimentadas por plantastransgênicas porque as traçasmorriam antes que as vespas pudessemse desenvolver ou emergir delas.Concluíram, assim, que as plantasBt podem até apresentar vantagensecológicas sobre a aplicação deinseticidas de amplo espectro.Também não se deve esquecerque os altos índices de insetos-pragana lavoura já é um manifesto damodificação descontrolada doecossistema introduzida pela agriculturaconvencional, ao utilizar inseticidasque não distinguem entrepragas e insetos benéficos e ao introduzirnovas espécies ou aumentarseu número no ecossistema.Os cientistas também consideramgrande o potencial de os insetosdesenvolverem resistência à proteínaBt no médio e longo prazo(Rahman et al., 2004; Tabashnik etal., 2003). Liu et al. (1999) fizeramestudos em laboratório e desenvolverammodelos matemáticos para aseleção a favor da resistência à proteínaBt pela traça do algodoeiro(Pectinophora gossypiella), concluindoque a possível seleção naturalde indivíduos resistentes à toxina Btpoderia levar à formação de todauma população de pragas resistentes.O trabalho publicado por Zhaoet al. (2000) também relata a rápidaadaptação de traças à proteína Cry1Cem brócolis transgênico.Uma estratégia levantada paracontrolar ou adiar a emergência daresistência dos insetos a toxinas60 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


transgênicas é a utilizaçãoconcomitante de dois transgenesbacterianos de indução de resistênciaa insetos (piramidação; Zhao etal., 2003). Outra estratégia parapostergar o surgimento de insetosresistentes às toxinas transgênicasem um ecossistema é o plantio deplantas sem expressão da toxinaperto da lavoura com transgênicos,objetivando a criação de refúgio paraos elementos faunísticos locais, incluindopragas não resistentes ao Bt,que seriam fonte genética de susceptibilidadeà toxina para geraçõesfuturas de insetos. Modelos matemáticosindicam que a resistênciados insetos pode ser adiada consideravelmentecom a adoção da estratégiade refúgios (Gould, 1998). Entretanto,Chilcutt e Tabashnik (2004)ponderam que a contaminação dosrefúgios pelo fluxo gênico possa limitara eficiência dessa estratégianas pragas das espigas de milho.Toxicidade das proteínastransgênicas à biota do soloO solo é um ambiente complexocomposto por elementos minerais(areia, argila e silte), materiaisorgânicos em decomposição e umacomunidade biológica que envolvemicroorganismos, raízes e animaisinferiores, incluindo muitos exemplosde relações simbióticas. Temeseque culturas transgênicasintroduzidas no ambiente lancem nosolo, através dos exsudatos de suasraízes, compostos nocivos aosmicroorganismos e que modifiquemsuas relações ecológicas.Mendensohn et al. (2003) estudoua bioatividade das proteínas Btno solo e nos tecidos das plantas econcluiu que a proteína cry1Ab tinhameia-vida (DT 50) média de 1,6 diacom o tecido vegetal no solo; de25,6 dias com o tecido vegetal nãoexposto ao solo e 8,3 dias com aproteína purificada colocada diretamenteno solo. Uma degradação de90% (DT 90) foi atingida, respectivamente,com 15; 40,7 e 32,5 dias.Note-se, porém, que as conclusõesdo estudo estão contidas nas condiçõesedafoclimáticas utilizadas noexperimento e não devem serextrapoladas para outras condiçõessem experimentação in loco. Nessemesmo trabalho, também foi analisadaem organismos não-alvo atoxicidade das proteínas cry derivadasde pólen, farinha de milho ouproteína purificada e adicionada aosolo. Não foram encontrados, porém,efeitos adversos nos organismosestudados e nas dosagens estudadas.Transgênicos eplantas daninhasA utilização de plantastransgênicas com genes que conferemresistência a herbicidas de amploespectro tende a facilitar os tratosculturas e a manter a cultura semcompetidores (“no limpo”), mas,além do perigo do fluxo gênico discutidoanteriormente, também podeocorrer a seleção natural de plantasque sejam resistentes aos herbicidase, assim, induzir a invasão de plantasdaninhas à cultura cuja pulverizaçãocom o herbicida seja inócua tanto àcultura transgênica, quanto à plantadaninha, criando-se “super-plantasdaninhas”. O caso mais conhecidode cultura resistente a um herbicidaé o da soja resistente ao glifosato(Roundup ® , Monsanto), herbicida deamplo espectro, o qual poucas espéciesvegetais têm mecanismo de resistênciaou tolerância.Um gene de resistência deherbicida alternativo derivado deplantas é o ahas, da Arabidopsisthaliana. Esse gene codifica aenzima ácido acetohidroxi sintase,cuja presença confere resistência aoherbicida de amplo espectroimazapyr (Arsenal ® , BASF), de longoefeito residual (seis meses a doisanos no solo), mas com pouco efeitona microbiota do solo e baixatoxicidade nos organismos animais(classificação toxicológica IV, ou seja,um produto que normalmente nãooferece perigo). O Brasil, através daEmbrapa, já gerou uma variedade desoja transgênica com o gene ahas,chamada BR-16.Também são causa de preocupaçãoas sementes de culturas resistentesa herbicidas que ficam no soloapós a colheita, caso a próxima culturaa ser instalada utilizar o mesmoherbicida para o controle das plantasdaninhas. As plantas emergentesdas sementes da cultura passada atuarão,então, como plantas daninhasda nova cultura e causando menorprodutividade da nova cultura dada àcompetição instalada entre as duasespécies na lavoura.Surgimento denovas cepas de vírusConstituídos basicamente deuma capa protéica e RNA (ou DNA,em alguns casos), os vírus são parasitasobrigatórios que necessitam usara maquinaria metabólica de célulashospedeiras para se multiplicarem.Os organismos eucarióticos (fungos,protozoários, vegetais e animais) têmmecanismos de defesa contra infecçõesvirais, mas os próprios vírustêm uma enorme plasticidade genéticaque lhes permite adquirir rapidamentenovas características e driblaros mecanismos de defesa de suascélulas hospedeiras.O melhoramento genético clássicotem colaborado na criação decultivares resistentes a diversas doençasvirais, mas há muitos casos emque fontes naturais de resistêncianão estão disponíveis. Uma dasformas de indução de resistência viralé a imunização de células vegetaispela inserção e expressão de umfragmento do gene que codifica aproteína da capa do vírus no genomada planta. Entretanto, teme-se quenovas cepas virais possam ser originadasa partir de eventos naturais derecombinação genética, comotranscapsidação, encapsidaçãoheteróloga ou complementação(Tepfer, 2003), cepas essas quepoderão trazer diferentes características,como a capacidade de infectarnovas espécies, de utilizar novosvetores, possuir novos mecanismosde infecção ou maior virulência.O primeiro exemplo de plantatransgênica resistente a vírus foi umtabaco com um transgene do vírusdo mosaico (TMV), enquanto hojeexistem dezenas de plantastransgênicas, como batata, ervilha,feijão, mamão, melão, pepino, tomate,trigo, uva, cujo objetivo é in-<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 61


duzir resistência viral. Entretanto, jáforam identificados eventos derecombinação entre o genoma deplanta transgênica e o genoma devírus em condições de laboratório(Borja et al., 1999) e de campo(Vigne et al., 2004), levantando questõesacerca da geração de possíveiscepas virais com propriedades diferentesdas originalmente geradas.Outra estratégia seria o uso deRNAs satélites (parasitas molecularesnaturais de alguns vírus). Essametodologia foi verificada contra ovírus do mosaico do pepino e, apesarde o nível de proteção ao ataqueviral ter sido considerado efetivo, orisco de mutação numa formanecrogênica (infecciosa) foi consideradoexcessivo para uso extensivoe essa abordagem foi abandonada.Um caso a ser lembrado é aepidemia que ocorreu no final dadécada de 1980 em campos de tomateirosda Itália e da Espanha, causadapor RNAs satélites necrogênicosnão transgênicos. Estudos chegaramà conclusão que mutações num úniconucleotídeo do genoma do RNAsatélite de uma cepa não necrogênicapoderia ser suficiente paratransformá-la em necrogênica(Tepfer, 2003).Estudos também apontam queoutra opção à indução de resistênciabaseada nos mecanismos de defesadas plantas são estratégiasmoleculares de indução de resistêncianos mecanismos de ataque eproliferação dos vírus, como a resistênciamediada pela replicase oupela proteína de movimento do vírus(Wilson, 1993). Há cientistasque, assim como na resistência contrainsetos, apostam na piramidaçãotransgênica de indução de resistênciaviral como uma estratégia eficientena produção de plantas comresistência duradoura (Prins, 2003),enquanto outra corrente aposta nodesenvolvimento de proteínasantivirais (Uhrig, 2003).É possível, entretanto, que estudosdetalhados dos mecanismosmoleculares da infecção viral e nosmodos de ação dos genes a seremutilizados originem em alguns casosestratégias transgênicas potencialmenteseguras quanto aos possíveisefeitos de encapsidação heterólogae a transmissão de vírus por seusvetores, enquanto em outros casosainda não foram desenvolvidos meiosde eliminação dos riscos potenciaisassociados à resistência viraltransgênica (Tepfer, 2002).Avaliação dos riscosambientaisA avaliação dos riscos ambientaisdos cultivos transgênicos é fundamentalpara identificar os riscos potenciaisdessa tecnologia, dar segurançaà população e auxiliar os cientistasa eliminar esses riscos. Emqualquer estudo de análise de riscoambiental, deve-se levar a cabo umestudo comparativo com manejosagrícolas tradicionais, para evitar umjulgamento tendencioso.Também se deve ter em menteque estudos conduzidos em laboratóriona maioria das vezes não condizemcom as condições encontradasno campo. Dessa forma, os resultadosobtidos nesses experimentospoderão apenas indicar situações outendências, mas não poderão afirmarque a dinâmica ecológica natural secomportará como nos ensaios.Um procedimento posterior aosensaios laboratoriais pode ser a avaliaçãoem campos de produção, ondeplantios transgênicos são conduzidosem situações reais de produçãoe comparados com os cultivos convencionais.Essa é possivelmente ametodologia mais adequada para setomar conclusões científicas sobreos transgênicos. Recentes avaliaçõesem campos de produção detransgênicos tolerantes a herbicidasforam realizadas na Grã-Bretanhacom respeito ao manejo e contextoagronômico (Champion et al., 2003);os efeitos na abundância e diversidadede ervas daninhas (Heard et al.,2003a); os efeitos sobre espéciesindividuais (Heard et al., 2003b); asrespostas da fauna artrópode(Haughton et al., 2003); das relaçõestróficas entre invertebrados e plantas(Hawes et al., 2003); e avaliaçõesdos invertebrados e da vegetaçãoem campos marginais aos camposcom transgênicos (Roy et al., 2003),além do racional científico e umainterpretação das avaliações em camposde produção (Squire et al., 2003).Estudos similares em condições tropicaissão recomendáveis para sechegar a uma conclusão do impactodos transgênicos sobre o ambiente eperigos inerentes.A análise de risco de plantastransgênicas resistentes a vírus foidiscutida por Tepfer (2002), examinandoriscos potenciais associados avárias estratégias moleculares e concluiuque a análise de risco do usodesses transgênicos também develevar em conta um estudo comparativodas vantagens e desvantagensdas plantas transgênicas e nãotransgênicas para se chegar a umadecisão ambientalmente sustentável.Estratégias para diminuir opotencial de risco ambientaldas plantas transgênicasNo nível molecular, pode-seoptar por estratégias alternativascomo: a) uso de promotores de expressãoespecíficos para tecidos ousomente em alguns estádios do desenvolvimento,ao invés do uso depromotores constitutivos; b) sistemasinduzíveis quimicamente, cujospromotores são ativados com aplicaçõesde produtos pouco tóxicos,como o álcool (Deveaux et al., 2003);c) uso de transgenes eucarióticos emdetrimento de genes e seqüênciasreguladoras oriundas de bactérias evírus; d) evitar o uso de genes deresistência a antibióticos durante aseleção de plantas, mas preferir alternativascomo genes de resistênciaa compostos sintéticos (Lohar et al.,2001); e) e tecnologia derecombinação pós-transformação,em que os genes marcadores deseleção co-inseridos no genoma daplanta são retirados. É importantenotar, entretanto, que nem todasessas técnicas já estão disponíveispara uso comercial, sendo que algumasainda estão sendo testadas emmodelos biológicos, mas poderãoestar disponíveis num futuro próximo.ConclusõesO debate sobre as implicações62 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


ambientais envolvendo as plantastransgênicas é apenas a parte técnico-científicada discussão sobre oassunto, a qual também abrange aspectoseconômicos, políticos, sociaise éticos. É importante salientar,porém, que os vários transgênicos jáproduzidos são distintos em relaçãoà espécie da cultura e suas relaçõestrófico-ecológicas, biologia floral emecanismos de polinização, probabilidadede fluxo gênico não intencional,além de cada transgene conferiruma característica peculiar, demaior ou menor potencial de impactono ambiente, de maior ou menorgrau de ganho econômico, de maiorou menor interesse social. Deve-se,portanto, ser criada uma política abertade análise caso a caso, além de sepermitir à sociedade o acesso aosdados científicos numa linguagemclara, didática e não preconceituosaacerca dos transgênicos para que asociedade forme uma opinião e sedecida conscientemente sobre o consumoou não das plantas transgênicas.ReferênciasAbud S, Souza PIM, Moreira CT,Andrade SRM, Ulbrich AV, ViannaGR, Rech EL, Aragão FJL.2003. Dispersão de pólen em sojatransgênica na região do Cerrado.Pesquisa Agropecuária Brasileira38:1229-1235Borja M, Rubio T, Scholthof HB,Jackson AO. 1999. Restoration ofwild-type virus by double recombinationof tombusvirus mutantswith a host transgene. MolecularPlant-Microbe Interactions 12:153-162Bouchard E, Cloutier C, MichaudD. 2003. Oryzacystatin I expressedin transgenic potato inducesdigestive compensation in an insectnatural predator via its herbivorousprey feeding on the plant.Molecular Ecology 12:2439-2446Champion GT, May MJ, Bennett S,Brooks DR, Clark SJ, DanielsRE, Firbank LG, Haughton AJ,Hawes C, Heard MS, Perry JN,Randle Z, Rossall MJ, RotheryP, Skellern MP, Scott RJ, SquireGR, Thomas MR. 2003. Cropmanagement and agronomic contextof the Farm Scale Evaluationsof genetically modified herbicidetolerantcrops. Philosophical Transactionsof the Real Society ofLondon B 358:1801-1818Chilcutt CF, Tabashnik BE. 2004.Contamination of refuges by Bacillusthuringiensis toxin genes fromtransgenic maize. Proceedings ofthe National Academy of Scienceof the USA 101:7526-7529Conko G. 2003. Safety, risk and theprecautionary principle: rethinkingprecautionary approaches to theregulation of transgenic plants.Transgenic Research 12:639-647Deveaux Y, Peaucelle A, RobertsGR, Coen E, Simon R, MizukamiY, Traas J, Murray JA, DoonanJH, Laufs P. 2003. The ethanolswitch: a tool for gene-specificinduction during plant development.Plant Journal 36:918-930Eastham K, Sweet J. 2002. Geneticallymodified organisms (GMOs):the significance of gene flow throughpollen transfer. European EnvironmentAgency. Copenhagen,DenmarkFAO. 2001. Ethical issues in food andagriculture. Food and AgricultureOrganization of the United Nations,Roma. 32p. ftp://ftp.fao.org/docrep/fao/003/X9601e/X9601e00.pdfFerreira ABH. 2001. Novo AurélioSéculo XXI: o dicionário da línguaportuguesa. Nova Fronteira, Riode Janeiro. 4 th ed., 2128p.Ferry N, Raemaekers JM, MajerusMEN, Jouanin L, Port G, GatehouseA, Gatehouse AMR.2003. Impact of oilseed rape expressingthe insecticidal cysteineprotease inhibitor oryzacystatin onthe beneficial predator Harmoniaaxyridis (multicoloured Asian ladybeetle).Molecular Ecology12:493-504Gould F. 1998. Sustainability of transgenicinsecticidal cultivars: integratingpest genetics and ecology.Annual Review of Entomology43:701-726Haughton AJ, Champion GT, HawesC, Heard MS, Brooks DR,Bohan DA, Clark SJ, DewarAM, Firbank LG, Osborne JL,Perry JN, Rothery P, Roy DB,Scott RJ, Woiwod IP, BirchallC, Skellern MP, Walker JH,Baker P, Browne EL, DewarAJG, Garner BH, Haylock LA,Horne SL, Mason NS, SandsRJN, Walker MJ. 2003. Invertebrateresponses to the managementof genetically modified herbicide-tolerantand conventionalspring crops. II. Within-field epigealand aerial arthropods. PhilosophicalTransactions of the RealSociety of London B 358:1863-1877Hawes C, Haughton AJ, OsborneJL, Roy DB, Clark SJ, Perry JN,Rothery P, Bohan DA, BrooksDR, Champion GT, Dewar AM,Heard MS, Woiwod IP, DanielsRE, Young MW, Parish AM, ScottRJ, Firbank LG, Squire GR. 2003.Responses of plants and invertebratetrophic groups to contrastingherbicide regimes in the Farm ScaleEvaluations of genetically modifiedherbicide-tolerant crops. PhilosophicalTransactions of the RealSociety of London B 358:1899-1913Head G, Brown CR, Groth ME,Duan JJ. 2001. Cry1Ab proteinlevels in phytophagous insectsfeeding on transgenic corn: implicationsfor secondary exposure riskassessment. Entomologia Experimentaliset Applicata 99:37-45Heard MS, Hawes C, ChampionGT, Clark SJ, Firbank LG, HaughtonAJ, Parish AM, Perry JN,Rothery P, Scott RJ, SkellernMP, Squire GR, Hill MO. 2003a.Weeds in fields with contrastingconventional and genetically modifiedherbicide-tolerant crops. I.Effects on abundance and diversi-<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 63


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PesquisaMeio ambienteO PRINCÍPIO DAPRECAUÇÃOPrincípio ético relevante para a numerosa sociedade tecnológica atual e futuraReginaldo Lopes MinaréBacharel em Ciências JurídicasMestre em Direito pela Universidade Metodista dePiracicaba- UNIMEPrminare@uol.com.brFrancis Bacon (1561-1626), emsua obra Novum organum, afirmouque a ciência está destinada a proporcionarao homem o domínio sobrea natureza. Considerado o profetada técnica, o pensamento deFrancis Bacon está na base da estruturada moderna sociedadetecnológica.Tanto é, que o filósofo MartinHeidegger (1889-1976), em sua obraO fim da filosofia ou a questão dopensamento, ao explicar indagaçãofeita pelo professor Kojima, sobrequal o significado da expressãoeuropeização do mundo, observouque se a expressão for consideradasob o ponto de vista de seu domínioplanetário, para identificar a seu principalelemento necessário se fazperguntar: De onde vem este domínio?De que retira seu estranho poder?Qual o elemento que nele seapresenta dominador?Após formular as perguntasque julgou necessárias à reflexão dotema, Heidegger se mostrou convictoao afirmar que o elemento quefornece a força conquistadora edominadora que integra o significadoda expressão europeização domundo, não é outra senão a técnicamoderna.Sem dúvidas, o entendimentode Heidegger foi brilhante.Na atualidade, a União Européia,dando seqüência à estratégiade Lisboa, adotada em2000, comunicou em 2003 o programa- “Política de inovação:atualizar a abordagem da Uniãono contexto da estratégia de Lisboa”-, cujo objetivo é atingir oinvestimento de 3% do ProdutoInterno Bruto – PIB em investigaçãoe desenvolvimento e fazerda União Européia a economiamais dinâmica e competitiva domundo até 2010.Segundo a Comissão Européia,essa política de inovação tecnológicacontribuirá para formar um quadrocoerente para o desenvolvimentoda política empresarial que impulsionaa competitividade das empresas,que contribui para o crescimentoda economia da Europa.A inovação, no entendimentoda Comissão Européia, consiste naprodução, assimilação e exploraçãobem sucedida da novidade nos domínioseconômico e social, e permiteàs empresas conquistar novosmercados ou resistir à concorrência.Assumindo formas diversas, as inovaçõesvão da invenção provenienteda investigação e do desenvolvimentoà adaptação de processos deprodução, à exploração de novosmercados, à utilização de novas abordagensorganizacionais ou à criaçãode novos conceitos de comercialização.Embora considere ainda nãose fazer sentir o atraso em matériade inovação relativamente aos EstadosUnidos e ao Japão, a ComissãoEuropéia entende ser importante quea União Européia desenvolva umapolítica de inovação capaz de recuperaro atraso que tem relativamenteaos seus principais concorrentes.Constata-se, portanto, claramente,que a União Européia pretenderetornar à posição que sempreocupou, ou seja, à vanguarda dasociedade tecnológica, que tem seumarco inicial na Europa insular emmeados do século XVIII, e segue aorientação contida no pensamentobaconiano, ou seja, a natureza deveser conhecida e seu conhecimentousado para implementar técnicas deprodução.A palavra técnica, oriunda dogrego technè, que significa: ter conhecimentona produção, sintetizaperfeitamente a capacidade e a qualidadede produção que o homemmoderno passou a ser detentor apóso desenvolvimento das ciências danatureza, cujo grande conhecimentoproduzido permitiu a profissionalizaçãoda ciência e a implementaçãodo saber fazer, ou seja, do saberproduzir de uma forma até entãonunca experimentado pela humanidade.Já o termo produzir, derivadodo latim producere, que significa:fazer existir, conduzir à sua manifestação,tornar acessível e disponívelalgo que antes não estava ai presente,constitui, por sua vez, o objetopara o qual o aperfeiçoamento técnicoé direcionado.Com o advento da globalizaçãoe a crescente competitividade pormercados, a busca pela melhor qualificaçãotécnica vem promovendouma verdadeira disputa, onde osEstados, principalmente os mais poderosos,concentram de forma crescenteseus esforços e investimentosnas pesquisas científicas destinadasà implementação de novas técnicas.Ter o conhecimento no momento daprodução é um fator que impulsionao desenvolvimento e acompetitividade da indústria e, conseqüentemente,do comércio, querepresentam a grande fonte da riquezamaterial dos Estados.Nessa competição entre os países,aqueles subdesenvolvidos ouem desenvolvimento possuem, porum lado, a vantagem comparativacom o conhecimento científico etecnológico já produzido e, por outro,a desvantagem da carência derecursos financeiros e humanos, poispara absorver e bem utilizar o conhecimentocientífico e tecnológicoestrangeiro, necessita-se de pessoaspreparadas e de recursos financeiros<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 65


para preparar pessoas, ou seja, há anecessidade de melhorar a reservado país em matéria de trabalhadoreseducados, que por si só já representaum ativo muito importante. Comobem observou Noam Chomsky, emsua obra Regras e representações - ainteligência humana e seu produto,entre a capacidade de fazer algo e acapacidade de saber fazer algo há,em particular, o elemento intelectualfundamental do saber fazer.Podemos, portanto, constatarque se um país subdesenvolvido ouem desenvolvimento pretender trilharos caminhos que atualmentelevam ao que é definido como desenvolvimento,consolidar uma economiamoderna e participar ativamentede um mundo cada vez maisglobalizado e tecnológico, será necessáriosuperar a grande distancia quesepara sua ciência e inovaçãotecnológica daquelas praticadas nospaíses industrializados mais avançados,sob pena de permanecerem defasadose, conseqüentemente, empurradoscada vez mais para a margemdo progresso.Nessa competição pelo domínioda melhor técnica, que é fonte deriqueza material dos Estados, e, inclusive,necessária para afastar aconcretização da teoria de ThomasMalthus (1766–1834), segundo a qualo crescimento da população tendesempre a superar a produção de alimentos,pois ela cresce em progressãogeométrica enquanto a produçãode alimentos aumenta em progressãoaritmética, a comunidade humana teráque conviver e administrar os riscosdecorrentes da organização dessa novae numerosa sociedade global.Nesse contexto, a palavra risco,do latim risque, significa a probabilidadede um perigo com ameaça físicapara o homem e o ambiente de formageral. Por sua vez, a palavra probabilidade,do latim probabilìtas, significaa característica do que é provável, doque pode ocorrer, o grau de segurançaque se espera da realização de umaatividade.A preocupação com o risco,principalmente a preocupação demantê-lo dentro de um grau de segurançaaceitável, garantindo a preservaçãodo meio ambiente dentro deum contexto que vai além do curto emédio prazo, chegando ao longo prazoe incluindo o bem estar das futurasgerações no contexto da reflexão,motivou a comunidade internacional aadotar gradativamente o princípio daprecaução como princípio éticoorientador e princípio jurídicomotivador da ação humana na comunidadeglobal.Oriunda do grego arché e dolatim principium, a palavra princípiosignifica o primeiro instante do ser dealguma coisa, o ponto consideradocomo começo ou origem de algo oude um comportamento, o fundamentoou base de um raciocínio ou discurso.Do latim praecautio, a palavraprecaução significa o agir com prudência,com cuidado, com cautela paraevitar ou prevenir os inconvenientes,embaraços ou danos que podem temer-se,a atitude de prudência quepossibilita a reflexão que pode levarao conhecimento antecipado do graude probabilidade de ocorrência de umdano ou prejuízo, a ação aplicada oumedida tomada para evitar um mal.Podemos, portanto, inferir queuma ação fundada no princípio daprecaução constitui uma ação realizada,desde seu início, com moderação,orientando o agir com presciência dofuturo para acautelar-se com relaçãoaos resultados da própria ação, sempreprocurando evitar que a ação provoque,no momento ou no futuro, umresultado danoso.No âmbito internacional, com aelaboração da Carta Mundial da Natureza,que foi adotada pela AssembléiaGeral das Nações Unidas em 1982, oprincípio da precaução começou a serinserido no contexto jurídico.Uma década após a elaboraçãoda Carta Mundial da Natureza, a Conferênciadas Nações Unidas sobre MeioAmbiente e Desenvolvimento, junhode 1992, proclamaram a Declaraçãodo Rio Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento,cujo princípio 15 dispõeda seguinte forma: Com o fim deproteger o meio ambiente, o princípioda precaução deverá ser amplamenteobservado pelos Estados, deacordo com suas capacidades. Quandohouver ameaça de danos gravesou irreversíveis, a ausência de certezacientífica absoluta não será utilizadacomo razão para o adiamentode medidas economicamente viáveispara prevenir a degradaçãoambiental.O princípio da precaução tambémestá presente na ConvençãoQuadro das Nações Unidas sobre Mudançado Clima, na Convenção sobreDiversidade Biológica, e no Protocolode Cartagena sobre Biossegurança.No âmbito doméstico, emboranão figure expressamente no textoda atual Constituição da RepúblicaFederativa do Brasil, alguns entendemque o princípio da precaução estáimplícito no artigo 225 da mesma,pois este artigo afirma que todos têmdireito ao meio ambiente equilibrado,bem essencial à sadia qualidade devida, e que incumbe ao Poder Públicoe à coletividade o dever de defendeloe preserva-lo para as presentes efuturas gerações. Considerando a preocupaçãocom a preservação da qualidadede vida atual e futura que otexto apresenta, trata-se de um entendimentocom o qual se pode concordar.Todavia, de forma expressa, oprincípio da precaução foi introduzidono Brasil por meio da incorporação dasnormas internacionais pelo direito nacional.Recentemente, a Lei nº 11.105,de 24 de março de 2005, que regulamentaos incisos II, IV e V do § 1 o doartigo 225 da Constituição Federal, eestabelece normas de segurança emecanismos de fiscalização de atividadesque envolvam organismos geneticamentemodificados – OGM eseus derivados, dispõe em seu artigo1º que: “Esta Lei estabelece normas desegurança e mecanismos de fiscalizaçãosobre a construção, o cultivo, aprodução, a manipulação, o transporte,a transferência, a importação, aexportação, o armazenamento, a pesquisa,a comercialização, o consumo, aliberação no meio ambiente e o descartede organismos geneticamentemodificados – OGM e seus derivados,tendo como diretrizes o estímulo aoavanço científico na área debiossegurança e biotecnologia, a proteçãoà vida e à saúde humana, animale vegetal, e a observância do princípioda precaução para a proteção do meioambiente.”Trata-se, portanto, de um princípioabrangente que atinge grandeparte dos segmentos que compõem oconjunto da economia baseada no conhecimento,e sua interpretação eaplicação devem ser realizadas de formamuito razoável.Determinar qual é o nível derisco “aceitável” para a sociedade, emqualquer segmento, é uma responsabilidadecientífica e política. As instânciasde decisão, quando confrontadascom uma situação de probabilidadede risco potencial de umaatividade ou produto, podem lançarmão do princípio da precaução eidentificar, através duma avaliaçãocientífica e objetiva, o risco permitidoou proibido.Todavia, as instâncias de decisãodevem cuidar para não justificaremuma tomada de decisão arbitráriacom o princípio da precaução,que só deve ser aplicado após aavaliação dos dados científicos disponíveise a identificação do grau derisco oferecido.66 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


RESISTÊNCIA DE INSETOSMeio ambienteA PLANTAS GENETICAMENTE MODIFICADASRelevância da implantação de estratégias pró-ativas para o manejo da resistênciaSamuel MartinelliEngenheiro Agrônomo, M. S., Doutorando emEntomologia da Escola Superior de Agricultura “Luizde Queiroz”, Universidade de São Paulosmartine@esalq.usp.brCelso OmotoEngenheiro Agrônomo, M. S., Ph. D., Professor daEscola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”,Universidade de São Paulocelomoto@esalq.usp.brImagens cedidas pelos autores1. IntroduçãoAs plantas geneticamente modificadas(GM) resistentes a insetosforam resultantes da combinaçãodos conhecimentos e avançostecnológicos da engenharia genéticae da moderna biotecnologia, e podemser consideradas como uma táticaadicional de controle em programasde Manejo Integrado de Pragas(MIP) em diversos agroecossistemas.Neste contexto, tem sido crescentea utilização de plantas GM que possuema inserção de genes que codificama produção de toxinas comação inseticida, os quais foram obtidosa partir da bactériaentomopatogênica Bacillusthuringiensis Berliner (Bt). Entretanto,a obtenção de plantas geneticamentemodificadas resistentes ainsetos também inclui a possibilidadede uso de genes de outras espéciesde plantas para produção delectinas e inibidores de proteinases(Loc et al. 2002; Ceci et al. 2003), ouainda a utilização de genes de animaispara expressão deneurohormônios (Fitches et al. 2002)e inibidores enzimáticos (Cristelleret al. 2002). Além disso, outras estratégiasmoleculares alternativas estãosendo direcionadas para o melhorentendimento da base molecular dosmecanismos endógenos de resistência,os quais as plantas manifestamem resposta ao ataque de váriosinsetos herbívoros (Gatehouse 2002;Ferry 2004). Entretanto, a aplicaçãoprática atual da biotecnologia de plantasna proteção de cultivos tem seconcentrado no uso de plantas GMresistentes a insetos como o algodãoe o milho que expressam proteínasinseticidas de Bt.As experiências com o uso deplantas GM resistentes a insetos têmpermitido a identificação de benefíciosdiretos proporcionados por estatecnologia aos agricultores e meioambiente. Na China, o algodão Bttem sido cultivado desde 1997 eatualmente responde por 50% daárea total cultivada com algodão naquelepaís. O uso da tecnologia doalgodão Bt prorcionou uma reduçãode 78.000 toneladas na quantidadede inseticidas utilizados em 2001, eem algumas províncias chinesas foiverificado uma redução de 20 para 7aplicações de inseticidas por safra dealgodão (Wu et al. 2005). Conseqüentemente,houve o registro dediminuição em até 75% nos casos deintoxicação de produtores rurais porinseticidas (Pray et al. 2002;Toenniessen et al. 2003; Hossain etal. 2004). Além disso, na região Noroesteda China foi observada a reversãodo quadro de resistência ainseticidas como lambda-cialotrina(piretróide) e endosulfan(ciclodieno), o qual já se encontravapreviamente instalado e documentadonaquela região (Wu et al 2005).Na África do Sul o algodão Bt temauxiliado os agricultores na implantaçãode programas de MIP, o quetambém tem resultado nas reduçõesde uso de inseticidas, índices deintoxicação de trabalhadores pordefensivos, e custo de produção dacultura (Thirtle et. 2003). Entretanto,a redução no uso de inseticidaspromovida pelo uso de plantas GM<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 67


Figura 1. Respostas de indivíduos homozigotos suscetíveis (SS), resistentes (RR) e heterozigotos(RS) mediante uso de baixa dose e alta dose (Modificado de Gould, 1998)resistentes apresenta repercussõespositivas em outros aspectos relacionadosà obtenção, distribuição euso destes defensivos agrícolas. Porexemplo, foi observada a diminuiçãona taxa de exploração de matériasprimas utilizadas na fabricaçãode inseticidas, e por conseqüênciareduções significativas na poluiçãoprovocada por rejeitos industriais,além de reduções nos custos empresariaise ambientais decorrentes dotransporte e armazenamento de inseticidas.Por fim, as plantas GMresistentes a insetos colaboram paraque se diminua a produção e oacúmulo de embalagens deagrotóxicos, as quais muitas vezesnão possuem um destino seguro nomeio ambiente.Todavia, devido à expressãocontínua das toxinas inseticidas aolongo do período de desenvolvimento,as plantas Bt exercem umaelevada pressão de seleção sobre aspopulações de insetos praga que sãoalvos do controle. Assim, a preservaçãoda suscetibilidade nas populaçõesde insetos a toxinas presentesnas culturas Bt está dependente daadoção de programas adequados deliberação e manejo destas plantas noambiente. Estas medidas têm o objetivode retardar ao máximo a evoluçãoda resistência nos insetos a toxinasde B. thuringiesis. Com a evoluçãoda resistência , existe a possibilidadede perda desta tecnologia noMIP. Além disso, existe a chance deque ocorram restrições ao uso debiopesticidas formulados à base deBt e o aumento no uso de inseticidassintéticos no controle de pragas. Esteacréscimo no uso de inseticidas representariaum retrocesso no desenvolvimentoe emprego de práticasagrícolas compatíveis com a preservaçãodo meio ambiente e dos recursosnaturais. Deste modo, diante dosbenefícios ao meio ambiente e dasconseqüências associadas ao desenvolvimentoda resistência, anormatização do processo de registro,liberação e manejo das plantasGM tem sido regulamentada por órgãosde proteção ambiental. Porexemplo, nos EUA a Agência deProteção Ambiental (EPA) monitorade modo bastante programático aregulamentacção e a situação dosplantios de plantas GM.Até o momento não há nenhumrelato de evolução de resistência dequalquer praga às toxinas de Bt nocampo a partir da exposição a plantasGM resistentes a insetos. Emdiferentes países, os resultados dasestratégias de manejo da resistênciapodem ser conferidos nos dados deprogramas de monitoramento dasuscetibilidade de populaçõesde insetos pragaàs proteínas inseticidasde Bt. Com basenestes estudos, podesedizer que no períodode 1995-2003 não foiregistrado aumento nafreqüência de resistênciaàs toxinas inseticidasprovocada pela exposiçãoàs culturas Btcomercialmente utilizadas(Tabashnik et al.2003; Bourguet 2004;Carrière et al. 2005).Diante do exposto,pode-se concluir quea adoção da tecnologiade plantas GM em programasde MIP exige oestabelecimento de estratégiaspara o manejopró-ativo da resistência de insetos. Omanejo da resistência de insetospode ser definido como o conjuntode práticas que devem ser adotadascom o objetivo de reduzir o potencialpara a evolução da resistência napopulação da praga. Neste sentido,programas de monitoramento dasuscetibilidade das pragas-alvo sãoindispensáveis para que se acompanheo desempenho das estratégiasde manejo para o retardamento daevolução da resistência.2. Potencial para Evolução daResistência a Toxinas deBacillus thuringiensisem Plantas GMA bactéria B. thuringiensis éum microrganismo de solo, grampositiva,que foi inicialmente isoladano Japão por Ishiwata e descrita porBerliner em 1915. Este patógenoapresenta a capacidade de formarcristais contendo endotoxinas, asquais são proteínas com ação inseticida,durante a fase de esporulaçãodo seu ciclo de desenvolvimento.No entanto, sabe-se que proteínasinseticidas da fase vegetativa (VIP)também são produzidas antes daesporulação.Os cristais de diferentes linhagensde Bt podem conter uma série68 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Tabela1 - Sobrevivência de linhagens de insetos selecionadas em laboratório em plantasBtcomercialmentecultivada s(Modificado de Tabashnik et al., 2003)CultuaBtToxinadeBtInsetoLinhagemSobrevivênciaRRa nacultura Btb(%)ReferênciaMilhoCry1Abou Cry1AcO.nubilalisKS-Sc700 Huang et al., 2002AlgodãoCry1AcH.armigeraCry1Ac-sel1325Fan et al., 2000BX5758Akhrust et al., 2003H.virescens YDHD2 10.0000 Tabashnik et al., 2003P.gossipyellaAZP-R3.10045Morin et al., 2003APHIS-96-R> 10037Liu et al., 1999BatataCry3AL.decemlineataBt-R> 4000 Wierenga et al., 1996aRR (Razão de Resistência)= CL da linhagem resistente / CL da linhagem suscetível5050b( Sobrevivência na cultura Bt/ Sobrevivência numa variedade nãoBtda mesma cultura) X 100. Para as linhagens YDHD2 asobrevivênciafoi 0% no algodão Bt e no algodãnão Bt.de diferentes proteínas que possuemação inseticida (ICP) as quais sãotóxicas para diferentes grupos deinsetos. Entre estas toxinas destacam-seas conhecidas proteínas Cryou δ-endotoxinas. Entretanto, o históricode uso de B. thuringiensis nocontrole de pragas não é recente,pois na França já no fim de 1930 foicomercializado o Sporeine, o qualera um produto formulado à base deBt. Segundo EPA, existiam 182 produtosregistrados à base de Bt em1995. Todavia, devido à baixa estabilidadeem condições de campo,baixa eficiência no controle de espéciesde insetos consideradas crípticase reduzido espectro de ação (Ferré& Van Rie 2002), até 1999 menos de2% do total comercializado em inseticidaspodia ser atribuído a vendasde produtos à base de Bt. Em1987, pela primeira vez genes de Btresponsáveis pela produção de proteínasinseticidas foram introduzidose expressos em plantas de fumo.Após alguns anos os cientistas obtiveramplantas que expressavam demodo efetivo os genes de Bt. Destemodo, em 1996 tornou-se possível autilização comercial de plantas geneticamentemodificadas resistentesa insetos as quais eram eficientes nocontrole de pragas. Entretanto, opotencial de evolução de resistênciade populações de insetos às toxinasde Bt é uma das principais ameaçase limitações ao emprego sustentávelde plantas geneticamente modificadaspara o controle de pragasagrícolas.Em condições de campo, têmserelatos da resistência da traça-dascrucíferas,Plutella xylostella(Lepidoptera: Yponeumatidae), parabiopesticidas formulados à base deBt. Neste caso, foram detectadosaltos níveis de resistência à toxinaCry1Ab em populações de P.xylostella originárias das Filipinas,Havaí, Flórida e Ásia (Tabashnik1990, 1994). Na população da pragacoletada no Havaí foi também detectadaresistência cruzada entre astoxinas Cry1Ab e Cry1F. Este foi oprimeiro e até o momento aindarepresenta o único caso de resistênciade insetos a biopesticidas formuladosà base de Bt em condições decampo (Ferré & Van Rie 2002).Por outro lado, há vários casoscaracterizados de evolução da resistênciade insetos a toxinas de Bt emcondições de laboratório (Tabela 1).No entanto, a capacidade das linhagensresistentes em sobreviver àexposição a proteínas ou formulaçõesde Bt em dieta artificial ou embioensaios com folhas contaminadasnão garante necessariamente a sobrevivênciadas larvas sobre as plantasBt (Tabela 1) Existem algumashipóteses que podem nos auxiliar noentendimento destes resultados. Porexemplo, a maior exposição dos insetosàs toxinas em testes nos quaisse utiliza diretamente as plantas Bt,ou a presença de concentrações maiselevadas das toxinas nas plantas GM.Além disso, são também consideradasas possíveis interações de componentesquímicos da planta e astoxinas de Bt, e a produção da formaativa da toxina inseticida ao invés daprotoxina. Vale lembrar que aprotoxina é a forma não ativada dasδ-endotoxinas, e que tem sido oagente de mortalidade muitas vezestestado nos bioensaios em condiçõesde laboratório. Por último, háainda a hipótese de que diferençasno conjunto de toxinas produzidaspelas plantas em comparação àquelastestadas no ambiente de laboratóriopoderiam ser responsáveis peladiminuição da sobrevivência das linhagensresistentes de insetos quandoexpostas às plantas Bt.As toxinas Cry ou δ-endotoxinaspossuem um mecanismo de açãoque envolve uma série de etapasintimamente relacionadas com aingestão dos cristais protéicos quesão digeridos e solubilizados em faixasespecíficas de pH do intestino<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 69


Figura 2. Disposição esquemática da área de refúgio na forma de faixas alternadas de plantasgeneticamente modificadas e plantas convencionais. As dimensões das áreas a serem intercaladasdeverão ser determinadas em função da bioecologia da praga alvo.médio dos insetos e com a posteriorliberação das protoxinas. Asprotoxinas são processadas porproteases do instestino médio dosinsetos, originando um fragmentoresistente a ação de proteases que,por sua vez, é considerado a toxinainseticida na sua forma ativada. Atoxina atravessa então a membranaperitrófica e liga-se a receptores específicoslocalizados na membranaciliada das células do intestino médio.A ligação que é seguida doencaixe parcial das toxinas na membranaleva à formação de poros, lisecelular e eventualmente à morte doinseto por inanição ou septicemia.(Férre & Van Rie 2002). Por exemplo,os insetos da ordem Lepidopterasão particularmente sensíveis a proteínasCry1. A solubilização do cristalprotéico libera a protoxina de pesomolecular de 130-KDa, a qual é ativadapor proteases no intestinomédio, o que origina a forma truncadae ativa da proteína inseticida a qualtem por alvo a membrana ciliada dascélulas do intestino médio (Bravo etal. 1992). A ligação da proteína inseticidanos receptores específicos dointestino médio provoca a alteraçãona conformação da toxina, o quepermite a inserção de canais de íonsou poros na membrana ciliada queacarretam o desequilíbrio iônico nointestino médio do inseto (Gill et al.1992). Entretanto, admite-se que comprodução pelas plantas GM das toxinasde Bt na sua forma ativa, existeuma limitação nas possibilidades dealterações nas etapas que compreendemo mecanismo de ação dasproteínas de Bt. Isto porque nestacondição há uma sensível reduçãono número de pontos na rota de açãodestas proteínas, os quais poderiamser alterados conferindo resistência ainsetos (Gould 1998).Os estudos com relação a mecanismosde resistência a proteínasinseticidas de Bt têm sido bastanteexplorados pelo menos nos últimos10 anos. Até o momento, foram identificadosreceptores da toxina Cry1pertecentes a família das caderinas eaminopeptidases N (Darboux et al.2002). O envolvimento de caderinasna resistência de proteínas Cry1Ab jáfoi observada em larvas de Manducasexta (Vadilamudi et al. 1993; 1995)e Ostrinia nubilalis (Flannagan etal. 2005). Por sua vez, o envolvimentode caderinas e à toxina Cry1Ac já foiverificado em Heliothis virescens(Gahan et al. 2001) e Pectinophoragossypiella (Morin et al. 2003). Alémdisso, já foram identificados outrosmecanismos de resistência de insetosa toxinas de Bt, como, por exemplo,alterações na atividadeproteolítica de extratos do intestinomédio que afetam o processo deativação das protoxinas (Oppert1999; Huang et al. 1999; Li et al.2005) e inclusive a reposição decélulas danificadas do intestino médiodos insetos pelaação de células tronco(Martinez-Ramirez &Real 1999). Recentemente,foi reportada aevidencia de uma associaçãoentre resistênciaa toxinas de Bt e oaumento da respostado sistemaimunológico deEphestia kuehniella(Rahaman et al. 2004)e Helicoverpaarmigera (Ma et al.2005).Todavia, a taxa deevolução da resistênciaé afetada por umasérie de fatores genéticose bioecológicos da praga alvo decontrole, além dos fatoresoperacionais vinculados às característicasintrínsicas das plantas GM, aosistema de rotação ou sucessão deculturas e às estratégias de uso eliberação das dessas plantas GM. Aseguir serão apresentados os principaispontos para a compreensão daevolução da resistência de insetos aplantas GM.2.1. Herança da Resistência eMortalidade de HeterozigotosA resistência de insetos a inseticidase a toxinas Bt caracteriza-sepor ser pré-adaptativa. O conhecimentodo padrão de herança da resistênciapermite a avaliação do potencialrisco de evolução no campo.Por exemplo, situações em que aherança da resistência é recessiva, oresultado final é uma baixa sobrevivênciados indivíduos heterozigotosporque estes se comportariamfenotpicamente como homozigotossuscetíveis. Por outro lado, adominância da resistência resultarianuma alta sobrevivência dosindivíduos heterozigotos no campo,os quais se comportariamfenotipicamente como homozigotosresistentes. Assim, a mortalidade dosheterozigotos é um dos pontos fundamentaisno manejo da resistência,já que de acordo com o Equilíbrio deHardy-Weinberg, os insetos degenótipo heterozigoto são, princi-70 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Figura 3. Disposição esquemática da área de refúgio na forma áreas adjacentesde plantas geneticamente modificadas e plantas convencionais. As dimensõesdas áreas adjacentes e distâncias máximas entre estas áreas também deverão serdeterminadas em função da capacidade de dispersão da praga alvo.palmente no início do processo deseleção, os principais carregadoresdos alelos de resistência. Portanto,uma das estratégias para retardar aevolução da resistência tem sido aexpressão da toxina em altas concentraçõesna planta GM para garantiruma elevada mortalidade deheterozigotos. A premissa básica parao sucesso desta estratégia é arecessividade do caráter resistência.2.2. Aspectos Bioecológicosda Praga-AlvoO conhecimento dabioecologia da praga alvo de controleda planta GM é fundamental paraa elaboração e refinamento das estratégiasde manejo da resistência deinsetos a toxinas das plantas GM.Deste modo, a passo inicial é a corretadefinição de quais pragas serãoo alvo do controle proporcionadopor determinada planta GM resistentea insetos. Em seguida, deve serlevantada uma série de aspectosbásicos da bioecologia do inseto pormeio da revisão da literatura e deexperimentos específicos. Estas pesquisas,quando conduzidas de modocorreto, podem aumentar aconfiabilidade nas estratégias demanejo e a capacidade efetiva deque seja retardada a evolução daresistência. Os aspectos bioecológicosrelevantes na composiçãodas estratégias de manejo da resistênciaenvolvem, por exemplo, oconhecimento da faixa efetiva demovimento das larvas da praga entreas plantas da cultura, assim como acapacidade de dispersão dos adultos.Não obstante, devem ser reunidasinformações sobre o hábito alimentare a efetividade com quehospedeiros alternativos são utilizadospela praga para a alimentação eou para abrigo. Neste aspecto, é degrande importância a obtenção dedados da utilização não apenas doshospedeiros cultivados, mas também,das plantas hospedeiras selvagens.De modo adicional, esforços devemser direcionados para a compreensãodo comportamento de cópula eoviposição dos insetos (Gould 1998).Por sua vez, também deve ser consideradaa variedade de sistemas deprodução em que a cultura GM seráutilizada e as particularidades locaise regionais devem ser consideradaspor afetarem direitamente aspectoscomo a dinâmica populacional dapraga.No estado do Arizona (EUA), aárea de algodão transgênico entre1997 e 1999 representou mais de50% da área total plantada com algodão.Deste modo, a alta pressão deseleção exercida pelas plantastransgênicas e a ausência de hospedeirosalternativos aumentará consideravelmentea probabilidade deevolução de resistência em populaçõesde lagarta rosada (P.gossypiella) à toxina Cry1Ac (Carrièreet al. 2001).No Brasil um bom exemplo destasrelações que envolvem os insetos-pragae as plantas cultivadas é oplantio das culturas de algodão emilho em áreas adjacentes ou emsucessão de culturas. As culturas dealgodão e milho apresentam insetospragas em comum, destacando-seSpodoptera frugiperda (Lepidoptera:Noctuidae). Certamente, haverá umimpacto deste padrão de exploraçãoda atividade agrícola sobre o delineamentodas estratégias de manejo daresistência de S. frugiperda a toxinaspresentes em plantas GM resistentesa insetos.2.3. Dose e Número de ToxinasInseticidas Expressasna Planta GMA dose e o número de toxinasutilizadas no controle de insetos influemdiretamente na mortalidadedos indivíduos heterozigotos e naprobabilidade de que sejam selecionadosindivíduos resistentes. Comomencionado anteriormente, a mortalidadede insetos heterozigotos éum dos pontos mais importantes quedevem ser considerados na tentativade se retardar a evolução da resistência.A utilização de altas doses para omanejo da resistência a inseticidassempre foi limitada por problemaspráticos. Por exemplo, o aumento dadose de um inseticida torna o controlequímico ainda mais caro e impraticávelcomercialmente. Além disso,o uso de altas doses pode acarretarelevada mortalidade de agentes decontrole biológico e insetos não-alvosde controle contrariando os fundamentosdo MIP, além de colocarem risco a saúde de trabalhadoresrurais e dos consumidores pela elevaçãodo nível de resíduos químicosnos alimentos.Entretanto, a expressão de<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 71


toxinas inseticidas de Bt nas plantasGM tornou possível a utilização dealtas doses como parte integrante domanejo da resistência. Considera-secomo alta dose, a expressão de toxinasinseticidas de Bt em doses 25xsuperiores para matar 99% de umapopulação da praga suscetível dereferência (U.S. EPA/USDA 1999).Porém, ainda não existe consensosobre os limites de mortalidade napopulação de insetos para que umaplanta GM seja considerada comocapaz de proporcionar o efeito dealta dose da toxina inseticida na pragaalvo de controle.Com relação ao binômio dose datoxina e mortalidade da praga alvode controle, as diferenças existentesna eficiência do controle entre osdiferentes eventos de milho e algodãoBt, a avaliação da atividade inseticidada planta Bt ao longo do seudesenvolvimento e a expressão detoxinas inseticidas nos diferentestecidos vegetais, são pontos importantíssimose que devem ser rigorosamenteavaliados diante da elaboraçãode programas para o manejo daresistência de insetos a plantas GM.Como exemplo, tem-se o complexode pragas que ataca a culturado algodão na Austrália. Helicoverpaarmigera (Lepidoptera: Noctuidae)é uma praga importante em algumasculturas na Ásia atacando também acultura do algodão na Austrália. Noentanto, a toxina inseticida Cry1Ac,expressa no algodão Bt Ingard ® , écerca de 30 vezes menos tóxica paraH. armigera do que para Heliothisvirescens (Lepidoptera: Noctuidae)que tem sido a praga alvo nos EUA.Resultados de pesquisa mostram quea atividade inseticida nas plantas doalgodão Bt Ingard diminui com amaturação das plantas e alguns indivíduosde H. armigera são capazesde completar seu desenvolvimentonas fases mais tardias da cultura. Estasobrevivência diferencial dos insetosdeve ser entendida como partede um processo de seleção e apresenta-secomo um sério risco para asustentabilidade desta tecnologia porfacilitar o desenvolvimento da resistênciana população da praga.Nos EUA por sua vez sãocomercializados híbridos de milho Btapresentando a expressão da toxinaCry1Ab os quais são registrados parao controle de Ostrinia nubilalis(Lepidoptera: Crambidae). Estudosmostram que estes eventos de milhoBt apresentam mais de 90% de controledas infestações iniciais de O.nubilalis. No entanto, existem diferençaentre os eventos de milho Btque expressam a toxina Cry1Ab emseus tecidos com relação no nível decontrole das infestações de O.nubilalis que ocorrem próximas aofinal do período de desenvolvimentodas plantas de milho. Por exemplo,os híbridos de milho contendo oevento 176 expressam grandes quantidadesda proteína inseticidasCry1Ab nos tecidos verdes e nosgrãos de pólen, porém baixos níveisnos tecidos reprodutivos (Koziel etal. 1993). Além disso, pesquisasmostraram que o evento 176 apresentaredução na expressão da toxinainseticida no tecido verde próximoa senescência das plantas(Fearing et al. 1997; Ostlie et al.1997). Siegfried et al. (2001) verificarama sobrevivência e danos causadospela segunda geração de O.nubilalis nas espigas de milho. Foiobservado que as lagartas que sobreviveramquando presentes nas plantasBt haviam sido expostas a dosessubletais de Cry1Ab. Portanto, háalta probabilidade de ocorrência deaumento da pressão de seleção paraa resistência. Isso porque nestas situaçõesa concentração de toxina inseticidapresente nas plantas era menorque a necessária para matar osindivíduos heterozigotos. Destemodo, o evento de milho Bt 176 foiretirado do mercado norte-americanopor representar um risco considerávelà rápida evolução da resistênciaà toxina Cry1Ab. Como discutidoanteriormente, a mortalidade deheterozigotos é um dos pontos críticosno sucesso das estratégias demanejo da resistência a plantas GM.Admitindo-se uma planta de algodãoou milho Bt que não atenda às premissasda definição de alta dose, osinsetos heterozigotos poderiam sobreviverna área Bt e aumentarem afreqüência dos genes de resistênciana população.Apesar da estratégia de alta dosee adoção de áreas de refúgio ser umadas mais utilizadas e com excelentesresultados principalmente nos EUA,o manejo da resistência pode tambémser elaborado para plantas GMque expressão em seus tecidos astoxinas inseticidas em baixa dose.Entretanto, por não atingir a altadose, estas plantas poderiam permitira seleção e conseqüentemente asobrevivência de indivíduos parcialmenteresistentes (ex: insetosheterozigotos com apenas um alelode resistência) e, portanto, levandoao aumento da freqüência de resistênciana população da praga. Assim,as plantas GM expressando toxinasde Bt em baixa dose podem representarum risco considerável para asustentabilidade de culturas GM quandocomparadas à expressão em altadose, caso os agentes de controlenatural da praga não atuem de modosinérgico com as plantas GM.3. Estratégias para o Manejoda Resistência a Toxinasem Plantas GMOs programas de manejo da resistênciaapresentam os objetivosprincipais de evitar, retardar, oumesmo, reverter a evolução da resistência.As estratégias para o manejoda resistência de insetos praga aplantas Bt podem ser divididas nasseguintes categorias:* Uso de plantas com altas dosesdas toxinas Bt juntamente complantio de áreas de refúgio* Uso de plantas com mais deum gene de Bt* Uso simultâneo de diferentestoxinas de Bt em diversos híbridosou variedades comerciais de plantasGM* Uso de plantas com baixo nívelde expressão dos genes responsáveispela produção das toxinasinseticidas* Uso de plantas com expressãodos genes Bt direcionada paradeterminados tecidos ou estádiosfenológicos3.1. Alta Dose e Áreas de RefúgioEsta estratégia baseia-se na utilizaçãode plantas geneticamente72 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


modificadas que expressam toxinasde Bt em altas doses nos seus tecidose o plantio e manutenção de áreasde refúgio. A obtenção de plantas Btcom altas doses de toxinas nos tecidosapenas tornou-se uma alternativano manejo da resistência no inícioda década de 90. Nesta época, foidemonstrado que a partir de alteraçõesespecíficas na seqüência deDNA dos genes de Bt foi possívelobter aumentos significativos na produçãoe acúmulo de toxinas inseticidasnos tecidos da planta GM. Desdemodo, em teoria restariam nas áreascultivadas com as plantas Bt apenasuma pequena quantidade de insetosheterozigotos, além dos indivíduoshomozigotos resistentes que sãobastante raros no início da evoluçãoda resistência. Por esta razão, podesedizer que as plantas Bt com altasdoses das proteínas inseticidas permitemque a resistência seja consideradafuncionalmente recessiva(Figura 1). Nos EUA todos os híbridosde milho Bt disponíveis ao agricultorexpressam as toxinas inseticidasem alta dose para o controle deO. nubilalis. Já no caso do algodãoBt, os cultivares disponíveis provavelmenteproduzem o efeito de altadose para H. virescens e P.gossypiella, enquanto que nenhumdos eventos disponíveis atinge osrequerimentos de alta dose no controlede Helicoverpa zea(Lepidoptera: Noctuidae).Por sua vez, as áreas de refúgiodevem ser suficientemente atrativaspara a oviposição da praga alvo docontrole, e deste modo serviremcomo um reservatório de insetossuscetíveis. Para que a estratégia daalta dose e áreas de refúgios funcione,os insetos da área de refúgiodevem imigrar para a área cultivadacom plantas Bt. Por conseqüência,se a freqüência inicial do alelo deresistência for baixa tem-se que amaioria dos insetos será homozigotosuscetível. Logo, espera-se que osraros indivíduos homozigotos resistentesacabem na maioria das vezespor acasalar com indivíduoshomozigotos suscetíveis advindos dasáreas de refúgio. Portanto, a geraçãosubseqüente será composta novamenteem sua maioria por indivíduosheterozigotos que serão suscetíveisdevido à expressão das toxinasde Bt em alta dose. Para que a áreade refúgio funcione de modo efetivo,admite-se que o número de insetoshomozigotos suscetíveis deva ultrapassara soma do número deheterozigotos e homozigotos resistentesem uma proporção maior ouigual a 500:1 (EPA 1998).Entretanto, o sucesso da estratégiada alta dose associada a áreasde refúgio depende da satisfação deuma série de premissas envolvendoquestões operacionais da plantas GMe bioecológicas da praga alvo docontrole, tais como:* As plantas devem produzir astoxinas inseticidas em doses 25x onecessário para matar 99% dos insetossuscetíveis.* A freqüência inicial dos genesde resistência deve ser baixa* O padrão de herança da resistênciadeve ser recessivo* O acasalamento deve ser aleatórioentre os indivíduoshomozigotos resistentes e suscetíveis.* O refúgio deve estar localizadode modo a assegurar oacasalamento aleatório entre os insetospresentes nas áreas com plantasGM e na área de refúgio.* Deve haver sincronia na emergênciade insetos adultos entre asduas áreas. Possíveis diferenças notempo de desenvolvimento podemcomprometer o acasalamento aleatórioentre os indivíduos resistentese os suscetíveis.A disposição das áreas de refúgioé um dos pontos de grandediscussão para o manejo da resistência.As possibilidades envolvem adisposição do refúgio internamenteà área Bt na forma de faixas deplantio (Figura 2), ou estruturadoexternamente às áreas de plantas Bt(Figura 3), ou ainda através da misturade sementes GM e convencionais.Deve-se salientar que a disposiçãodo refúgio está intimamente relacionadacom a bioecologia da pragaalvo de controle da planta Bt. Nasespécies de insetos nas quais as larvasnão se dispersam entre as plantasno campo, a utilização de misturade sementes ou linhas de plantio deplantas GM e convencionais seria aforma ideal de disposição de refúgio.Neste caso, é possível se assegurarque a cultura GM possui uma área derefúgio com desenvolvimentofenológico e práticas adicionais aplicadaspara controle de pragas seriamexatamente as mesmas nas plantasGM e nas convencionais. Este tipode disposição para a área de refúgiovem sendo empregado na cultura doalgodão Bt no Arizona, onde a lagartarosada, P. gossypiella, é a praga alvode controle. As larvas de P.gossypiella apresentam movimentolimitado entre plantas de algodão e adispersão de adultos também é restrita.Além disso, este inseto apresentauma faixa limitada de plantashospedeiras. Neste caso, com baseem informações sobre a bioecologiade P. gossypiella, recomenda-se oplantio de 1 linha de algodão não Bta cada 6 linhas da cultura Bt. Noentanto, há casos nos quais as larvasse dispersam entre as plantas e acabampor alimentar-se nos diferenteshospedeiros presentes no campo.Nestas situações, a alta mobilidadedas formas larvais reduziria a proporçãode indivíduos que se desenvolveriamno refúgio. Isso porque indivíduossuscetíveis que se encontramnas plantas convencionais poderiamse dispersar para plantas Bt e seremcontroladas pelas toxinas inseticidas.Além disso, larvas de genótipoheterozigoto que seriam mortas enquantoneonatas poderiam sobreviverao mover-se para plantas Bt emum estádio larval mais desenvolvido.Desta maneira, nas situações em quea praga alvo do controle apresentanas larvas uma elevada taxa de dispersãoentre plantas, tem-se recomendadoa adoção de modo preferencialde um refúgio estruturadoposicionado externamente à área Bt.As áreas destinadas a refúgio devemser localizadas para otimizar oacasalamento aleatório entre os insetossuscetíveis da área de refúgio eos possíveis resistentes que sobrevivemna área Bt. Portanto, a localizaçãoda área de refúgio externa édefinida em função de informaçõesbásicas sobre o movimento dos inse-<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 73


tos adultos juntamente com o comportamentoreprodutivo e deoviposição da praga.3.2. Plantas ExpressandoDuas ou Mais Toxinasde Bt - Pirâmides de GenesA pirâmide de genes é uma dasopções dos agricultores para o manejoda resistência de insetos a toxinasde Bt (Ferré & Van Rie 2002).Consiste no cultivo de uma plantageneticamente modificada contendogenes que codificam duas oumais proteínas com ação inseticida.Este tipo de estratégia envolvendo amistura de agentes de mortalidadepode ser classificado dentro do conjuntode medidas para manejo daresistência pertecentes à clássicaestratégia de ataque múltiplo. Porsua vez, as proteínas inseticidas produzidasnestas plantas GM devemser suficientemente distintasbioquímicamente e com baixo potencialpara resistência cruzada. Umbom exemplo da expressão conjuntade duas proteínas inseticidas namesma planta é o algodão Bt demarca registrada Bollgard ® IIcomercializado nos EUA e na Austrália.Estas plantas expressam as toxinasCry1Ac e Cry2Ab2 as quais possuemmecanismos de ação distintos(Crickmore et al. 1998). Além disso,plantas de algodão combinando asproteínas Cry2Ab2 e Cry1Ac foramcapazes de controlar de modo eficienteinsetos resistentes à toxinaCry1Ac (Tabashnik et al. 2002). Diversosestudos de simulação comuso modelos matemáticos têm demonstradoque a incorporação deduas toxinas na mesma planta é umaestratégia que permite uma maiordurabilidade da tecnologia comparadaà liberação seqüencial de plantasGM contendo uma toxina, com possibilidadesde redução do tamanhodas áreas de refúgio (Roush 1998).No entanto, o uso de uma planta GMcom duas ou mais proteínas inseticidasdeve ser integrada a outras estratégiasde manejo da resistência comoa manutenção de áreas de refúgiopara promover a sustentabilidade douso das plantas GM.3.3. Dispor Diferentes Toxinasem Diferentes VariedadesA disposição de diferentes toxinasem híbridos de uma cultura porcompanhias concorrentes parece serum dos prováveis cenários a partirda liberação para o plantio de plantasGM resistentes a insetos. Estepadrão de uso levaria à formação demosaicos mediante a adoção de diferentesplantas GM pelos agricultores.Entretanto, deve-se atentar parao fato de que numa formação demosaicos, as diferentes áreas complantas GM não funcionariam comorefúgio em comum. Isto não é possívelvisto que dependendo no nívelde expressão das toxinas, não haveriaa produção suficiente de insetossuscetíveis em nenhuma destas áreas.Mesmo com plantio de áreas derefúgio, o sistema em mosaico apenasestaria simultaneamente selecionadopara a resistência a cada umadas toxinas.3.4. Uso Plantas com Baixa Dosedas Toxinas InseticidasA utilização de doses moderadasdas toxinas inseticidas é tambémuma possível estratégia para o manejoda resistência às plantas GM.Neste caso, espera-se a ação conjuntadas plantas Bt e de inimigos naturaisresulte em sucesso no controlede pragas. Entretanto, modelos genéticosmostram que o uso da baixadose associada ao controle proporcionadopor inimigos naturais podediminuir, aumentar ou não afetar ataxa de incremento na freqüência deresistência (Gould 1998). Pesquisastêm mostrado que o resultado destaassociação depende dos detalhesenvolvidos nas interações ecológicasentre a praga e os inimigos naturais(Johnson & Gould 1992; Johnson1997; Johnson et al. 1997).3.5. Expressão Direcionada dasToxinas InseticidasEsta estratégia baseia-se naexpressão das toxinas inseticidas demodo não constitutivo. Assim, aspossibilidades envolvem o uso depromotores que direcionem a expressãodas toxinas em um determinadotecido ou estrutura vegetal, ouainda regulem a produção das proteínasinseticidas em determinadosperíodos do ciclo fenológico que sãocríticos para a proteção da planta.Entretanto, existe há necessidade deque estudos básicos de genéticamolecular sejam conduzidos para adetecção destas regiões promotoras.4. O Monitoramento da Resistênciaàs Toxinas de BtO monitoramento para a verificaçãode alterações nasuscetibilidade dos insetos alvos decontrole às toxinas de Bt é uma daspartes mais importantes dos programaspró-ativos de manejo da resistênciade insetos a plantas GM. Atravésdeste tipo de monitoramento,tem sido possível não apenas seavaliar a resultado das estratégias demanejo implementadas em retardara evolução da resistência e garantir aeficiência das plantas Bt no controlede pragas, mas também validar muitosdos parâmetros biológicos utilizadosem modelos matemáticos. Opasso inicial para os trabalhos demonitoramento é o estabelecimentoda resposta natural de populaçõesgeograficamente distintas da pragaàs toxinas de Bt através do estabelecimentodas linhas básicas desuscetibilidade antes da liberação dasculturas GM no campo. Na seqüênciadeve ser realizado o acompanhamentosistemático da suscetibilidadedos insetos nestas regiões preferencialmentemediante o uso de concentraçõesdiagnósticas oudiscriminatórias. No contexto prático,o uso de bioensaios utilizando-seconcentrações diagnósticas é o métodocorrente recomendado pela EPAno monitoramento da suscetibilidadede populações de insetos às toxinasde Bt nos EUA. Admite-se que estesbioensaios seriam eficientes paradetectar a resistência quando a freqüênciados alelos de resistência atingir1%, o qual é um valor próximo domomento em que são observadasfalhas no controle de pragas. (U.S.EPA/USDA 1999). A chance de sedetectar larvas resistentes numa culturaBt é função da pressão de seleçãoexercida sobre a praga, da freqüênciainicial dos indivíduos resistentes,e do número de amostras74 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


coletadas. Por sua vez o monitoramentoatravés do uso da técnica de“F 2Screen” é particularmente interessantepara a detecção de alelosrecessivos raros na população deinsetos. Através desta técnica é possívela deteção de alterações nasuscetibilidade das populações deinsetos a partir de um número menorde insetos coletados no campo. Admite-seque este método apresentauma sensibilidade aproximadamente10 vezes maior que a utilização debioensaios com concentraçõesdiagnósticas com uma geração obtidaa partir da coleta de parentais nocampo (Andow & Alstad 1998). Assim,o “F 2Screen” e composto porquatro procedimentos: inicialmentefêmeas adultas e fecundadas devemser coletadas no campo e no laboratóriodevem ser estabelecidas diferenteslinhagens a partir de umamesma fêmea trazida do campo. Emseguida, os indivíduos resultantes dageração F 1devem ser criados e reproduzidosdentro de sua respectivalinhagem. As larvas neonatas da geraçãoF 2devem ser utilizadas embioensaios para se verificar asucetibilidade dos indivíduos a toxinasde Bt. Por fim, os dados demortalidade dos insetos das diferenteslinhagens devem ser analisadosestatisticamente. O “F 2Screen” éconsiderado um dos únicos procedimentosdisponíveis que permite quesejam detectados alelos raros erecessivos em uma população deinsetos.As áreas nas quais serão realizadasas coletas para acompanhamentoda suscetibilidade dos insetosnão deverão ser apenas vinculadasaos níveis de adoção de culturas GMpelos agricultores. As definições destasáreas deverão considerar os diferentesregimes de seleção que osinsetos estarão sendo expostos, tambémconsiderando, por exemplo, adiversidade de culturas e o sistemade produção. Deste modo, áreas commaior pressão de seleção sobre apopulação da praga deverão sercriteriosamente amostradas.5. O Manejo da Resistência deInsetos a Plantas GM no BrasilO Brasil recentemente regulamentoue normatizou os procedimentospara liberação experimentale comercial de plantas GM porintermédia da Lei de Biossegurança.Certamente, a primeira geração dessesorganismos será composta basicamentepor plantas (milho e algodão)resistentes a insetos expressandotoxinas inseticidas de Bt. Omonitoramento da suscetibilidadepragas a toxinas de Bt no Brasilrepresenta um enorme desafio natentativa de conciliar as necessidadespráticas e as exigências técnicasde um programa pró-ativo de manejoda resistência em um ambienteagrícola altamente diversificado.Inicialmente, há necessidadede se coletar e organizar os dados,não apenas da eficiência agronômica,mas que possibilitem a caracterizaçãotoxicológica desses eventosde plantas GM resistentes a insetos.Além disso, é necessária uma boarevisão dos aspectos bioecológicosdas pragas chave alvos de controle enovas pesquisas que preencham aslacunas existentes. Sem dúvida, hánecessidade de que sejam definidasquais informações são prioritárias,para que dessa forma não exista umatraso nos processos de liberaçãocomercial das plantas GM.É também de fundamental importânciao conhecimento dos diferentesagroecossistemas no Brasil.Este será uma difícil tarefa para todosenvolvidos no MIP. Isto porque nascondições brasileiras as diferentesculturas têm sido exploradas de modointensivo e numa grande variedadedando origem a um considerávelnúmero de composições de mosaicosde plantas e sistemas de produção.E justamente este cenário quetem proporcionado periodicamentea inclusão de novas pragas nas diferentesculturas. Entretanto, as pragaschaves da cultura podem ser apontadase selecionadas para os estudosde bioecologia destes insetos. Assim,há algumas espécies de insetosque certamente deverão ser alvosde estudos avançados envolvendomovimento de larvas, adultos, comportamentode cópula e oviposição,migração e fluxo gênico, plantashospedeiras alternativas etc. Porexemplo, S. frugiperda merece destaquedevido à sua importância nasculturas de milho e algodão. Portanto,há necessidade de se consideraras estratégias de liberação de milhoBt na elaboração de plano de manejode resistência em algodão Bt, e viceversa.Sem dúvida, ainda são necessáriosavanços no estabelecimentode linhas básicas de suscetibilidadede pragas às diferentes toxinas de Btno Brasil, bem com a validação demétodos de bioensaio para os programasde monitoramento da resistência.Devido ao grande potencial deuso da tecnologia de plantas Bt noBrasil, há necessidade de elaboraçãode programas pró-ativos para o manejoda resistência às toxinas de Bt.Neste ponto, as Universidades, Instituiçõesde Pesquisa, Empresas Estataise Privadas e Órgãos de Regulamentaçãodevem atuar conjuntamentepara que todas as informaçõesnecessárias sejam geradas do modomais idôneo e responsável, afim deque seja depositada a confiança dasociedade como um todo nas estratégiasde manejo da resistência. Oacompanhamento da eficiência dasestratégias de manejo por Laboratórios,Agências ou Órgãos Públicoscredenciados é uma das alternativasque podem ser consideradas numplano nacional que regulamentaria aadoção de culturas Bt. As áreas derefúgio têm sido fundamentais parao retardamento da evolução da resistência.Sendo assim, este é um dospontos que merece atenção para osprogramas de educação econscientização da sociedade sobrea necessidade da manutenção deáreas de refúgio. Ainda, há necessidadede se pensar em planos demitigação, caso sejam detectadosaumentos nos níveis de resistênciaem determinadas populações de insetos.6. Literatura citadaAndow, D. A.; Alstad, D. N. 1998. TheF 2Screen for rare resistance alleles.Journal of Economic Entomology,91: 572-578.Bourguet, D. 2004. Resistance to<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 75


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Bacillus ThuringiensisMeio ambienteFormulações e Plantas TransgênicasDeise Maria Fontana CapalboDra em Engenharia de Alimentos, pesquisadora,Embrapa Meio Ambientedeise@cnpma.embrapa.brGislayne Trindade Vilas-BôasDra em Microbiologia, Universidade Estadual deLondrinagvboas@uel.brOlívia M. Nagy ArantesDra em Agronomia, Professor AdjuntoUniversidade Estadual de londrinaoarantes@uel.brMarise T. SuzukiMestre em <strong>Biotecnologia</strong>, Doutoranda de<strong>Biotecnologia</strong> pela USP/SPBolsista Capes, Embrapa Meio Ambientemarisets@cnpma.embrapa.brcontrole de insetos-pragade lavouras nocivosao homem tem sido feitocom inseticidas químicosdesde o início dadécada de 40, no século passado.Além do problema de poluiçãoambiental gerados, eles se mostraramtóxicos e sem especificidade,atingindo também os insetos benéficose induzindo casos de resistêncianos insetos praga. Outros compostosquímicos foram posteriormente elaborados,mas o seu emprego intensivo,tanto na agricultura quanto nasaúde pública, resultou em novoscasos de resistência e mesmo emresistência cruzada. Além do problemada resistência, com conseqüenteredução da efetividade do controle,o uso de inseticidas químicos tambémlevou à redução dabiodiversidade nas áreas tratadas, àcontaminação de alimentos, do soloe da água.A agricultura sustentável do séculoXXI exige, cada vez mais, intervençõesalternativas para o controlee manejo de insetos que sejamambientalmente seguras e que reduzamo contato humano com ospesticidas químicos sintéticos. Comoopção podem ser utilizados microrganismosentomopatogênicos, incluindobactérias, vírus, fungos eprotozoários, com vantagens numerosas,como por exemplo: a segurançapara seres humanos e outros organismos-não-alvo,a redução de resíduosde pesticidas nos alimentos, oaumento da atividade de outros ini-migos naturais e a recuperação dabiodiversidade nos ecossistemas tratados.Nos anos que se seguiram à suadescoberta, no início do século XX,Bacillus thuringiensis (Bt) recebeupouca atenção dos microbiologistase entomologistas. Entretanto, após adescoberta de sua atividadeentomopatogênica, ele passou a serestudado por enorme quantidade decientistas das mais diversas disciplinas,que exploraram seus segredosem nível molecular, fisiológico e ecológico.Hoje, Bt é o inseticidamicrobiano mais bem-sucedido, aplicadona proteção de grãos, florestase no combate a vetores de doençasaos humanos.A atividade entomopatogênicadesta bactéria é decorrente da produçãode cristais protéicos em concomitânciacom o processo de esporulação(figura1).Esses cristais sãoformados por polipeptídios conhecidoscomo proteínas Cry que apresentampropriedades entomopatogênicasfrente a insetos das ordensLepidoptera, Diptera, Coleoptera,Hymenoptera, Homoptera, Dictyoptera,Orthoptera, Mallophaga, alémde nematóides (Strongylida, Tylenchida),protozoários (Diplomonadida)e ácaros (Acari)O avanço das pesquisas comesta bactéria incentivou a busca denovos isolados com atividade tóxicaaté então desconhecida àqueles insetos,bem como a obtenção, porengenharia genética, de linhagenscom atividade bioinseticida frente a78 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Quadro1.Pesquisa desenvolvida com Bacillus thuringiensis no setor privado nos anos 1980PeríodoAntesde1980Após1980EmpresaCepasnãomodificadasA bbot Laboratories+B iochem+Z oecon+D uphar+CepasmelhoradasA bbot+ +S olvay/Duphar+ +PlantasrecombinantesZ oecon/Sandoz+ + +N ovo+ +C iba-Geigy+ +I CI+ + +S umitomo+ +D ow Elanco+ +E cogen++Aplicaçãomediada pormicrorganismosM ycogen+ + +M onsanto+ +R ohm and Haas+P lant Genetic Systems+A gracetus+C algene+S ungene Techn. Inc.+A grigenetics+C rop Genetics Intern.+F onte:Adaptado de Frankenhuyzen (1993)um espectro maior de insetos alvo.Esses avanços coincidiram com umamudança decisiva no modo como asociedade, e em especial os órgãosregulamentadores, perceberam asconseqüências ambientais do usointensivo de pesticidas químicos, emespecial o desenvolvimento de resistênciados insetos aos princípiosativos. Esses fatos estimularam inúmerasempresas voltadas à produçãode agrotóxicos e à biotecnologia,a iniciarem ou fortificarem suas linhasde pesquisa e desenvolvimentocom Bt (Quadro 1), bem como alançarem no mercado inúmeros produtosregistrados à base desta bactéria.O desenvolvimento de novosprodutos para o controle biológicofoi possível, especialmente, devidoà atividade entomopatogênica destabactéria estar relacionada à formaçãoda proteína Cry, codificada porum único gene cry, o que facilita amanipulação de diferentes genes cryem processos biotecnológicos. Assim,no final do século XX houveuma diversificação das estratégiasde sua utilização no controle biológico:maior produção de toxinas; aumentodo espectro de ação por novasvariedades de B. thuringiensis;introdução de genes cry em diferentesmicrorganismos e plantastransgênicas.Foi assim contornado o limitadoespectro de controle e obtidas formasmais eficazes e direcionadas deaplicação, dando espaço para novosavanços na área de genética de Bt,explorando-se ainda mais as basesde sua toxicidade seletiva eespecificidade.Genes cry e proteínas CryFigura 1. Microscopia eletrônica de varredura de esporos e cristais (setas) de Bacillusthuringiensis. a) cristais com formato bipiramidal e b) cristais com formato esférico.Barras: 1 µm.Fotografias de Marise T. Suzuki(CNPMA/EMBRAPA).abA patogenicidade e a especificidadede uma linhagem de Bt sãodeterminadas pelos tipos de genescry funcionais que a mesma apresenta.Uma linhagem de B.thuringiensis pode conter uma ouvárias cópias de um mesmo gene cryou de diferentes genes cujos produtosformarão o mesmo cristal. A loca-<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 79


lização preferencial em plasmídiosconjugativos, bem como a freqüenteassociação a elementos genéticosmóveis, determina a grande diversidadedestes genes e a conseqüenteocorrência de linhagens contendodiferentes combinações deles, o queresulta em perfis de toxicidade distintos.Todos os avanços no conhecimentodos genes cry permitiram aindaa construção de sondas específicaspara a seleção de linhagens pormeio de análise de hibridação, emrazão da presença de seqüências denucleotídios conhecidas. Em 1998,Crickmore e colaboradores propuseramuma classificação das proteínasCry, baseada somente na seqüênciade aminoácidos, não levando emconsideração o perfil de toxicidade.Atualmente são descritos mais de250 genes diferentes, enumeradospor algarismos arábicos contendo 44classes com subdivisões (cry1 acry44). As atualizações são freqüentese podem ser acompanhadas pelosite:http://epunix.biols.susx.ac.uk/Home/Neil_Crickmore/Bt/index .Modo de ação e estrutura dasproteínas CryNa forma como são sintetizadas,as proteínas Cry apresentam-se comoprotoxinas sem ação entomopatogênica,necessitando ser ativadas parao desencadeamento de seus efeitostóxicos. Sua ação ocorre por via oral,seguindo-se uma série de passos. Aoserem ingeridas por um inseto suscetível,as protoxinas são solubilizadasno ambiente alcalino do intestinodele (pH ~ 10) e, em seguida,processadas por proteases específicas.Os produtos ativos das proteínasCry resultantes de todos esses processosligam-se de maneira irreversívela receptores de membrana dascélulas epiteliais do intestino do inseto,levando à formação de porosinespecíficos ou canais iônicos, quealteram a permeabilidade das células.Essa alteração leva a uma lisecelular e à ruptura da integridadeintestinal, com conseqüente morteda larva.As proteínas Cry apresentammassas moleculares que variam de40 a 140 kDa, possuindo duas regiõesdistintas: uma porção aminoterminal,normalmente variável e associadaà toxicidade, e uma porçãocarboxi-terminal, mais conservadaentre as proteínas, associada geralmenteà formação do cristal. Nosinsetos pertencentes à ordemLepidoptera, a intoxicação manifesta-sepor paralisação imediata dotubo digestivo e das peças bucais,levando à lise celular e interrupçãoda alimentação. Esses sintomas sãoseguidos por ruptura na integridadedo intestino, inanição e posteriorsepticemia, levando o inseto àmorte.Ecologia de B. thuringiensisEm todo o mundo, muitos programasde isolamento de B.thuringiensis têm encontrado estemicrorganismo distribuído em amplagama de ambientes. Linhagens têmsido isoladas principalmente a partirde amostras de solo, de insetos vivosou mortos e de grãos estocados ,bem como de fontes alternativas,como o filoplano de espécies vegetaise amostras de águas de rios elagos. No entanto, a sua distribuiçãoe suas relações ecológicas permanecemainda em discussão. Sabe-seque seus esporos podem persistir nosolo por diversos anos, contudo, segundoestudos recentes, B.thuringiensis não tem a capacidadede se multiplicar nem no solo nemna água. Diversos dados evidenciamque o inseto é o único ambienteonde ocorre multiplicação e efetivatroca de material genético entre linhagensde B. thuringiensis (Suzukiet al. 2004; Vilas-Bôas et al., 1998).Isso explica o fato de nunca ter sidodescrita epizootia no caso de B.thuringiensis e corrobora a segurançados produtos à base desta bactéria.Produtos formulados à base deB. thuringiensisFormulações comerciais baseadasem B. thuringiensis são compostaspor uma mistura de células,esporos e cristais, que são formadospor proteínas Cry. Estas proteínassão consideradas ambientalmenteseguras por apresentarem um modode ação extremamente específico eserem rapidamente biodegradadasem ambientes naturais como o solo.Os mecanismos envolvidos no modode ação de Bt garantem de certaforma sua segurança especialmenteao homem e insetos benéficos. Emadição, extensivos estudos em laboratóriosão requeridos para a liberaçãode novos produtos pela AgênciaAmericana de Proteção Ambiental(EPA-EUA) e outras autoridadesregulatórias de vários países, incluindoa Agência Nacional de VigilânciaSanitária (ANVISA), o Ministério daAgricultura, Pecuária e Abastecimento(MAPA) e o Instituto Brasileiro doMeio Ambiente e dos Recursos NaturaisRenováveis (IBAMA) no Brasil. OQuadro 2 mostra a disponibilidadede produtos à base de Bt, no Brasil,até dezembro de 2003, registradosnos órgãos federais competentes.A escolha de um produto para aimplantação de programas de controlede insetos deve levar em conta,entre outras características, a eficáciae a persistência da atividadebioinseticida. No entanto, alguns produtostêm demonstrado baixa persistênciae/ou atividade no campo, oque leva a aplicações recorrentes,dependendo do produto e do inseto-alvo.Outros produtos não atingemdeterminadas regiões da planta,como raízes, colmo e botão floral,que são pontos estratégicos para ocontrole de várias pragas suscetíveisa B. thuringiensis. Assim, houve anecessidade do desenvolvimento deprodutos biotecnológicos à base deproteínas Cry, visando preencher aslacunas apresentadas pelos programasde controle de insetos baseadosem Bt.Diferentes produtos biotecnológicosforam lançados no mercado,como o bioinseticida Raven ® daEcogen, produzido a partir de umalinhagem de B. thuringiensis ondeforam inseridos genes cry, responsá-80 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Quadro2.Biopesticidas à base de Bacillus thuringiensis registrados no Brasil até 2003Órgão de RegistroEmpresaprodutoraNomecomercialIngredienteativoOrganismoalvo1Classetoxicológica2Ano deregistro3MAPASumitomo(anteriormenteAbbott Lab.)DipelB . thuringiensis var.kurstaki,HD-1Lepidópteros4,5IV1991IBAMA 4 SumitomoDipel FB . thuringiensis var.kurstaki,HD-1Thyrinteinaarnobia4.5IV1991MAPASumitomoDipel TécnicoB . thuringiensis var.kurstaki,HD-1Lepidópteros4,51981IVMAPASumitomo6 B . thuringiensisvar.Dipel PMkurstaki,HD-1Lepidópteros4,5IV1989MAPAAgri-controlBac-controL PMB . thuringiensis var.kurstaki,3a, 3bLepidópteros4.5IV1987MAPANovartisS.A.(antigaCiba-Geigy)AgreeB . thuringiensis var.aizawai, GC 91Lepidópteros4III5I V1995I BAMANovartisS.A.AgreEB . thuringiensis var.aizawai, GC 91T.arnobia4III5I V1995MAPAMilenia (antigaGeratec)Bactur PMB . thuringiensis var.kurstaki,H-3a, 3bA.gemmatalis4III5I V1996MAPAIharabrasNovartis S.A.(antiga Sandoz)ThuricideB . thuringiensis var.kurstaki,HD-1Lepidópteros4,5IV1991IBAMAIharabras /Novartis S.A.Thuricide PMB . thuringiensis var.kurstakiLepidópteros4,5IV1995A NVISANovartisS.A.Tekna rB . thuringiensis var.israelensisC ulex, Aedes, Anopheles,SimulídeosIV1989ANVISASumitomoSphericoB.sphaericusAedesaegyptiCulicídeo sIV1995MAPAAgrevo BayerCrop ScienceEcotech ProB.thuringiensis4III5I V1998MAPASumitomoXentariB.thuringiensis4II5I V1998ANVISASumitomoVectolex - GB.sphaericusDomissanitário7Domissanitári o 19991Classe toxicológica: III = medianamente tóxico, IV = pouco tóxico2Ano em que o registro foi autorizado3Ministério da Agricultura, da Pecuária e do Abastecimento4Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis– Ministério do Meio Ambiente5Agência Nacional de Vigilância Sanitária/ANVISA – Ministério da Saúde6PM = pó molhável (tipo de formulação)7Uso em campanhas de saúde púbica e por instituições especializadasveis pela formação de proteínas Cryativas contra coleópteros elepidópteros. Outra estratégia envolvendoos genes cry é a possibilidadede expressão em organismosrecombinantes heterólogos. Essatecnologia permitiu que a capacidadede produção da toxina Cry fossetransferida para outros organismos,agregando vantagens aos produtos,como o controle de pragas inacessíveisaos produtos convencionais emaior estabilidade das proteínas Cryno ambiente. Com essa finalidade,foram utilizados organismos colonizadoresde plantas, comoPseudomonas cepacia, Pseudomonasfluorescens, Azospiril-lum,Bacillus pumilus e Rhizobiumleguminosarum, além de fungosectomicorrízicos, como Laccariabicolor. Da mesma forma, a introduçãode genes cry em bactériasendofíticas que colonizam o sistemavascular das plantas permitiu o controledos insetos que vivem no interiordo caule e das raízes (Arantes etal., 2002).Além das linhagens de B.thuringiensis melhoradas geneticamentee da construção de microrganismosrecombinantes heterólogos,outro produto biotecnológico surgiuno final do século XX, gerado pelainserção de genes cry em plantas,formando as chamadas plantas Bt, as<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 81


quais produzem suas próprias proteínasCry, ficando protegidas do ataquede insetos susceptíveis. A produçãodestas plantas ocorre em laboratóriocom o emprego de métodosde engenharia genética (Capalbo etal. 2004).Métodos moleculares parase obter plantas BtO desenvolvimento das plantastransgênicas só foi possível devido auniversalidade da molécula de DNA,presente nas células de todos osorganismos vivos. Essa molécula estocaa informação genética e orquestraos processos metabólicos da vida.Mesmo espécies completamente diferentestêm mecanismos equivalentespara converter a informaçãogenética contida no DNA em proteínas,o que significa que um segmentode DNA proveniente de uma bactériapode ser bem interpretado etraduzido em uma proteína funcionalquando inserido numa planta.O fragmento de DNA a ser inseridono genoma da célula vegetalnormalmente acrescenta umfenótipo ou causa alterações nofenótipo original, como a produçãode nova(s) proteína(s). O primeiropasso para que isso seja feito, é apreparação do DNA exógeno, quedeve conter, no mínimo, um promotor(para ativar o gene), o gene deinteresse (um gene cry no caso dasplantas Bt), uma seqüência de término(uma seqüência de DNA quesinaliza o final da transcrição do gene)e um gene codificante para umamarca que permita a seleção dascélulas que foram transformadas.Para a obtenção de plantastransgênicas, o DNA exógeno deveser inserido no genoma da célulavegetal, permanecendo estável. Sea inserção do DNA é direcionada aum loco pré-determinado, o processoé chamado de recombinaçãohomóloga. Ao contrário, se a inserçãodo DNA ocorrer ao acaso, oprocesso é denominadorecombinação heteróloga. Uma vezestabelecido o DNA no genoma dacélula (cromossomo ou cloroplasto),seqüências exógenas são quimicamenteindistinguíveis daquelas dacélula vegetal, ou seja, a origem daseqüência de DNA não interfere nosprocessos de replicação e segregação.Para a obtenção das plantas Bt,segundo Prescott et al. (1999),quatro técnicas de transformaçãotêm sido correntementeutilizadas: sistemaAgrobacterium, eletroporação,biobalística e microinjeção.O rendimento de qualquer umdesses métodos de transformação éextremamente baixo, e para obteralto nível de transformantes, a seleção,em geral, é feita por meio decultura de tecidos indiferenciados(calos) sobre um meio seletivo normalmentecontendo antibiótico ouherbicida. Posteriormente, as célulassão estimuladas a iniciar um processode diferenciação, para em seguidaformar uma planta regenerada efértil.Estratégias de seleção deplantas transformadasUma das etapas essenciais aosucesso na obtenção de uma plantatransgênica é a seleção de clonesestáveis para a formação de plantasadultas nas quais podem serquantificados os níveis de expressãoda molécula de interesse. Entre asestratégias correntemente utilizadaspara recuperar transformantes, estão:o emprego de genes de resistênciaa um agente químico seletivo,como um antibiótico ou um herbicida;o uso de genes que conferem umfenótipo que permite seleção visualou física (como o desenvolvimentoda coloração); ou a identificação deplantas transformadas por meio deamplificação do gene inserido porPCR (Reação de Polimerização emCadeia) ou por Southern blot.A utilização de agentes seletivosé extremamente vantajosa emrelação a outros métodos, por isso éo método mais empregado na seleçãode OGMs. Em meio seletivo,esses agentes impedem o desenvolvimentode células não-transformadas,ou seja, que não são portadorasdos transgenes, não havendo necessidadede posterior separação entrecélulas transformadas e não-transformadas.Entre os genes de resistênciaa antibióticos mais utilizados, destacam-seo gene bla TEM, que codificaresistência aos aminoglicosídios,como a ampicilina e a penicilina, ogene aadA, que confere resistência àestreptomicina e à espectinomicina,e um gene aph, mais especificamenteo aph(3’), também designadonptII, que codifica para a resistênciaà kanamicina e à neomicina.A preocupação com os possíveisefeitos ambientais indesejáveisdos genes de resistência aos antibióticosfoi um dos principais fatoresque incentivaram o desenvolvimentode novas tecnologias de clonagem.Entre elas, a técnica em que as célulasvegetais são transformadas comconstruções específicas em que ogene de resistência ao antibiótico seencontra flanqueado por seqüênciasde DNA denominadas lox. Posteriormente,as plantas obtidas são cruzadascom outras plantas transgênicascontendo o gene cre, que codificapara a recombinase Cre. Dentre asplantas resultantes, obtêm-se aquelasem que o gene de resistência aoantibiótico foi retirado mediante arecombinação das seqüências lox,mantendo-se, no entanto, o gene deinteresse. Um exemplo desse processoé encontrado no trabalho deOw (2002).Entre os métodos que permitema seleção visual dostransformantes, destaca-se a utilizaçãode genes que codificam para aformação de pigmentos, sendovisualizada coloração específica nostransformantes. A enzima betaglucuronidaseé a base do sistemaGUS, cuja expressão é verificada emmeio de cultura em condições propíciasao desenvolvimento da coloraçãoazul pelas células transformadas.Essas células são então separadasdaquelas sem a coloração etransferidas para um novo meio decultura, para a regeneração de umaplanta adulta. Um exemplo do em-82 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


prego desse sistema pode ser encontradono trabalho de Arencibia etal. (1997).Quando o número de célulastransformadas é baixo, pode-se tambémverificar a ocorrência de transformaçãopor meio de reações dePCR, utilizando-se um iniciador cujaseqüência seja complementar aogene trabalhado (no caso de plantaBt, o próprio gene cry). Também,pode-se utilizar o método Southernblot, detectando-se a presença deseqüências de DNA por meio dahibridação com um fragmento deDNA, marcado radioativamente oupor meio de métodos colorimétricos.Após a confirmação da estabilidadedo gene, mediante a verificaçãodo fenótipo, deve-se então verificare, ou, quantificar sua expressão.Entre os métodos utilizados, destaca-seNorthern blot (detecção doRNAm), Western blot (detecção daproteína codificada pelo gene) eensaios imunológicos. Posteriormente,é feita a constatação e aquantificação da atividade inseticidada planta transgênica, por meio debioensaios com os insetos-alvo.Alterações moleculares dosgenes cryAntes de serem introduzidosnuma planta, os genes cry devemser alterados em sua seqüência deDNA por mutagênese sítio-dirigida.Isso é necessário para que as diferençasnos mecanismos de expressãoentre organismos procariontes eeucariontes não bloqueie ou diminuama expressão do gene. Algunsexemplos de alterações, realizadasna obtenção de algumas plantas Bt,são apresentados a seguir.Os primeiros experimentos,para a obtenção de plantas expressandogenes cry, foram realizadosusando o gene cry1A inteiro. Noentanto, somente baixos níveis deproteínas Cry foram obtidos e a plantanão apresentou qualquer atividadeinseticida. Os primeiros sucessosforam obtidos pela expressão defragmentos de genes cry que codificampara a parte tóxica de proteínasCry. Dessa forma, a expressão defragmentos truncados dos genescry1Aa e cry1Ab em plantas detabaco resultaram em níveissignificantes de produção de proteínasCry e eficiente controle de lagartasde Manduca sexta.No entanto, níveis de expressãode genes cry nativos truncados emplantas levam à produção de cercade 0,001% do total de proteínassolúveis, sendo esses níveis menoresque aqueles obtidos com outrostransgenes. Isso se deve ao fato dogenoma da planta apresentar altoconteúdo de Guanina (G) e Citosina(C), enquanto os genes cry têm altoconteúdo de Adenina (A) e Timina(T), o que pode levar a planta aprocessamentos incorretos e à formaçãode RNAm não-funcionais. Alémdisso, os códons usualmente presentesem genes cry são raramente utilizadosem plantas, o que pode provocarpausas no ribossomo e talvezacelerar a degradação do RNAm dogene cry contido nas plantas.Muitas plantas Bt foramconstruídas com os genes cry1Ab ecry1Ac truncados, mas outros genestambém têm sido utilizados, como ocry9C em milho, resultando em proteçãocontra Ostrinia nubilalis, e ainserção do gene cry3A em batatas,que levou à expressão da produçãode altos níveis da proteína Cry3A eao controle de Leptinotarsadecemlineata . Além desses genes,foi construída uma versão do genecry1C para a obtenção de altos níveisde expressão em plantas, proporcionandoa proteção de tabaco ealfafa contra as lagartas Spodopteralittoralis e S. exigua e de brócoliscontra Plutella xylostella.Com o passar dos anos e o desenvolvimentode novos métodosmoleculares, outras gerações de plantasBt surgem, cada vez mais segurase voltadas não só ao controle do(s)inseto(s)-alvo, mas também à conservaçãodas condições ecológicasestabelecidas nas áreas de cultivo.Com esse intuito, pesquisadores vêmdesenvolvendo plantas em que asproteínas Cry podem ser expressassomente onde e quando necessáriasatravés do uso de promotores tecidoespecífico, tempo específico ougenes promotores induzíveis. Essese outros cuidados são tomados nosentido de minimizar o desenvolvimentode resistência dos insetos àsproteínas Cry e o fluxo gênico paravariedades selvagens. Além disso,deve-se lembrar que várias outrasestratégias também têm sido propostaspara serem utilizadas no campoe que ajudam a retardar a ocorrênciadestes eventos.Análise de risco e adoçãodas plantas BtOs debates sobre a introduçãocomercial de plantas geneticamentemodificadas em algumas regiões domundo levaram a questionamentossobre seu impacto potencial no ambiente.Dúvidas surgiram quanto àpossibilidade de afetar organismosnão alvo, cruzar e produzir plantasdaninhas, ter efeito adverso sobre abiodiversidade e reduzir efetivamenteo uso de insumos químicos indesejáveis.Embora se saiba do impactoinevitável da agricultura sobre oambiente, foi questionado o quantoestas plantas afetariam o balançoentre a produção agrícola e a vidasilvestre.A controvérsia atingiu a opiniãopública, demandou, e continua demandando,estudos extensos. Taispreocupações da sociedade transformaramas plantas Bt nas mais bemestudadas quanto aos riscos/benefíciosenvolvidos. A comunidade científicaconstatou evidências de que osbenefícios são elevados para os produtores,porém reconhece que oprocesso regulatório precisa ser maisbem ajustado. Há um bem documentadohistórico de segurança daaplicação de Bt, como produto formulado,no ambiente, devendo agoraser verificada se esta segurança émantida na diversidade de veículos(como outras bactérias e plantas)desta bactéria bioinseticida.As discussões que circundam o<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 83


processo regulatório das plantastransgênicas, e das plantas Bt especificamente,devem levar em contaa característica peculiar destas plantasde disseminar um princípio inseticida,tendo por veículo a própriaplanta. A maioria dos pesticidas sintéticose também os naturais sãoaplicados por pulverização em tempoe quantidade determinados; acobertura nunca atinge 100% e, emconseqüência, o princípio ativo nãoatinge todas as partes das plantas. Oagricultor decide quando, onde ecomo será aplicado o pesticida tradicional,enquanto o princípio pesticidadas plantas transgênicas (comonas plantas Bt) será liberado, namaioria dos casos, durante todo ociclo de vida da planta e, com freqüência,em todas as partes da planta.Como forma de garantia de segurançapara o ambiente e os consumidores,compete aos órgãos públicosde cada país controlar o uso deprodutos utilizados no ambiente (alimentos,agricultura, pecuária, saúdepública, entre outros), requerendosua avaliação adequada previamenteao seu registro para uso comercial.Compete ainda aos mesmos órgãospúblicos estabelecer os critérios paraa avaliação destes produtos, dentrode normas específicas que consideremas diferenças fundamentais entreprodutos químicos e biológicos,transgênicos e não transgênicos, noque se refere a composição, formade ação e comportamento no ambiente.Os riscos ambientais analisadospara as plantas transgênicas com característicapesticida (caso das plantasBt) enquadram-se em quatro categoriasamplas: - fluxo gênico dotransgene para outras espécies ouvariedades; - evolução de resistêncianas pragas-alvo; - efeitos adversosnas espécies não alvo expostas àproteína Bt; - efeitos da proteína Btna biota do solo; das quais discutiremosbrevemente as duas últimas.Efeito nas espécies não alvoQuando estão no campo, as culturasabrigam não somente os insetos-praga,mas também outros artrópodes(parasitóides e predadores),os quais desempenham importantepapel na regulação das populaçõesde herbívoros. Em termos ecológicos,essa hierarquia é chamada deinteração trófica. As interações tróficase os mecanismos para a interferênciadas plantas Bt sobre essasinterações são complexos e dependemde muitos fatores, como: nívelde resistência da planta, especificidadedo novo caráter introduzido/expresso, em quais tecidos este caráterserá expresso e por quantotempo, presença de plantas suscetíveispróximas e manejo da cultura,ou seja, aplicação de inseticidas, controlede plantas invasoras, entre outros.A preocupação que levou aestes estudos foi a de que os insetosalvopudessem adquirir a proteínaCry produzida na planta Bt quandose alimentassem dela e, assim, expora proteína aos inimigos naturais, sejapor meio de seus fluidos corpóreos,seja mediante contaminação de suaslarvas e disseminação em suas fezesHá ainda a possibilidade de que, coma redução das aplicações de inseticidasem culturas Bt, as pragas secundáriastornem-se importantes, atingindoo papel de praga primária emrelação àquela cultura.Deve-se ressaltar que, em umaanálise de risco, apesar da necessidadede se saber quantos e quais organismospodem consumir os tecidosdas plantas, esse consumo e a dispersãodeles na cadeia trófica só seconstitui em risco se, em nível normalde consumo em campo, resultarem efeitos adversos.Em 2001, a Agência de ProteçãoAmbiental americana (EPA) concluiu,em reavaliação do risco apresentadopor plantas Bt, que as proteínas Cryde Bt produzidas nas plantas transgênicasnão apresentam efeitos adversosàs populações de organismosnão alvo expostas às quantidadesdesta proteína que são encontradasnos tecidos dessas plantas(www.epa.gov/pesticides/biopesticides/pips/bt_brad.htm).Efeitos da proteína Btna biota do soloPara que o ecossistema solo permaneçasaudável, é necessário mantersua biodiversidade e a estabilidadedesta diversidade. Assim, um danopotencial associado a plantas Bt é apossibilidade de alterações nos gruposfuncionais presentes no solo,favorecendo determinado grupo emdetrimento de outro. Proteínas Btpodem apresentar novo efeito tóxicopara a biota, ou ser uma novafonte de substrato. Mudanças na diversidadedos microrganismos do solopodem alterar irreversivelmente a adinâmica funcional do sistema soloplantaoriginal.O assunto é tão extenso quantoa diversidade de micro e macrorganismospresentes no solo. Para efeitode ilustração, podem-se apresentaros seguintes efeitos, potenciais,de plantas Bt na biota do solo:• Organismos fragmentadores e,ou, decompositores – Plantas Btexsudam, em maior ou menor quantidade,toxinas através das raízes,que poderiam afetar organismos responsáveispela ciclagem de matériaorgânica, reduzindo ou impedindo adegradação de compostos como celulose,hemicelulose, quitina, lignina,com conseqüências para a fertilidadede plantas;• Organismos envolvidos na fixaçãode N 2atmosférico – se toxinas Btafetarem bactérias envolvidas na fixaçãobiológica do nitrogênio, comoas bactérias diazotróficas (Azospirillum,Herbaspirillum, Azotobacter),ou as simbióticas (Rhizobium eBradhyrizobium), haverá dano àsplantas que se beneficiam desta fixaçãobiológica de N 2;• Organismos produtores de metabólitossecundários – Fungos, bactériase actinomicetos, produtores demetabólitos secundários (enzimas, antibióticos),podem ser afetados pela84 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


presença de plantas Bt, uma vez queas toxinas Bt podem inibir o desenvolvimentodesses organismos nosolo, e com isso interromper o ciclode atividades benéficas desses organismos,como controle biológico natural.Há muitos artigos científicos queevidenciam a inocuidade e a ausênciade efeitos na biota do solo, poisquando presente no solo, parte dasmoléculas de proteínas Cry é degradadae parte delas é adsorvida àspartículas do solo (não apresentandoefeito algum sobre minhocas, nematóides,protozoários, bactérias e fungospresentes nele) sendo sugeridaa leitura do trabalho de Rumjanek eFonseca (2003) sobre o tema.Comentários finaisTodos os sistemas de produçãoagrícola causam, inevitavelmente, algumimpacto ambiental. O uso deplantas e microrganismos, transgênicosou convencionais constitui maisum fator de impacto, entre os muitosjá estabelecidos. A genômica e asferramentas biotecnológicas podemapresentar benefícios ambientais,devendo ser avaliadas no contextode cada ecossistema e prática demanejo.Pode-se, com segurança, concluirque alguns fatores básicos devem,obrigatoriamente, ser consideradosnuma avaliação de risco potencialao meio ambiente. Entre essesfatores, podem ser incluídos:comportamento já conhecido ou previsíveldo organismo transgênico;possibilidade de multiplicação e disseminaçãoem ecossistemas descritos;e impacto conhecido ou previsívelsobre plantas, animais e microrganismos-não-alvo.O controle depragas é essencial para manter aprodutividade em níveis elevados,para que não seja necessária a expansãoda área agriculturável, favorecendo,dessa forma, a preservaçãoambiental, sem prejuízo da instalaçãoda crescente população.A avaliação e o estabelecimentode métodos para o estudo de impactode biopesticidas foram apresentadosno final dos anos 90. Esses métodosdevem ser estabelecidos para asplantas transgênicas, uma vez que asações voltadas para a segurançaambiental devem promover a preservaçãoda biodiversidade, a manutençãodos ecossistemas e os respectivospadrões de sustentabilidaderequeridos. Respostas a questõescomo sobrevivência, disseminação,colonização e função da liberaçãodesses organismos em seus habitatsprecisam ser obtidas, bem comodevem ser considerados os aspectossocioeconômicos e os problemasadvindos da ausência de barreiraspolíticas ou fronteiras que restrinjama disseminação do organismo. Reconhece-seque a liberação detransgênicos no ambiente sem avaliaçãoapropriada de seu impactoambiental pode levar a prejuízosimportantes, especialmente em funçãodos custos elevados da tecnologia.Além disso, a biodiversidade estárelacionada aos valores e às tradiçõesculturais das comunidades, quenão podem ser relegadas a nívelinferior de consideração.Ressalta-se, ainda, que futuraspesquisas com transgênese devemincluir plantas com maior resistênciaa doenças e estresses (bióticos eabióticos), com maior conteúdonutricional, bem como espécies deplantas e animais com capacidadede produzir proteínas de importânciafarmacêutica, como vacinas. Paratanto são necessárias atuação proativados órgãos públicos de pesquisa euma política pública que preconizesua melhor atuação neste cenário demudanças econômicas e tecnológicas.Referências BibliográficasArantes, O.M.N., Vilas-Bôas, L.A.,Vilas-Bôas, G.T. 2002. Bacillusthuringiensis: Estratégias nocontrole biológico. In: Serafini,L.A., Barros, N.M., Aevedo, J.L.(Eds.). <strong>Biotecnologia</strong>: Avanços naagricultura e agroindústria.Caxias do Sul: EDUCS. v. 2, p.269-293.Arencibia, A., Vázquez, R. I., Prieto,D., Téllez, P., Carmona, E. R.,Coego, A., Hernández, L., De laRiva, G. 1997. Transgenicsugarcane plants resistant to stemborer attack. Molecular Breeding3: 247-255.Capalbo , D.M.F.; Vilas-Bôas, G.T.Arantes, O. M. N. 2004. B.thuringiensis: Formulações e PlantasTransgênicas <strong>Biotecnologia</strong>e Meio Ambiente, Viçosa, 2004,Cap.11, pp 309 a 350.Frankenhuyzen, K. 1993. Thechallange of Bacillusthuringiensis. In: Entwistle, P.F.,Cory, J.S., Bailey, M.J., Higgs, S.(ed.). In: Bacillus thuringiensis,an environmental biopesticide:theory and practice. Chichester:John Wiley and Sons. p. 1-36.Ow, D.W. 2002. Recombinasedirectedplant transformation forthe post-genomic era. PlantMolecular Biology 48: 183–200.Rumjanek, N.G., Fonseca, M.C.C.2003. Possíveis efeitos do cultivodo algodoeiro Bt sobre acomunidade de microrganismosdo solo. In: Pires, C.S.S. Fontes,E.M.G. e Sujii, E. R. (eds.). Impactoecológico de plantasgeneticamente modificadas – oalgodão resistente a insetos comoestudo de caso. EmbrapaRecursos Genéticos e<strong>Biotecnologia</strong>, Brasília. p. 117-134.Suzuki, M.T., Lereclus, D., Arantes,O.M.N. 2004. Fate of Bacillusthuringiensis in differents insectlarvae. Canadian Journal ofMicrobiology, 50: 973-975.Vilas-Bôas, G. F. L. T., Vilas-Bôas, L.A., Lereclus, D. e Arantes, O. M.N. 1998. Bacillus thuringiensisconjugation under environmentalconditions. FEMS MicrobiologyEcology 25: 369-374.<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 85


Meio ambienteCONSIDERAÇÕES SOBRE OFLUXO GÊNICOQuais são os verdadeiros riscos do escape gênicoAluízio BorémEng. Agrônomo, M.S., Ph.D. e Professor daUniversidade Federal de Viçosaborem@ufv.brImagem cedida pelo autortransformação gênicatem potencial para melhorara produtividade,resistência, qualidadenutricional e outras característicasdas plantas cultivadas.As técnicas moleculares utilizadas natransformação gênica consistem basicamentena introdução e integraçãode pequenos fragmentos de DNAisolados e clonados a partir de genesde outros organismos no genoma daespécie receptora. Apesar dos benefíciosevidentes dos cultivares geneticamentemodificados, a preocupaçãode que estes possam apresentaralgum efeito adverso ao meioambiente, como o escape dostransgenes, tem sido alvo de estudospor pesquisadores em diversas instituições.Um dos argumentos contra oemprego de cultivares transgênicosé o risco de fluxo gênico, tambémFigura 1. Alguns possíveis delineamentos para avaliação de fluxo gênicodenominado escape gênico ou dispersãogênica, que, no contexto debiossegurança, pode ser entendidocomo a troca de alelos entre populaçõesou espécies. De outra forma éa transferência de alelos de umapopulação/espécie para outra, coma permanência do gene exógeno napopulação receptora nas geraçõesseguintes à transferência. A possibilidadede ocorrência de dispersão detransgenes para espécies silvestrestem recebido grande atenção na análisede biossegurança, porque, segundoalguns ambientalistas, essefato poderia mudar as propriedadesgenéticas das espécies nativas, comprejuízo para a biodiversidade.Do ponto de vista evolucionário,o fluxo gênico é um processo migratóriode alelos, como se verifica noscompêndios de genética de populações.Como se sabe, o efeito damigração entre populações da mesmaespécie depende da proporçãode indivíduos migrantes e da diferençanas freqüências do alelo nasduas populações (Falconer e Mackay,1996). No caso dos transgênicos,como a população receptora nãopossui ainda o gene, não é como atransferência de alelos que normalmenteocorre entre populações.Contudo, ela pode ser tratada domesmo modo. Deve ser salientadotambém que genes, uma vez introduzidosno parente silvestre, poderão,por meio da recombinação, serdisseminados. É evidente que a seleçãonatural irá atuar e, assim, ele sópermanecerá na população se conferiralguma vantagem seletiva. Emrealidade, o fluxo gênico entre espé-86 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


cies relacionadas, que sobrevivemem um mesmo ambiente por milharesde anos, certamente ocorre comfreqüência e mesmo assim elas podempermanecer com suas propriedadesgenéticas particulares. Comoesse assunto tem sido muito comentadona atualidade, é importante quealguns aspectos do fluxo gênico sejamdiscutidos e, quando necessário,que sejam adotadas medidas paraatenuar algum eventual efeito adverso.O fluxo gênico pode ocorrerpor meio de semente ou por dispersãode pólen. Neste capítulo, a ênfaseserá a discussão sobre pólen comoveículo do fluxo gênico. É tambémnecessário salientar que o fluxogênico pode ser vertical, quandoenvolve cultivares e, ou, populaçõesda mesma espécie, ou horizontal,quando envolve a hibridação entreespécies diferentes, aparentadas ounão. Nesse aspecto, é preciso ressaltarque, embora o termo híbrido sejautilizado em diferentes conotações,em genética de populações, ele éutilizado quando envolve o cruzamentoentre espécies. Já a expressãorecombinação é restrita para oscruzamentos entre populações demesma espécie (fluxo gênico vertical).A dispersão de genes de espéciescultivadas para parentes silvestrese espécies daninhas pode serum problema ecológico. A literaturadisponível sobre o assunto sugereque a dispersão de um gene, noespaço e no tempo, dependerá, emparte, da vantagem competitiva dogene, do fluxo gênico e da probabilidadedo movimento do gene de umindivíduo para outro em uma geração(Manasse, 1992).O fluxo gênico por si não é fatorde risco. O risco existe quando ogene transferido confere algum perigoà população receptora, alterandosua adaptabilidade ou capacidadede sobrevivência. Se o gene transferidofor neutro com relação à capacidadede sobrevivência da população,ele não oferecerá risco ambiental.Entretanto, se o gene reduzir a capacidadede sobrevivência da populaçãoreceptora, ela poderá eventualmenteser eliminada. De outra forma,se o gene em questão aumentara adaptabilidade da população, elapoderá prevalecer no meio ambiente.Dessa forma, qualquer avaliaçãode segurança ambiental decorrentede fluxo gênico deve considerar aspossíveis alterações e o gene específicotransferido. O leitor deve sereferir aos capítulos 6 (Análise derisco) e 13 (Agressividade de plantasdaninhas e transgeníese) para maioresinformações sobre este assunto.As alterações que ocorrem nasenzimas ou em sua regulação podeminterferir em sua atividade original,resultando em vantagem oudesvantagem para o biótipo resistentena presença ou ausência dapressão de seleção. As plantas resistentespodem tornar-se predominantesquando ocorrerem mudanças noambiente que as favoreçam, isto é,se elas possuírem vantagem competitiva.Entretanto, se a pressão deseleção for removida, sua vantagemcomparativa será eliminada e os indivíduosresistentes poderão desaparecer(Vargas et al., 1999). Esseprincípio tem sido utilizado no manejode biótipos resistentes aherbicidas.Considerando o conceito de espécie(Ramalho et al., 2001), não éesperado que ocorram hibridações.Contudo, em casos esporádicos, coma interferência do homem ou não,ela pode ocorrer. Foi esse fenômenoque deu origem a um grande númerode novas espécies, entre elas otrigo cultivado Triticum aestivum L.,o algodão Gosypium hirsutum evárias outras. É importante salientarque esses casos ocorreram há milharesde anos e, na realidade, o fluxogênico envolveu o genoma inteiro, enão apenas alelos ou genes.Fatores que afetam a dispersãode pólen e o fluxo gênicoTipos de espécie: As espéciescultivadas diferem na taxa de fecundaçãocruzada. Inclusive são classificadasem autógamas – quando predominaautofecundação, e alógamas,se predomina a fecundação cruzada,além das intermediárias. Como espéciesautógamas típicas, citam-se:soja, trigo, feijão e alface, cuja freqüênciade fecundação cruzada éinferior a 5%. Como alógamas, têmseo milho, o girassol, a cebola e oeucalipto, entre outras em que afecundação cruzada é alta, normalmenteacima de 90%. Já nas espéciesintermediárias, como o algodão, ataxa de alogamia é superior a 5% dasautógamas, mas inferior aos 90% dasalógamas. O pólen de milho, porexemplo, pode percorrer distânciassuperiores a 100 m, pela ação dovento. No caso da soja, o grão depólen possui maior densidade e aúnica maneira de dispersá-lo na naturezaé de forma entomófila. Mesmoassim, a dispersão do pólen desoja é extremamente limitada.Diferença entre cultivares damesma espécie: Há diferença entreos cultivares com relação à cor e aotamanho das flores, atraindo mais oumenos polinizadores, e à produçãode pólen, os quais afetam a taxa defecundação cruzada. No milho, porexemplo, há grande diferença notamanho do pendão entre cultivarese por conseqüência na produção depólen.A taxa de fecundação cruzadaentre espécies ou entre cultivares damesma espécie depende da produçãoe dispersão de pólen (Rayboulde Gray, 1993). Modelos matemáticostêm sido utilizados para simularos padrões de dispersão de pólenem milho e outras espécies (Borém,2001).Várias condições são necessáriaspara que o fluxo gênico ocorra emcondições de campo: i) existênciade indivíduos sexualmente compatíveis,ii) coincidência temporal e espacialdos indivíduos, iii) polinizaçãocruzada, iv) grande longevidade dopólen, v) híbridos viáveis, vi) transmissãogênica nas gerações seguintes,vii) recombinação gênica entreos genomas e viii) não exclusão dogene do genoma receptor (Chèvreet al., 1998).A ocorrência de fluxo gênicotem sido investigada em várias espéciesutilizando-se diferentes delineamentosde plantio. A escolha dedeterminado delineamento deve levarem consideração o modo dereprodução da espécie, o veículo dedispersão do pólen, além de aspec-<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 87


tos referentes às condiçõesambientais. Alguns dos mais comunsdelineamentos são apresentados naFigura 1.Fluxo gênico entre as espéciesdo gênero Brassica tem sido observadoem alguns trabalhos envolvendorabanete, canola e espécies afins(Salisbury, 2000; Chrèvre et al., 1998;Scheduler e Dale, 1994; Klinger etal., 1991).A dispersão gênica do girassolcultivado para espécies silvestres foianalisada por Arias e Rieseberg (1994)e por Whitton (1997), nos EstadosUnidos, onde existem diversas formassilvestres de girassol. Esses pesquisadoresdetectaram moderadosníveis de fluxo gênico entre essasespécies.A probabilidade de um geneespecífico de um OGM tolerante aum herbicida ser transferido parauma espécie daninha depende deuma série de fatores, como observadopor Conner e Dale (1996). Ointercâmbio gênico entre diferentesespécies é extremamente complexoe requer a quebra de várias barreirasde isolamento reprodutivo, sendoalgumas das mais freqüentes: espéciescom habitats distintos, espéciescom maturidade sexual em épocasdistintas, incompatibilidade genética,fraqueza do híbrido, esterilidadehíbrida, dreno metabólico eeliminação gênica.Para que o fluxo gênico entredois biótipos ocorra, eles devem compartilharo mesmo habitat e deveexistir sobreposição do período deflorescimento deles. Neste caso, aocorrência da polinização cruzadadependerá da existência de um agentepolinizador eficiente. Se as espéciesforem geneticamente compatíveise houver a fecundação cruzadacom a formação de um híbrido viável,o fluxo gênico poderá se estabelecerse o gene transferido não resultarem menor competitividade parao biótipo receptor, bem como nãoocorrer a eliminação do gene exóticonas gerações seguintes.O risco de escape gênico paravárias espécies de interesse agronômicoda Inglaterra foi classificado emtrês categorias, com base na taxa defecundação cruzada e na existênciade parentes silvestres na natureza:Grupo I (mínimo risco), Grupo II(médio risco) e Grupo III (alto risco)(Raybould e Gray, 1993). No GrupoI foram incluídos batata, milho, trigo,centeio, tomate, dentre outros. OGrupo III inclui cenoura, beterraba,repolho, pinus, maçã, dentre outros.O risco de fluxo gênico do milhopara uma espécie silvestre, na Inglaterra,é mínimo, embora seja umaespécie com elevada taxa de fecundaçãocruzada. Essa reduzida probabilidadede escape gênico deve-seao fato de naquele país não existiremparentes silvestres do milhoocorrendo na natureza. No entanto,o milho deveria ser classificado nogrupo de alto risco no México, centrode diversidade dessa espécie,onde seus parentes silvestres ocorremespontaneamente na natureza.Portanto, para existir alto risco deescape gênico, a espécie deve apresentarelevada taxa de fecundaçãocruzada e devem existir parentessilvestres compatíveis com ela, compartilhandoo mesmo habitat, geográficae temporalmente. Mesmonessas condições, outros aspectosrelacionados ao isolamentoreprodutivo devem ser considerados.Lonetti e Smale (2000) analisaramo fluxo gênico entre variedadescrioulas e variedades melhoradas demilho em uma localidade próxima auma reserva biológica no México.Apesar dos inúmeros fatores concorrendopara a instabilidade genéticadas variedades crioulas, a análisemorfológica e genética destas pareceindicar que a expressão fenotípicados caracteres agronômicos permaneceuestável.A resistência de plantas daninhasa herbicidas já registrada emdiferentes países, proveniente daseleção de tipos preexistentes napopulação nativa (não de escapegênico), tem sido contornada com aadoção de técnicas adequadas demanejo, que incluem rotação de princípioativo do herbicida, rotação deculturas, mistura de herbicidas comdiferentes mecanismos de ação, controlecultural e cultivo mecânico,entre outros. Dessa forma, na eventualidadede um escape gênico ocorrerde uma variedade transgênicatolerante a um herbicida para espéciessilvestres, uma das práticas agrícolasanteriormente descritas podeser adotada com o objetivo de eliminaros biótipos resistentes.BibliografiaBaker, H. G. 1965. Characteristics andmodes of origin of weeds. In: Baker,H.G., Stebbins, G. L. (eds.). Thegenetics of colonizing species. NewYork: Academic Press. p. 147-172.Bateman, A. J. 1947. Contamination inseed crops - I. Insect pollination. J.Genet. 48: 257-275.Borém, A. 2005. <strong>Biotecnologia</strong> e meioambiente. Viçosa, MG: UFV. 1. ed.425 p.Borém, A. 2000. Escape gênico: osriscos do escape gênico da soja noBrasil. <strong>Biotecnologia</strong>, Ciência eDesenvolvimento 10:101-107.Borém, A. 2001. Escape gênico e transgênicos.Rio Branco: Editora Suprema.204 p.Borém, A. 2003. Melhoramento deplantas. 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Meio ambienteVARIEDADES TRANSGÊNICAS EMEIO AMBIENTESegurança ambiental das variedades comerciaisAluízio BorémEng. Agrônomo, M.S., Ph.D. e Professor daUniversidade Federal de Viçosaborem@ufv.brAs variedades geneticamente modificadasforam, pela primeira vez,comercialmente plantadas em 1994,com o lançamento do tomate FlavrSavr, nos Estados Unidos. Desde então,estas variedades vêm sendo cultivadasem áreas crescentes em diversospaíses, tanto nas Américas quantona Europa, África e Oceania. A áreacultivada com variedades transgênicasatingiu, em 2003, 67,8 milhões dehectares, envolvendo mais de 17 paísese dezenas de espécies importantesna produção de víveres. Todos osgrandes produtores e exportadoresmundiais de alimentos já utilizam essatecnologia.A seguir são apresentadas, a títulode ilustração, considerações sobre asegurança ambiental de algumas variedadesgeneticamente modificadas eque são plantadas em vários países. Asconsiderações sobre a segurança alimentarde algumas delas são discutidasno livro <strong>Biotecnologia</strong> e Nutrição(Costa e Borém, 2003). O leitor poderáencontrar na literatura especializada,bem como em sites das agênciasreguladoras dos organismos geneticamentemodificados, dados específicosreferentes às demais análises debiossegurança realizadas com essasvariedades.Soja tolerante aherbicida – Evento GTS 40-3-2A soja (Glycine max) é cultivadaem mais de 80 países, gerando mais de162 milhões de toneladas métricas degrãos. O Brasil é o segundo maiorprodutor e exportador dessaleguminosa. A soja é utilizada comoconstituinte em muitos alimentos processadose representa a principal fontede óleo e de proteína para uso emrações destinadas à alimentação animal.Plantas daninhas constituem umdos principais fatores limitantes naprodução agrícola desta cultura. Tipicamente,elas são controladas comuma combinação de práticas culturais(aração e gradagem) e métodos químicos.Dependendo das espécies daninhasprevalecentes, herbicidas, comotrifuralina, metribuzim e outros, sãoaplicados. A soja RR, obtida via transformaçãogênica, evento GTS 40-3-2,foi desenvolvida pela Monsanto paraser tolerante ao herbicida glifosato,visando permitir seu uso no controledas plantas daninhas. Essas variedadesde soja possuem uma forma modificadada enzima EPSPS (5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase) que permiteà planta sobreviver à aplicaçãodo herbicida glifosato. O gene inseridonessas variedades foi extraído da bactérianatural do solo Agrobacteriumtumefaciens estirpe CP4.Resumo dos elementosgenéticos introduzidosGene: cp4 epsps (5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase) deAgrobacterium sp. cepa CP4.Peptídeo de trânsito: ctpPromotor: E35S.Finalizador: nos 3’Características da sojaCentro de origem: Sudeste daÁsia; espécies de soja silvestre sãoendêmicas na China, na Coréia, noJapão, em Taiwan; raramente exibe<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 91


qualquer característica de dormênciade sementes, não é forte competidorcom outras espécies silvestres ou cultivadas.Modo de reprodução: autofecundação.Características doorganismo doadorAgrobacterium tumefaciens éuma bactéria nativa do solo que vemsendo largamente utilizada em transformaçãogênica nos últimos 17 anos.É considerada segura para o homem eanimais, não havendo nenhuma evidênciaou relato de qualquer efeitoadverso por ela causado.Considerações sobresegurança ambientalTestes em campoA soja RR, evento GTS 40-3-2, foitestada nos Estados Unidos, no Canadá,em Porto Rico, no México, naArgentina, na Costa Rica, e em outrospaíses a partir do início da década de90. No Brasil, esses estudos iniciaramsea partir de 1997. Estudos agronômicosde rendimento de grãos, adaptabilidade,estabilidade de comportamento,incluindo outras características agronômicas,foram conduzidos em diferentesambientes e anos de plantio. Osdados coletados indicam que esta sojaé tão segura para o plantio em escalacomercial quanto as demais variedadesconvencionais e que ela não oferecenenhum risco para o meio ambienteou para os sistemas agrícolas dese tornar uma planta invasora.Taxa de fecundação cruzadaA introgressão do gene de tolerânciaao glifosato da soja RR é extremamenteimprovável de acontecer,uma vez que no Brasil e demais paísesda América nenhum parente da sojacultivada é encontrado, além de estaespécie ser autógama, isto é, deautofecundação, com taxa de fecundaçãocruzada em geral menor que 1%(Borém, 2000; Sediyama et al., 1999).A soja cultivada (Glycine max)cruza naturalmente com a espéciesilvestre G. soja. Porém, esta só ocorrenaturalmente na China, na Coréia, noJapão, em Taiwan e na Rússia e não éencontrada no meio ambiente no Brasil.Dessa forma, a probabilidade detransferência da característica tolerânciaao glifosato da soja RR para seusparentes ou para outras espécies, porfluxo gênico, é muito pequena.InvasivilidadeO gene cp4 epsps do evento GTS40-3-2 não conferiu nenhuma vantagemcompetitiva ou maior habilidadede sobrevivência à soja na natureza,características típicas de espécies invasorase colonizadoras. A tolerânciaao glifosato só confere vantagem competitivaàs plantas submetidas a pulverizaçõescom esse herbicida. Adicionalmente,a soja cultivada não exibenenhuma característica típica de espéciesdaninhas, como dormência desementes, desuniformidade dematuração, sistema de dispersão desementes, hábito de crescimentotrepador, dentre outras. Conclui-se,então, que a soja RR não possui potencialpara invadir e, ou, colonizarecossistemas agrícolas ou silvestres,portanto é considerada segura para oplantio comercial.Efeitos adversos secundáriosDados de campo da soja RR,evento GTS 40-3-2, mostraram ausênciade efeitos adversos em organismos-não-alvo,sugerindo que a proteínaCP4 EPSPS modificada presentenos tecidos da planta transgênica nãofoi tóxica aos organismos benéficosencontrados na natureza. A proteínaCP4 EPSPS não resultou em toxicidadealterada ou alergenicidade, como demonstradoem estudos com dose oralaguda e crônica com ratos e outrosanimais em laboratório (Costa e Borém,2003). Adicionalmente, o fato de queproteínas homólogas a EPSPS sãoonipresentes na natureza e comunsem plantas, fungos e alguns outrosmicróbios indica sua segurança paraorganismos-não-alvo. A altaespecificidade dessa enzima para seusubstrato torna improvável que aenzima introduzida metabolize outrossubstratos endógenos para produzircompostos secundários tóxicos aosorganismos benéficos. Todos os dadosexperimentais indicam que a soja geneticamentemodificada, evento GTS40-3-2, não possui nenhum efeito adversosobre organismos benéficos ouem organismos-não-alvo.Efeito sobre a biodiversidadeA soja RR não possui nenhumacaracterística fenotípica nova que promoveriaa extensão de seu plantioalém das regiões geográficas ondeatualmente se cultiva esta leguminosa.Como não há nenhum parente silvestreda soja no Brasil e esta não é umaespécie invasiva e colonizadora, a característicatolerância ao glifosato seguramentenão será transferida a outrasespécies, modificando abiodiversidade nativa presente noBrasil.Milho resistente a lagartas –Evento MON810O milho é cultivado comercialmenteem mais de 100 países. Os trêsmaiores produtores mundiais são EstadosUnidos, China e Brasil. O milho ématéria-prima para a produção deamido, cuja maioria é transformada emadoçantes e produtos fermentados.Óleo de milho é extraído do germedos grãos, sendo apenas pequena partedos grãos inteiros utilizada diretamentena alimentação humana. Entretanto,derivados dessa espécie estão na mesado brasileiro diariamente na forma decereais (sucrilhos), pães, bolos e produtosindiretos, como laticínios, ovosetc.As lagartas, da ordem dosLepidópteros, são as mais sérias pragasda cultura do milho. O uso deinseticidas químicos tem sido o métodomais comum de controle dessaspragas nas últimas décadas. Dois importantesaspectos do controle químicodas lagartas têm estimulado oscientistas a buscar formas alternativasde controle: poluição ambiental decorrentedos inseticidas e seu elevadocusto.O evento MON810 foi desenvolvidopela Monsanto, com a introduçãodo gene cry1Ab proveniente da bactériado solo Bacillus thuringiensis(Bt). Esse gene codifica para a produçãoda proteína Cry1Ab, umadeltaendotoxina. MON810 produz essaproteína em uma dose efetiva durante92 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


o ciclo da cultura, controlando algumaslagartas-praga do milho.A deltaendotoxina Cry1Ab vemsendo amplamente usada na agricultura,inclusive por produtores orgânicos,como formulações comerciais. Ouso de Bt para controle biológico daspragas é um procedimento bem conhecidoe aceito por mais de 30 anos.Adicionalmente, Bacillus thuringiensisé uma bactéria com disseminação naturalno ambiente e em alimentos ecompletamente inócua aos mamíferos,inclusive ao homem.Desde 1997, o evento MON810é adotado com sucesso nos EstadosUnidos, com a denominação YieldGard,sem que qualquer efeito adverso tenhasido observado, enquanto a produtividadeaumenta por volta de 10%.Seu uso foi aprovado nos Estados Unidos,na Europa, no Japão, no Canadá eem alguns outros países. Todos aprovaçõessucederam a extensivos testesde biossegurança.Resumo dos elementosgenéticos introduzidosGene: cry1Ab, que codifica para aprodução da proteína delta endotoxinaCry1Ab, de Bacillus thuringiensissubsp. Kurstaki.Promotor: E35S.Características do milhoO milho (Zea mays L.) é umagramínea monóica, isto é, tem órgãosmasculino (pendão) e feminino (espiga)separados, porém na mesma planta.A inflorescência masculina (pendão)localiza-se na parte terminal do colmo,enquanto as femininas (espigas), nasaxilas foliares. A quantidade de pólenproduzida é muito acima da necessidadeda planta. Há estimativas de que,para cada óvulo que se desenvolveem um grão, a planta produza de9.000 a 50.000 grãos de pólen(Weatherwax, 1955). Depreende-seentão que, se considerada a espigacom média de 500 grãos, tem-se cercade 4,5 a 25 milhões de grãos de pólenpor planta (Eastham e Sweet, 2002).Modo de reprodução: Tipicamentefecundação cruzada, com taxade alogamia em torno de 95%, sendoa dispersão do pólen feita pelo vento.A viabilidade do pólen é de cerca de30 minutos após sua liberação emcondições ambientais. O milho é sexualmentecompatível com o teosinto eraramente com outras espécies dogênero Tripsacum.Características de organismodo doadorEmbora pragas-alvo, tipicamentelagartas, sejam suscetíveis a doses oraisda proteína Bt, não há evidências deefeitos tóxicos a mamíferos ou pássarosà dose de até 10µg proteína/g depeso corporal. A proteína Bt tem sidoconsiderada um dos bioinseticidas maisseguros, tanto que é facultado aosagricultores orgânicos o seu uso nocontrole de pragas.Considerações sobresegurança ambientalTestes em campoAvaliações em campo de produtividade,adaptabilidade, estabilidadede comportamento, resistência aoacamamento e outras característicasagronômicas foram feitas em diferentesambientes e anos de plantio com omilho Bt, evento MON810. Todos osdados indicam que variedades contendoeste evento são tão seguras para oplantio comercial como as convencionaise que elas não oferecem riscospara o meio ambiente ou para ossistemas agrícolas.Foi constatado nos experimentosconduzidos que o evento MON810não alterou a produção, viabilidade edemais características do pólen. Foitambém observado que a dispersãodo pólen pelo vento e a taxa defecundação cruzada não foram alteradaspela inserção do gene cry 1Ab. Ofluxo de genes entre variedades contendoo evento MON810 e outrasvariedades deverá ser semelhante aoque já acontece naturalmente entre asvariedades convencionais. No Brasil,onde não há nenhuma espécie silvestresexualmente compatível com milho,a probabilidade de fluxo gênicopara outras espécies é extremamenteremota.O milho (Zea mays ssp. mays) ésexualmente compatível e cruza livrementecom o teosinto (Zea mays ssp.mexicana) quando florescendo simultaneamentee em proximidade física.Esse parente de milho é nativo daAmérica Central e não é encontradono Brasil. Tripsacum, outro gênerofilogeneticamente relacionado a Zea,contém 16 espécies, das quais 12 sãonativas do México e da Guatemala.InvasivilidadeMON810 não confere nenhumavantagem competitiva. Assim, é extremamenteimprovável que o milhoainda que modificado com este eventoconsiga se estabelecer emecossistemas silvestres, pois durante oseu processo de domesticação eleperdeu as características típicas deplantas invasoras e colonizadoras, tornando-sedependente do homem paracompletar seu ciclo de vida no meioambiente. Todas as evidências experimentaisindicam que o milho nãosobrevive como uma planta daninha,pois é fraco competidor e possui dispersãode semente muito limitada.Efeitos adversos secundáriosA história de uso e os dados depesquisa reportados na literatura científicamostram que a proteína Bt não étóxica a humanos, outros vertebradose insetos benéficos. A parte ativa destaproteína expressa no milho MON810(Cry1Ab) é equivalente à proteínamicrobiana original, amplamente utilizadana agricultura nos últimos 30anos. Esta proteína só é ativa contrainsetos lepidópteros (lagartas).Linhagens e híbridos de milhoque produzem a proteína Cry1Ab foramcomparados em experimentos decampo aos seus análogos convencionais(isogênicos). Os dados mostramque a população relativa de artrópodesbenéficos foi similar entre os materiaisgeneticamente modificados e os convencionais.Esses estudos de campomostraram que Cry1Ab não teve efeitoadverso direto ou indireto nas populaçõesartrópodes benéficas. Foramrealizados experimentos de alimentaçãocontrolada e com várias espéciesde insetos-não-alvo, incluindo abelhamelífera, himenópteros benéficos,joaninhas, invertebrados aquáticos edo solo, bem como minhocas. Emtodos os casos não houve nenhumefeito adverso sobre essas espécies<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 93


estudadas. Em resumo, quando comparadocom variedades convencionaisde milho, o MON810 não apresentourisco para organismos-não-alvo ou benéficos,inclusive o homem. Portanto,todos os dados experimentais indicamque o milho geneticamente modificado,evento MON810, é seguro sob oponto de vista ambiental.Efeito sobre a biodiversidadeO milho não possui nenhumacaracterística fenotípica nova que promoveriaa extensão de seu plantioalém das regiões geográficas ondeatualmente é cultivado. Como não hánenhum parente silvestre destaleguminosa no Brasil e como esta nãoé uma espécie invasiva ou colonizadora,a característica resistência a lagartasseguramente não será transferida aoutras espécies, modificando abiodiversidade nativa.Outras consideraçõesPara se prolongar a efetividade datoxina Bt no milho e nas formulaçõescomerciais, recomenda-se aimplementação de Programas de Manejoda Resistência (PRM). Esses programasforam estabelecidos nos paísesque já cultivam variedades queproduzem Bt em seus tecidos, inclusiveo milho MON810, e requerem queprodutores plantem determinada áreacom variedades convencionais, faixasde escape ou refúgio, para reduzir apressão de seleção de insetos resistentesà proteína Bt. Detalhes específicose exigências dos programas PMRsão discutidos no capítulo 10 destelivro.Algodão resistente a lagartas –Evento 531A Monsanto desenvolveu umavariedade de algodão geneticamentemodificado tolerante às principais pragasda ordem Lepidóptera no Brasil,como o curuquerê (Alabamaargillacea), a lagarta-rosada(Pectinophora gossypiella) e a lagarta-da-maçã(Heliothis virescens). Oalgodão geneticamente modificado,referido como Algodão Bollgard® evento531, foi obtido por meio do sistemade transformação de plantas mediadopor Agrobacterium tumefaciens. Esseprocesso resultou na introdução estávelde três genes no genoma da variedadeconvencional Coker 312: cry1Ac,o gene neomicina fosfotransferase tipoII (nptII) e o 3"(9)-O-aminoglicosídeoadenililtransferase (aad). O genecry1Ac é derivado de Bacillusthuringiensis (Bt), uma bactéria naturalmenteencontrada no solo, que codificapara a produção da proteínaCry1Ac, de ação biocida sobre insetoslepidópteros. Os genes nptII e aad sãoderivados da bactéria Escherichia colie codificam para a produção das proteínasNPTII e AAD, respectivamente,conferindo resistência a antibióticosdurante as fases iniciais do processode transformação do algodão. A proteínaNPTII confere resistência aos antibióticosaminoglicosilados canamicinae neomicina, funcionando comomarcador de seleção de células vegetaistransformadas. A proteína AADconfere resistência aos antibióticosespectinomicina e estreptomicina, funcionandocomo marcador para a seleçãode células bacterianas transformadas.Somente os genes cry1Ac e nptIIsão expressos no algodão GM. O geneaad é controlado por um promotorbacteriano e a proteína AAD não édetectada no tecido do AlgodãoBollgard® evento 531.Resumo dos elementosgenéticos introduzidosGenes: cry1Ac, Cry1Acdeltaendotoxina (B. thuringiensissubsp. kurstaki (Btk)); neo, neomicinafosfotransferase II (E. coli K12); e aad,3"(9)-O-aminoglicosídeo adenililtransferase.Promotores: E35S, nopalinasintase (nos) de A. tumefaciens epromotor bacteriano.Finalizador: 3' poli A dasubunidade alfa do gene betaconglicininada soja.Características do algodãoCentro de origem: Meso-americana(Peru, Equador e Bolívia).Modo de reprodução: Geralmenteautógama, com freqüentealogamia, especialmente na presençade insetos polinizadores, como abelhas.Espécies sexualmente compatíveisincluem G. hirsutum, G.barbadense e G. tomentosum.Características do organismodoadorAs características de Bacillusthuringiensis subsp. Kurstaki foramanteriormente descritas.Considerações sobre segurançaambientalTestes em campoO Algodão Bollgard® evento 531vem sendo testado em campo desde1992 e foi aprovado para produçãocomercial nos Estados Unidos em 1996.Posteriormente, o produto passou aser comercializado na Argentina, naAustrália, na África do Sul, na China, naÍndia, no México e na Indonésia. NoBrasil, testes em campo foram iniciadosdurante as safras de 1997/1998 ede 1999/2000, com a autorização daComissão Técnica Nacional deBiossegurança (CTNBio). Com exceçãoda tolerância a insetos-alvo, queresulta da expressão do gene cry1Ac,os testes em campo e a experiênciaem produção comercial indicam queas características fenotípicas e agronômicasdo Algodão Bollgard® evento531 são equivalentes às de variedadesde algodão convencional em comércio.Estudos foram realizados em laboratórioe em campo para a caracterizaçãodo Algodão Bollgard® evento531 e para a determinação da segurançaambiental e alimentar do produto.Os estudos basearam-se no conceitode “familiaridade” acoplado ao conceitode “equivalência substancial” e visaramdeterminar se a nova planta eseus produtos apresentam um risconovo ou maior do que variedadesconvencionais para o meio ambienteou para consumo como alimento paraseres humanos e, ou, animais. Os estudospartiram dos conhecimentos sobrea biologia da planta e as práticasagrícolas utilizadas no cultivo do algodão,sobre a origem dos genes inseridos,a função e a segurança das novasproteínas produzidas e sobre a composiçãonutricional da planta, entreoutros aspectos.94 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Os estudos de caracterização determinaramo DNA inserido, o nível deexpressão dos genes inseridos, ofenótipo e o desempenho agronômicoda planta. Os parâmetros analisadosnão indicam nenhum efeito não-intencionalresultante da modificação genética,a qual é herdada pelas geraçõessubseqüentes, sem alterações.A avaliação da segurançaambiental do Algodão Bollgard® evento531 mostrou a segurança da plantae das novas proteínas produzidas paraorganismos-não-alvo e para o meioambiente. A proteína Cry1Ac, produzidano Algodão Bollgard® evento531, vem sendo utilizada com segurançacomo princípio ativo de formulaçõesmicrobianas já comercializadasno Brasil e em vários países há mais de40 anos. A proteína é segura para afauna e para organismos benéficos,degradando-se rapidamente no solo.Não foram encontrados efeitos adversosdesta variedade GM ou das proteínasCry1Ac e NPTII sobre o meioambiente. O potencial de cruzamentocom espécies silvestres presentes noBrasil é possível pela existência deorganismos compatíveis, mas improvávelnas áreas de plantio comercial. Acapacidade invasiva dos genes cry1Ace nptII por meio de transferênciagênica para organismos não relacionadospraticamente inexiste.Por meio dos estudos de avaliaçãoda segurança alimentar do AlgodãoBollgard® evento 531, demonstrou-seque as novas proteínas produzidaspela planta são seguras para aalimentação humana e para a produçãode ração animal. As proteínasCry1Ac e NPTII encontram-se no caroçodo Algodão Bollgard® evento 531,mas, após o processamento das fibrase do caroço, elas não são detectadas.Entretanto, caso fossem consumidas,essas proteínas não despertariam nenhumapreocupação com a saúdehumana e animal. O modo de açãodelas, a especificidade, o histórico deuso e exposição, a rápida degradaçãono sistema digestivo, a ausência desimilaridades com proteínas tóxicas oualérgicas, assim como a ausência detoxicidade oral aguda em camundongos,mostraram a sua segurança para oconsumo humano e animal. A composição,o valor nutricional e a salubridadedas frações da planta utilizada comoalimento e, ou, ração são equivalentesàs frações das variedades comerciaisde algodão convencional. Na verificaçãoda equivalência nutricional e quantoà composicional do Algodão Bollgard®evento 531 em relação às variedadesconvencionais, utilizou-se a comparaçãode 67 componentes do caroço dealgodão e do óleo. As análises incluírama determinação dos níveis deproteína, gordura, umidade, calorias,minerais, aminoácidos, ácidos graxosciclopropenóides e gossipol.Em adição aos estudoscomposicionais, a salubridade do caroçodo Algodão Bollgard® evento 531foi demonstrada por meio de estudosde alimentação com ratos, vacas leiteiras,peixes e aves submetidos a dietasque continham o caroço do algodãogeneticamente modificado e o do algodãoconvencional. Esses estudos nãomostraram nenhuma diferença significativaentre os animais alimentadoscom o caroço do algodão GM e osalimentados com o caroço de algodãoconvencional.Os principais benefícios observadoscom o cultivo comercial destavariedade GM, desde a suacomercialização inicial nos EUA e emoutros países, são: melhor controle depragas-alvo, redução do uso de inseticidas,aumento no rendimento, reduçãodos custos de produção, melhorrentabilidade e menor risco para oprodutor. A introdução dessa tecnologianos Estados Unidos entre 1996 e 1999levou à redução no uso de ingredientesativos de inseticidas de aproximadamente1,2 milhão de quilos. Osprodutores obtiveram aumento de 118milhões de quilos de algodão na produçãoanual, o que resultou em aproximadamenteUS$99 milhões adicionaisna receita líquida em 1999. Aredução do uso de inseticidas tambémestá associada a uma série de benefíciossecundários, como o aumento daspopulações de insetos benéficos e deanimais silvestres, a diminuição dalixiviação potencial de inseticidas emaior segurança para os funcionáriosda propriedade, devido à menor exposiçãopotencial. Benefícios semelhantesvêm sendo observados emoutros países onde essa tecnologia jáfoi aprovada para uso comercial.Simulações indicam que os benefíciospotenciais que esta tecnologiatrará para o Brasil também podem sersignificativos. Caso tivesse sido adotadaem 50% da área total cultivada doBrasil em 2000/2001, estima-se quetivesse havido redução de aproximadamente1 milhão de litros de inseticidae significativa elevação na produtividade.Outras consideraçõesO Algodão Bollgard® evento 531oferecerá aos produtores brasileirosuma nova opção para o manejo dacultura. Os resultados dos estudos decaracterização e de segurançaambiental e alimentar claramente indicamque este Algodão GM é equivalentee tão seguro para o meio ambiente,os organismos-não-alvo, no usoem ração animal e no consumo humano,quanto as variedades convencionaisatualmente disponíveis no mercado.As experiências bem-sucedidascom o uso do Algodão Bollgard® evento531 desde o início de suacomercialização, em 1996, nos EUA, eposteriormente em outros países, confirmama segurança do produto. Suautilização em plantios comerciais reduzdrasticamente a aplicação depesticidas convencionais nas lavourase agrega benefícios econômicos,ambientais, bem como à saúde humana.A adoção dessa tecnologia trarámaior competitividade global para aindústria algodoeira do Brasil e agregarábenefícios diretos e indiretos semelhantespara o produtor e para o meioambiente.Milho tolerante ao glifosato –Evento NK603A Monsanto desenvolveu o milhoNK603 com a característica de tolerânciaao glifosato, que é o ingredienteativo dos herbicidas Roundup®. ONK603 produz proteínas CP4 5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase(CP4 EPSPS) tolerantes ao glifosato. Ocontrole de plantas daninhas que érealizado pelo glifosato ocorre pelainibição da enzima EPSPS, produzidanaturalmente pela planta. Essa enzimacatalisa uma etapa crítica na via metabólicado ácido chiquímico para abiossíntese de aminoácidos aromáticosem plantas e microrganismos. Asproteínas CP4 EPSPS possuem baixa<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 95


afinidade com o glifosato, se comparadacom a proteína EPSPS selvagem.Assim, quando o milho NK603, queproduz as proteínas CP4 EPSPS, étratado com glifosato, as plantas continuamse desenvolvendo normalmente.A ação contínua da enzima CP4EPSPS tolerante ao glifosato catalisa asíntese dos aminoácidos aromáticosnecessários ao desenvolvimento normaldas plantas. A via biossintética deaminoácidos aromáticos não é encontradaem animais, o que explica aatividade seletiva desse herbicida emplantas, contribuindo para a baixatoxicidade a mamíferos. Dois cassetespara expressão do gene cp4 epspsforam introduzidos no genoma do milhopor meio de um único inserto, produzindoo milho NK603. O gene cp4epsps é derivado de uma bactériacomum de solo, a Agrobacterium sp.cepa CP4, que codifica para a produçãoda proteína EPSPS, tolerante aoglifosato.Resumo dos elementosgenéticos introduzidosGene: cp4 epsps (5-enolpiruvilchiquimato-3-fosfato sintase) deAgrobacterium sp. cepa CP4.Promotores: Intron P-ract1/ract1contendo actina 1 de arroz, CaMV 35Se HSP70 do milho.Finalizador: nos 3’Características do milhoe modo de reproduçãoDetalhes sobre as característicasdesta gramínea, bem como seu modode reprodução, foram anteriormentedescritos quando o evento MON810foi abordado, neste capítulo.Considerações sobre segurançaambientalTestes em campoA segurança ambiental do milhoNK603 mostrou-se ser equivalente àdo milho convencional, o que foi confirmadoem diversos estudos, realizadosinclusive no Brasil. A estabilidadegenética da característica de tolerânciaao glifosato, a ausência de efeitosem organismos-não-alvo, o baixo potencialde transferência gênica, a ausênciade características que façamcom que se torne uma planta daninha,o desenvolvimento e o desempenhoagronômico são fatores que comprovamessa segurança ambiental. Adicionalmente,as observações da segurançado produto utilizado como alimento/ração,desde a liberação comercialdo milho NK603 nos EstadosUnidos em 2000, e no Canadá e outrospaíses, em 2001, substanciam as afirmativasacima.A segurança alimentar do milhoNK603 foi estabelecida com base emavaliações da atividade da proteínaCP4 EPSPS e sua homologia com asproteínas EPSPS presentes em amploespectro de plantas utilizadas comoalimento. A baixa exposição a CP4EPSPS na dieta, ou seja, baixa concentraçãono grão e na forragem; a rápidadigestibilidade da proteína CP4 EPSPS;e a ausência de toxicidade oualergenicidade das proteínas EPSPSem geral foram verificadas por meiode estudos com as proteínas CP4 EPSPSproduzidas em plantas. A equivalênciaentre o milho NK603 e o convencionalfoi demonstrada por meio de análisesdos nutrientes-chave, incluindo proteínas,lipídeos, carboidratos, umidade,aminoácidos, ácidos graxos e minerais,em estudos realizados em vários ambientesagrícolas, por exemplo no Brasil.A equivalência nutricional entre a variedadeNK603 e o milho convencionalfoi confirmada mediante avaliaçãodo desempenho alimentar em estudoscom frangos de corte, ratos, vacasleiteiras, suínos e gado de corte.No Brasil, os resultados de estudosde eficácia agronômica e tolerância,assim como das avaliações agronômicas,de descritores morfológicos, deexpressão da proteína CP4 EPSPS e decomposição (bromatologia) mostraramque o NK603 é equivalente e tãoseguro quanto o milho convencionalem termos de biossegurança alimentare ambiental.Outras consideraçõesO milho NK603 tolerante aoglifosato, além de ser tão seguro quantoo convencional, fornece aos agricultoresinúmeros benefícios, que incluem:sistema efetivo, flexível e simplespara o controle de plantas daninhas nacultura, com potencial para aumentode produtividade; redução de custos,pela diminuição do uso de produtosherbicidas e do número de aplicaçõesnecessárias para o controle efetivo dasplantas daninhas; adequação eencorajamento para a adoção de sistemasconservacionistas de cultivo, comoo plantio direto; melhoria da qualidadeda água em fontes vulneráveis, porreduzir a aplicação de herbicidas quesão lixiviados; segurança alimentar eambiental equivalente à do milho convencional,sendo tão nutritivo quantoeste, o que foi demonstrado por meiode diversos estudos específicos com aproteína CP4 EPSPS, análises dos nutrientes-chave,da equivalêncianutricional, bem como avaliaçõesambientais.Milho resistente a lagartase tolerante a herbicida– Evento Bt11As lagartas, pertecentes à famíliados Lepidópteros, são as mais sériaspragas da cultura do milho. Além delas,as plantas daninhas, mesmo embaixa densidade, podem reduzir a produtividadedo milho de forma significativa.O uso de agroquímicos temsido o método mais comum de controledas lagartas e das plantas daninhasnesta cultura.O milho Bt11 foi desenvolvidopela Syngenta com o objetivo de serresistente às lagartas pela produção deuma proteína inseticida. Esse eventofoi obtido com a introdução do geneCry1Ab, à semelhança do milhoMON810, apresentado anteriormente.Além da resistência a lagartas, oevento Bt11 apresenta resistência aoglufosinato de amônio, o ingredienteativo dos herbicidas Liberty, Finale eBasta. O milho Bt11 possui, portanto,o gene pat, isolado da bactériaStreptomyces viridochromogenes. Essegene codifica para a produção daenzima fosfinotricina N-acetiltransferase (PAT), a qual conferetolerância ao glufosinato. A enzimaPAT do milho Bt11 converte L-fosfinotricina (PPT), o ingrediente ativodo glufosinato de amônio, parauma forma inativa. Na ausência dePAT, a aplicação de glufosinato leva àredução na produção do aminoácidoglutamina e ao aumento na produçãode amônia nos tecidos da planta, resul-96 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


tando em sua morte. A enzima PATnão possui qualquer efeito tóxico.Resumo dos elementosgenéticos introduzidosGenes: pat, que codifica para aprodução da enzima fosfinotricinaN-acetiltransferase (PAT), provenientede Streptomyces viridochromogenes,e cry1Ab, que codifica para aprodução da proteína delta endotoxinade Bacillus thuringiensis subsp.kurstakiPromotor: CaMV 35S.Características do milho e modode reproduçãoDetalhes sobre as característicasdesta gramínea, bem como seu modode reprodução, foram anteriormentedescritos quando o evento MON810foi abordado, neste capítulo.Características dos organismosdoadoresStreptomyces viridochromogenesÉ uma bactéria nativa do solo.Suas cadeias de esporos sãoespiraladas, com coloração azul ouverde, dependendo do pH do meio. S.viridochromogenes exibe atividadeantimicrobiana devido à estreptomicinaproduzida pela bactéria. Os dados reportadosna literatura indicam sua segurançapara o homem, animais eplantas.Bacillus thuringiensis subsp.KurstakiEmbora pragas-alvo, tipicamentelagartas, sejam susceptíveis a dosesorais da proteína Bt, não há evidênciasde efeitos tóxicos a mamíferos e pássarosà dose de até 10 µg proteína/gde peso corporal. A proteína Bt temsido considerada um dos bioinseticidasmais seguros, tanto que é facultadoaos agricultores orgânicos o seu uso nocontrole de pragas.Considerações sobre segurançaambientalTestes em campoO milho Bt11 foi testado em váriaslinhagens e híbridos de milho emcampo a partir de 1992 nos EstadosUnidos, no Canadá, na Europa e tambémno Brasil mais recentemente.Esses experimentos compararam asvariedades Bt11 com outras isogênicasconvencionais, e detectou-se que característicasagronômicas, como vigorvegetativo, dias para a maturação, rendimentode grãos, peso e densidadede grãos, foram similares às das variedadesnão-transgênicas, indicando queno evento Bt11 não foram alteradas asvariedades para outras característicasalém da resistência às pragas-alvo. Onível de expressão da enzima PAT nasvariedades Bt11 foi suficientementeelevado para conferir tolerância aoherbicida glufosinato. Todos os dadosde campo mostram que o milho Bt11não possui nenhum potencial risco aoambiente.Taxa de fecundação cruzadaOs dados de campo também indicaramque a produção, viabilidade,dispersão do pólen e taxa de fecundaçãocruzada permanecem inalteradascom a modificação genética Bt11.Dessa forma, o fluxo gênico entrevariedades Bt11 e outras variedadesconvencionais será semelhante ao quenaturalmente ocorre entre as cultivadas.No Brasil, onde há poucas espéciesaparentadas com o milho, a probabilidadede fluxo de gene para espéciessilvestres é extremamente remota.O milho Zea mays L. subsp. maysé sexualmente compatível com outrosmembros do gênero Zea, e emmenor grau com algumas espécies dogênero Tripsacum.InvasivilidadeOs genes pat e cry1Ab, do eventoBt11, não conferiram nenhuma vantagemcompetitiva ou maior habilidadede sobrevivência para o milho nanatureza ou ao aparecimento de característicastípicas de espécies invasorase colonizadoras. A tolerância àfosfinotricina só confere vantagemcompetitiva às plantas pulverizadascom este herbicida. Adicionalmente,nenhuma vantagem competitiva foiconferida pelo gene cry1Ab, além daresistência a lagartas-alvo. Essa resistêncianão transforma, por si mesma, omilho em uma espécie daninha oucom capacidade de invadir e colonizaro meio ambiente.Todos os dados experimentaisindicam que o milho não sobrevivecomo uma planta daninha, pois é fracocompetidor e possui dispersão de sementemuito limitada, portanto nãooferece nenhum risco para o meioambiente.Efeitos adversos secundáriosFoi observado nos ensaios de campoe em laboratório que o milho Bt11não tem efeito adverso sobre organismosbenéficos para os ecossistemasagrícolas. A história de uso registradana literatura científica mostra que aproteína Bt não é tóxica a humanos,outros vertebrados e insetos benéficos.Estudos de alimentação forçadaem laboratório não mostraram nenhumefeito negativo no desenvolvimentode abelhas melíferas, joaninhas e outrosinsetos-não-alvo. Em estudos comaves alimentadas com milho Bt11 tambémnão se verificou nenhum efeitoadverso.Em resumo, foi determinado queo milho Bt11 não apresenta risco parao meio ambiente e para a saúde humana.Seu efeito é específico para algumasespécies de insetos-pragalepidópteros.Efeito sobre a biodiversidadeO milho Bt11 não possui nenhumacaracterística fenotípica nova quefomentaria a extensão de seu plantioalém das regiões geográficas que atualmentecultivam esta espécie. Comonão há nenhum parente silvestre domilho no Brasil e como esta não é umaespécie invasiva ou colonizadora, acaracterística resistência a lagartas seguramentenão será transferida a outrasespécies, modificando a biodiversidadenativa.Outras consideraçõesPara a sustentabilidade de uso datoxina Bt expressa no milho e nasformulações comerciais desta mesmatoxina, recomenda-se a implementaçãode Programas de Manejo da Resistência(PRM). Esses programas sãoobrigatórios nos países que já cultivam<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 97


variedades Bt11 e requerem que produtoresplantem certa área com variedadesconvencionais, faixas de escapeou refúgio, para reduzir a pressão deseleção de insetos resistentes à proteínaBt. Detalhes específicos e exigênciasdos programas PMR são discutidosno capítulo 10 deste livro.É pouco provável que o milhoBt11 resulte na eliminação do uso deinseticidas químicos que são tradicionalmenteaplicados nas lavouras demilho, pois estas variedades são resistentesapenas a algumas das pragasdesta espécie. Variedades de milhoBt11 podem, entretanto, contribuir paraa preservação do meio ambiente aooferecer um método alternativo parao controle das lagartas do milho, reduzindoo uso de lagarticidas e os potenciaisefeitos adversos resultantes dessesinseticidas em insetos benéficos,contribuindo para a segurança do trabalhadore evitando a contaminaçãoda água e do solo.Milho tolerante aherbicida – Evento T 25O milho LibertyLink foi desenvolvidopela AgrEvo (hoje Bayer CropScience) com o objetivo de possibilitaro uso seletivo dos herbicidas cujoingrediente ativo é o glufosinato deamônio, para o manejo de plantasdaninhas. O gene pat, que confereeste atributo foi clonado de um segmentoespecífico do genoma da bactériade solo Streptomyces viridochromogenese codifica para a produção daenzima fosfinotricina-N-acetiltransferase(PAT). Este produto encontra-seaprovado na Europa, no Japão, nosEstados Unidos, na Argentina, e suacomercialização ocorre nestes e emoutros países.Resumo dos elementos genéticosintroduzidosGenes: pat, que codifica para aresistência ao herbicida fosfinotricinaN-acetiltransferase (PAT), e bla truncado,que não codifica para a produçãode b-lactamase. Cultivos de milhoderivado do Evento T25 podem tersuas plantas daninhas manejadas como herbicida biodegradável glufosinatode amônio, sem entretanto restringir aopção de uso de qualquer outro tradicionalmenteutilizado.Promotor: CaMV 35SCaracterísticas do milho emodo de reproduçãoDetalhes sobre as característicasdesta gramínea, bem como seu modode reprodução, foram anteriormentedescritos quando o evento MON810foi abordado neste capítulo.Características doorganismo doadorStreptomyces viridochromogenes:É uma bactéria nativa do solo.Suas cadeias de esporos são espiraladas,com coloração azul ou verde,dependendo do pH do meio. S. viridochromogenesexibe atividade antimicrobiana,devido à estreptomicinaproduzida pela bactéria. Os dados reportadosna literatura indicam sua segurançapara o homem, animais eplantas.Considerações sobresegurança ambientalTestes em campoO evento T25 foi estudado emcampo a partir de 1992 em diferentespaíses, inclusive no Brasil. Linhagens ehíbridos de milho T25 foram extensivamenteavaliados em laboratório, casade vegetação e no campo. Os experimentoscompararam o milho T25 comoutros milhos convencionais, quandose determinaram características agronômicascomo produtividade, alturade planta, data de florescimento, suscetibilidadeàs doenças. Os dados experimentaisindicam que o milho T25é semelhante aos convencionais análogospara todas as características estudadas.Esses dados também mostramque este milho não possui nenhumpotencial risco ao ambiente.Taxa de fecundação cruzadaA produção, viabilidade e dispersãode pólen pelo vento permaneceraminalteradas com a modificaçãogenética T25. Dessa forma, a freqüênciade intercambio gênico entre variedadesT25 e outras convencionaisdeverá ser semelhante à observadaentre variedades não-transgênicas. NoBrasil, onde há poucas espécies filogeneticamenterelacionadas ao milho nomeio ambiente, a probabilidade defluxo gênico para outras espécies éremota.InvasivilidadeO gene pat, do evento T25, nãoconferiu nenhuma vantagem competitivaou maior habilidade de sobrevivênciaà do milho na natureza ou oaparecimento de características típicasde espécies invasoras e colonizadoras.O fenótipo das plantas T25permaneceu inalterado para todas ascaracterísticas agronômicas, excetopara tolerância ao glufosinato de amônia.A tolerância a este herbicida sóconfere vantagem competitiva às plantaspulverizadas com este produto,portanto dependente de práticas agronômicas.Essa característica adicionadanão transforma, por si mesmo, o milhoem uma espécie daninha ou comcapacidade de invadir e colonizar omeio ambiente ou áreas não agricultáveis.Todos os dados experimentaisindicam que o milho não sobrevivecomo uma planta daninha, pois é fracocompetidor e possui dispersão de sementemuito limitada, portanto nãooferece nenhum risco ambiental.Efeitos adversos secundáriosFoi observado nos ensaios de campoe em laboratório que o milho T25não tem efeito adverso sobre organismosbenéficos ou não-alvo nosecossistemas agrícolas. A enzima PAT,responsável pela tolerância aoglufosinato de amônio, tem atividadeenzimática substrato-específica, nãopossui estabilidade térmica ouproteolítica, típicas de compostos tóxicos,e não afeta o metabolismo daplanta. Outras espécies, como soja,arroz, algodão, trigo, cevada, lentilhas,ervilhas, linho e alfafa, foram modificadaspara também produzirem a enzimaPAT, sem detecção de efeito adversopara o meio ambiente.Finalmente, após inúmeros testesde biossegurança, foi determinadoque o milho T25 não apresenta riscopara o meio ambiente nem para asaúde humana.98 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Efeito sobre a biodiversidadeO milho T25 não possui nenhumacaracterística fenotípica nova quefomentaria a extensão de seu plantioalém das regiões geográficas que atualmentecultivam esta espécie. Comonão há nenhum parente silvestre domilho no Brasil e como esta não é umaespécie invasiva ou colonizadora, acaracterística tolerância ao glufosinatode amônia seguramente não serátransferida a outras espécies. Mesmoque o fosse, a característica adicionadanão se correlaciona com capacidadeadaptativa ou invasiva, portanto sempotencial de modificar a biodiversidadenativa no Brasil.Foi determinado que o impactoglobal do milho T25 sobre abiodiversidade vegetal é neutro, bemcomo sobre a biodiversidademicrobiana e animal, uma vez que aenzima PAT, produzida pelo milhoT25, não altera o metabolismo daplanta e não resulta na produção decompostos secundários novos.BibliografiaBetz, F.S., Hammond, B.G. e Fuchs,R.L. 2000. 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FERALIDADE VEGETALMeio ambienteE TRANSGENÍESEEvolução adaptativa das plantas invasorasRobinson Antonio PitelliProfessor TitularFaculdade de Ciências Agrárias e VeterináriasUNESP, Jaboticabalpitelli@fcav.unesp.brMaria do Carmo Morelli Damasceno PavaniProfessor Assistente DoutorFaculdade de Ciências Agrárias e VeterináriasUNESP, Jaboticabalmcarmo@fcav.unesp.brImagem cedida pelos autoresdesenvolvimento de populaçõesferais sempreocorreu ao longo do processode evolução dacivilização humana. Sãopopulações animais ouvegetais com algum grau dedomesticação, que retornam à vidaselvagem, melhor dizendo, para umacondição em que sobrevivem por seuspróprios atributos, sem necessidadeda tutoria do homem. Há vários exemplosde populações ferais no Brasilcomo o porco-monteiro, cães e gatosferais que vivem no Parque Nacionalde Brasília e o pássaro bico-de-lacre.O conceito de população feralpode ser aplicado às espécies vegetaisexóticas já domesticadas e introduzidascom fins agrícolas, ornamentais oupara pastagens e que passam a invadiroutras áreas com atividades humanase reservas naturais. O exemplo maisflagrante e recente é o capim-braquiária(Brachiaria decumbens), introduzidade Uganda como pastagem bastanterústica e que seria capaz de viabilizarFigura 01 – Modelo esquemático triangular das relações entre as intensidades dodistúrbio, estresse e ambiente de competição e as relativas estratégias adaptativasdesenvolvidas pelas populações vegetais e as tendências induzidas pela agriculturapara formação das plantas infestantes de agroecossistemas. (Adaptado de Grime(1989).a pecuária nas regiões de solos maispobres da zona dos cerrados. A introduçãofoi bem sucedida, o propósitoda introdução foi alcançado e a pecuáriacresceu em muitas destas regiões,gerando oportunidades e riqueza. Suadispersão ocorreu rapidamente, partepelo homem que expandiu suas áreasde plantio com esta pastagem e partepor agentes naturais de dispersão, incluindoanimais. Esta planta é típicado estádio clímax de pradaria na Áfricae possui uma série de formas deinterferência sobre o crescimento deplantas de porte arbóreo e arbustivo.Assim, hoje constitui uma das principaisplantas daninhas das culturasflorestais e de pomares de fruteirastropicais e sub-tropicais e, além disso,constitui importante fator de reduçãoda biodiversidade em reservas de cerrados.Nos Parques Nacionais deBrasília e de Emas, esta gramínea exóticaestá substituindo a flora rasteiranativa, simplificando as redes alimentarese, em conseqüência, reduzindo abiodiversidade total do sistema.No entanto, a grande preocupaçãocom populações vegetais feraisno Brasil apenas foi ressaltada após apossibilidade de introdução de plantastransgênicas. Sempre houve moderadapreocupação com a introduçãode algumas plantas exóticas, principalmenteaquelas que sabidamentecausam problemas em outros locaiscomo Striga spp, Orobanche spp,Rottboellia exaltata, Hydrillaverticillata e outras. Menores preocupaçõestêm sido dedicadas com plantascom propriedades medicinais, agrícolase ornamentais.Com a introdução de culturastransgênicas há a preocupação relacionadaà formação de população feraldentro da própria espécie geneticamentemodificada. Com novos atribu-100 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


Tabela01 - Intensidades de distúrbio e de estresse passíveis de ocorrer na natureza e tiposde estratégia adaptativa desenvolvidas pelas plantas superiores (Grime, 1979)Intensidade do distúrbioBaixaIntensidade do estresseElevadaB aixaC ompetidoras (C)Tolerantes ao estresse (S)E levadaRuderais(R)tos ecofisiológicos recebidos pelatransgiênese estas plantas poderiamperpetuar suas populações sem intervençãodo homem, passando invadiroutros agroecossistemas ou áreas devegetação nativa. A segunda preocupaçãoimportante é que com o fluxogênico das plantas cultivadas paraalgumas espécies nativas ou invasoras,estas mudassem seu “fitness” tantopara as pressões bióticas comoabióticas e tivessem alterações expressivasem suas características de rusticidade,invasividade e de competitividadetornando-se mais agressiva na ocupaçãodos vários segmentos destinadosà colonização vegetal.Para melhor discussão deste temaé interessante destacar algumas característicasimportantes de populaçõescom grande capacidade de colonização.A grande possibilidade de queuma cultura anual transgênica desenvolvaa condição de população feral éa de que adquira características deplantas pioneiras, salvo algumas espéciesperenes, especialmente de hábitoarbóreo.Perpetuação das populaçõesvegetais em ambientes sob açãoantrópicaNo desenvolvimento das plantaspioneiras, as adaptações envolveramcaracterísticas importantes para a perpetuaçãoe expansão das espécies,como (i) elevada produção dediásporos; (ii) capacidade de produçãode diásporos em larga faixa decondição ambientais; diásporos dotadosde (iia) adaptações para disseminaçãoa curta e a longa distância, (iib)diversos e complexos mecanismos dedormência, (iic) elevada longevidade;(iid) desuniformidade no processogerminativo; e (iie) capacidade degerminação em muitos ambientes.Capacidade de (iii) produção contínuade diásporos pelo maior tempoque as condições permitirem; (iv)Sem estratégia viáve ldesuniformidade nos processos deflorescimento, frutificação, brotaçãode gemas em tubérculos, bulbos ourizomas; (v) rápido crescimentovegetativo e florescimento; (vi) produçãode estruturas reprodutivas diversas;(vii) plantas auto-compatíveis, masnão completamente autógamas ouapomíticas; (viii) quando alógama,utilização de agentes de polinizaçãoinespecíficos ou o vento; (ix) utilizaçãode processos especiais de competiçãopela sobrevivência comoalelopatia, hábito trepador e outros. Seperene, (x) vigorosa reproduçãovegetativa ou regeneração de fragmentose (xi) fragilidade na região docolo, de modo não poder ser arrancadatotalmente do solo. Todas estascaracterísticas conferem alta capacidadede sobrevivência destas plantasem muitos ambientes, especialmentenaqueles com poucas limitações derecursos e elevado distúrbio.Plantas com grande parte destascaracterísticas são pioneiras importantes,tem grande capacidade de colonizaçãode áreas onde, por algum motivo,a vegetação original foi parcial outotalmente deslocada e estão incluídasentre as plantas invasoras, especialmenteas de agroecossistemas. É importanteressaltar que a própria práticada agricultura colaborou para o aprimoramentodesta característica deinvasividade de algumas populaçõesvegetais.A agricultura evoluiu sempre visandoestabelecer condições ótimasao crescimento vegetal para assegurarexcelente desempenho das plantascultivadas em seu desenvolvimento eprodutividade. Assim foram desenvolvidossistemas de semeadura ou plantioque assegurasse uma distribuiçãoeqüitativa da luz, água e nutrientespara as plantas cultivadas, épocas desemeadura que assegurassem boa disponibilidadede luz e água nas etapascríticas do crescimento das plantas eoutras. Todas estas práticas tambémfavoreceram sobremaneiraas plantas pioneiras quepassaram a conviver e seadaptar às praticas impostaspelo homem ajustando,dentre outros atributoseco-fisiológicos, o fluxo degerminação e emergênciados diásporos, o comprimentodo ciclo de desenvolvimentoe as formas dedispersão dos propágulos.Assim, com os anos deagricultura, as plantas pioneiras alteraramalguns atributos permitindo quesuas populações fossem paulatinamentese especializando na colonizaçãode agroecossistemas. Assim, a maioriadas plantas daninhas importantes doscultivos não existia em sua forma atualantes do advento da agricultura(Fernandez, 1974). Como na naturezareconhece-se o desenvolvimento deecotipos fotoperiódicos (Olmsted, 1944)e ecotipos edáficos (Wilkins, 1960) érazoável considerar que as plantasinvasoras representam ecotipos agrícolas,com um caráter regional oulimitado a um ou vários cultivos(Fernandez, 1974).A evolução da estratégia decolonização das plantasGrime (1979) considera que sãodois os fatores externos que determinama estratégia adaptativa das plantas:o estresse e o distúrbio. O estressese refere aos fenômenos que limitam odesempenho fotossintético e de crescimentodas plantas como as limitaçõesde luz, água e nutrientes essenciaise disponibilidade de espaço para ocrescimento das raízes. O distúrbio serefere à destruição parcial ou total davegetação e pode ser resultado depressões bióticas como a predação eparasitismo ou abióticas não periódicascomo tempestades de vento, fogo,erosão do solo. O mais destacadodistúrbio dos tempos modernos é causadopelas atividades do homem nopreparo do solo, queima de restosculturais e outras relacionadas às suasatividades agrícolas.As intensidades destes dois fatoresexternos podem variar no ambiente,desde brandas até elevadas, provendosituações diversas para adaptaçãodas plantas superiores. Na Tabela01 estão apresentadas quatro combinaçõesde situações extremas de variaçãodestes fatores.A primeira condição a ser consi-<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 101


derada constitui ambiente com elevadasintensidades de distúrbio e deestresse. Nesta situação, Grime (1989)considera que não há possibilidadede uma estratégia de colonização queseja viável para ser desenvolvida pelasplantas superiores, pois com distúrbiofreqüentes as plantas deveriam ter rápidociclo para reposição do estoquede indivíduos, o que é inviabilizadopelas restrições do meio. Nesta condição,há colonização por organismosinferiores.Em situações de elevado estressee baixo distúrbio a estratégia desenvolvidapelas populações é chamadade “tolerância ao estresse” e as plantassão designadas por estrategista S outolerantes ao estresse. Estas plantastêm que apresentar característicasadaptativas adequadas para regulaçãodo crescimento em ambientes commuitas restrições ao desenvolvimentovegetal. A plasticidade fenotípica e asadaptações especiais para sobrepujaras limitações impostas pelo meio sãoas principais características desenvolvidaspor plantas.estrategistas S.Em situações de elevado distúrbioe de baixo estresse, as plantasdesenvolvem característica adaptativachamada R ou ruderal. As plantas têmque sobreviver aos freqüentes distúrbiosem um ambiente com boa disponibilidadede recursos que podempropiciar rápido crescimento e desenvolvimentodos indivíduos. A principalestratégia desenvolvida por estasplantas é um eficiente e rápido sistemareprodutivo e a formação de denso epersistente banco de diásporos quepropicia uma re-colonização rápida econsistente do solo tão logo o distúrbioé terminado.Em situações de baixos distúrbioe estresse, as plantas apresentam mecanismoadaptativo denominado porestrategista C ou planta competidora.Por competição se deve entender atendência de plantas vizinhas de utilizaros mesmos recursos que são limitadosno ambiente de colonização.Estas plantas maximizam a locação derecursos no crescimento vegetativo eapresentam arquitetura que as capacitama ocupar mais eficientemente osrecursos do meio e se estabelecer deforma consistente.Considerando a evolução de umacomunidade vegetal, as ruderais seriamas plantas com características pioneiras,as quais seriam substituídaspelas competidoras determinando oestágio intermediário da sucessão ecológica.As competidoras, depois deestabelecidas, seriam suplantadas pelasplantas tolerantes ao estresse, asquais de forma lenta e contínua cresceriamsob as limitações impostas pelasestrategistas C e se estabeleceriamno estágio considerado clímax.Grime ainda dispôs as estratégiasadaptativas em um modelo triangularvisando descrever as várias situaçõesintermediárias de estresse, distúrbio ecompetição (Figura 01a). Este modelotriangular será extremamente útil parao entendimento dos efeitos da agriculturano mecanismo evolutivo das plantasinfestantes de agroecossistemas.As práticas agrícolas sempre buscavampreparar o ambiente da lavourapara favorecer o crescimento das plantascultivadas. As práticas correnteseram o preparo do solo com aração,gradagem, cultivos freqüentes; a queimade restos culturais, a correção daacidez, a imobilização de elementostóxicos como o alumínio e omanganês, fertilização com elementosessenciais ao crescimento e desenvolvimentodas plantas e irrigação. Enfim,uma grande variedade de intervençõesque impunham grande freqüênciae diversidade de distúrbios e reduziamdrasticamente as limitações aocrescimento vegetal. Este tipo de manejodo agroecossistema propiciavaas condições ambientais para o desenvolvimentoe aprimoramento deplantas com características ruderais(Figura 01b).Para a sobrevivência neste ambientesaltamente perturbados as plantasinfestantes de agroecossistemas asplantas desenvolveram certos ajusteseco-fisiológicos aos níveis de indivíduose de populações, que atualmentesão chamados de características deagressividade das plantas daninhas.No entanto, estas características visamgarantir a perpetuação das espéciesno ambiente agrícola e é condicionadapor uma integração entre a capacidadede mudança de cada indivíduo eos processos em longo prazo que, aonível de população, garante flexibilidadeadaptativa da espécie frente aeventuais mudanças do meio ou aosfenômenos que inexoravelmente ocorremem condições naturais em todoecossistema através do tempo(Fernandez, 1974).Uma tendência diferente ocorreupara as plantas cultivadas. Com adomesticação os fatores deagressividade foram sendo eliminadospelo melhoramento genético. Forameliminadas: a desuniformidade dosprocessos germinativo, deflorescimento e de frutificação, a facilidadede dispersão dos diásporos, aarquitetura da planta e outras característicasque acabaram por tornar asplantas domesticadas extremamentedependentes a tutoria humana.Há grande preocupação de que ahibridação introgressiva de plantasinfestantes com plantas transgênicaspossa gerar plantas daninhas altamenteproblemáticas na agricultura. A possibilidadede produção de híbridosexiste, mas depende de uma série defatores. Além disso, as variações dosajustes eco-fisiológicos, rusticidades eagressividades destes híbridos dependerãotambém de outra série de fatores.O fluxo gênico entre plantas cultivadase plantas infestantes dependeda presença de compatibilidade genética,da coincidência, pelo menos parcial,do período de florescimento e dapresença de agentes comuns depolinização.Várias plantas cultivadas têm espéciesde plantas infestantes relacionadase que há possibilidade real defluxo gênico, como a alface (Lactucasativa) e a alface-selvagem (Lactucaserriola), a aveia (Avena sativa) e aaveia-selvagem (Avena fatua), a abóbora(Cucurbita pepo) e a abóboraselvagem(Cucurbita texana), dentreoutras. Muitas espécies cultivadas têmseus ancestrais selvagens que permaneceraminfestando agroecossistemas,como a alfafa e a alfafa-selvagem(Medicago sativa), cenoura e cenouraselagem(Daucus carota), a chicória echicória-selvagem (Chicorium intybus)e o arroz (Oryza sativa). O fluxogênico e formação de híbridos entreestes biótipos e espécies ocorrem esão bem documentados.Algumas culturas foram bastanteestudadas quanto a troca de genescom plantas infestantes aparentadas.A canola (Brassica napus), emboraapresente elevada taxa de autopolinização,tem a possibilidade depolinizar plantas infestantes da famíliaBrassicaceae. Chèvre et al (1999) observouque a nabiça (Raphanusraphanistrum) é a planta infestantecom maior taxa de polinização deplantas de canola, quando comparadocom outras brássicas infestantes.Em condições de campo, a taxa dehibridação foi bastante baixa, quandose analisou o fluxo da canola para anabiça. No entanto, quando se avaliou102 <strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005


a situação oposta observaram maiortaxa de hibridação da nabiça para acanola. Estes resultados estão de acordocom resultados citados por Baker(1965) em que há a formação de umalinhagem de rabanete selvagem (R.sativus) pela introgressão de genes danabiça (R. raphanistrum). Chèvre et al(1997), em experimento anterior, nãohavia observado a transferência datransgênese da canola para a nabiça.Mais tarde, Chèvre et al (1998) observaramque a transmissão da tolerânciaao herbicida variava de acordo com olócus.Várias culturas agrícolas são totalmenteexóticas no seu ambiente decultivo, e não têm parentais selvagens.Neste caso, a possibilidade dosurgimento de uma planta infestantehibrida é bastante remota. A soja(Glycine max) é uma planta exótica noBrasil e, pelos estudos efetuados epela experiência prática, não têmparentais selvagens em que haja fluxogênico. É importante destacar que paraocorrência de hibridação introgressivaé necessário que haja a fecundação,ocorra a produção de um híbrido fértile que este novo genótipo seja capazde trocar genes com as duas espéciesparentais.A possibilidade de fluxo gênicode plantas cultivadas para plantasinfestantes nas condições brasileirasdepende bastante da planta cultivadae do local de seu cultivo. Por exemplo,o cultivo de plantas de sorgo (S. bicolor)em áreas infestadas com S. halepense eSorghum arundinaceum pode proporcionaresta possibilidade. Embora depequena expressão, a canola é umacultura desenvolvida em algumas regiõesdo sul do Brasil, onde há umasérie de plantas infestantes aparentadascomo o R. raphanistrum, Brassicarapa, R. sativus, Rapistrum rugosum,Sinapsis arvensis e outras. Há a possibilidadede fluxo gênico neste caso.Há uma grande preocupação dofluxo gênico de plantas transgênicasde algodão (Gossypium hirsutum) paraplantas de Gossypium barbadense eGossypium mustelinum. É importantedestacar que tratam-se plantas silvestresnativas e não são infestantes deagroecossistemas. Por isso, esta preocupaçãoserá tratada em outro capítulodesta obra.As conseqüências do fluxo gênicoda planta transgênica no comportamentofuturo da planta infestante têmgerado inúmeras preocupações. Estasconseqüências dependem a plantainfestante envolvida, da característicada transformação genética inserida edo ambiente de colonização da plantainfestante. No entanto, no caso defluxo gênico efetivo, o fator mais importanteno comportamento e na adoçãode medidas mitigatórias é o eventoda transformação genética.Em eventos de transformaçãogenética para tolerância à substânciasxenobióticas, como é caso deherbicidas, o fluxo gênico deverá conferirtolerância da planta infestanteaos produtos. Com a utilização sistemáticado herbicida na área cultivada,o genótipo geneticamente modificadoda planta infestante passará a ser selecionadoe, após algumas gerações,sua população não mais será afetadapelo produto. Nesta condição, algumasopções de solução do problemasão possíveis: (i) a volta ao sistemaantigo de manejo das plantasinfestantes empregado antes da introduçãoda variedade transgênica ou (ii)a introdução de um produto específicopara a planta infestante que adquiriutolerância ao herbicida em combinaçãocom o herbicida utilizado. Estaúltima opção tem algum grau de dificuldadeem ser empregada, pois se aplanta infestante é geneticamente tãopróxima da planta cultivada a pontode ocorrer fluxo gênico, o herbicidaque afetar seu crescimento ou sobrevivênciatambém poderá afetar a cultura.É claro que existem muitas modalidadesde seletividade dos herbicidasque tornam possíveis estas combinações,como é o caso da seletividadetoponômica, mas as opções se tornammenos numerosas e de mais difícilaplicação. Para esta modalidade detransformação genética, o fluxo gênicotem maior probabilidade de ser prejudicialà entidade detentora datecnologia, pois a vantagem econômicada adoção de planta transgênicapoderá ser reduzida.Para plantas geneticamente modificadaspara resistência a insetos, ofluxo gênico deverá conferir uma reduçãoda pressão biótica dos inimigosnaturais da planta infestante que sãosensíveis à toxina codificada pelo genetransferido. Estas plantas, se não houverefeitos pleiotrópicos que afetemseu desempenho eco-fisiológico, deverãoser favorecidas pela menor pressãode predação e, provavelmente,irão assumir maior importância relativana comunidade infestante. Por outrolado, é importante considerar queas pressões bióticas são estabelecidasnum processo co-evolutivo. Assim, aspopulações de insetos afetados pelatoxina, passarão a sofrer um processode seleção e, com grande probabilidade,poderão desenvolver tolerância àtoxina e voltar a predar a plantainfestante. Com a volta da situaçãoregular de pressões bióticas, a importânciada planta infestante na comunidadetenderia a votar à condição original.A rotação de cultura e a manutençãode áreas-refúgio, consideradascom importantes medidas mitigatóriaspara prevenção do desenvolvimentoda resistência dos insetos às plantastransgênicas, teriam efeito pouco expressivono caso das plantas infestantesque sofreram fluxo gênico, pois estasirão permanecer na área como colonizadorasespontâneas. Embora, o fluxogênico desta modalidade de transformaçãogenética confira uma tolerânciaà uma pressão biótica do meio,esta vantagem tende a ser transitória enão é suficiente para produzir uma“super-planta daninha”, uma vez quetolerância a pressões bióticas é umdos quesitos necessários para umaplanta pioneira bem sucedida, comojá foi discutido no item três destecapítulo. Este comportamento deveráser similar para eventos de resistênciaà fitopatógenos.Considerando as plantas geneticamentemodificadas para tolerânciaa fatores abióticos, aparentemente ofluxo gênico para plantas infestantesdeverá ter maior importância na históriaevolutiva posterior da sua população.Para os fatores abióticos não háa processo co-evolutivo que atuariaanulando a vantagem competitiva daplanta infestante geneticamente modificada.As pressões contrárias ao novogenótipo poderão ser proporcionadaspela reação da comunidade infestanteem relação a uma espécie que passaráa ocupar maior espaço e mobilizarmais recursos do meio, uma vez queesta espécie passaria ser menos afetadapor fatores limitantes. As reaçõesao nível de comunidade geralmentesão menos drásticas e relevantes queas reações à pressões bióticas diretas.É importante ressaltar que plantasinfestantes que adquirirem maior tolerânciaa estresse hídrico, por exemplo,poderão invadir ambientes ou se desenvolverem épocas do ano em quenão ocorriam, alterando as dinâmicasdas respectivas comunidades. Este éum caso típico de transformação genéticade uma planta infestante quepode alterar permanentemente seu<strong>Biotecnologia</strong> Ciência & Desenvolvimento n.34 - janeiro/junho 2005 103


status, seus limites da distribuição geográfica,suas épocas e habitats decolonização e pode contribuir paraaumentar a rusticidade da população.É a situação que mais se aproxima deuma expressiva vantagem de uma populaçãode planta infestante comodecorrência do fluxo gênico de umacultura transgênica..Outras modalidades de eventosde transformação genética que podemalterar a história evolutiva das plantasinfestantes pelo fluxo gênico seriamalgumas modificações do comportamentofisiológico da planta, comouniformidade de florescimento,maturação e conservação pós-colheitados frutos. A resposta da planta paraestes tipos de transformação genéticanormalmente depende de uma sériede interações bioquímicas que dificilmenteocorreriam com a mesma expressãonuma outra espécie que viessea receber o gene. Caso o fluxogênico produzisse o mesmo comportamento,estaria comprometendo osucesso da população como plantainfestante, por proporcionar tendênciano sentido contrário à evoluçãoadaptativa comentada nos itens 2 e 3deste capítulo.Para outras modalidades de transformação,como a produção defármacos, o fluxo gênico poderia promoveralguns impactos nas populaçõesdas plantas infestantes geneticamentemodificadas. No entanto, setrataria da inclusão de maior tolerânciaa pressões bióticas e o comportamentopoderá muito próximo ao previstopara plantas resistentes a insetose fitopatógenos.Considerações finaisNo seu processo evolutivo, asplantas infestantes de agroecossistemadesenvolveram características que garantema perpetuação das espécies noambiente agrícola e são condicionadaspela integração entre a capacidadede mudança de cada indivíduo e osprocessos em longo prazo que, aonível de população, garante flexibilidadeadaptativa da espécie frente aeventuais mudanças do meio ou aosfenômenos que ocorrem na naturezano decurso do tempo. Estas característicassão tão variadas e especializadasque a simples inserção de um geneseria de pouca relevância tanto aonível individual como da população,por mais efeitos pleiotrópicos que estainserção possa promover.Sem dúvida, a inserção de umanova característica pelo fluxo gênicopode proporcionar vantagens ou desvantagensa uma população de plantainfestante. Estas vantagens podem sertransitórias ou permanentes, mas aprópria descontinuidade do processoagrícola em decorrência de preços,demanda de mercado, introdução denovas tecnologias e culturas, propiciaum grande obstáculo para que estasvantagens possam elevar o status dapopulação na condição de plantainfestante de forma permanente.No caso específico de culturastransgênicas para tolerância aosherbicidas, o uso periódico e prolongadode um herbicida pode promoverseleção de flora ou desenvolvimentode resistência em algumas populaçõesde plantas daninhas. Estes dois fenômenosnão estão relacionados exclusivamenteà utilização de plantastransgênicas. Pitelli (1993) comenta aforte seleção de flora ocorrida nosestados do sul do Brasil pelo usoperiódico e continuado da seqüênciade culturas de soja, com a utilizaçãodos herbicidas metribuzin e trifluralin,e de milho, com o uso de triazinaspara o controle de plantas infestantesna década de 80. Este manejo agrícolaproporcionou uma expressiva seleçãode Euphorbia heterophyllla eBrachiaria plantaginea.O desenvolvimento de populaçõesde plantas infestantes resistentesaos herbicidas é um fato recente, mascom grande expressão no Brasil queapresenta populações de Euphorbiaheterophyllla, Bidens pilosa e Sagittariamontevidensis resistentes aosherbicidas inibidores de ALS, populaçõesde B. plantaginea e de Digitariaciliaris resistentes aos herbicidasinibidores da ACCase, para os quaisnão há qualquer cultura transgênicano Brasil. A seleção de flora e odesenvolvimento de resistência aosherbicidas tratam-se de respostas daspopulações e das comunidadesinfestantes, respectivamente, à pressãode seleção representada peloherbicida.Finalmente, a possibilidade de fluxogênico das plantas infestantes existe,é um risco controlável e com conseqüênciasdiversas dependendo doevento de transformação genética.Medidas mitigatórias podem ser empregadase as possibilidades dosurgimento de uma “super-planta-daninha”é extremamente remota e improvável.Bibliografia consultadaBaker, H.G. Characteristics and modesof origin of weeds. In: Baker, H.G.& Stebbins, G.L. (Ed.) The geneticsof colonizing species. New York,Academic Press, 1965.Chèvre, A.M.; Eber, F.; Baranger, A. &Renard, M. Gene flow fromtransgenic crops. Nature, n.389,p.924, 1977.Chèvre, A.M.; Eber, F.; Baranger, A.;Hureau, G.; Barret, P.; Picault, H.& Renard, M. Characterization ofbackcross generations obtainedunder field conditions from oilseed rape- wild radish F1interspecific hybrids: anassessement of transgene dispersal.Theoretical and AppliedGenetics, v.97, p. 90-98, 1988.Chèvre, A.M.; Eber, F.; Darmency, H. &Renard, M Last results concerninggene flow from transgenic oilseedrape to wild radish. InternationalRapeseed Congress, 10º, Canberra,1999. Proceedings.Fernandez, O. Las malezas y suevolution. Ciência yInvestigation, p. 49-60, 1979Grime, J.p. Plant strategies andvegetation processes. New York,John Wiley & Sons, 1979Olmsted, C.E. Growth and developmentin range grasses. IV Photoperiodicresponses in twelve geographicstrains of oats grama. BotanicalGazzete, v.106, p. 46-74, 1944.Pitelli, R.A. Weed-soybean interferencestudies in Brazil. In: Cooping, L.G.;Green, M.B.; Rees, R.T. PestManagement in Soybean. London,Elsevier Publishers Ltd., 1991.p.282-289.Wilkins, D.A. The measurement andgenetical analysis of lead tolerancein Festuca aestiva. 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