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As mulheres e a democracia - Centro Ruth Cardoso

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<strong>As</strong> <strong>mulheres</strong> e a <strong>democracia</strong><strong>Ruth</strong> <strong>Cardoso</strong>O tema que me foi proposto para esta conferência é bastante difícil:mulher e <strong>democracia</strong>. A questão é como fazer a ligação entre duas coisas quedamos como pacificamente relacionadas. Que a relação existe todos nósaceitam os, mas saber qual é a relação constitui um problema muitocomplicado, que certamente não vou resolver hoje - mas vou caminhar poralgumas pistas que permitem pensar melhor essa relação.Quando digo que ninguém duvida dessa relação entre mulher e<strong>democracia</strong>, há várias razões para que exista esse suposto consenso: aprimeira delas é que a luta das <strong>mulheres</strong>, o movimento de <strong>mulheres</strong>, nasce deuma luta pela libertação e faz parte dos movimentos libertários dos anos 60; éfruto direto de 1968, de tudo o que significou como data simbólica - é um poucoo espírito da revolução estudantil, embora nos Estados Unidos tenha se dadode outra maneira. São anos em que a questão da libertação, da discriminaçãoaparece como tema político, e é nesse contexto que a luta das <strong>mulheres</strong>também emerge, que as <strong>mulheres</strong>, como presença política, se manifestam.Sem dúvida, a ideia de que é uma luta contra a repressão e adiscriminação faz dela uma luta que se qualifica por ser democrática. Mas essarelação muitas vezes obscurece alguns lados desses movimentos, trazendouma série de complicadores. Essa questão de ser uma luta contra a chamadarepressão, não a repressão política, mas a dos costumes, no nível do privado,trouxe também muita confusão não só para o movimento de <strong>mulheres</strong>, maspara os demais movimentos libertários. Com bastante freqüência e muitorapidamente, associou-se a ideia do autoritarismo nas relações pessoais aoautoritarismo de Estado, e tudo muito cinzento, sem muita explicitação. E talvezporque tornou-se cinzento, também ficou aceita a relação entre uma maiordemocratização e a luta contra a discriminação.Além disso, essa luta estava baseada em uma ideia de igualdade, emconquistar uma nova igualdade: a igualdade entre os sexos, que era formal,mas não real. Então, mais um elemento para que evidentemente se assimileesse movimento como algo que tem a ver com a <strong>democracia</strong>, que está inseridoem uma luta maior, a luta democrática. E exatamente por pretender umaigualdade real, que busca alterar relações desiguais, essa luta tambémaparece como uma extensão da <strong>democracia</strong>. Insere-se bem no caminho dasconquistas democráticas, dos direitos civis, da extensão da cidadania, querdizer, estávamos lutando (ainda estamos, porque até agora não aconquistamos) por uma cidadania real, para que essa igualdade, ou seja, essesdireitos que possam ser reconhecidos legalmente sejam direitos reaisestendidos a toda uma população, daí parecer como uma extensão dacidadania e ter também esse caráter democrático.


Junto com essa extensão da cidadania vem uma renovação dos temaspolíticos, na medida em que traz assuntos que eram do privado para a esferada política.Essas são as características principais que são lembradas, no nível dosenso comum, quando se fala do movimento de <strong>mulheres</strong>; e é preciso que seligue logo com o processo de democratização da sociedade e, às vezes,também com o processo de democratização do sistema político.Mas, mais que isso, esses movimentos também se inserem, junto comtodos os outros, em um caminho muito específico de anos complicados, osanos 60 e começo dos 70, em que os movimentos sociais apareceram comoformas libertárias, formas espontâneas, que representavam um novo vigor nasociedade, que traziam, portanto, sujeitos políticos novos para atuar através daconquista da nova cidadania. Isso quer dizer que temos novos sujeitos, e as<strong>mulheres</strong> são justamente um novo sujeito que se opõe, estão criando formasde atuação política distintas daquelas que o sistema político tradicionaloferecia, diferentemente dos partidos, dos sindicatos ou de outras formasassociativas reconhecidas, institucionalizadas e tradicionais. Tudo isso emnome dessa espontaneidade e vigor dos movimentos sociais.Os partidos, os sindicatos, todos os modelos institucionais apareciamcomo formas manipuladoras, como formas rotineiras de fazer política, comoaquilo que se repete como o que já existe, e existe para manipular, de certamaneira, para não permitir a representação real dos interesses. Os movimentossociais figuravam como expressão espontânea daquilo que era direito e desejoao nível político. Evidentemente, com essas características tão positivas, taismovimentos estão, para nós, indissoluvelmente ligados à idéia de umademocratização da sociedade e, freqüentemente, também de umademocratização do sistema político.Chega-se assim a um ponto complicado pois, como já disse, todosaceitam que mulher e <strong>democracia</strong> estão juntas, o difícil é saber realmente quala relação que existe entre elas, qual é efetivamente a relação que existe entreas lutas das <strong>mulheres</strong> e um processo de democratização tanto na sociedadequanto do Estado e do sistema político.É evidente que esses movimentos na sua diversidade com suas idas evindas, criaram algumas coisas novas. Criaram, certamente, formas novas depressão sobre o Estado. Ao lado de outros o movimento de <strong>mulheres</strong>estabeleceu formas diferentes de pressionar o Estado, e talvez essa seja arazão pela qual todos eles são vistos como alternativas, como caminhosparalelos aos partidos. Na verdade, conseguiram alguma eficácia nisso, masnão constituíram um canal político; não criaram, realmente, uma relaçãodefinida de reivindicação e de atuação sobre o Estado.Digo que formaram grupos de pressão porque conhecemos, nomovimento feminista, uma longa discussão (a mais bonita delas feita por Sheila


Rowbotham 1 ) sobre a dupla militância. O tema aparece como resultado daangústia de não saber o que fazer com essas formas de pressão que as<strong>mulheres</strong> descobriram junto com outros movimentos. Como juntá-Ias com oscanais institucionalizados de fazer política?Essa combinação difícil é um problema que permanece, desde ocomeço do movimento feminista até hoje. Não é exclusividade dessemovimento. Aqui é importante lembrar que, na verdade, essas pressõesconseguiram efetivamente alguma eficácia.Talvez no Brasil não tenhamos tido tanto sucesso na conquista demodificações legais, institucionais ou políticas. Porém, em outros países,certamente, ela foi bastante feliz ao eleger a comunicação direta com o Estado,através das agências encarregadas da formulação de políticas. É nessecaminho que atuam os movimentos sociais. Eles mantêm um dialogo diretocom as agências públicas e se fazem reconhecer por elas. Certamente, o que omovimento feminista fez e conseguiu, e até aqui conseguimos em parte, foi alegitimação das <strong>mulheres</strong> como categoria a ser atendida, a ser reconhecidacomo tal. Em grande parte, esse reconhecimento é discursivo, ele não éefetivo, mas não tem tanta importância. Sempre se começa assim, e dodiscurso se tem que passar à prática porque o discurso também trazimplicações práticas.Dirigindo-se ao Estado, os movimentos sociais ficam freqüentementelaterais ou paralelos à atuação dos partidos e dos sindicatos; e mantêm comcuidado essa separação defendendo sua autonomia.Por que permanecem separados? Parece importante notar que háuma lógica diferente na própria organização dos movimentos sociais, que lhesé própria, que é de fato a base fundamental que une esse conjunto demovimentos tão disparatados, às vezes até contraditórios, que não raro lutampor objetivos competitivos uns em relação aos outros. Muito freqüentemente, aluta do movimento negro é contraditória com a das <strong>mulheres</strong>, que, por sua vez,pode ser contraditória também com outras lutas que estejam em curso nasociedade.A base comum para falarmos dos movimentos sociais parece-nos sera forma de atuação, a forma de mobilização das pessoas. Em todos essesmovimentos modernos, contemporâneos, temos fundamentalmente uma ideiade que a política se faz através da experiência, e que a experiência éintransferível e é o que qualifica as pessoas como agentes políticos.O movimento de <strong>mulheres</strong> é de <strong>mulheres</strong>, podemos ter homens que oapóiam, mas sua própria natureza vem de uma experiência de discriminaçãoque supostamente (não sei se concordo totalmente com isso, mas esse é odiscurso do movimento) só pode ser vivida e conhecida pelas <strong>mulheres</strong>. Omovimento dos negros é dos negros, os brancos podem apoiá-lo, mas, dequalquer maneira, eles serão sempre um segundo time, serão sempre os1 ROWBOTHAM, Sheila et al. Além dos fragmentos: o feminismo e a construção do socialismo. SãoPaulo: Brasíliense. 1981. 240 p.


eservas na luta, porque, por mais que tenham uma relação positiva com oreconhecimento da discriminação racial, eles nunca a viveram.Há necessidade de se passar por uma experiência vivida, e é isso queconstrói essa categoria que então se apresenta como política, comoreivindicadora de direitos diante do Estado e do sistema político. Não é à toaque todos esses movimentos passam, no caso das <strong>mulheres</strong>, por grupos dereflexão, no caso dos negros, por coisas muito parecidas com tais grupos àsvoltas, inclusive, com comunidades tradicionais etc., como recuperação de umaexperiência que é que e vivida de modo fragmentado dentro da sociedade emfunção da discriminação e que só pode ser mais ordenada e construída deforma mais global através dessa convivência específica que os movimentoscostumam chamar de comunidade. E isso que aproxima esses movimentosque estou chamando de libertários dos movimentos populares, porque nestes,nas reivindicações nos bairros, nos grupos que vão reivindicar água, creches,escolas, seus direitos também conhecidos como movimentos urbanos,igualmente vemos a construção de um sujeito através de mecanismos muitosemelhantes.Evidentemente há diferenças, porque, se para as <strong>mulheres</strong> ou mesmopara os negros existe realmente uma experiência de discriminação vivida emcomum e que pode, inclusive, atravessar as classes, para uma populaçãopobre essa experiência não existe de forma igualitária, talvez haja maisdistinções no modo de vida de pessoas que vivem em um bairro pobre, queparticipam de um grupo reivindicativo, de uma comunidade da igreja, ou dequalquer coisa organizada do ponto de vista local; talvez, nesse caso, existammais distinções do que contatos, porque realmente existem certos elementosde discriminação sexual que aparecem em todos os contextos.Quando pensamos em um bairro de periferia, freqüentemente temosnuma comunidade da igreja, sentados lado a lado, o dono de um pequenonegócio, um vendedor ambulante e um servente de pedreiro da construçãocivil, onde, portanto, as diferenças, inclusive como estilo e experiência, sãobastante diversificadas. No entanto, não estou querendo mostrar essa pequenaheterogeneidade, nesses grupos populares, como sendo de classe, mas queroapontar que a experiência cotidiana é uma experiência, entre eles, diferente, eé esse tipo de experiência que esses movimentos sociais trabalham erecolhem.Apesar de ser um pouco diferenciada, essa experiência cotidiana temem comum, evidentemente, uma série de carências, basicamente faltas, isto é,falta água, escola, luz etc. Mas tudo isso falta diferentemente, porque quemtem um nível de vida um pouco melhor pode tentar resolver os problemastambém por vias individuais. Contudo, nos nossos países, especialmente naAmérica Latina (mas também não sei se é muito particular da América Latina),assistimos a um momento político em que houve a construção de um discursoque unificou essa experiência e encontrou um ponto de unificação dessaheterogeneidade: é o discurso da pobreza.


Ao fazer a opção pelos pobres, a Igreja começou a construir umdiscurso que é unificador e que, ao mesmo tempo, se refere a uma experiênciareal a uma experiência vivida. E, se ela não recolhe realmente da própriaexperiência dos próprios grupos de reflexão, como fazem as <strong>mulheres</strong>pensando sobre era, sua biografia, ela constrói um laço de união através desseelemento discursivo.Ao me referir a tal elemento discursivo, não quero dizer que ele nãotem nada a ver com a realidade; ao contrário, não só tem a ver com arealidade, como é elemento criador de uma prática que também constrói essarealidade. E é a isso que assistimos: um laço que é criado discursivamente e écapaz de gerar uma prática coletiva. Então, não se trata de um discursopairando no ar, mas, sim, um discurso que fundamenta e que instaura umaprática coletiva.É por isso que vemos essa movimentação, muitas vezes exagerada,mas sem dúvida importante, em termos numéricos, quando se fala do assuntono Brasil. Não importa se são milhões de pessoas que estão mobilizadasatravés de seus locais de moradia, em associações de moradores, emcomunidades da Igreja, ou em grupos que lutam por um posto de saúde. Onúmero de pessoas que estão engajadas nisso não é tão importante, o queinteressa é que efetivamente trata-se de um fenômeno novo, e novo nessesentido, inclusive na criação de laços que unem grupos diferentes e fazemdeles novos atores no diálogo com o Estado, que se refez e se renovou.Só que se renovou novamente de um modo direto. Cada vez mais, oque assistimos com toda essa mobilização é também resultado de umamudança grande da própria sociedade e, especialmente, da atuação dos meiosde comunicação, que são, na verdade, o grande elo de tudo isso. <strong>As</strong>sistimosainda a um modo diferente de apresentar reivindicações que, pelo menos noBrasil, é bastante recente. O sistema político representativo tradicional não émais o caminho dessas reivindicações. De um modo bem geral, são asagências públicas, porque são realmente elas, inclusive no seu sentidoterminal, como órgãos terminais do governo (a administração regional, aPrefeitura, o setor regional da Secretaria da Saúde, a empresa que cuida daágua ou do saneamento etc.), que estabelecem o diálogo com essa população;e esse diálogo passa cada vez menos pelo sistema político representativo.Creio que todos, mesmo os mais jovens, ainda se lembram do tempoem que no Brasil ainda se procurava carta de deputado para fazer essascoisas: quando se queria água numa rua, o caminho imediato era pedir umacarta de deputado ou de vereador que mais ou menos acompanhava o caso e,dependendo do prestígio do padrinho, as coisas andavam mais depressa oumais devagar.É evidente que houve também uma transformação do aparelho deEstado que o papel do planejamento é muito grande e que, hoje, não se podemais com uma "cartinha" de um deputado, mudar o caminho de uma adutoraque vai trazer água.


Sempre que existe qualquer tipo de organização social, os partidospolíticos estabelecem com ela uma relação muito mais do que inversa. Eles éque passam a ser os despachantes dos movimentos sociais, que, mais oumenos, são os introdutores, aqueles que marcam a conversa com o prefeito,que aparecem, que facilitam a comunicação etc. Isso não quer dizer quetenham perdido o sentido, mas que o sentido mudou, que também o papel queo sistema representativo parlamentar tem na sociedade mudou, porque oaparelho de Estado mudou.Mas, enfim, não é esse o nosso tema, não vamos caminhar muito poraí. Eu só queria mostrar que esses dois sistemas que ficam paralelos, ospartidos e os movimentos sociais, têm razões de ficar paralelos, porque elestêm lógicas diferentes de funcionamento.Se a lógica para participar de um partido é a do reconhecimento dosindivíduos enquanto tal, todos nós, quando participamos de partidos,participamos como indivíduos, aderimos a um programa, trabalhamos emfunção de certas ideias-chave que mobilizam determinado setor da sociedade etemos uma visão sobre elas. Quer dizer, esse programa nos dá uma visão doque é ou deveria ser o Estado e sua relação com a sociedade.Dentro dos movimentos sociais não é isso o que acontece: ninguém éindivíduo, todos são pessoas. Os indivíduos nos movimentos sociais sãopessoas integrais: são donas de casa, pedreiros, cada um é morador de umlugar. Existe, pois, uma trama local que está sempre presente e que faz comque as pessoas assumam identidades próprias ao estarem ali. Mas taisidentidades não são totalmente divergentes, elas constroem a ideia de umacomunidade. Quando eu dizia que o discurso constrói um laço específico,referia-me à construção da ideia de uma comunidade. Certamente acomunidade, a palavra talvez mais usada hoje, não existe, é realmente umaficção.Sendo assim, não podemos pensar em comunidade, pelo menos talcomo costumamos defini-Ia, mas, sim, que existe a criação deinterpessoalidade, de experiência comum, de troca de informações, de um laçoparticular que é a base de todos esses movimentos e que se manifesta,evidentemente, de maneiras muito diversas, como, por exemplo, no movimentofeminista ou no movimento de bairro, mas que está ali presente.Estou tentando com isso mostrar que, do meu ponto de vista, é difícilestabelecer tanto uma semelhança quanto uma distinção muito grandes entreos diferentes movimentos sociais. Sei que, em geral, a literatura que lida com otema, pelo menos na América Latina, procura pontuar essa diferença radical: omovimento de classe média e o de classe popular - é sempre assim que seouve falar desses movimentos e, com isso, se estabelece uma separação. Nãosei que medida de separação é útil, uma vez que ela me remete sempre à ideiade que o papel político desses movimentos e a sua lógica de ação estariamligados a uma lógica de classes mal explicada. Pode até ser que seja verdade,que esteja ligada a uma lógica de classes, mas é preciso ser um pouco maisrigoroso, um pouco menos metafórico, e não se limitar a falar em classes


populares e classes médias. Essas são exatamente as duas designações maisabstratas com as quais se pode referir à questão, de modo que sempre ficoapreensiva quando se faz essa diferença, pois, ao fazê-Ia, se está exatamentetentando não pensar no problema de classe, mas excluí-lo ou incluí-lo nadiscussão de uma maneira absolutamente imprecisa.Conforme dizia, tomando o local como a base da mobilização, que é oque acontece com esses movimentos, é muito difícil falarmos em alguma coisaequivalente à classe popular e que faça sentido. Então, acredito que essasdistinções só atrapalham e, por essa razão, nos dificultam pensar nasinterseções que existem entre coisas tão diferentes como os movimentospopulares e os movimentos libertários. Eles são, sim, diferentes; não estou aquitentando reduzi-los à mesma coisa, porque seria realmente um trabalho inútil.Mas, ao contrário, tento pensar as diferenças porque, através delas, pensamostambém as semelhanças. E vemos que esse mecanismo envolve a criação dacomunidade, a ação em termos pessoais e um elemento mais que é a criaçãodo consenso. A ideia de comunidade já supõe um consenso, e a ação dessesmovimentos está sempre baseada na criação de um consenso. O que não querdizer que o consenso exista, ele tem que ser criado para que a ação sejapossível.Com essa introdução relativamente longa, queria apenas mostrar-lhescomo vejo essa questão dos movimentos sociais, para poder entrar um pouco,sem me demorar muito, nas discussões sobre mulher e <strong>democracia</strong>. Acho quetemos obrigação de pensar mais concretamente na nossa situação, que agoraé bastante difícil, considerando que as <strong>mulheres</strong> têm de encontrar também umespaço de representação de seus interesses.Com as ideias apresentadas a respeito dos movimentos sociais, queroentão refletir sobre a realidade brasileira. Acho que posso falar mais ou menossobre os últimos dez anos da grande mobilização de <strong>mulheres</strong>, fazendoreferência tanto ao movimento feminista como ao movimento de base, porque,quando pensamos em mobilização de <strong>mulheres</strong> num país como o Brasil, temosque pensar esses dois lados. Quer dizer, elas estão presentes tanto nomovimento feminista, levando-o adiante, como também majoritária eesmagadoramente nos movimentos ditos populares, nos movimentos de base.Então, essa é uma realidade que tem que ser pensada.Os movimentos populares são sempre vistos e, às vezes, chamadosde movimentos femininos porque eles mesmos não querem se identificar comofeministas - e, freqüentemente, as feministas tampouco querem identificá-loscomo movimentos feministas. Isso se verifica uma vez que eles não aderemimediatamente nem ao nome nem às teses feministas, nem sequer às tesesbásicas do movimento feminista. Por outro lado, por mais superficial que sejanossa observação das coisas que acontecem debaixo de nosso nariz, vemosque essas <strong>mulheres</strong> mobilizadas nesses movimentos populares são <strong>mulheres</strong>que ganharam uma relativa independência e que começaram a participarefetivamente de temas políticos e ter uma nova visão. São <strong>mulheres</strong>diferenciadas, digamos. Não correspondem à maioria das <strong>mulheres</strong> dasclasses populares. Aqui mesmo, neste seminário, tive oportunidade de ouvir a


fala de uma senhora presidente de um clube de mães, o que nos dá a medidadessa famosa distinção entre feminino e feminista e também da presença das<strong>mulheres</strong> em movimentos bastante diferenciados. Existe, pois, um fenômenoque é justamente esse da grande participação das <strong>mulheres</strong> em coisas muitodiferenciadas. <strong>As</strong>sim, falar em movimento de <strong>mulheres</strong> no Brasil é meioconstrangedor, porque tanto há <strong>mulheres</strong> feministas que organizam seusgrupos e fazem trabalhos inclusive de classes populares, como essa estranhapresença de <strong>mulheres</strong> de classes populares em outros tipos de movimentos,que têm as suas semelhanças, mas também suas diferenças bem claras. Esseproblema tem atrapalhado bastante as pessoas que escrevem sobre o tema eque não sabem muito bem o que fazer com os movimentos de custo de vida,movimentos de creche, movimentos por escolas, que mobilizam quase queexclusivamente <strong>mulheres</strong>, ou ainda os clubes de mães, as comunidades daIgreja, que, na verdade, têm um traço diferente dos movimentos ditos demulher para as <strong>mulheres</strong>, que refletem sobre a experiência feminina.Há uma autora, uma moça cubana, que vive nos Estados Unidos erealizou um trabalho aqui no Brasil, Sonia Alvarez', que inventou, dentro dessedebate, um nome que eu acho muito interessante: a maternidade militante,porque reúne todos os movimentos dos quais as <strong>mulheres</strong> participam comomães e exploram esse papel, ou seja, é em nome desse seu papel de mãesque elas se apresentam como reivindicadoras e organizam gruposreivindicantes, Há outro movimento que poderia caber muito bem nessamesma caracterização: é o movimento pela anistia. Foi também um movimentode <strong>mulheres</strong>, que explorou o papel de mãe ou de esposa, mas de maneiradiferente. Também parece claro que se vê uma diferença entre o movimento deanistia e esses outros movimentos, ainda que todos pudessem ser chamadosde maternidade militante.Vamos tentar cercar um pouco essa diferença e suas conseqüências.Acho que a utilização dessa condição de maternidade foi importante porque, naverdade, abriu as portas de um espaço político que antes era inexistente, tantopara o movimento da anistia como para os movimentos de bairro, e certamenteessas <strong>mulheres</strong> passaram por uma modificação.Por isso fiz essa longa introdução a respeito do modo defuncionamento dos movimentos sociais, porque também esses movimentos debairro, quando vão reivindicar creche ou quando de repente se unem numúnico movimento de creche bastante forte, como ocorreu em São Paulo em1981-1982 (mesmo decaindo depois), representam claramente a abertura deum novo espaço político, até então inexistente, e o seu reconhecimento. Querdizer, essas <strong>mulheres</strong> que reivindicaram creche, que eram <strong>mulheres</strong> daperiferia de São Paulo, encontraram uma resposta no Estado - uma respostadesastrosa na medida em que as creches que foram construídas na cidade deSão Paulo são um desastre absoluto. Foi uma resposta errada, não era aesperada pelo movimento de creche, o que inclusive causou um problemamuito sério de redefinição desse movimento que até agora não encontrou seunovo caminho mas certamente foi o reconhecimento de um novo direito, de umnovo espaço de luta. Na cidade de São Paulo havia três creches públicas até1980, e quando terminou o primeiro governo de Reinaldo de Barros, do Partido


Democrático Social (PDS), momento em que esse movimento teve grandeforça, havia apenas 160 das 300 creches que ele havia prometido. Agora,como resposta a essa pressão, se entrega praticamente uma creche porsemana. Portanto seria realmente não enxergar as coisas se não víssemos queesse é um espaço novo de reivindicação, até então inexistente, que foiconstruído em nome das <strong>mulheres</strong> e pelas <strong>mulheres</strong> como mães, como<strong>mulheres</strong> que lutam pelo direito de trabalhar fora etc., e que de fato teve umreconhecimento.Dei esse exemplo de propósito porque quero mostrar que, quando digoque há o reconhecimento desse espaço, não significa que a reivindicação sejaatendida. Acabei de pontuar que essas creches são um desastre, e querealmente era melhor que nem tivessem sido construídas, porque a resposta aelas, na medida em que houve um atendimento, tornou-se uma colaboraçãopolítica mais complicada. Mas, de qualquer maneira, é uma demonstração deque há um relacionamento direto que, independentemente do término comovitória ou derrota, pressupõe o reconhecimento de uma nova categoria deproblemas e também de uma nova categoria reivindicante, que são as<strong>mulheres</strong> que lutam por creches.Tentando seguir ainda na comparação desses dois tipos demovimentos - poderíamos citar outros exemplos, mas, para ficar mais breve,vamos tomar o movimento de anistia e os movimentos de bairro liderados por<strong>mulheres</strong> -, qual seria a diferença entre os dois casos?O movimento por creches, por escola, por água etc. é um tipo demobilização que, de toda maneira, está lidando com uma questão que dizrespeito à mulher. Por exemplo, quando se faz a demanda por creche, secoloca a questão do trabalho e da mulher. É curioso inclusive que, nos váriosgrupos que pesquisei junto ao movimento de creche em São Paulo, as<strong>mulheres</strong> mobilizadas não trabalhavam fora de casa e alegavam que a crecheera para aquelas que trabalhavam fora. Esse era, aliás, um critério prioritário naescolha das crianças que seriam atendidas pela creche. Essas <strong>mulheres</strong>estavam, então, lutando por um direito que necessariamente não seria utilizadopor elas, mas por outras. O que isso nos faz pensar? Que elas são bemintencionadase realmente querem resolver o problema do menor abandonadoetc.? Também, mas, para chegar a esse ponto, passa-se por uma discussãointeressante, que se refere à legitimidade do trabalho da mulher. Lutar porcreches significa superar duas barreiras do papel tradicional de mãe.Reconhecendo, primeiro, que é legítimo a mulher trabalhar fora de casa aindaque seja mãe e, portanto, que ela tem direito que o Estado dê um equipamentoque permita o cuidado das crianças. Depois, que é legítimo que não seja a mãeque cuide das crianças, e esse me parece inclusive o ponto mais importante.Até pouco tempo a discussão sobre as creches passava por outrocaminho: se era ou não legítimo e/ou desejável que as mães abandonassemseus filhos e fossem trabalhar fora. De repente, com as donas de casamobilizadas, indo reivindicar creches, podemos ver que elas mesmas passam adar legitimação para que o cuidado das crianças seja feito de outro modo, queseja um encargo público e não materno. Essas coisas não se fazem sem


mudanças importantes na prática e na ideologia das <strong>mulheres</strong>, nem de um diapara o outro, tampouco são movidas apenas pela necessidade.Aí está outro elemento importante a ser colocado: a explicação daexistência desses movimentos sociais exclusivamente pela necessidadecrescente, ou pela carência crescente, da periferia das grandes cidades pareceum pouco capenga. Não que isso não tenha sentido; realmente não sereivindica algo de que não se necessite. A necessidade tem que ser umelemento fundamental da reivindicação, mas ela sozinha não a explica, porque,de certa maneira, sempre se necessitou de creches, escolas etc. Enfim, todasas reivindicações que estão aí, água, esgoto etc., não existiam nas cidadesbrasileiras há alguns anos e ainda não existem em muitos lugares. Portanto, oproblema é explicar como se criou o espaço dessa reivindicação e como elaconsegue realmente mobilizar um grande número de pessoas. Esse é que é ofenômeno novo, não é a necessidade que é nova. Ela pode até ter seagravado, mas não é nova. O fenômeno político é que é novo. E aí me pareceque não entenderemos a criação desse espaço se não recuperarmos ocaminho pelo qual o movimento social mobiliza as pessoas.Essas <strong>mulheres</strong> reivindicadoras de creches vêm, em grande número,de clubes de mães (ou de outro tipo de associação similar) nos quais a troca deexperiência, o discurso da igualdade, a criação de consenso, enfim, a criaçãoda ideia de uma prática política coletiva que é patrimônio de todos e que só sefaz por consenso é caudatária desse tipo de mobilização. São exatamente osclubes de mães que fazem isso com as <strong>mulheres</strong> da periferia. Há, portanto,uma mudança que não é mera conscientização, porque não se dá só atravésda consciência. É precisamente através de uma mobilização que altera a vidacotidiana dessas <strong>mulheres</strong> que se abre a possibilidade da redefinição de temastão tradicionais e tão complicados como este relativo ao cuidado das crianças,desde a aceitação de que as crianças podem ser bem cuidadas numa crecheaté chegar à posição de que é dever do Estado cuidar das crianças. Dessemodo, se não se retira, ao menos alivia-se o papel da mãe, deixando-lhe umpapel que é de alguma maneira complementar, ainda que fundamental, emrelação a esse do Estado.O que estou querendo mostrar é que esses movimentos, dos quaistomei como exemplo o movimento de creches, passam pela colocação dequestões que dizem respeito ao gênero, à categoria mulher, ao gênerofeminino. Eles lidam com essas questões não de forma direta, não em funçãode uma ideologia feminista na sua totalidade, na sua globalidade, mas lidamporque têm esse processo da comunidade, das discussões em conjunto, dacriação de consensos, que é uma discussão política, e estabelecem, assim, ascondições para essas reelaborações que estão na base da atuação das<strong>mulheres</strong>. Curiosamente essas <strong>mulheres</strong> começam a discutir uma série dequestões. Eu diria que as mais importantes são aquelas diretamente ligadas aocotidiano delas. <strong>As</strong> creches são as mais renovadoras; e a questão doplanejamento familiar, que também é importante, que entra inclusive nasdiscussões dos grupos da Igreja. Por quê? Porque, na medida em que seidentificam com uma condição feminina, as <strong>mulheres</strong> começam a ternecessidade de discutir essas questões, que são específicas da sua condição


1982, para acompanhar a época da campanha eleitoral em vários bairros dacidade, esse aspecto era absolutamente claro. Em todos os bairros queobservei, os grupos de <strong>mulheres</strong> não se engajaram nas campanhas políticas.Havia grupos, alguns ligados à Igreja, outros que tenham começado na Igrejae, depois, se separado - também há muito dessa dinâmica do isolamento daIgreja -, porém, com relação aos partidos, observava-se que continuavam a serconsiderados coisa de homem. Elas diziam isso sentiam isso e não sentiamnenhuma atração pela política partidária. Pelo contrário, existe grande rejeiçãopor aquilo que se pode chamar propriamente de política partidária.Então era nesse sentido que eu afirmava que tais movimentos andamparalelos. Eles são paralelos em certo sentido. É claro que há conexões, e queas <strong>mulheres</strong> votam, às vezes fazem campanhas por outras <strong>mulheres</strong>, seengajam de alguma maneira, mas não partidariamente. Engajam-se emcandidaturas, em determinados momentos, são eleitoras, discutem política,mas o mecanismo de sua participação é diferente. A lógica que as leva aparticipar é diferente.Penso que esse aspecto já coloca um problema importante para serefletir, de qualquer maneira o nosso tema é mulher e <strong>democracia</strong>. Então,poderíamos ficar satisfeitas dizendo, como já se disse muitas vezes naapologia dos movimentos sociais, que essa participação das <strong>mulheres</strong> nessesmovimentos é, em si mesma, uma nova participação política, que traz as<strong>mulheres</strong> para o cenário político, e que, inclusive, esse isolamento se dá maisna medida em que preserva as <strong>mulheres</strong> das famosas manipulaçõespartidárias. Agora, por outro lado, estamos vivendo momentos de novasinstitucionalizações. Estamos pensando, inclusive, numa Constituinte para estepaís. Esses direitos das <strong>mulheres</strong>, essa nova cabeça das <strong>mulheres</strong> quelegitimou determinados direitos, que incluem reivindicações específicas comrelação à condição feminina, como aquelas que mostrei, têm que se fazer (equerer se fazer) presentes, pois, de toda maneira, é óbvio que existe certaclareza de que o limite dessa participação é conseguir institucionalmente que opoder público incorpore essas reivindicações femininas. Ou seja, que o poderpúblico tenha políticas para as <strong>mulheres</strong>: uma política de creche, deplanejamento familiar, de saúde, de educação e assim por diante.Essa renovação trouxe já essas questões como temas legítimos dosistema político, mas é como se faltasse o elo entre eles; então, parece que ogancho é mais fácil quando pensamos em movimentos como o da anistia, emais difícil quando consideramos movimentos do tipo dos movimentospopulares urbanos. Temos que refletir muito a esse respeito, porque, inclusive,estamos diante de uma situação nova que é a de uma nova institucionalização,em que essas questões todas têm que ter vez e expressão. E, para ter vez épreciso que se estabeleça uma conexão com o sistema partidário, com osistema político em geral. Falo do sistema partidário porque é o mais óbvio enesse sentido talvez minha visão seja um pouco pessimista, ao considerar quetemos <strong>mulheres</strong> que, partindo de um movimento social, se tornaram <strong>mulheres</strong>políticas, no que tange à participação partidária, porém não foram as quetrouxeram para a arena as questões da mulher, as questões específicas de


gênero, e se incorporaram à política como indivíduos, como cidadãos, comoqualquer outra pessoa. E aquelas que renovaram em termos da questão degênero estão isoladas e afastadas da institucionalização política. Então, temosaí um problema para o qual não tenho nenhuma receita. Não pretendo darnenhuma solução, nem acho que qualquer reflexão, por mais cuidadosa queseja, tenha que trazer uma solução para esse problema. Penso que a soluçãoterá de surgir da tentativa por vários caminhos. O que podemos fazer énovamente uma reflexão acerca desses caminhos, procurando entender porque alguns dão certo e outros, não, ou ainda como essas questões foramrecolocadas. Tampouco imagino que, ao manejar um instrumento, umametodologia um pouco mais precisa, possamos realmente encontrar receitaspara resolver problemas, nem os mais simples, e muito menos um tãocomplicado quanto esse.E para finalizar, gostaria também de encaminhar não uma solução,mas apenas mais um problema. Ao mesmo tempo que pensamos nanecessidade de juntar esses dois campos, a participação nos partidos e aparticipação nos movimentos, percebemos que, por outro lado, há tambémuma enorme rejeição a isso, quer dizer, embora esse isolamento das <strong>mulheres</strong>não seja exatamente procurado, ele é, às vezes, desejado. Mas ele é tambémproduto de uma enorme dificuldade que têm os partidos de lidar com asquestões das <strong>mulheres</strong> e de reconhece-Ias como realmente atuantes napolítica. E aí, só para brincar um pouco com a minha formação antropológica,queria analisar brevemente o que significa, para nós, o papel do político.Muito curiosamente, a imagem do político - se formos buscar asignificação do que é o político no seu sentido positivo, não o político vistonegativamente como um manipulado r etc. - está associada a um papel queconta com várias características que são também femininas. Em geral, opolítico tem que ser um homem generoso, alguém que sabe escutar, que cuidada causa dos outros, que tem uma missão, que se sacrifica (nada mais usadonos discursos políticos do que as palavras sacrifício e missão), em suma: ospolíticos são aqueles que estão cumprindo alguma coisa para o bem dacoletividade. Quando se fazem entrevistas com <strong>mulheres</strong> da periferia dasgrandes cidades, todas elas, como, por exemplo, as donas de casa que estãono movimento de creche, lutando pelo direito de outras, sempre me dizem queé preciso que a gente se una para lutar pelo bem de todos, porque não é pelomeu problema, mas é pelo das outras que estou lutando. Repetindo o papeltradicional da mãe, essas <strong>mulheres</strong> também são portadoras de uma missãoque sempre é uma missão positiva; e o bom político também é um homem quenão tem grande agressividade, é um homem que compõe um consenso, lidacom o conflito, que sabe resolver conflitos. Se pensarmos bem, essas sãoqualidades que atribuímos às <strong>mulheres</strong>, embora elas nem sempre as tenham,mas costumamos atribuir todas essas qualidades às <strong>mulheres</strong>. Então, parecemeque essa simbologia que envolve o trabalho do político, de certa maneira, oaproxima tanto de um papel feminino que se torna necessário construirimediatamente uma enorme diferença. É preciso marcar esse como um espaçoclaramente masculino: primeiro para que ele não seja invadido pelas <strong>mulheres</strong>e, segundo, para que ele tenha realmente um prestígio e uma significaçãodiferentes do trabalho da mulher.


Então, quando faz política, a mulher está sempre relegada a um outroespaço. Ela faz a política feminina, pratica um pouco de assistencialismo, cuidada assistência social, encarrega-se, talvez, dos problemas da educação, e issojá é o bastante. Mas nunca se espera que ela possa fazer a grande política, anão ser que passe realmente por um processo de masculinização, ou seja, elaprecisa afirmar sua agressividade, tem que mostrar efetivamente seu poder dedominar, enfim, tem que exercer o papel de político com uma agressividadeque, aliás, é até indesejável nos homens, chegando muitas vezes a serdiscriminada por isso. Poderíamos dar vários exemplos de <strong>mulheres</strong> quetiveram um destaque na política, todas vistas desse modo; apesar de seremboas políticas, é um lado negativo que sobressai, como se elas exagerassemaquilo que é uma condição masculina. Trata-se, pois, de espaços que estão tãopróximos que é preciso marcar muito as diferenças. Embora um poucosuperficial, tudo o que eu disse serve, ao menos, para percebermos como anossa cultura elabora tanto a questão da participação na política quanto opapel do político, do político profissional, e que há realmente grande dificuldadepara as <strong>mulheres</strong> penetrarem nesse mundo.De qualquer maneira, o desafio está na nossa frente. Depois desseprocesso que procurei descrever, mostrando que o espaço das <strong>mulheres</strong> foi dealgum modo conquistado, fica evidente que o que falta é que esse espaço nãosó se transforme de fato no espaço legítimo da reivindicação direta ao Estado,mas também que se legitime enquanto espaço interno de participação das<strong>mulheres</strong> no sistema político. O discurso já está aí: na Comissão Constituinteque foi nomeada, temos pelo menos uma mulher, já é alguma concessão paraesse papel. É a Florisa Verucci, que foi nomeada para a ComissãoConstitucional, e, assim, o discurso político está, pouco a pouco, aceitandoessa participação. O desafio que está posto a todas nós, <strong>mulheres</strong>, éexatamente entrar nesse campo que é masculino levando nossas qualidadesfemininas, porque parece que eles estão tão próximos que realmente não deveser muito difícil, desde que logremos vencer essas barreiras da tradição.(Fonte: CARDOSO, <strong>Ruth</strong>. <strong>As</strong> <strong>mulheres</strong> e a <strong>democracia</strong>. Revista de Ciências Sociais, PortoAlegre, v.1, n.2, p. 287- 304.)

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