Revista <strong>do</strong> <strong>Departamento</strong> <strong>de</strong> <strong>Geografia</strong>, 19 (2006) 111-118.Esta camada superior <strong>do</strong> permafrost se contrai durante oresfriamento até –30ºC; o vapor <strong>de</strong> água que penetra <strong>na</strong>s fraturasé transforma<strong>do</strong> imediatamente em agulhas <strong>de</strong> gelo. O geloimpe<strong>de</strong> que as fendas se fechem no verão seguinte, e no severoinverno que se segue, fendas adicio<strong>na</strong>is são formadas epreenchidas por agulhas <strong>de</strong> gelo. Assim a camada superior <strong>do</strong>permafrost fica crivada <strong>de</strong> fendas preenchidas por gelo, noperío<strong>do</strong> <strong>de</strong> algumas cente<strong>na</strong>s <strong>de</strong> anos. O leito rochoso éfragmenta<strong>do</strong> em pequenos pedaços flutuantes em uma matriz <strong>de</strong>gelo. Nós <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>mos esta parte <strong>do</strong> perfil <strong>de</strong> “casca <strong>de</strong> gelo”.Na medida em que os rios não fluem no inverno, seuspavimentos <strong>de</strong>tríticos também ficam expostos ao congelamentoprofun<strong>do</strong>. Consequentemente a “casca <strong>de</strong> gelo” se expan<strong>de</strong>abaixo <strong>do</strong>s leitos fluviais, como po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> emdiversas perfurações e escavações. Isto facilita enormemente aerosão vertical, que é muito mais eficaz que a erosão vertical quese segue ao intemperismo químico nos rios <strong>de</strong> pla<strong>na</strong>ltos tropicaisou a erosão mecânica <strong>do</strong>s rios das latitu<strong>de</strong>s médias, on<strong>de</strong> opermafrost é ausente. No último caso a erosão fluvial émeramente capaz <strong>de</strong> um leve polimento <strong>do</strong> leito rochoso, emesmo isto é restrito a ações <strong>do</strong>s re<strong>de</strong>moinhos em poçosindividuais.Os rios que fluem sobre a casca <strong>de</strong> gelo, todavia, precisamape<strong>na</strong>s fundir o gelo para liberar gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>tritos<strong>de</strong> pequeno porte, o que po<strong>de</strong> ser feito <strong>de</strong> maneira uniforme aolongo <strong>de</strong> toda sua extensão e largura. Po<strong>de</strong>ríamos mostrar que osrios <strong>do</strong> SE <strong>de</strong> Spitzbergen foram capazes <strong>de</strong> rebaixar seusamplos pavimentos <strong>de</strong>tríticos, <strong>de</strong> 10 a 30 metros <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>,durante os 10.000 anos <strong>do</strong> Holoceno, a uma taxa média <strong>de</strong> 1 a 3metros a cada 1.000 anos. Os mesmos valores são obti<strong>do</strong>squan<strong>do</strong> fazemos os cálculos para os rios da Europa Central,usan<strong>do</strong> a distância vertical entre os fun<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vales mo<strong>de</strong>rnos eos terraços <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> Günz, ou entre os terraços <strong>de</strong> Riβ e Würm.Naturalmente o aprofundamento aconteceu principalmentedurante os estágios frios, ou, para ser mais específico, durantecada uma <strong>de</strong> suas fases iniciais. As similarida<strong>de</strong>s vão mesmoalém. Similarmente aos vales <strong>de</strong> Spitzbergen, nossos vales daslatitu<strong>de</strong>s médias esten<strong>de</strong>m-se continuamente até o centro dasmontanhas a toda largura e sem rupturas abruptas nos perfis. Istonão po<strong>de</strong>ria ser explica<strong>do</strong> por qualquer mecanismo, a não serpelo efeito “casca <strong>de</strong> gelo”. O termo “thermische Tiefenerosion”(ou erosão vertical térmica) que algumas vezes é aplica<strong>do</strong> a estasituação não é a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, porque ele não inclui o fraturamento <strong>do</strong>leito rochoso pela casca <strong>de</strong> gelo, que é o fator chave nesteprocesso. Em nenhum outro <strong>clima</strong> a erosão é, comparativamente,tão eficaz. Por essa razão falamos em formação <strong>de</strong> valespronunciada (exzessive Talbildung).Especialmente os pequenos rios não foram capazes <strong>de</strong>modificar seus amplos pisos fluviais wurmianos, <strong>de</strong> formasignificativa, durante o Holoceno. Há muitos exemplos parailustrar este fato, como o amplo piso fluvial <strong>do</strong> Meno ou <strong>do</strong> Tauber<strong>na</strong> Francônia, ou outros <strong>na</strong> Floresta Negra, ou <strong>na</strong>s partes jamaisglaciadas <strong>do</strong>s Alpes Orientais. Na Suábia (Schwäbische Alb) osrebor<strong>do</strong>s separan<strong>do</strong> os vales recentes das superfícies antigas,são acentua<strong>do</strong>s pelas camadas sub-horizontais <strong>do</strong> calcáriojurássico resistente. Nós interpretamos estes vales como aterceira geração principal <strong>de</strong> <strong>relevo</strong>s da Europa Central (fig. 2). Asamplas superfícies elevadas relictuais, <strong>na</strong>s quais as bordas<strong>de</strong>stes vales frequentemente agem <strong>de</strong> maneira direta, seencaixan<strong>do</strong>, são chamadas <strong>de</strong> primeira geração <strong>de</strong> <strong>relevo</strong>.Elas compreen<strong>de</strong>m amplos e antigos etchplains(Rumpfflächen) que truncam suavemente to<strong>do</strong>s os tipos <strong>de</strong>rochas, to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>slocamentos tectônicos pré Mioceno eatravessam os divisores que separam os sistemas <strong>de</strong> dre<strong>na</strong>gem<strong>do</strong> Quaternário. Nós <strong>de</strong>vemos antão perguntar por qualcombi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> processos essas superfícies impressio<strong>na</strong>ntes, queainda <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>m muito <strong>do</strong> <strong>relevo</strong>, foram origi<strong>na</strong>das. Os processos<strong>de</strong>vem, obrigatoriamente, ter si<strong>do</strong> totalmente diferentes daquelesque criaram os <strong>relevo</strong>s <strong>do</strong> Pleistoceno e <strong>do</strong> Holoceno.A julgar pelos relictos das massas caoliníticas vermelhas,pelos fósseis bem i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s em dutos cársticospreenchi<strong>do</strong>s com argilas <strong>de</strong> diversas ida<strong>de</strong>s <strong>na</strong> Francônia, estasuperfície se formou <strong>do</strong> Cretáceo Inferior até o Cretáceo Superior,em alguns lugares até o médio Plioceno, engloban<strong>do</strong> assim cerca<strong>de</strong> 60 milhões <strong>de</strong> anos. Durante to<strong>do</strong> este tempo o <strong>clima</strong> daslatitu<strong>de</strong>s médias foi tropical, oscilan<strong>do</strong> entre permanentemente esazo<strong>na</strong>lmente úmi<strong>do</strong>. Isto significa que processos relativamenteuniformes pu<strong>de</strong>ram agir durante perío<strong>do</strong>s longos <strong>de</strong> tempo. Emáreas <strong>de</strong> soerguimento pronuncia<strong>do</strong> as superfícies foramincli<strong>na</strong>das em Rumpftreppen ou etchplanos escalo<strong>na</strong><strong>do</strong>s.Os processos e as formas vivas correspon<strong>de</strong>ntes sãoencontra<strong>do</strong>s nos trópicos sazo<strong>na</strong>is, <strong>na</strong>s paisagens <strong>de</strong> sava<strong>na</strong> daÁfrica, da América <strong>do</strong> Sul e da Índia. Estas condições tambémpo<strong>de</strong>m ser largamente comparadas com as encontradas nostrópicos úmi<strong>do</strong>s.É claro que também existem montanhas e vales nostrópicos úmi<strong>do</strong>s. Os vales <strong>do</strong>s An<strong>de</strong>s Tropicais e <strong>de</strong> partes <strong>de</strong>Ásia <strong>de</strong> Su<strong>de</strong>ste são talvez os exemplos mais eloqüentes. Masestes vales são completamente diferentes daqueles extratropicaisacima <strong>de</strong>scritos. Eles são pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente estreitos e em115
Revista <strong>do</strong> <strong>Departamento</strong> <strong>de</strong> <strong>Geografia</strong>, 19 (2006) 111-118.forma <strong>de</strong> V; eles não possuem pavimentos <strong>de</strong> seixos e seus perfislongitudi<strong>na</strong>is são interrompi<strong>do</strong>s por numerosas quedas d’água ecorre<strong>de</strong>iras. Eles dissecam fortemente as bordas <strong>de</strong> suasmontanhas, mas eles não penetram nelas profundamente.Os rios assumem um caráter totalmente diferente tão logoingressam <strong>na</strong>s planícies adjacentes, que geralmente encontramas montanhas em ângulos côncavos acentua<strong>do</strong>s. Este é o<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s etchplanos ativos, com sua cobertura <strong>de</strong> massasargilosas vermelhas profundamente intemperizadas e salpicadaspor inselbergs isola<strong>do</strong>s (bornhardts) e montanhas inselbergs. NoSudão ou <strong>na</strong> Índia Meridio<strong>na</strong>l eles se esten<strong>de</strong>m por milhões <strong>de</strong>quilômetros quadra<strong>do</strong>s.Eles são o produto <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>nudação areal <strong>de</strong> longaduração, totalmente diferente <strong>do</strong>s processos que gover<strong>na</strong>m hoje o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> <strong>relevo</strong> <strong>na</strong>s regiões extratropicais.A força motriz é o intemperismo químico muito intenso quetransforma quase to<strong>do</strong>s os minerais em caulinita, haloisita eminerais <strong>de</strong> argila relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s. O produto <strong>do</strong> intemperismo é umregolito argiloso vermelho <strong>de</strong> 3 a 30 metros <strong>de</strong> espessura,<strong>de</strong>nomi<strong>na</strong><strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira variável <strong>de</strong> latossolo, ferrolítico,plastossolo ou oxissolo, conten<strong>do</strong> ape<strong>na</strong>s uma peque<strong>na</strong> fração <strong>de</strong>areias fi<strong>na</strong>s ou <strong>de</strong> quartzo.O processo <strong>de</strong>nudacio<strong>na</strong>l é aquele <strong>do</strong> duplo aplai<strong>na</strong>mento(<strong>do</strong>ppelte Einebnung). A cobertura <strong>de</strong> regolitos argiolososvermelhos jaz sobre a uma superfície <strong>de</strong> intemperismo basal,exibin<strong>do</strong> um <strong>relevo</strong> irregular <strong>de</strong> protuberâncias em respostaàs resistências das rochas. Nesta superfície acontece intensa<strong>de</strong>sintegração rochosa, mas nenhum transporte mecânico <strong>de</strong>materiais. Este acontece ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> parte superior, forman<strong>do</strong> umasuperfície <strong>de</strong> lavagem. Na estação chuvosa os minerais <strong>de</strong> argilada superfície são mobiliza<strong>do</strong>s, em suspensão, a cada episódiochuvoso, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> assim ser conduzi<strong>do</strong>s mesmo pelos pequenosfiletes d’água. Simultaneamente os áci<strong>do</strong>s húmicos e carbônicosno solo facilitam a remoção <strong>do</strong>s materiais dissolvi<strong>do</strong>s. Nasuperfície a água lamacenta é coletada em <strong>de</strong>pressões <strong>de</strong>lavagem rasas, separadas por divisores <strong>de</strong> lavagem ligeiramentemais altos (spülschei<strong>de</strong>n). Mesmo os rios maiores fluem nestasamplas <strong>de</strong>pressões <strong>de</strong> lavagem. Seus pavimentos <strong>de</strong> areia fi<strong>na</strong>ficam pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente secos <strong>na</strong> estação seca, mas sãoamplamente inunda<strong>do</strong>s <strong>na</strong> estação chuvosa. Frequentementeeles <strong>de</strong>senvolvem diques baixos bloquean<strong>do</strong> seus tributários, mas<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à falta <strong>de</strong> instrumentos erosivos eles são incapazes <strong>de</strong>erodir verticalmente. Em muitos casos não são capazes <strong>de</strong> cortarabaixo <strong>de</strong>sta cobertura <strong>de</strong>trítica vermelha. On<strong>de</strong> ocorre <strong>de</strong>lesfluírem sobre a rocha fresca não são capazes <strong>de</strong> cortá-la,forman<strong>do</strong>, em vez disto, corre<strong>de</strong>iras e cachoeiras. Estas“cataratas” foram gran<strong>de</strong> obstáculo <strong>na</strong> exploração das regiõestropicais, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolveram ao longo <strong>do</strong>s rios como o Nilo, oCongo e os afluentes <strong>do</strong> Amazo<strong>na</strong>s. Estes rios funcio<strong>na</strong>m ape<strong>na</strong>scomo níveis <strong>de</strong> base passivos ou dutos passivos mas não sãoativos no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> erosão linear. Em geral, eles não conseguemse sobrepor à <strong>de</strong>nudação areolar, em vez disso estãocompletamente integra<strong>do</strong>s no processo generaliza<strong>do</strong> <strong>de</strong>rebaixamento da superfície.Figura 2 Gerações <strong>de</strong> <strong>relevo</strong> <strong>na</strong> Europa Oci<strong>de</strong>ntal e Central1. Etchplanos terciários e etchplanos em patamares (supefícies relictuais);2 a. Altos terraços pliocênicos;2 b. Terraços amplos (Plioceno superior ao Pleistoceno inferior; 2.5 a 0.8 milhões <strong>de</strong> anos a.p.);3. Vales periglaciais estreitos (formação pronunciada <strong>de</strong> vales durante as fases frias <strong>do</strong> Pleistoceno);4. Fraca formação <strong>de</strong> vales no Holoceno116