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Bruno Schulz

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A luz de AlexandriaJoanna Moszczyńska{ensaio}Assim como o mundo da natureza evolui, o serhumano vai passando pelos séculos da sua existência,sempre aspirando a uma perfeição. A historiografiamostra bem o esquema da actuação humana ao longo dostempos, realçando a importância da escrita no nascimentodas culturas e do comércio entre elas. Também dá um papelimportantíssimo à urbanização: as cidades, marcas significantesdo desenvolvimento das unidades culturais. As primeiras quenos são conhecidas ergueram-se junto dos rios grandes como:Nilo, Tibre, Eufrates ou Indus, e muitas vezes – sendo cidadesportuárias – foram elas centros mercantis e culturais, digamosmesmo núcleos internacionais.Eça de Queirós dedicou um dos seus ensaios a um ponto assimno mapa – a cidade da iluminação oriental, Alexandria.Aquele famoso porto mediterrâneo, fundado por Alexandre oGrande em 331 a.C., cujos inícios, porém, remontam até 3 milanos antes de Cristo, evidencia-se ao autor de “De Alexandria aoCairo” como um fóssil do mundo antigo, quer dizer, do mundohelénico, sendo profunda e às vezes, fastidosamente marcadapela influência moderna. Por mais mudada que esteja, para Eçacontinua a ser o epicentro do cosmopolitismo. O autor observaos presentes aí sob o sol magnífico: gregos, italianos, francesesda Marselha, egípcios, árabes, que fazem parte da realidadealexandrina da metade do século XIX. No entanto, a imagemque permaneceu na imaginação do escritor – a imagem dostempos do comércio levantino – é mesmo diferente daquelaque se pode ver naquele momento. O português dá mostras dedecepção pelo comportamento daqueles que estão mais pertodele mental e geograficamente. Descreve assim ligados a ele natradição grego-romana europeia: “o interesse, a aspereza doganho, o estado de colonos espoliadores, dão um aspecto debrutalidade e de avidez daquela população”; “oprimem, sugam,engordam, alcançam escravas no Fayoum, e encerram-se nassuas casas pretensiosas, cheios de comida, de agiotagem e desensualidade”. Será que o autor estava a decifrar isto comoa assimilação com alguns “agitados, ásperos e arrastados”árabes? Talvez tivesse sido a luz esfuziante que lhes desmaiavaseus perfis correctos?Alexandria – criada de acordo com os projectos de Deinocratesde Rodos – perdeu, num certo momento, ao longo dos séculosa sua matemática perfeição; “e eu via construções vastas,desmoronadas e negras, feitas do lodo do Nilo, um lugarenlameado e imundo, cheio de destroços, uma acumulaçãode edificações miseráveis e inexpressivas!” Apenas o céu e aluz parecem ter permanecido imutáveis. Passando pelas páginasdo livro, o leitor pode reparar facilmente no papel doselementos “luzentes” – sol, estrelas, lua, lanternas árabes. Sãoeles que ordenam o dia e dão uma noção de sensualidadeao ambiente poético que Eça está a criar. O sol entrega a sualuz deixando todas as coisas a cores; bate nelas; é “magnífica”mas “mordente”; quando se põe, deixa queimado o sol; e océu em nódoas ensaguentadas. E quando a noite chega, sãoas estrelas e a iluminação pública que tomam parcialmenteeste papel de enluarar o escuro. Depois, de madrugada, o solregressa acanhadamente sob uma névoa de luz para despertardelicadamente os alexandrinos.A não ser aquele que já visitou o Egipto pelo menos uma vez,ninguém sabe bem que lá os raios solares não bronzeiam.Assentam na pele como a poeira fulva e fazem-nos cobrir osnossos braços, pernas e cabeças. A luz está em todo lugar; océu distribui-a e, mesmo que nem sempre justamente, todospodem ter um pouco dela para si. Absorvem-na as rochassedimentares que constroem os edifícios; praças, plantas, asuperfície da ria, os vivos ao fazer negócios na rua. Aos mortosapenas resta a luz dos lanternins dos guardas do cemitério.Parece então, que lá a luz não tem oposicão nem qualqueradversário. Os restos do grande passado – pelo contrário –estão sempre presentes na luta metafórica com a modernidadee, às vezes, com a sua trivialidade. Já que desembarcados,viajantes, fiquem mais interessados pelo que acontece na rua.Assim, ao repararem num homem árabe vergastando um fellah,os visitantes já se esqueceram da Ilha de Faros que os saudouà entrada no porto. Feita de granito a coluna de Pompeu,“melancolia altiva”, está enterrada na areia e coberta de imundícies.A Praça dos Consules, eminente centro diplomático, e rodeadapelas casas cerradas e monótonas; agora agitada; passam porela fileiras de burros e camelos. Quão teria sido a angústia doautor d’Os Maias se tivesse previsto o bombardeamento inglêsde 1882...! Finalmente, as Agulhas de Cleópatra...cobertas porlegumes crescentes. Ao olhar, no entanto, Eça não deixa delhe chamar: “velha cidade grega, velha cidade bizantina, ondeestás tu?”, “oh!, cidade de Cleópatra, a mais linda das Lagidas?”,“Oh!, querida Alexandria”.Não daríamos nada pelo Iluminismo a não ser pelo passado.Tive uma vez uma conversa bem construtiva com um egípcio.Perguntou:Há quanto tempo o teu país existe? – Pois, respondi, a constituiçãotem a data simbólica de 966. Mas, algum tempo antes havia algumasinformações nos documentos germânicos sobre... – 966 antes deCristo...?Uma lição de humildade para mim. Felizmente, todos vivemossob o mesmo sol...

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