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O papel do clima na evolução do relevo - Departamento de Geografia

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Revista <strong>do</strong> <strong>Departamento</strong> <strong>de</strong> <strong>Geografia</strong>, 19 (2006) 111-118.O <strong>papel</strong> <strong>do</strong> <strong>clima</strong> <strong>na</strong> evolução <strong>do</strong> <strong>relevo</strong>: a contribuição <strong>de</strong>Julius Bü<strong>de</strong>l 1Adilson Avansi De Abreu²Resumo: O autor sumariza a vida e a obra <strong>de</strong> Julius Bü<strong>de</strong>l (1903 – 1983) e traduz para o português o seu texto ¨Geomorfologia Climática eClimatomórfica ¨, publica<strong>do</strong> no Zeitschrift für Geomorphologie, Supplementband 36, 1980.Palavras-chave: Julius Bü<strong>de</strong>l; Geomorfologia Climática; Zo<strong>na</strong>s Climatomórficas.IntroduçãoA evolução da geomorfologia no século XX produziu umaprogressiva valorização <strong>do</strong> <strong>papel</strong> <strong>do</strong> <strong>clima</strong> <strong>na</strong> explicação dagênese <strong>do</strong> <strong>relevo</strong> terrestre. Depois <strong>do</strong>s avanços notáveis queforam registra<strong>do</strong>s a partir <strong>de</strong> W. Morris Davis e Walther Penck, umterceiro nome que marca a geomorfologia <strong>do</strong> Século XX é, semdúvida nenhuma, o <strong>de</strong> Julius Bü<strong>de</strong>l, faleci<strong>do</strong> em 1983, aos 80anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>.J. Bü<strong>de</strong>l iniciou sua vida acadêmica <strong>de</strong>dican<strong>do</strong>-se à<strong>clima</strong>tologia e <strong>de</strong>slocan<strong>do</strong>, posteriormente, seu campo <strong>de</strong>interesse para enten<strong>de</strong>r e formular, cientificamente, o <strong>papel</strong> daação <strong>do</strong> <strong>clima</strong> <strong>na</strong> gênese <strong>do</strong> <strong>relevo</strong> terrestre. Sua obra edificou ateoria <strong>de</strong> como os <strong>clima</strong>s atuais e <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> cunharam o <strong>relevo</strong>e forneceram muitas chaves para interpretar as mudançasclimáticas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong> recente. Tor<strong>na</strong>-se, assim, um <strong>do</strong>s pilaresda Geomorfologia Contemporânea.Além <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> formula<strong>do</strong>r teórico, Bü<strong>de</strong>l foi um incansávelpesquisa<strong>do</strong>r <strong>de</strong> campo e um gran<strong>de</strong> administra<strong>do</strong>r da ciência,ten<strong>do</strong>, em 1974, funda<strong>do</strong> a Comissão Alemã <strong>de</strong> Geomorfologia(Deutscher Arbeitskreis für Geomorphologie) e si<strong>do</strong> reitor daUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Würzburg.Sem dúvida nenhuma, seus estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> campo <strong>na</strong>s regiões<strong>de</strong>sérticas e tropicais da África e <strong>na</strong>s regiões temperadas eperiglaciais da Europa permitiram-lhe uma visão integrada <strong>do</strong>satuais sistemas morfogenéticos em operação, <strong>do</strong> Ártico aoEqua<strong>do</strong>r, bem como uma compreensão <strong>de</strong> como esses sistemaspulsaram nos últimos <strong>do</strong>is milhões <strong>de</strong> anos.A contribuição científica <strong>de</strong> Bü<strong>de</strong>l permitiu que a Geomorfo-logia assumisse uma posição privilegiada no campo dainvestigação da <strong>na</strong>tureza, como discipli<strong>na</strong> que procura explicar adiferenciação <strong>de</strong> áreas <strong>na</strong> superfície terrestre.Bü<strong>de</strong>l ao conceituar a geomorfologia climática e ageomorfologia <strong>clima</strong>to-genética, forneceu elementos fundamentaispara interpretar a dinâmica têmporo-espacial <strong>do</strong>sprocessos geomorfológicos e lançar luzes sobe a relação entreoscilações climáticas e quadros geomorfológicos e ambientais <strong>do</strong>presente.As reflexões e conceituações interessan<strong>do</strong> ao estu<strong>do</strong> <strong>do</strong><strong>papel</strong> <strong>do</strong>s <strong>clima</strong>s nos processos que cunham as formas <strong>de</strong> <strong>relevo</strong>,já haviam si<strong>do</strong> propostas também por autores <strong>de</strong> língua inglesa,no contexto da evolução da teoria davisia<strong>na</strong>. Muitos autorespo<strong>de</strong>riam ser cita<strong>do</strong>s, mas a lembrança <strong>de</strong> pelo menos <strong>do</strong>is, C. A.Cotton e L. C. Peltier, já nos fornece um bom quadro <strong>de</strong> fun<strong>do</strong>sobre como a questão estava evoluin<strong>do</strong> <strong>na</strong> primeira meta<strong>de</strong> <strong>do</strong>Século XX.Na Europa, particularmente entre os autores <strong>de</strong> línguaalemã, a valorização <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> processos e <strong>de</strong> campo tinharaiz já no século anterior e o trabalho <strong>de</strong> Walther Penck estimuloua discussão <strong>do</strong> <strong>papel</strong> <strong>do</strong>s processos e <strong>do</strong>s <strong>de</strong>pósitos correlativos,trazen<strong>do</strong> abordagem diferenciada para o estu<strong>do</strong> da influência <strong>do</strong><strong>clima</strong> no mo<strong>de</strong>la<strong>do</strong> presente e pretérito <strong>do</strong> <strong>relevo</strong>.A partir <strong>do</strong>s anos 30 <strong>do</strong> século passa<strong>do</strong>, o jovem Bü<strong>de</strong>l<strong>de</strong>dica-se, incansavelmente, ao estu<strong>do</strong> <strong>do</strong>s <strong>clima</strong>s e <strong>de</strong> suasinfluências no mo<strong>de</strong>la<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>relevo</strong>. Progressivamente vaiconsolidan<strong>do</strong> sua análise em pesquisas próprias e integran<strong>do</strong>suas conclusões com referências extraídas <strong>de</strong> outros autores,……………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………………¹ Título origi<strong>na</strong>l: “Climatic and Climatomorphic Geomorphology”² Tradução: Prof. Dr. Adilson Avansi <strong>de</strong> Abreu, DG, FFLCH, USP111


Revista <strong>do</strong> <strong>Departamento</strong> <strong>de</strong> <strong>Geografia</strong>, 19 (2006) 111-118.produzin<strong>do</strong> <strong>na</strong> década <strong>de</strong> 60, um sistema classificatório mundialque articula no espaço e no tempo os processos <strong>de</strong>cisivos paraexplicar a atual distribuição <strong>do</strong> <strong>relevo</strong> terrestre.Propõe, em 1963, a existência <strong>de</strong> 5 regiões ou zo<strong>na</strong>sclímato-genéticas distribuídas, esquematicamente, <strong>de</strong> formaespecular entre o Equa<strong>do</strong>r e os Pólos, a saber: Zo<strong>na</strong> Glacial;Zo<strong>na</strong> <strong>de</strong> Formação Pronunciada <strong>de</strong> Vales; Zo<strong>na</strong> Extra-tropical <strong>de</strong>Formação <strong>de</strong> Vales; Zo<strong>na</strong> Subtropical <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong>Pedimentos e Vales e Zo<strong>na</strong> Tropical <strong>de</strong> Formação <strong>de</strong> Superfícies<strong>de</strong> Aplai<strong>na</strong>mento.Deixan<strong>do</strong> <strong>de</strong> la<strong>do</strong> as controvérsias que esta proposta trouxeconsigo é necessário chamar a atenção para o avanço que sealcançou com o eleva<strong>do</strong> grau <strong>de</strong> abstração conti<strong>do</strong> neste mo<strong>de</strong>lo,que se libertou das amarras que prendiam as outras propostas, aose ajustarem à classificação climática <strong>de</strong> Köppen e incorporou àclassificação os processos fossiliza<strong>do</strong>s nos <strong>de</strong>pósitos e <strong>na</strong>sformas <strong>de</strong> <strong>relevo</strong>. Cria-se assim a interpretação morfoclimática <strong>do</strong>presente, associada a seus antece<strong>de</strong>ntes <strong>clima</strong>togenéticosrepresenta<strong>do</strong>s nos <strong>de</strong>pósitos e <strong>na</strong>s formas herdadas <strong>do</strong> passa<strong>do</strong>.Um momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> criativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> J. Bü<strong>de</strong>l foi seu“insight” sobre o <strong>papel</strong> da “Casca <strong>de</strong> Gelo” <strong>na</strong> evolução da re<strong>de</strong><strong>de</strong> vales <strong>do</strong> su<strong>de</strong>ste <strong>do</strong> arquipélago <strong>de</strong> Spitzbergen e sua relaçãocom o que havia aconteci<strong>do</strong> <strong>na</strong> Europa Central durante osperío<strong>do</strong>s glaciais e interglaciais <strong>do</strong> Quaternário.Integra este insigh” a compreensão <strong>do</strong> contraste <strong>do</strong>significa<strong>do</strong> <strong>do</strong>s processos geomorfológicos em momentos <strong>de</strong>sistemas controla<strong>do</strong>s por variáveis físico-mecânicas, com as <strong>de</strong>controle químico-biológico, que acabou também sen<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>por outros autores em contextos diferentes <strong>de</strong> interpretação.Em ple<strong>na</strong> maturida<strong>de</strong> Julius Bü<strong>de</strong>l sistematizou toda suaobra no clássico “Klima-Geomorphologie”, publica<strong>do</strong> em 1977pela Gebrü<strong>de</strong>r Borntraeger, ten<strong>do</strong> si<strong>do</strong> traduzi<strong>do</strong> para o inglês porLenore Fischer e Detlef Busche em trabalho muito cuida<strong>do</strong>so, sobo título <strong>de</strong> “Climatic Geomorphology”, edita<strong>do</strong> pela PrincetonUniversity Press, em 1982, no qual um glossário, bem elabora<strong>do</strong>,permite boa compreensão <strong>do</strong>s significa<strong>do</strong>s <strong>do</strong>s termos utiliza<strong>do</strong>spor Bü<strong>de</strong>l, que, a exemplo <strong>do</strong> que também aconteceu com a obra<strong>de</strong> Walther Penck, só po<strong>de</strong> ser melhor compreendida, fora <strong>do</strong>circuito <strong>de</strong> língua alemã, por meio da tradução para o inglês.Em 1979, no suplemento nº 36 <strong>do</strong> “Zeitschrift FürGeomorphologie”, <strong>de</strong>dica<strong>do</strong> ao Simpósio Germano Britânico <strong>de</strong>Geomorfologia, Julius Bü<strong>de</strong>l abriu as contribuições com o texto“Climatic and Climatomorphic Geomorphology”, no qual traça umresumo conciso <strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> <strong>do</strong> “Klima - Geomorphologie”,anuncian<strong>do</strong> sua tradução para o inglês e sua breve publicação.Abaixo é oferecida ao leitor a tradução para o português<strong>de</strong>ste texto, <strong>na</strong> expectativa <strong>de</strong> estimular a leitura da obracompleta, no origi<strong>na</strong>l alemão ou <strong>na</strong> tradução inglesa.TraduçãoGeomorfologia Climática e ClimatomórficaJulius Bü<strong>de</strong>l³Dois grupos <strong>de</strong> forças gover<strong>na</strong>m as formas <strong>de</strong> <strong>relevo</strong> <strong>do</strong>scontinentes. As en<strong>do</strong>genéticas são responsáveis pela distribuiçãoespacial <strong>de</strong> soerguimentos e abatimentos, assim como pelocomportamento morfológico <strong>do</strong>s afloramentos rochosos. Aresistência geomorfológica das rochas, todavia, altera-se entre asdiferentes zo<strong>na</strong>s climáticas. Devi<strong>do</strong> a sua complexa história notranscorrer <strong>de</strong> alguns bilhões <strong>de</strong> anos, o padrão das montanhas e<strong>do</strong>s afloramentos rochosos nos continentes é hoje muito irregulare a influência <strong>de</strong>ssas estruturas no <strong>relevo</strong> é meramente passiva:elas são ape<strong>na</strong>s obstáculos no caminho ativo e verda<strong>de</strong>iro daformação <strong>do</strong> <strong>relevo</strong>, que é executa<strong>do</strong> ape<strong>na</strong>s pelos processosexogenéticos. É por meio <strong>de</strong> suas ações, que a verda<strong>de</strong>ira formada superfície da Terra é criada. Se, por exemplo, os Alpes fossemape<strong>na</strong>s produto das forças en<strong>do</strong>genéticas <strong>de</strong> soerguimento, elesapareceriam como um <strong>do</strong>mo massivo, com cerca <strong>de</strong> 10 km <strong>de</strong>altura e com uma superfície caoticamente rugosa. Os processosexogenéticos <strong>de</strong>struíram mais da meta<strong>de</strong> <strong>de</strong>sta forma imaginária,<strong>de</strong>s<strong>de</strong> o Terciário Inferior, mas, acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong> eles a remo<strong>de</strong>laramqualitativamente durante o soerguimento e em resposta àgravida<strong>de</strong>, produziram as formas intricadas que hoje percebemos.Os mo<strong>do</strong>s e mecanismos <strong>de</strong> formação <strong>do</strong> <strong>relevo</strong>, todavia,diferem quantitativa e qualitativamente <strong>na</strong> face da Terra. Asdiferenças não são, porém, distribuídas ao acaso. Elas sãofortemente gover<strong>na</strong>das pelo <strong>clima</strong> e, <strong>de</strong>sta forma, um sistema<strong>na</strong>tural <strong>de</strong> formação <strong>do</strong> <strong>relevo</strong> só po<strong>de</strong> ser basea<strong>do</strong> no mesmo.As diferenças entre os vários processos em operação e asdiferenças resultantes, entre as próprias formas, são o objeto daGeomorfologia Climática.Até recentemente ape<strong>na</strong>s três zo<strong>na</strong>s <strong>de</strong> formaçãoexogenética <strong>do</strong> <strong>relevo</strong> eram comumente reconhecidas: a zo<strong>na</strong>glacial <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> glacial pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>nte; a zo<strong>na</strong> úmida <strong>de</strong>...................................................................................................................................................................................................................... ..........................................................................................................................................................................³ Zeitschrift für Geomorphologie N. F. Supp – Bd. 36, 1-8 – Berlin-Stuttgart – Dezembro 1980112


Revista <strong>do</strong> <strong>Departamento</strong> <strong>de</strong> <strong>Geografia</strong>, 19 (2006) 111-118.Esta camada superior <strong>do</strong> permafrost se contrai durante oresfriamento até –30ºC; o vapor <strong>de</strong> água que penetra <strong>na</strong>s fraturasé transforma<strong>do</strong> imediatamente em agulhas <strong>de</strong> gelo. O geloimpe<strong>de</strong> que as fendas se fechem no verão seguinte, e no severoinverno que se segue, fendas adicio<strong>na</strong>is são formadas epreenchidas por agulhas <strong>de</strong> gelo. Assim a camada superior <strong>do</strong>permafrost fica crivada <strong>de</strong> fendas preenchidas por gelo, noperío<strong>do</strong> <strong>de</strong> algumas cente<strong>na</strong>s <strong>de</strong> anos. O leito rochoso éfragmenta<strong>do</strong> em pequenos pedaços flutuantes em uma matriz <strong>de</strong>gelo. Nós <strong>de</strong>nomi<strong>na</strong>mos esta parte <strong>do</strong> perfil <strong>de</strong> “casca <strong>de</strong> gelo”.Na medida em que os rios não fluem no inverno, seuspavimentos <strong>de</strong>tríticos também ficam expostos ao congelamentoprofun<strong>do</strong>. Consequentemente a “casca <strong>de</strong> gelo” se expan<strong>de</strong>abaixo <strong>do</strong>s leitos fluviais, como po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> emdiversas perfurações e escavações. Isto facilita enormemente aerosão vertical, que é muito mais eficaz que a erosão vertical quese segue ao intemperismo químico nos rios <strong>de</strong> pla<strong>na</strong>ltos tropicaisou a erosão mecânica <strong>do</strong>s rios das latitu<strong>de</strong>s médias, on<strong>de</strong> opermafrost é ausente. No último caso a erosão fluvial émeramente capaz <strong>de</strong> um leve polimento <strong>do</strong> leito rochoso, emesmo isto é restrito a ações <strong>do</strong>s re<strong>de</strong>moinhos em poçosindividuais.Os rios que fluem sobre a casca <strong>de</strong> gelo, todavia, precisamape<strong>na</strong>s fundir o gelo para liberar gran<strong>de</strong>s quantida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>tritos<strong>de</strong> pequeno porte, o que po<strong>de</strong> ser feito <strong>de</strong> maneira uniforme aolongo <strong>de</strong> toda sua extensão e largura. Po<strong>de</strong>ríamos mostrar que osrios <strong>do</strong> SE <strong>de</strong> Spitzbergen foram capazes <strong>de</strong> rebaixar seusamplos pavimentos <strong>de</strong>tríticos, <strong>de</strong> 10 a 30 metros <strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>,durante os 10.000 anos <strong>do</strong> Holoceno, a uma taxa média <strong>de</strong> 1 a 3metros a cada 1.000 anos. Os mesmos valores são obti<strong>do</strong>squan<strong>do</strong> fazemos os cálculos para os rios da Europa Central,usan<strong>do</strong> a distância vertical entre os fun<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vales mo<strong>de</strong>rnos eos terraços <strong>do</strong> perío<strong>do</strong> Günz, ou entre os terraços <strong>de</strong> Riβ e Würm.Naturalmente o aprofundamento aconteceu principalmentedurante os estágios frios, ou, para ser mais específico, durantecada uma <strong>de</strong> suas fases iniciais. As similarida<strong>de</strong>s vão mesmoalém. Similarmente aos vales <strong>de</strong> Spitzbergen, nossos vales daslatitu<strong>de</strong>s médias esten<strong>de</strong>m-se continuamente até o centro dasmontanhas a toda largura e sem rupturas abruptas nos perfis. Istonão po<strong>de</strong>ria ser explica<strong>do</strong> por qualquer mecanismo, a não serpelo efeito “casca <strong>de</strong> gelo”. O termo “thermische Tiefenerosion”(ou erosão vertical térmica) que algumas vezes é aplica<strong>do</strong> a estasituação não é a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>, porque ele não inclui o fraturamento <strong>do</strong>leito rochoso pela casca <strong>de</strong> gelo, que é o fator chave nesteprocesso. Em nenhum outro <strong>clima</strong> a erosão é, comparativamente,tão eficaz. Por essa razão falamos em formação <strong>de</strong> valespronunciada (exzessive Talbildung).Especialmente os pequenos rios não foram capazes <strong>de</strong>modificar seus amplos pisos fluviais wurmianos, <strong>de</strong> formasignificativa, durante o Holoceno. Há muitos exemplos parailustrar este fato, como o amplo piso fluvial <strong>do</strong> Meno ou <strong>do</strong> Tauber<strong>na</strong> Francônia, ou outros <strong>na</strong> Floresta Negra, ou <strong>na</strong>s partes jamaisglaciadas <strong>do</strong>s Alpes Orientais. Na Suábia (Schwäbische Alb) osrebor<strong>do</strong>s separan<strong>do</strong> os vales recentes das superfícies antigas,são acentua<strong>do</strong>s pelas camadas sub-horizontais <strong>do</strong> calcáriojurássico resistente. Nós interpretamos estes vales como aterceira geração principal <strong>de</strong> <strong>relevo</strong>s da Europa Central (fig. 2). Asamplas superfícies elevadas relictuais, <strong>na</strong>s quais as bordas<strong>de</strong>stes vales frequentemente agem <strong>de</strong> maneira direta, seencaixan<strong>do</strong>, são chamadas <strong>de</strong> primeira geração <strong>de</strong> <strong>relevo</strong>.Elas compreen<strong>de</strong>m amplos e antigos etchplains(Rumpfflächen) que truncam suavemente to<strong>do</strong>s os tipos <strong>de</strong>rochas, to<strong>do</strong>s os <strong>de</strong>slocamentos tectônicos pré Mioceno eatravessam os divisores que separam os sistemas <strong>de</strong> dre<strong>na</strong>gem<strong>do</strong> Quaternário. Nós <strong>de</strong>vemos antão perguntar por qualcombi<strong>na</strong>ção <strong>de</strong> processos essas superfícies impressio<strong>na</strong>ntes, queainda <strong>do</strong>mi<strong>na</strong>m muito <strong>do</strong> <strong>relevo</strong>, foram origi<strong>na</strong>das. Os processos<strong>de</strong>vem, obrigatoriamente, ter si<strong>do</strong> totalmente diferentes daquelesque criaram os <strong>relevo</strong>s <strong>do</strong> Pleistoceno e <strong>do</strong> Holoceno.A julgar pelos relictos das massas caoliníticas vermelhas,pelos fósseis bem i<strong>de</strong>ntifica<strong>do</strong>s encontra<strong>do</strong>s em dutos cársticospreenchi<strong>do</strong>s com argilas <strong>de</strong> diversas ida<strong>de</strong>s <strong>na</strong> Francônia, estasuperfície se formou <strong>do</strong> Cretáceo Inferior até o Cretáceo Superior,em alguns lugares até o médio Plioceno, engloban<strong>do</strong> assim cerca<strong>de</strong> 60 milhões <strong>de</strong> anos. Durante to<strong>do</strong> este tempo o <strong>clima</strong> daslatitu<strong>de</strong>s médias foi tropical, oscilan<strong>do</strong> entre permanentemente esazo<strong>na</strong>lmente úmi<strong>do</strong>. Isto significa que processos relativamenteuniformes pu<strong>de</strong>ram agir durante perío<strong>do</strong>s longos <strong>de</strong> tempo. Emáreas <strong>de</strong> soerguimento pronuncia<strong>do</strong> as superfícies foramincli<strong>na</strong>das em Rumpftreppen ou etchplanos escalo<strong>na</strong><strong>do</strong>s.Os processos e as formas vivas correspon<strong>de</strong>ntes sãoencontra<strong>do</strong>s nos trópicos sazo<strong>na</strong>is, <strong>na</strong>s paisagens <strong>de</strong> sava<strong>na</strong> daÁfrica, da América <strong>do</strong> Sul e da Índia. Estas condições tambémpo<strong>de</strong>m ser largamente comparadas com as encontradas nostrópicos úmi<strong>do</strong>s.É claro que também existem montanhas e vales nostrópicos úmi<strong>do</strong>s. Os vales <strong>do</strong>s An<strong>de</strong>s Tropicais e <strong>de</strong> partes <strong>de</strong>Ásia <strong>de</strong> Su<strong>de</strong>ste são talvez os exemplos mais eloqüentes. Masestes vales são completamente diferentes daqueles extratropicaisacima <strong>de</strong>scritos. Eles são pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente estreitos e em115


Revista <strong>do</strong> <strong>Departamento</strong> <strong>de</strong> <strong>Geografia</strong>, 19 (2006) 111-118.forma <strong>de</strong> V; eles não possuem pavimentos <strong>de</strong> seixos e seus perfislongitudi<strong>na</strong>is são interrompi<strong>do</strong>s por numerosas quedas d’água ecorre<strong>de</strong>iras. Eles dissecam fortemente as bordas <strong>de</strong> suasmontanhas, mas eles não penetram nelas profundamente.Os rios assumem um caráter totalmente diferente tão logoingressam <strong>na</strong>s planícies adjacentes, que geralmente encontramas montanhas em ângulos côncavos acentua<strong>do</strong>s. Este é o<strong>do</strong>mínio <strong>do</strong>s etchplanos ativos, com sua cobertura <strong>de</strong> massasargilosas vermelhas profundamente intemperizadas e salpicadaspor inselbergs isola<strong>do</strong>s (bornhardts) e montanhas inselbergs. NoSudão ou <strong>na</strong> Índia Meridio<strong>na</strong>l eles se esten<strong>de</strong>m por milhões <strong>de</strong>quilômetros quadra<strong>do</strong>s.Eles são o produto <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>nudação areal <strong>de</strong> longaduração, totalmente diferente <strong>do</strong>s processos que gover<strong>na</strong>m hoje o<strong>de</strong>senvolvimento <strong>do</strong> <strong>relevo</strong> <strong>na</strong>s regiões extratropicais.A força motriz é o intemperismo químico muito intenso quetransforma quase to<strong>do</strong>s os minerais em caulinita, haloisita eminerais <strong>de</strong> argila relacio<strong>na</strong><strong>do</strong>s. O produto <strong>do</strong> intemperismo é umregolito argiloso vermelho <strong>de</strong> 3 a 30 metros <strong>de</strong> espessura,<strong>de</strong>nomi<strong>na</strong><strong>do</strong> <strong>de</strong> maneira variável <strong>de</strong> latossolo, ferrolítico,plastossolo ou oxissolo, conten<strong>do</strong> ape<strong>na</strong>s uma peque<strong>na</strong> fração <strong>de</strong>areias fi<strong>na</strong>s ou <strong>de</strong> quartzo.O processo <strong>de</strong>nudacio<strong>na</strong>l é aquele <strong>do</strong> duplo aplai<strong>na</strong>mento(<strong>do</strong>ppelte Einebnung). A cobertura <strong>de</strong> regolitos argiolososvermelhos jaz sobre a uma superfície <strong>de</strong> intemperismo basal,exibin<strong>do</strong> um <strong>relevo</strong> irregular <strong>de</strong> protuberâncias em respostaàs resistências das rochas. Nesta superfície acontece intensa<strong>de</strong>sintegração rochosa, mas nenhum transporte mecânico <strong>de</strong>materiais. Este acontece ape<strong>na</strong>s <strong>na</strong> parte superior, forman<strong>do</strong> umasuperfície <strong>de</strong> lavagem. Na estação chuvosa os minerais <strong>de</strong> argilada superfície são mobiliza<strong>do</strong>s, em suspensão, a cada episódiochuvoso, po<strong>de</strong>n<strong>do</strong> assim ser conduzi<strong>do</strong>s mesmo pelos pequenosfiletes d’água. Simultaneamente os áci<strong>do</strong>s húmicos e carbônicosno solo facilitam a remoção <strong>do</strong>s materiais dissolvi<strong>do</strong>s. Nasuperfície a água lamacenta é coletada em <strong>de</strong>pressões <strong>de</strong>lavagem rasas, separadas por divisores <strong>de</strong> lavagem ligeiramentemais altos (spülschei<strong>de</strong>n). Mesmo os rios maiores fluem nestasamplas <strong>de</strong>pressões <strong>de</strong> lavagem. Seus pavimentos <strong>de</strong> areia fi<strong>na</strong>ficam pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente secos <strong>na</strong> estação seca, mas sãoamplamente inunda<strong>do</strong>s <strong>na</strong> estação chuvosa. Frequentementeeles <strong>de</strong>senvolvem diques baixos bloquean<strong>do</strong> seus tributários, mas<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à falta <strong>de</strong> instrumentos erosivos eles são incapazes <strong>de</strong>erodir verticalmente. Em muitos casos não são capazes <strong>de</strong> cortarabaixo <strong>de</strong>sta cobertura <strong>de</strong>trítica vermelha. On<strong>de</strong> ocorre <strong>de</strong>lesfluírem sobre a rocha fresca não são capazes <strong>de</strong> cortá-la,forman<strong>do</strong>, em vez disto, corre<strong>de</strong>iras e cachoeiras. Estas“cataratas” foram gran<strong>de</strong> obstáculo <strong>na</strong> exploração das regiõestropicais, on<strong>de</strong> se <strong>de</strong>senvolveram ao longo <strong>do</strong>s rios como o Nilo, oCongo e os afluentes <strong>do</strong> Amazo<strong>na</strong>s. Estes rios funcio<strong>na</strong>m ape<strong>na</strong>scomo níveis <strong>de</strong> base passivos ou dutos passivos mas não sãoativos no senti<strong>do</strong> <strong>de</strong> erosão linear. Em geral, eles não conseguemse sobrepor à <strong>de</strong>nudação areolar, em vez disso estãocompletamente integra<strong>do</strong>s no processo generaliza<strong>do</strong> <strong>de</strong>rebaixamento da superfície.Figura 2 Gerações <strong>de</strong> <strong>relevo</strong> <strong>na</strong> Europa Oci<strong>de</strong>ntal e Central1. Etchplanos terciários e etchplanos em patamares (supefícies relictuais);2 a. Altos terraços pliocênicos;2 b. Terraços amplos (Plioceno superior ao Pleistoceno inferior; 2.5 a 0.8 milhões <strong>de</strong> anos a.p.);3. Vales periglaciais estreitos (formação pronunciada <strong>de</strong> vales durante as fases frias <strong>do</strong> Pleistoceno);4. Fraca formação <strong>de</strong> vales no Holoceno116


Revista <strong>do</strong> <strong>Departamento</strong> <strong>de</strong> <strong>Geografia</strong>, 19 (2006) 111-118.Toda evidência indica que as antigas superfícies coroan<strong>do</strong>as montanhas das latitu<strong>de</strong>s médias foram formadas <strong>de</strong> formasimilar durante o Terciário. Nós a chamamos <strong>de</strong> primeira geração<strong>de</strong> <strong>relevo</strong>. Ela é efetivamente bem preservada nos pla<strong>na</strong>ltos daFrancônia (Franke<strong>na</strong>lb) ou <strong>na</strong> Normandia (fig. 2, nº 1). Em áreas<strong>de</strong> soerguimento ape<strong>na</strong>s mo<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> e distante <strong>do</strong>s rios principaisnão há nenhum <strong>relevo</strong> intermediário entre ela e os valesesculpi<strong>do</strong>s <strong>na</strong>s fases periglaciais <strong>do</strong> Pleistoceno. Nestas áreasformações antigas contínuas operaram até o Plioceno Médio. Emáreas on<strong>de</strong> blocos foram rapidamente soergui<strong>do</strong>s <strong>na</strong> borda <strong>de</strong> riosprincipais (como o Reno e o Danúbio) ou em <strong>de</strong>pressões, umsistema intermediário <strong>de</strong> faixas estreitas <strong>de</strong> superfícies pla<strong>na</strong>s foicria<strong>do</strong>, o qual nós chamamos <strong>de</strong> segunda geração <strong>do</strong> <strong>relevo</strong> (fig.2, nº 2). Ocasio<strong>na</strong>lmente, um sistema mais antigo e outro maisrecente po<strong>de</strong>m ser distingui<strong>do</strong>s (2a e 2b). A ida<strong>de</strong> e a <strong>na</strong>tureza dasubgeração mais antiga (2a) é ainda objeto <strong>de</strong> investigação. Háum pouco mais <strong>de</strong> informação sobre a geração 2b. Sempre on<strong>de</strong>ela tem podi<strong>do</strong> ser datada ela pertence ao Plioceno Fi<strong>na</strong>l(Villafranca) ou Pleistoceno Inicial (<strong>do</strong> estágio frio Pré-Tegelen aoestágio quente Waal), isto é, a um tempo localiza<strong>do</strong>aproximadamente entre 2,5 e 0,8 milhões <strong>de</strong> anos A.P. Nestetempo os processos <strong>de</strong> formação <strong>de</strong> etchplanos estavam emoperação em nossas latitu<strong>de</strong>s, enquanto aqueles responsáveispela formação <strong>do</strong>s vales periglaciais ainda não estavamoperan<strong>do</strong>. As diferenças entre fases quentes e frias eram aindamo<strong>de</strong>radas; as fases frias não eram ainda frias o suficiente paraformação <strong>de</strong> glaciares e permafrost. De outro la<strong>do</strong>, as geadas jáforneciam, nos invernos, algum material grosseiro para os rios.Acima <strong>de</strong> tu<strong>do</strong>, todavia, havia prolonga<strong>do</strong>s perío<strong>do</strong>s secos,quan<strong>do</strong> ape<strong>na</strong>s uma vegetação <strong>de</strong> estepe podia sobreviver. Sobestas condições, amplos mas ainda pouco profun<strong>do</strong>s vales eramcorta<strong>do</strong>s nos etchplanos. Em seus cursos superiores estes riostransportavam pre<strong>do</strong>mi<strong>na</strong>ntemente o solo e a camadaintemperizada que era lavada das superfícies pla<strong>na</strong>s antigas.Relictos <strong>de</strong>stes <strong>de</strong>pósitos são ocasio<strong>na</strong>lmente encontra<strong>do</strong>s emamplos terraços, compostos <strong>de</strong> <strong>de</strong>tritos subangulares irregularmentedistribuí<strong>do</strong>s em uma matriz caolinítica (Wälzschutt), que,no conjunto, guarda algumas semelhanças com <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong>corrida <strong>de</strong> lama.Ao re<strong>do</strong>r das montanhas estes amplos terraços freqüentementepassam para amplos pedimentos e superfícies <strong>de</strong> glaciscobertos com camadas <strong>de</strong> <strong>de</strong>tritos similares em transporte. Bonsexemplos são encontra<strong>do</strong>s ao longo <strong>do</strong> arco interior e auréolaexter<strong>na</strong> <strong>do</strong>s Cárpatos. Formas comparáveis são encontradas hojenos atuais <strong>de</strong>sertos com invernos frios.Este foi um conciso sumário para as quatro maioresgerações <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> <strong>relevo</strong> das latitu<strong>de</strong>s médias, comopo<strong>de</strong>mos interpretar com base nos conhecimentos atuais dageomorfologia <strong>clima</strong>togenética. O trabalho sobre esse tema estálonge <strong>de</strong> estar completo. Mas é evi<strong>de</strong>nte que a abordagemgenética é o único caminho pelo qual todas as fases <strong>do</strong><strong>de</strong>senvolvimento em direção às formas <strong>de</strong> <strong>relevo</strong> visíveis hojepo<strong>de</strong>m ser explicadas.A <strong>na</strong>tureza das fases individuais, todavia, ape<strong>na</strong>s po<strong>de</strong>ráser entendida quan<strong>do</strong> as zo<strong>na</strong>s climáticas forem investigadas eencontradas <strong>na</strong> Terra, <strong>na</strong>s quais processos análogos mo<strong>de</strong>lamformas similares, que po<strong>de</strong>rão ser estudadas <strong>de</strong>talhadamente. Aabordagem climática é, <strong>de</strong>sta forma, baseada <strong>na</strong> abordagem<strong>clima</strong>tomórfica, engloban<strong>do</strong> a Terra <strong>do</strong> Equa<strong>do</strong>r ao Pólo. Ape<strong>na</strong>sa união <strong>de</strong> ambas colocará a geomorfologia em nível a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong>com as outras ciências da <strong>na</strong>tureza, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>nte <strong>de</strong> seusobjetivos e méto<strong>do</strong>s.117

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