Núm. 31: 169-197Marzo 2011Na região de Conceição-Açu o trabalho nasmatas de galeria encerra dimensões múltiplas,reunindo elementos que fazem parteda percepção que as pessoas detêm sobre asplantas através do seu cotidiano, associadoaos elementos atrelados ao mundo mágico,ritual, espiritual, enfim, ao simbólico. A naturezaé um lugar de permanente observaçãoe reprodução de saberes. A mata de galeria épercebida como uma unidade fundamentalna paisagem da região desenhada por seuscontornos hídricos e florísticos que lheatribuem um valor substancial ao cenárioribeirinho e rural de Conceição-Açu. Asespécies vegetais que compõem a flora sãodescritas pela função que exercem, disponibilidadede acesso, cor, forma, aroma, sabor,frutos e folhas.A forma como os moradores classificam osrecursos vegetais das matas de galeria emConceição-Açu permite descrever as plantasdo ser humano, as plantas de animais decaça, as plantas de peixes, segundo suascaracterísticas percebidas pelo conhecimento,visual, tátil e olfativo adquirido no seucotidiano. Depoimentos de pessoas entrevistadasreferem o conhecimento empíricode objetos da natureza.“... Os frutos do jatobá é bom pra peixe... Oque escorre do tronco do jatobá parece sanguepuro... Quando colhe no vidro é igual asangue de gente... não tem deferença...porisso a seiva dele(do jatobá) é bom pra curáanemia nas pessoas... o sangue do jatobá edas pessoas se parecem por demais...” (Sra.A.M.P. 82 anos. Comunidade de ConceiçãoAçu, Cuiabá, MT).186“... toda planta tem seu uso pra pessoa, nocauso e até pros bichos, tem a folha, tem araiz, tem o tronco. A gente conhece cadauma olhando bem pras folha, amassa as folhase já sente o cheiro, se a casca tem cheiroardido... a gente até exprementa na línguapara sabe o tipo de cada planta, assim nãoerra... o óleo da copaíba é bom pra pessoae pras machucaduras nos bichos, serve pratudo...” (Sr. M.A.M, 78 anos. Comunidadede Conceição Açu, Cuiabá, MT).Em Conceição-Açu, as plantas são reconhecidasatravés dos nomes vulgares (tabela4) que definem as diferentes espéciesou mesmo as variedades de uma mesmaespécie. Assim, as pessoas identificam aplanta em função da utilização das partesda mesma para um determinado fim. Alémdisso, investem o seu conhecimento emfunção da quantidade de indivíduos daespécie como forma de conservar os vegetaisenquanto recurso de uso para suasubsistência. Transcreve-se a referência dealguns entrevistados:“... o óleo da sangra d’água servepara remédio, ele cura as ferida... fechaas feridas depressa... mais não pode usálogo cedo da machucadura, tem de esperáuns dias e aí já pode bebe ou passa delena ferida...essa árvore tem bastante nabeira do rio” (Sra. D.G.D. 53 anos. Comunidadede Conceição Açu, Cuiabá, MT).“... a casca do catipé é boa pra fazer o sabãopreto... sabão muito bom pra lavá... lava atéas ferida, as machucadura... limpa tudo...”(D.A.A. da S., 59 anos. Comunidade deConceição Açu, Cuiabá, MT).Nas matas de galeria o valor dispensado acada planta varia de acordo com a multiplicidadede sua utilização. Existem plantasque têm diferentes partes utilizadas, comoa raiz, o tronco e as folhas, outras apenasas raízes ou as folhas. Uma espécie vegetalpode pertencer a várias categorias, podendo
Pasa, M.C.: Abordagem etnobotânica na comunidade de Conceição-açu. Mato Grosso, Brasilser mencionada como alimentícia, medicinale ornamental.O seu valor de uso será, então, diretamenteproporcional ao número de usos mencionados.As categorias de uso mencionadasforam: alimentícia, medicinal, ornamental,místico, madeireira (construção de utensíliosde trabalho e domésticos), tecnologia(móveis, sabão) e rituais religiosos ou cerimoniais(tabela 4).A utilização múltipla das plantas é que vaiexpressar os valores dados as mesmas. Assimé pois, aquelas que permitem acumularo caráter de uso alimentar com outros doisou três (medicinal, ornamental, mistico etc)são as mais valoradas por serem as maisutilizadas. A valoração utilitária das espéciesapresentadas na tabela 4 mostou que 52%das mesmas possuem vusp = 1,00. Outrasespécies que representam muito bem o valorde uso das plantas locais (vusp = 2,00)são Anadenanthera peregrina (L.) Spreng.,Myracroduon urundeuva (Fr.All.) Engl.,Diptychandra aurantiaca Tul., Tabebuiaochracea Standl., Tabebuia heptaphylla(Vell.) Toledo, Cariniana rubra Gardner. ex.Miers., Lafoensia pacari St. Hil., Tabebuiaaurea (M.) Benth & Hook., Acosmium subelegans(Mohl.) Yak., Tamarindus indicaL. e Bactris glaucescens Drude. Com valoraçãoutilitária vusp = 2,33 encontramosHymenaea stigonocarpa Mart. ex. Hayne(jatobá), ou seja, com ampla utilização entreas pessoas da comunidade pela multiplicidadede usos. Para as espécies que apresentammaior valoração utilitária, ou seja, vusp =2,50 destaca-se Orbignya oleifera Burret.(babaçu) que envolve valor atribuído ao seuuso como artesanato, cobertura de residênciae de casas de farinha etc, Copaifera langsdorffii Desf. caracterizada como medicinalo valor atribuído envolve a disponibilidadede extrato usado na medicina popular regionalassociado as manifestações culturais,principalmente no processo de extração. Aespécie Aspidosperma polyneuron Muell.Arg. (guatambu) muito usado na categoriamadeira e seu valor atribuído se dá emrelação a satisfação direta das necessidadesmateriais para construção de residências,dos equipamentos de trabalho, de casasde farinha e cercado para animais. E Crotonsalutaris Muell. Arg. (sangra d’água)apresenta também alta valoração utilitáriapor apresentar multiplicidade de usos expressivos,principalmente nas categoriasmedicinal e madeira na região.Para Torres-Cuados & Islebe (2003), asrelações entre a importância cultural dasespécies de plantas, expressa pelo valor deuso, e sua disponibilidade, expressa pelovalor de importância, podem significar quenem todas as espécies de plantas são utilizadasde acordo com sua disponibilidade nosistema e que a utilização de um recurso eo conhecimento de seu uso pode gerar umimpacto positivo ou negativo em sua sustentabilidade.Apesar de Phillips & Gentry(1993a) afirmarem que as espécies mais comunssão as mais conhecidas pelas pessoas,Albuquerque & Andrade (2002a) afirmamque as espécies mais importantes para umacomunidade não são necessariamente asmais abundantes ou importantes do pontode vista ecológico, com algumas exceções,o que foi comprovado por este estudo.No sistema de reconheciemnto por valoraçãoutilitária no componente florístico asfamílias botânicas reconhecidas foram emnúmero de 43 (tabela 4) sendo as que mais sedestacaram por categoria e número de espécies:valor de uso das espécies e importância187
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