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Cametá- Acordos de pesca - Ministério do Meio Ambiente

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S é r i e S i s t e m at i z a ç ã o r e v i s t a I I j a n e i r o d e 2 0 0 6<strong>Cametá</strong><strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> - uma alternativaeconômica e organizacional


Presidência da RepúblicaPresi<strong>de</strong>nte: Luiz Inácio Lula da SilvaVice-presi<strong>de</strong>nte: José Alencar Gomes da Silva<strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>Ministra: Marina SilvaSecretaria <strong>de</strong> Coor<strong>de</strong>nação da AmazôniaSecretária: Muriel SaragoussiSecretaria <strong>de</strong> Políticas para o Desenvolvimento SustentávelSecretário: Gilney VianaDepartamento <strong>de</strong> Agroextrativismo e Desenvolvimento SustentávelDiretor: Jorg ZimmermannPrograma Piloto para Proteção das Florestas TropicaisCoor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>ra: Nazaré Soares


ExpedienteSubprograma Projetos Demonstrativos – PDASecretário-Técnico: Jorg ZimmermannSecretária-Técnica Adjunta: Anna Cecília CortinesEquipe Técnica: Alice Guimarães, Demóstenes <strong>de</strong>Moraes, Elmar Castro, Ida Pietricovsky <strong>de</strong> Oliveira,Isis Lustosa, Klinton Senra, Mauricio Barbosa Muniz,Odair Scatolini, Rodrigo Noleto, Silvana Bastos e ZaréBrum Soares. Estagiárias: Rafaela Silva <strong>de</strong> Carvalho eYandra Fontes BastosEquipe Financeira: Cláudia Alves, Luiz HenriqueMarciano e Nilson NogueiraEquipe Administrativa: Eduar<strong>do</strong> Ganzer, FranciscaKalidaza, Mariza Gontijo e Nei<strong>de</strong> CastroCooperação Técnica Alemã, GTZ: Denise Lima Pufal,Margot Gaebler e Monika GrossmannCooperação Financeira: República Fe<strong>de</strong>ral daAlemanha – KfW, União Européia – CEC, RainForest Trust Fund – RFT, Fun<strong>do</strong> Francês para o <strong>Meio</strong><strong>Ambiente</strong> Mundial – FFEMCooperação Técnica: Programa das NaçõesUnidas para o Desenvolvimento – PNUD, ProjetoBRA/03/009. Agência Alemã <strong>de</strong> CooperaçãoTécnica, Deutsche Gesellschaft für TechnischeZusammenarbeit (GTZ)Esta publicação foi realizada com a colaboração daCooperação Técnica Alemã - GTZAgente Financeiro: Banco <strong>do</strong> BrasilConsultoras: Elza Falchembach (Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ijuí),Ladjane Ramos e Maristela Bernar<strong>do</strong>Colônia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res Z-16 <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>As experiências nas localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Joroca <strong>de</strong> Baixoe Cuxipiari Carmo. <strong>Cametá</strong> - 2003Presi<strong>de</strong>nte: Iracy <strong>de</strong> Freitas NunesVice- presi<strong>de</strong>nte: Lúcio Ribeiro CoelhoSecretário: Ney Lobato GomesTesoureiro: José Maria Lopes <strong>de</strong> FreitasEquipe <strong>de</strong> SistematizaçãoJosé Domingos Fernan<strong>de</strong>s Barra, Adalberto PortilhoCosta, José Roberto Gomes Xavier, Lúcio RibeiroCoelho, Raimun<strong>do</strong> Xavier Pereira, Waldir SousaTrinda<strong>de</strong>Transcrição e ElaboraçãoJosé Domingos Fernan<strong>de</strong>s Barra, Adalberto PortilhoCosta, Waldir Sousa da Trinda<strong>de</strong>DigitaçãoKarlianne Damasceno Furta<strong>do</strong>.Projeto Gráfico e capa: Masanori Ohashy(Ida<strong>de</strong> da Pedra Produções Gráficas)Fotos: Denise Lima e Colônia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>resCopy <strong>de</strong>sk: Mara Vanessa DutraApresentaçãoApresentamos, por meio <strong>de</strong>sta série, algumas histórias que falam <strong>de</strong>saberes, <strong>de</strong> vidas, <strong>de</strong> gente construin<strong>do</strong> formas mais sustentáveis <strong>de</strong>convivência com o meio ambiente. Essas histórias contam com o apoio <strong>do</strong>PDA – Subprograma Projetos Demonstrativos, parte <strong>do</strong> Programa Pilotopara a Proteção das Florestas Tropicais <strong>do</strong> Brasil, <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong><strong>Ambiente</strong>.Ao longo <strong>de</strong> seus <strong>de</strong>z anos <strong>de</strong> vida o PDA apoiou e apóia cerca <strong>de</strong> 320projetos na Amazônia e na Mata Atlântica. A história <strong>do</strong> PDA – as histórias<strong>do</strong>s projetos apoia<strong>do</strong>s pelo Subprograma – tem <strong>de</strong>monstra<strong>do</strong> que há umacúmulo <strong>de</strong> conhecimento sen<strong>do</strong> gera<strong>do</strong> pelas comunida<strong>de</strong>s e organizações<strong>de</strong> produtores familiares, crian<strong>do</strong> e testan<strong>do</strong> novas tecnologias e sistemas<strong>de</strong> produção sustentável. Há um saudável diálogo entre conhecimentotradicional e novas informações, apontan<strong>do</strong> perspectivas viáveis que,em alguns casos, já saem <strong>do</strong> limite <strong>do</strong> “<strong>de</strong>monstrativo” e passam a fazerparte <strong>de</strong> políticas públicas locais e regionais. Importante lembrar que oque para o po<strong>de</strong>r público é valoriza<strong>do</strong> por seu potencial <strong>de</strong>monstrativo,para os produtores e comunida<strong>de</strong>s envolvi<strong>do</strong>s é a vida real – sua vida, suasobrevivência.As histórias <strong>de</strong>sta série são narradas pelos próprios grupos envolvi<strong>do</strong>snos projetos apoia<strong>do</strong>s pelo PDA. As narrativas são resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong> um processo<strong>de</strong> sistematização <strong>de</strong> experiências cujo <strong>de</strong>safio maior é apren<strong>de</strong>r com aspráticas, fazen<strong>do</strong>, <strong>de</strong>stas, objeto <strong>de</strong> conhecimento. Em um projeto pilotorealiza<strong>do</strong> entre julho <strong>de</strong> 2003 e março <strong>de</strong> 2004, onze iniciativas apoiadaspelo PDA sistematizaram alguns aspectos <strong>de</strong> suas práticas. O resulta<strong>do</strong> sãoonze histórias reais, contadas por muitas vozes, tecen<strong>do</strong> narrativas cheias<strong>de</strong> vida, reflexão, <strong>de</strong>scobertas, aprendiza<strong>do</strong>s.Cada grupo ou comunida<strong>de</strong> contou sua história <strong>de</strong> seu jeito. Para issocriou momentos e instrumentos, experimentou meto<strong>do</strong>logias, fez caminhoao andar. Os textos da série revelam essa experimentação meto<strong>do</strong>lógica,manten<strong>do</strong> as estruturas e narrativas criadas por cada grupo envolvi<strong>do</strong>.Como na vida, os textos das sistematizações não seguem um único roteiro,mas inventam seus próprios mapas narrativos.O PDA com alegria apresenta essas histórias <strong>de</strong> saberes, <strong>de</strong> gentes,<strong>de</strong> vidas, com o <strong>de</strong>sejo <strong>de</strong> estar contribuin<strong>do</strong> para <strong>de</strong>monstrar caminhospossíveis para políticas públicas mais a<strong>de</strong>quadas à produção familiar, àscomunida<strong>de</strong>s tradicionais e ao meio ambiente.Jorg ZimmermannSecretário Técnico PDA


SumárioIntroduçãoA construção da Usina Hidrelétrica<strong>de</strong> Tucuruí – ameaças externas• O papel da Igreja na mudança <strong>do</strong>spadrões <strong>de</strong> organização social e<strong>do</strong>minação econômica• Um recorte sobre os movimentossociais no Brasil• Os movimentos sociais no Brasil eos <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res no Pará• Um perfil <strong>do</strong> Conselho Pastoral daPesca - CPP• Movimento Nacional <strong>do</strong>sPesca<strong>do</strong>res – Monape• Movimento <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res <strong>do</strong>Pará – MopepaO Contexto <strong>do</strong> Municipio <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>• A Colônia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res Z-16 <strong>de</strong><strong>Cametá</strong>: Lutas e Conquistas.• Os <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município<strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>• Conjunto <strong>de</strong> Regras <strong>do</strong>s <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong><strong>de</strong> Pesca61214161718192122242831


Série SistematizaçãoAs Experiências <strong>do</strong>s <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pescanas Comunida<strong>de</strong>s <strong>do</strong> Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>• O Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca <strong>do</strong> RioJorocazinho <strong>de</strong> Baixo34• <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca da Localida<strong>de</strong> <strong>de</strong>Cuxipiari Carmo51Os <strong>de</strong>safios para o futuro: asnovas alternativas para a <strong>pesca</strong>• Aprendiza<strong>do</strong>s e recomendações• ConclusõesGlossário <strong>de</strong> alguns termos usa<strong>do</strong>sna narrativa6258643458


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>Esse rio é minha rua,Minha e tua mururé,Piso no peito da lua,Deito no chão da maré.(Paulo André e Ruy Barata)


Série SistematizaçãoIntroduçãoA região <strong>do</strong> Baixo Tocantins compreen<strong>de</strong> nove municípios eviveu uma fase áurea da economia da borracha, a exemplo <strong>de</strong>toda a Amazônia, nos i<strong>do</strong>s <strong>de</strong> 1850 a 1970. A partir daí, veio a faseda produção <strong>de</strong> pimenta-<strong>do</strong>-reino. Nos anos 80, novas formas<strong>de</strong> ocupação foram iniciadas, com a implantação <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>sprojetos governamentais e empresariais, culminan<strong>do</strong> com aimplantação da Usina Hidrelétrica no rio Tocantins, no município<strong>de</strong> Tucuruí, no Pará. 1Esse perío<strong>do</strong> é ainda fortemente marca<strong>do</strong> pela <strong>do</strong>minaçãodas oligarquias rurais, um mun<strong>do</strong> que foi pauta<strong>do</strong> por regrasmuito particulares <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação, em que o pleno exercício dacidadania, por parte <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, encontrava limite nasdiversas formas <strong>de</strong> <strong>do</strong>minação a que eram submeti<strong>do</strong>s. Essafoi a estrutura <strong>de</strong> po<strong>de</strong>r vigente em quase toda a Amazônia,sobretu<strong>do</strong> on<strong>de</strong> pre<strong>do</strong>minou o extrativismo.1 Além <strong>de</strong> Tucuruí, houvea instalação <strong>do</strong> complexoAlbras/Alunorte em Barcarena,sen<strong>do</strong> os <strong>do</strong>is responsáveispelos impactos ambientais noTocantins.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>2 PDA – Subprograma ProjetosDemonstrativos, <strong>do</strong> ProgramaPiloto para Proteção dasFlorestas Tropicais <strong>do</strong> Brasil(Programa Piloto), <strong>Ministério</strong><strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> (MMA).3 O projeto PDA aconteceunum perío<strong>do</strong> maior: <strong>de</strong>setembro <strong>de</strong> 2001 a janeiro<strong>de</strong> 2005, mas o perío<strong>do</strong>sistematiza<strong>do</strong> vai até 2003,quan<strong>do</strong> foi feito o processo<strong>de</strong> sistematização. Algunsajustes a atualizações foramfeitas em agosto <strong>de</strong> 2005,por ocasião da visita <strong>de</strong> umaequipe <strong>do</strong> PDA a <strong>Cametá</strong>, coma finalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> colher maisalguns <strong>de</strong>poimentos e discutircom a Colônia a finalização danarrativa.Em <strong>Cametá</strong> a <strong>pesca</strong> como ativida<strong>de</strong> extrativa teve seusdias <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio por grupos políticos locais que financiavamapetrechos na forma <strong>de</strong> aviamento – “pren<strong>de</strong>n<strong>do</strong>”, assim,o <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r, que sempre ficava <strong>de</strong>ven<strong>do</strong>. Esses gruposfortaleciam suas relações políticas fazen<strong>do</strong> concessões <strong>de</strong>espaços e recursos públicos para seus alia<strong>do</strong>s.Com a construção da barragem <strong>de</strong> Tucuruí o impactomais forte foi sobre a produção pesqueira. Isto ameaçoua sobrevivência das populações locais, tanto as urbanas(consumi<strong>do</strong>ras) quanto as ribeirinhas (<strong>pesca</strong><strong>do</strong>resartesanais) e os merca<strong>do</strong>res (atravessa<strong>do</strong>res).No contexto <strong>do</strong>s anos 80 e início <strong>do</strong>s anos 90 surgiramas “unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> mobilização” – atingi<strong>do</strong>s por barragens,remaneja<strong>do</strong>s, assenta<strong>do</strong>s – que, na região Tocantina,integravam os STRs (Sindicatos <strong>do</strong>s Trabalha<strong>do</strong>res Rurais),juntamente com as Colônias <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res e outrossegmentos sociais. Esse movimento <strong>de</strong>senca<strong>de</strong>ou umprocesso <strong>de</strong> luta que buscava recompor as condições <strong>de</strong> vidaanteriores, recusan<strong>do</strong>-se à aceitação passiva da política daEletronorte.Uma das iniciativas buscadas pelos <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res foi aconservação <strong>do</strong>s recursos pesqueiros e florestais por meio<strong>do</strong>s “<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca” ou “<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Preservação”.Qualquer que seja a <strong>de</strong>nominação reflete a preocupaçãocom a escassez <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong> e as futuras condições <strong>de</strong>sobrevivência das famílias.Este trabalho <strong>de</strong> sistematização <strong>de</strong>bruça-se sobre esses“<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca” no município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>, especialmentenas ações <strong>de</strong>senvolvidas no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 2001 a 2003, quan<strong>do</strong>a Colônia Z-16 recebeu apoio <strong>do</strong> PDA 2 para a realização <strong>do</strong>“Projeto <strong>de</strong> Apoio a iniciativas comunitárias: preservação<strong>do</strong>s recursos aquáticos, manejo florestal e pisciculturafamiliar como estratégias <strong>de</strong> valorização <strong>de</strong> comunida<strong>de</strong>sribeirinhas”. 3


Série SistematizaçãoA experiência foi sistematizada com os seguintes objetivos: promoverreflexão sobre a situação sócio-econômica e ambiental <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>resartesanais; e contribuir para que haja a<strong>de</strong>são e expansão <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>a outras comunida<strong>de</strong>s.O processo <strong>de</strong> sistematização teve como eixo temático: “os acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>como alternativa econômica, alimentar e organizacional para os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>resartesanais <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>”. O trabalho foi orienta<strong>do</strong> pelas questões:Em que contexto social e político as iniciativas foram construídas?Essas iniciativas serviram como mobilização e organização das localida<strong>de</strong>sem torno da proposta <strong>do</strong>s movimentos sociais da região?Qual foi a relação <strong>de</strong>ssas iniciativas com as políticas oficiais? Havia respal<strong>do</strong>legal? Como se conseguiu?Como foram resolvi<strong>do</strong>s os conflitos e em que intensida<strong>de</strong> eles aconteceram?Quais os parâmetros <strong>de</strong> sustentabilida<strong>de</strong> utiliza<strong>do</strong>s e como foram medi<strong>do</strong>s?A sistematização partiu <strong>de</strong>stas questões orienta<strong>do</strong>ras e começou coma realização <strong>de</strong> reuniões com os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res mora<strong>do</strong>res das localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Cuxipiari Carmo e Joroca <strong>de</strong> Baixo. Essas comunida<strong>de</strong>s foram escolhidas porserem aquelas com um trabalho mais antigo e que, portanto, po<strong>de</strong>riam servir<strong>de</strong> referência para as <strong>de</strong>mais. Foram utilizadas meto<strong>do</strong>logias participativasnessas reuniões. Começavam com o grupo to<strong>do</strong>, <strong>de</strong>pois dividiam em gruposfocais, como: os mais antigos, os jovens, as mulheres, o “pessoal <strong>de</strong> fora”– gente que vive fora, mas que é da comunida<strong>de</strong>. As questões eram discutidasnesses grupos menores e <strong>de</strong>pois voltavam para o “grupão”. Foram tambémfeitas entrevistas individuais, <strong>de</strong>finidas pela equipe <strong>de</strong> sistematização (umengenheiro agrônomo, <strong>do</strong>is pedagogos e membros da diretoria da Colônia <strong>de</strong>Pesca<strong>do</strong>res). As falas foram gravadas e transcritas (na íntegra), com posterioranálise pela equipe encarregada <strong>do</strong> trabalho. As análises foram realizadascom foco nas dinâmicas <strong>do</strong>s movimentos sociais, que trabalham no senti<strong>do</strong>da participação e da indignação com os rumos <strong>do</strong>s projetos políticos e <strong>de</strong>investimentos na região.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>Atualmente, existemacor<strong>do</strong>s nas comunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>Vila <strong>de</strong> Janua Coellis, Paruru<strong>de</strong> Janua-Coelis (que envolveas localida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ManoelRaimun<strong>do</strong> e Curupitomba),Jaracuera, Gama (que envolveas comunida<strong>de</strong>s Capiteua,Ajaraí e Itanduba), Guajará(que envolve os rios Ajará eCaxinguba), Joroca <strong>de</strong> Baixo,Cuxipiari Carmo, CuxipiariFuro Gran<strong>de</strong>, Cuxipiari Costa,Tem-tem, Contra-Maré, o que<strong>de</strong>monstra que a mobilizaçãoem torno da busca <strong>de</strong> umpadrão <strong>de</strong> vida sustentável épossível.


10Série SistematizaçãoOs acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> são fortaleci<strong>do</strong>sà medida que ganham apoio <strong>de</strong> outrasinstituições, como Ibama (Instituto Brasileiro<strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> e <strong>do</strong>s Recursos NaturaisRenováveis), Colônia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res, ONGs,Prefeituras etc. Com isso, vai se construin<strong>do</strong>uma nova forma <strong>de</strong> gestão <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>município. Depois <strong>de</strong> <strong>do</strong>is encontrosamazônicos sobre <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca o Ibama/MMA normatizou a criação <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s atravésda Portaria 029 <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001.Isto representou o reconhecimento público daeficácia da iniciativa e um reforço legal para ascomunida<strong>de</strong>s.Atualmente, em <strong>Cametá</strong>, há 30 AgentesAmbientais Voluntários cre<strong>de</strong>ncia<strong>do</strong>s peloIbama 4 , que fazem o monitoramento efiscalização <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>, garantin<strong>do</strong>a segurança noturna e o compromisso firma<strong>do</strong>pelas comunida<strong>de</strong>s. No processo <strong>de</strong> formação<strong>de</strong>sses agentes foram realiza<strong>do</strong>s cursos <strong>de</strong>legislação, apoia<strong>do</strong>s pelo PDA.4 A formação e ocre<strong>de</strong>nciamento <strong>de</strong>Agentes AmbientaisVolunários/AAV é umprograma cria<strong>do</strong> peloIbama, basea<strong>do</strong> na leinúmero <strong>de</strong> 9608 <strong>de</strong>fevereiro <strong>de</strong> 1998, quedispõe sobre serviçovoluntário com afinalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> propiciara toda pessoa físicaou jurídica, auxiliar oIbama em ativida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> educação ambiental,proteção, preservação econservação <strong>do</strong>s recursosnaturais em unida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>conservação fe<strong>de</strong>ral eáreas protegidas.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 11A fiscalização é um problemaque eu dizia, quan<strong>do</strong> a gentefaz os nossos cursos: é chato pracaramba a gente colocar no intuitoque vai ser fiscal. Tem que acabarcom essa história <strong>de</strong> fiscal. Mesmoten<strong>do</strong> as razões ambientais, elesnão são fiscais. Porque, na horaque esses fiscais saem, parece quevira ba<strong>de</strong>rna! A gente tem queconversar pra que não haja fiscalambiental, e sim vários agentes.Que, se a gente pu<strong>de</strong>sse, que todasas famílias tivessem seus agentes.Aí, po<strong>de</strong> <strong>de</strong>smistificar esse negócio<strong>de</strong> fiscal também. Tem que cultivara idéia, na área <strong>do</strong> acor<strong>do</strong>, queto<strong>do</strong>s são não fiscais <strong>do</strong> meioambiente, mas responsáveis peloque escreveram e assinaram noacor<strong>do</strong>.Dona Rita,mora<strong>do</strong>ra da comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jorocazinho <strong>de</strong> Baixo


12Série SistematizaçãoA construçãoda Usina Hidrelétrica<strong>de</strong> TucuruíameaçasexternasA construção da Usina Hidrelétrica <strong>de</strong> Tucuruí foi o maiorimpacto causa<strong>do</strong> pela ação humana na região. Dela <strong>de</strong>corremgraves problemas ambientais provenientes da imensa áreainundada que submergiu florestas inteiras. Ao entrar em<strong>de</strong>composição, a floresta libera gás metano e óxi<strong>do</strong> <strong>de</strong> enxofre,tornan<strong>do</strong> a água extremante ácida. Essa aci<strong>de</strong>z e a multiplicação<strong>de</strong> algas causada pelo material em <strong>de</strong>composição alteram osaspectos físicos e químicos da água, causan<strong>do</strong> impacto nareprodução <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> parte das espécies piscícolas. Segun<strong>do</strong>alguns mora<strong>do</strong>res várias espécies <strong>de</strong> peixes, que antes eramcomuns na região, quase <strong>de</strong>sapareceram por conta da bruscamudança na qualida<strong>de</strong> da água.Alguns outros impactos <strong>de</strong> Tucuruí são: a retenção da maioriadas espécies acima da barragem; o empecilho à migraçãodas espécies <strong>de</strong> piracema (migra<strong>do</strong>ras); aumento <strong>de</strong> <strong>do</strong>ençascausadas pela má qualida<strong>de</strong> da água para consumo; lançamento<strong>de</strong> herbicida como <strong>de</strong>sfolhante para retirada da ma<strong>de</strong>irasubmersa etc. 55 Após a construção da UHE Tucuruí, a produção pesqueira <strong>de</strong> jusante sofreu um gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>clínio, passan<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1.200 toneladas em 1981,para 186 toneladas em 1986. Entretanto, da<strong>do</strong>s divulga<strong>do</strong>s pela Su<strong>de</strong>pe (hoje Ibama) ressaltam que, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1978, as capturas já vinhamapresentan<strong>do</strong> uma tendência <strong>de</strong> queda progressiva. O <strong>de</strong>clínio registra<strong>do</strong> nas capturas po<strong>de</strong> ser um reflexo da ação conjunta <strong>do</strong>s impactosda barragem sobre a produtivida<strong>de</strong> <strong>do</strong> sistema à jusante e sobre o ciclo hidrológico <strong>do</strong> rio, da sobre-<strong>pesca</strong> <strong>do</strong>s principais estoques e <strong>do</strong>acelera<strong>do</strong> <strong>de</strong>smatamento das margens <strong>do</strong> Tocantins. Recentes estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s pela Eletronorte, <strong>de</strong>monstram que a produção à jusante dabarragem começou a mostrar os primeiros sinais <strong>de</strong> recuperação, pois, enquanto no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1981 a 1989, os <strong>de</strong>sembarques apresentaramuma queda na produção anual, sen<strong>do</strong> registradas 1.188 toneladas em 1981, 640 toneladas em 1987 e 1988 e 529 toneladas em 1989;da<strong>do</strong>s atuais, coleta<strong>do</strong>s nos anos <strong>de</strong> 2001 e 2002, apontam para uma produção pesqueira local em torno <strong>de</strong> 680 e 750 toneladas/anorespectivamente. Este patamar ainda é inferior aos níveis anteriores <strong>de</strong> produção e, com base apenas nos da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>de</strong>sembarque, fica difícilsaber se esse incremento representa <strong>de</strong> fato uma tendência <strong>de</strong> recuperação ou é conseqüência <strong>de</strong> uma nova dinâmica da <strong>pesca</strong> na região.


O mapará (Hypophytalmus marginatus), peixe símbolo da região, principalintegrante da dieta alimentar <strong>do</strong>s ribeirinhos, exímio migra<strong>do</strong>r e que tem sua dietabaseada no consumo <strong>de</strong> fito e zooplâncton, foi o mais afeta<strong>do</strong>.Na floresta, a mortanda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s cacaueiros nativos (acredita-se que <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> aoefeito <strong>do</strong> herbicida Tor<strong>do</strong>n, utiliza<strong>do</strong> a montante) e a redução da reposição <strong>do</strong>snutrientes na várzea afetaram a produção e produtivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s açaizais. O corte<strong>do</strong>s açaizais para retirada <strong>do</strong> palmito e a <strong>de</strong>rrubada da ma<strong>de</strong>ira foram as primeirasações <strong>do</strong> homem da região para garantir sua sobrevivência, acentuan<strong>do</strong> osproblemas ambientais.A população, embora atônita com os impactos nas suas vidas, ouvia osdiscursos inflama<strong>do</strong>s das elites e oligarquias locais <strong>de</strong> que isso era necessáriopara vir o “<strong>de</strong>senvolvimento”. Somente após o início da década <strong>de</strong> 90, com asmobilizações, houve reação da população.<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 13


14Série SistematizaçãoO papel da Igreja na mudança<strong>do</strong>s padrões <strong>de</strong> organizaçãosocial e <strong>do</strong>minação econômicaDevi<strong>do</strong> às mudanças nos ecossistemas locais, com conseqüente mudançanos mo<strong>do</strong>s <strong>de</strong> vida, a população ribeirinha, os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res e extrativistasa<strong>do</strong>taram estratégias <strong>de</strong> (re)produção com a criação <strong>de</strong> animais <strong>do</strong>mésticos,se integraram a projetos <strong>de</strong> créditos bancários e passaram a criar peixe emcativeiro, em tanques escava<strong>do</strong>s nas ilhas, com recursos financia<strong>do</strong>s pela IgrejaCatólica.A Igreja, <strong>de</strong>ssa maneira, iniciou uma inserção nas comunida<strong>de</strong>s,promoven<strong>do</strong> verda<strong>de</strong>ira ruptura das irmanda<strong>de</strong>s 6 – organizações religiosas<strong>de</strong> <strong>de</strong>voção a um <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> santo - com os caciques políticos locais, eorganizan<strong>do</strong> as Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base. Isso foi um “susto” para aoligarquia local – a igreja, que <strong>de</strong>veria “prometer o céu”, resolve promover aorganização das comunida<strong>de</strong>s ao re<strong>do</strong>r <strong>de</strong> projetos produtivos! O costume era aorganização a partir das irmanda<strong>de</strong>s; a cada ano, o “<strong>do</strong>no <strong>do</strong> santo” promoviaa festa daquela <strong>de</strong>voção. A arrecadação para realizar a festa era feita a partir daajuda <strong>do</strong>s “padrinhos políticos”, “figurões” da política local que patrocinavamas festas e se consi<strong>de</strong>ravam “caciques” das irmanda<strong>de</strong>s.Em <strong>Cametá</strong> a festa das irmanda<strong>de</strong>s teve uma particularida<strong>de</strong>: a exigência<strong>de</strong> aquisição <strong>de</strong> uma coroa <strong>de</strong> ouro ou prata para o santo, o que tornava estatarefa bastante onerosa para os camponeses. Então, as famílias <strong>de</strong> comerciantesavia<strong>do</strong>res 7 faziam esse papel e tornavam-se “<strong>do</strong>nos” da festa e <strong>do</strong> santo. Osrecursos <strong>do</strong>s pagamentos <strong>de</strong> promessa eram posse <strong>do</strong> “<strong>do</strong>no <strong>do</strong> santo”.Na localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cuxipiari três famíliasjuntaram o ouro e a prata e mandaram fazera coroa da Trinda<strong>de</strong> <strong>do</strong>s Inocentes ... O <strong>do</strong>no <strong>do</strong>santo era presi<strong>de</strong>nte da festa, o filho <strong>do</strong> <strong>do</strong>no <strong>do</strong>santo conseguiu (<strong>do</strong>a<strong>do</strong> por políticos) material<strong>de</strong> <strong>pesca</strong> e tornou-se um pequeno empresárioe conseguiu vaga <strong>de</strong> professora para a filha eempregos para to<strong>do</strong>s os filhos.Mora<strong>do</strong>r <strong>de</strong> Cuxipiari Carmo6 As irmanda<strong>de</strong>s eraminstituições laicas quese encarregavam <strong>de</strong>organizar <strong>de</strong> ano emano a festa <strong>do</strong> santoda localida<strong>de</strong>, quan<strong>do</strong>as pessoas faziam suaspromessas, esperan<strong>do</strong>alcançar uma graça epagavam a promessa noperío<strong>do</strong> das festas oumesmo antecipadamentena casa <strong>do</strong> “<strong>do</strong>no <strong>do</strong>santo”.7 Comerciantes avia<strong>do</strong>ressão aqueles que supremas necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>sextrativistas adiantan<strong>do</strong>a eles produtos <strong>de</strong>que necessitam parasua sobrevivência ereceben<strong>do</strong> o pagamentoem produção (a maiorianão recebe em dinheiro,mas sim em produção).Ou seja, o extrativistaentrega ao avia<strong>do</strong>r suaprodução para pagara dívida da compraantecipada <strong>de</strong> gênerosalimentícios e outrasmerca<strong>do</strong>rias que ocomerciante lhe havia“fia<strong>do</strong>”. É um sistema <strong>de</strong>“crédito sem dinheiro”,no qual o extrativistase vê cada vez maisendivida<strong>do</strong>.


As irmanda<strong>de</strong>sse aproximavam <strong>de</strong>comerciantes e dasoligarquias locais <strong>de</strong>políticos em troca <strong>de</strong>benefícios, começan<strong>do</strong> pelacoroa, <strong>de</strong>pois empregos,construção <strong>de</strong> barracãoetc. Em troca os dirigentesdas irmanda<strong>de</strong>s assumiam ocompromisso <strong>de</strong> convencer os“irmãos” e o povo das cercaniasa votar naquele que conseguia oserviço; ou seja, o <strong>do</strong>no <strong>do</strong> santo era ocabo eleitoral da área.O mesmo padrão <strong>de</strong> relação estabelecida entre avia<strong>do</strong>re avia<strong>do</strong> se dava também entre <strong>de</strong>voto e padroeiro - uma forma <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio através da religião,tanto quanto o <strong>do</strong>mínio através <strong>do</strong> aviamento. No caso da religião a dívida não era com o patrão,mas com o santo. Portanto, não podia ser quebra<strong>do</strong> o “princípio <strong>do</strong> compromisso, da lealda<strong>de</strong> e dareciprocida<strong>de</strong>”.Com a criação das Comunida<strong>de</strong>s Eclesiais <strong>de</strong> Base/CEBs muitas irmanda<strong>de</strong>s transformaram-se emcomunida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> base. O caráter econômico <strong>do</strong>s festejos permanece, mas agora os recursos são paraa prelazia <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>. O controle passou para a hierarquia eclesiástica, entran<strong>do</strong> em colisão com os<strong>do</strong>is sustentáculos básicos <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> organizar a vida social em <strong>Cametá</strong>: os santos padroeiros e oscomerciantes patrões, figuras que representavam a segurança para <strong>de</strong>votos e clientes.As irmanda<strong>de</strong>s que ainda persistem estão, pouco a pouco, aceitan<strong>do</strong> a presença <strong>do</strong>s padrese as ações pastorais. As famílias tradicionais e políticas da oligarquia local se afastaram da IgrejaCatólica Romana e se juntaram para que fosse or<strong>de</strong>na<strong>do</strong> um padre da Igreja Católica Brasileira, naqual se congregam. Constantemente os padres prela<strong>do</strong>s são duramente critica<strong>do</strong>s nos veículos <strong>de</strong>comunicação <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> <strong>do</strong> Deputa<strong>do</strong> Gerson Peres, o maior per<strong>de</strong><strong>do</strong>r com a nova organizaçãoda Igreja na região, já que era um <strong>do</strong>s maiores “figurões”, com 1500 afilha<strong>do</strong>s em <strong>Cametá</strong>.<strong>Cametá</strong> é se<strong>de</strong> <strong>de</strong> prelazia. A igreja começou a financiar projetos <strong>de</strong> criação <strong>de</strong> peixe, <strong>de</strong> frango,cantinas comunitárias, remédios caseiros, hortas comunitárias e outros. Algumas <strong>de</strong>ssas iniciativas,já mais amadurecidas, foram apoiadas posteriormente no bojo <strong>do</strong> projeto da Colônia Z-16 aprova<strong>do</strong>pelo PDA.<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 15


16Série SistematizaçãoUm Recorte Sobre osMovimentos Sociais no BrasilPara se estudar os movimentos sociais no Brasil, <strong>de</strong>ve-se consi<strong>de</strong>rar asespecificida<strong>de</strong>s políticas, econômicas e sociais <strong>de</strong> cada perío<strong>do</strong>. Também<strong>de</strong>ve ser ressalta<strong>do</strong> que as organizações <strong>de</strong> classe, na maioria <strong>do</strong>s casos,sempre estiveram atreladas ao Esta<strong>do</strong>, que monitorava suas ações, evitan<strong>do</strong>o <strong>de</strong>sgaste e o “perigo” à or<strong>de</strong>m e ao governo vigentes e legitiman<strong>do</strong> opo<strong>de</strong>r governamental. Essa foi uma das características das ditaduras nocontinente latino-americano.No Brasil, foi no âmbito da discussão sobre a reforma agrária que searticularam e surgiram vários movimentos sociais no campo. Foram alvos<strong>de</strong> ações <strong>de</strong> reação, com assassinatos <strong>de</strong> sindicalistas e outros li<strong>de</strong>res compo<strong>de</strong>res <strong>de</strong> articulação entre os trabalha<strong>do</strong>res rurais.Na década <strong>de</strong> 70 a pobreza na região cresceu <strong>de</strong> forma elevada. Algunstrabalha<strong>do</strong>res articularam-se numa participação mais efetiva <strong>do</strong> homem<strong>do</strong> campo no processo político nacional. Os movimentos sociais no campoviviam um cenário fragmenta<strong>do</strong>, no qual as ações ocorriam <strong>de</strong> maneiradinâmica em várias direções e os atores sociais se envolviam com suasansieda<strong>de</strong>s, esperanças e <strong>de</strong>cepções. Esse era o cenário político em áreaspesqueiras.Agora vamos enfocar a lente <strong>de</strong>sta abordagem para questões micro,<strong>de</strong>svelan<strong>do</strong> os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res no processo <strong>de</strong> participação e organizaçãopolítica em movimentos <strong>de</strong> caráter social. Faremos um rápi<strong>do</strong> resgatehistórico da participação <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res em alguns movimentos sociais- um perfil histórico <strong>do</strong> surgimento <strong>do</strong> Movimento Nacional <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res/Monape, <strong>do</strong> Movimento <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Pará/Mopepa e <strong>do</strong> ConselhoPastoral da Pesca /CPP.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 17Os Movimentos Sociais noBrasil e os Pesca<strong>do</strong>res no ParáA participação <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res em levantes populares foi essencial para oprocesso <strong>de</strong> in<strong>de</strong>pendência política <strong>do</strong> país 8 . Porém, como parte das estratégiaselitistas, essa participação <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res em alguns movimentos <strong>de</strong> caráterrevolucionário foi joga<strong>do</strong> para segun<strong>do</strong> plano nas histórias oficiais.Foi na Cabanagem que se visualizou o <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r participan<strong>do</strong> <strong>de</strong> reações poruma melhoria na qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida. Os “Cabanos” - como eram chama<strong>do</strong>s osintegrantes <strong>do</strong> movimento – eram, em sua maioria, pessoas que moravam emáreas ribeirinhas da Amazônia. Aí estavam os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res.No entanto, <strong>de</strong>ve ser lembra<strong>do</strong> que a Cabanagem não era uma reaçãogenuína <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res da <strong>pesca</strong>, mas um processo cujo objetivo era umprojeto maior <strong>de</strong> conquista social. Até o perío<strong>do</strong> da Cabanagem, os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>resnão se encontravam organiza<strong>do</strong>s em associações e sindicatos. Oficialmente, noBrasil e, especialmente, no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará, estes se “organizaram” a partir dacriação, pelo governo fe<strong>de</strong>ral, da CNP (Conferência Nacional <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res),da FEPA (Fe<strong>de</strong>ração Estadual <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res) e das Colônias <strong>de</strong> Pesca, em1930 9 . Estas “organizações oficiais” foram criadas com objetivo <strong>de</strong> manipular etutelar os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res. Isso ficava evi<strong>de</strong>nte pela relação entre governo centrale os presi<strong>de</strong>ntes <strong>de</strong>stas entida<strong>de</strong>s – o governo nomeava os presi<strong>de</strong>ntes dascolônias e fe<strong>de</strong>rações que, no geral, eram administra<strong>do</strong>res alheios ao cotidiano<strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r, mas que atendiam ao perfil administrativo imposto pelo governofe<strong>de</strong>ral.Nas últimas décadas, a postura <strong>de</strong> omissão das entida<strong>de</strong>s oficiais na <strong>pesca</strong>provocou discussões entre as li<strong>de</strong>ranças pesqueiras, <strong>de</strong>sembocan<strong>do</strong> na criação<strong>de</strong> sindica<strong>do</strong>s e associações, em níveis nacional, estadual e municipal. Percebeseum avanço significativo na organização política no âmbito da <strong>pesca</strong>, quan<strong>do</strong>se tem como parâmetro a subjugação política <strong>de</strong>ste setor no processo histórico<strong>do</strong> Brasil e <strong>do</strong> Pará.A organização <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res em associações e sindicatos se <strong>de</strong>u com maisênfase nos anos da abertura política, na década <strong>de</strong> 80, com ações politicamentearrojadas, a exemplo da criação <strong>do</strong> CPP (Conselho Pastoral da Pesca), vincula<strong>do</strong>à CNBB(Conferência Nacional <strong>do</strong>s Bispos <strong>do</strong> Brasil). Com a campanha para aConstituição Brasileira <strong>de</strong> 1988, alguns <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res mais atuantes no processo <strong>de</strong>articulação política criaram um movimento paralelo neste perío<strong>do</strong>, <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>“Constituinte da Pesca”. Tinha como objetivo buscar a autonomia política esindical <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res. Isso foi garanti<strong>do</strong>, posteriormente, com o surgimento<strong>do</strong> Monape, que, estrategicamente, esten<strong>de</strong>u suas bases <strong>de</strong> atuação àsrepresentações estaduais.8 Trata-se aqui dain<strong>de</strong>pendência políticaoficial.9 As colônias tiveramsua criação originadaspor um <strong>de</strong>creto <strong>de</strong>outubro <strong>de</strong> 1817, <strong>do</strong> rei<strong>de</strong> Portugal D. João VI,que consistia em criarvilas <strong>de</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res oucolônias (daí o nome)como forma <strong>de</strong> controlara <strong>pesca</strong> e os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>respara servir aos interessesda coroa (no caso,colher alimentos). Em18 <strong>de</strong> março <strong>de</strong> 1818foi criada a primeiracolônia <strong>de</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>resem Santa Catarina. Apartir <strong>de</strong> 03 <strong>de</strong> março<strong>de</strong> 1920 os assuntosda <strong>pesca</strong> passam paraa Marinha, que criahierarquias para melhorcontrolar a <strong>pesca</strong> e evitarlevantes <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res,como no passa<strong>do</strong>. Daí,em 1930, criam-se asFe<strong>de</strong>rações Estaduais e aConfe<strong>de</strong>ração Nacional.Pelo Estatuto <strong>de</strong> 1973, asconfe<strong>de</strong>rações estaduaispassaram a se chamarFe<strong>de</strong>ração, daí surge aFEPA.


18Série SistematizaçãoUm perfil <strong>do</strong> ConselhoPastoral da PescaO CPP é uma pastoral social ligada à CNBB 10 , que tem como objetivo<strong>de</strong>senvolver trabalhos volta<strong>do</strong>s à promoção social <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>resartesanais e suas famílias, formar lí<strong>de</strong>res e acompanhar as organizaçõespesqueiras, basicamente no nor<strong>de</strong>ste <strong>do</strong> Pará.Na região norte <strong>do</strong> Brasil o trabalho <strong>do</strong> CPP junto aos <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res<strong>de</strong>senvolve-se quase que exclusivamente no Pará, embora já tenhamocorri<strong>do</strong> contatos preliminares nos esta<strong>do</strong>s <strong>do</strong> Amazonas e Amapá.Sua priorida<strong>de</strong> está na valorização da relação <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r com o meioambiente, começan<strong>do</strong> por sua autovalorização nos aspectos político, sociale cultural - elementos para a construção <strong>de</strong> sua i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> pesqueira.São várias as regiões atendidas, <strong>de</strong>ntre elas: Tocantins, Tapajós, Xingue Salga<strong>do</strong>. No Tocantins as cida<strong>de</strong>s atendidas foram: <strong>Cametá</strong>, Tucuruí, BreuBranco, Limoeiro <strong>do</strong> Ajurú, Baião, Mocajuba e Oieras <strong>do</strong> Pará; no Tapajós:Santarém, Prainha e Aveiro; na região <strong>do</strong> Salga<strong>do</strong>: Santo Antônio <strong>do</strong> Tauá,Maracanã, Quatipuru e Marapanim; no Xingu: Porto <strong>de</strong> Moz, Souzel e Vitória<strong>do</strong> Xingu.10 Conferência Nacional <strong>do</strong>s Bispos <strong>do</strong> Brasil


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 19Movimento Nacional <strong>do</strong>sPesca<strong>do</strong>res – MonapeO Monape nasceu <strong>do</strong>s anseios <strong>de</strong> uma classe que historicamente foi excluída <strong>do</strong>sdireitos constitucionais. Aliás, a história <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais no Brasil semprefoi marcada por lutas e conquistas. E havia a influência <strong>do</strong> impacto organizacionalefervescente da década <strong>de</strong> 70. Esse movimento teve seu nascimento a partir dasensibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> um frei franciscano <strong>de</strong> origem alemã, Frei Alfre<strong>do</strong> que em 1970 veiomorar no esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pernambuco, numa região on<strong>de</strong> a concentração <strong>de</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res eragran<strong>de</strong>.Inicialmente, o gran<strong>de</strong> papel <strong>do</strong> Monape era fazer com que os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>resadquirissem maior clareza <strong>de</strong> sua própria situação e assim, <strong>de</strong> forma organizada,pu<strong>de</strong>ssem construir um sindicato capaz <strong>de</strong> melhorar e buscar recursos para o<strong>de</strong>senvolvimento da <strong>pesca</strong> artesanal. O gran<strong>de</strong> passo, <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> cria<strong>do</strong> o Monapeera legitimar juridicamente e legalizar, perante a Constituição, algo que respaldassea classe <strong>pesca</strong><strong>do</strong>ra. Houve mobilização nacional <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res a fim <strong>de</strong> sensibilizaro governo fe<strong>de</strong>ral para que fosse institucionalizada uma categoria <strong>de</strong> classe, <strong>de</strong>mo<strong>do</strong> que os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res pu<strong>de</strong>ssem buscar melhores condições <strong>de</strong> vida. Destacasea Constituinte da Pesca, uma gran<strong>de</strong> assembléia nacional que objetivava criarpropostas para ser incluídas na legislação <strong>de</strong> 1988. Lutas incessantes foram realizadasjunto aos órgãos competentes: <strong>Ministério</strong> da Agricultura e Su<strong>de</strong>pe (Superintendência<strong>do</strong> Desenvolvimento da Pesca).A Constituição <strong>de</strong> 1988, em seu artigo 8º, parágrafo único, inc. I, estabelece:“as disposições <strong>de</strong>ste artigo aplicam-se à organização <strong>de</strong> Sindicatos Rurais e <strong>de</strong>Colônias <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res, atendidas as condições que a lei estabelecer”. No artigocorrespon<strong>de</strong>nte, estabelece-se que é livre a associação profissional, observan<strong>do</strong> oseguinte: “a lei não po<strong>de</strong>rá exigir autorização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> para a fundação <strong>de</strong> sindicato”.O objetivo <strong>do</strong> Monape é, com a credibilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res, avançar nasconquistas das estruturas oficiais <strong>de</strong> suas representações, fortalecen<strong>do</strong>-as easseguran<strong>do</strong> a autonomia política e econômica por melhores condições <strong>de</strong> vida etrabalho. As estratégias para atingir tais objetivos estão na realização <strong>de</strong> semináriose encontros para <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res, crianças e jovens, incentivan<strong>do</strong> a participação <strong>de</strong>li<strong>de</strong>ranças locais no processo <strong>de</strong> capacitação; na produção <strong>de</strong> boletins e cartilhasinforman<strong>do</strong> sobre a importância <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res; na sindicalização da mulher; nanecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> associação na colônia para futuras aposenta<strong>do</strong>rias; e em prestarinformações gerais sobre a relação sustentável com o meio-ambiente.


20Série SistematizaçãoO Monape tem um papel político-administrativo e <strong>de</strong> dinamização para levantar arealida<strong>de</strong> <strong>do</strong> setor pesqueiro e das organizações na <strong>pesca</strong>. As discussões e propostas sãoavaliadas em seus congressos nacionais internos. Busca-se negociar com órgãos públicose bancos oficiais o acesso <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais ao crédito, viabilizan<strong>do</strong> alternativaseconômicas com propostas <strong>de</strong> projetos às fontes <strong>de</strong> fomento.Está presente diretamente em 12 Esta<strong>do</strong>s, com 198 Colônias <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res e quatrosindicatos, em contato para ampliação <strong>do</strong> movimento em mais oito esta<strong>do</strong>s, o que equivaleao aumento <strong>de</strong> 35 Colônias 11 . O Monape executa um trabalho com mulheres <strong>pesca</strong><strong>do</strong>rasem 11 Esta<strong>do</strong>s, já possui 54 associações <strong>de</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res e está liga<strong>do</strong> a sete fe<strong>de</strong>rações emsete esta<strong>do</strong>s brasileiros. Com isso, sua atuação tira <strong>do</strong> silêncio mais <strong>de</strong> quatro milhões <strong>de</strong>pessoas que sobrevivem da <strong>pesca</strong> artesanal no Brasil e, sobretu<strong>do</strong>, mostra a importância<strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> 1,5 milhão <strong>de</strong>sses <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res que produzem 70% <strong>do</strong> alimento interno, ouseja, o que é consumi<strong>do</strong> nos principais merca<strong>do</strong>s <strong>de</strong> venda <strong>de</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong> in natura <strong>do</strong> País 12 .A gran<strong>de</strong> importância histórica <strong>do</strong> Monape foi ter organiza<strong>do</strong> os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res em tornoda legitimação constitucional da profissão, na Constituinte da Pesca.11 Da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004.12 Fonte: A Pesca Artesanal no Esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará:Belém: Sinteps/SINE-PA, 2003. Dos quatromilhões <strong>de</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais, 2,5 milhões<strong>pesca</strong>m para subsistência, ou são agrega<strong>do</strong>sem embarcações <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> para aten<strong>de</strong>r àsindústrias nacionais ou proprietários <strong>de</strong> suasembarcações. Vale lembrar que esses númerosincluem os coletores <strong>de</strong> camarão em to<strong>do</strong> oBrasil. Esse estu<strong>do</strong> ainda informa que nãohá da<strong>do</strong>s precisos sobre a população direta eindiretamente envolvida com a <strong>pesca</strong> artesanal.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 21Movimento <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res<strong>do</strong> Pará – MopepaA criação <strong>do</strong> Mopepa (Movimento <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Pará) estáligada a uma série <strong>de</strong> fatores históricos que aconteceram principalmentenas décadas <strong>de</strong> 80 e 90. Com o objetivo <strong>de</strong> ter uma referência paraos <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais no esta<strong>do</strong> e diante da má distribuição dasriquezas, no que diz respeito à <strong>pesca</strong> artesanal, é que o Mopepa secoloca como um movimento capaz <strong>de</strong> lutar e garantir a participaçãoativa <strong>de</strong>sse setor nas <strong>de</strong>cisões <strong>de</strong> políticas que lhe interessam, e naconstrução <strong>de</strong> sua própria cidadania.A luta pela criação <strong>do</strong> movimento começou no município <strong>de</strong>Santarém, quan<strong>do</strong> um grupo <strong>de</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res, incentiva<strong>do</strong>s pelo CPP,organizaram-se e conquistaram a Colônia que, a partir <strong>de</strong> então, passoua ser dirigida por verda<strong>de</strong>iros <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res comprometi<strong>do</strong>s com a luta.A fundação <strong>do</strong> Movimento iniciou com nove colônias; <strong>de</strong>ntre elas,a Colônia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>. No ano <strong>de</strong> 1985, os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res<strong>do</strong> Pará, através da luta <strong>do</strong> Mopepa, tiveram participação importantena aprovação da Constituinte da Pesca. Conjuntamente com outros<strong>pesca</strong><strong>do</strong>res <strong>do</strong> Brasil pu<strong>de</strong>ram dizer ao esta<strong>do</strong> e à socieda<strong>de</strong> que são <strong>de</strong>fato uma categoria <strong>de</strong> trabalha<strong>do</strong>res, que contribuem com a economialocal, regional e nacional e que precisavam ser reconheci<strong>do</strong>s comomovimento organiza<strong>do</strong>.Apesar das dificulda<strong>de</strong>s com a falta <strong>de</strong> recursos e <strong>de</strong> espaçofísico como referência para as Colônias, o movimento foi cria<strong>do</strong> einstitucionaliza<strong>do</strong> no ano <strong>de</strong> 1998. Hoje, o Mopepa abrange 26 colônias,das 79 que existem no Esta<strong>do</strong> 13, fazen<strong>do</strong> um trabalho basea<strong>do</strong> nos i<strong>de</strong>aise na linha <strong>de</strong> ação trabalhada pelo Monape.13 Da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2004.


22Série SistematizaçãoO Contexto<strong>do</strong> Municipio <strong>de</strong><strong>Cametá</strong>O Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> está situa<strong>do</strong> na mesorregião <strong>do</strong> nor<strong>de</strong>ste paraense,na microrregião <strong>do</strong> Baixo Tocantins. Possui uma área <strong>de</strong> 3.022 km 2 e limita-seao norte com a cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Limoeiro <strong>do</strong> Ajuru, ao Sul com Mocajuba, a leste comIgarapé Mirí e a Oeste com Oeiras <strong>do</strong> Pará (I<strong>de</strong>sp, 1995).A vegetação principal é <strong>do</strong> tipo palmeiras, representadas em gran<strong>de</strong>quantida<strong>de</strong> pelo açaizeiro (Euterpe oleracea) e o buritizeiro (Mauritia flexuosa).Estão atualmente bastante explora<strong>do</strong>s, sobretu<strong>do</strong> os açaizeiros, porque seusprodutos - fruto e palmito - <strong>de</strong>sempenham importante papel na economialocal.O açaizeiro, que é a espécie em maior quantida<strong>de</strong> nessas áreas, ao sercorta<strong>do</strong> tem como conseqüência econômica a redução na produção <strong>de</strong> frutosna safra seguinte. Do ponto <strong>de</strong> vista ambiental, com o corte aparecem espéciesinvasoras sem valor econômico e ocorre a <strong>de</strong>gradação <strong>do</strong>s solos pela lixiviação.<strong>Cametá</strong> possui uma população <strong>de</strong> 97.504 habitantes, <strong>do</strong>s quais 50.075são homens e 47. 429 são mulheres. A população resi<strong>de</strong>nte na área urbanacorrespon<strong>de</strong> a 41,42%, que perfaz um total <strong>de</strong> 40.388 pessoas, distribuídasem 20.030 homens e 20.358 mulheres. O meio rural é habita<strong>do</strong> por 58,58% dapopulação, o que correspon<strong>de</strong> a um total <strong>de</strong> 57.116 habitantes, distribuí<strong>do</strong>s em30.045 homens e 27.071 mulheres. (IBGE, 2000).Deste total da área rural mais <strong>de</strong> 50% encontra–se na região das ilhas,distribuída em 122 localida<strong>de</strong>s com 523 Comunida<strong>de</strong>s Cristãs (Fonte: Prelazia <strong>de</strong><strong>Cametá</strong>). São aproximadamente 35 mil pessoas, <strong>de</strong>nominadas <strong>de</strong> ribeirinhos eque reproduzem econômica e socialmente pela extração e comercialização <strong>de</strong>frutos <strong>de</strong> açaí, buriti, da <strong>pesca</strong> artesanal e <strong>do</strong> artesanato <strong>de</strong> cipó e talas. Destematerial são feitos instrumentos <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>, como o matapi e o paredão, bemcomo utensílios <strong>do</strong>mésticos, como tupé, peneiras, paneiros e tipitis.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 2314 Perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>feso é aépoca <strong>de</strong> <strong>de</strong>sova das principaisespécies <strong>de</strong> peixes migra<strong>do</strong>res.Para cada bacia ou região temum perío<strong>do</strong> que é <strong>de</strong>fini<strong>do</strong>em portaria <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong><strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>. Na região <strong>de</strong><strong>Cametá</strong> é <strong>de</strong> 01 <strong>de</strong> novembroa 28 ou 29 <strong>de</strong> fevereiro (quatromeses).15 Sistema Nacional <strong>de</strong>Emprego, com <strong>de</strong>legacia emcada esta<strong>do</strong> da fe<strong>de</strong>ração.O SINE é órgão <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong><strong>do</strong> Trabalho e é o paga<strong>do</strong>r <strong>do</strong>seguro <strong>de</strong>feso <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>resartesanais. Para caracterizaresse direito vários órgãos <strong>do</strong>governo são envolvi<strong>do</strong>s, o quegera gran<strong>de</strong> ineficiência <strong>do</strong>sistema. Primeiro: O Ibamatem que emitir a portaria<strong>de</strong>finin<strong>do</strong> o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>fesopara cada bacia. Segun<strong>do</strong>: aSEAP - Secretaria Especial <strong>de</strong>Aqüicultura e Pesca tem quecomprovar que o cidadãoexerce a profissão e que nãotem nenhum impedimento paraacessar o benefício. Terceiro:O MTE, após consultar aprevidência social, autoriza opagamento.A economia extrativista apresenta fortes oscilações entre operío<strong>do</strong> <strong>de</strong> liberação da <strong>pesca</strong> e safra <strong>do</strong> açaí, quan<strong>do</strong> a populaçãotem seu maior rendimento, e o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>feso 14 <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>e entressafra <strong>do</strong> açaí, quan<strong>do</strong> ocorre uma queda vertiginosa daeconomia.Da<strong>do</strong>s levanta<strong>do</strong>s pelo SINE/PA 15 apontam que: 32% têmrendimento <strong>de</strong> um a <strong>do</strong>is salários mínimos. 23,5% <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>resobtêm renda mensal <strong>de</strong> até um SM. No esta<strong>do</strong>, este estu<strong>do</strong> indicaque 7,5% têm rendimento acima <strong>de</strong> cinco SMs.Uma pesquisa realizada pela UFPA (Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral <strong>do</strong> Pará)nas ilhas <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> mostra que sem estabelecer uma separaçãorigorosa com as ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>, o açaí passa a ser reconheci<strong>do</strong>com uma ativida<strong>de</strong> principal no seu perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> safra que, em geral,correspon<strong>de</strong> aos meses <strong>de</strong> agosto e novembro. Nesses meses, a <strong>pesca</strong>não <strong>de</strong>saparece, mas os chefes das unida<strong>de</strong>s familiares avaliam que opeixe fica muito mais escasso, obrigan<strong>do</strong> os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res a se <strong>de</strong>slocarpara lugares cada vez mais distantes. Mas, às vezes, por situaçõesfamiliares específicas, isso não é possível. Aí então, a colheita <strong>do</strong>açaí passa a ser praticada com mais freqüência. No perío<strong>do</strong> daentressafra, o preço da lata se eleva, chegan<strong>do</strong> a custar até R$ 40,00.No perío<strong>do</strong> da safra há uma queda no preço, chegan<strong>do</strong> a ser pagopelo atravessa<strong>do</strong>r até R$ 2,00. A maior freqüência <strong>de</strong> coleta <strong>do</strong> açaíé <strong>de</strong> 4 a 5 vezes por semana (28,6%); aqueles que praticam essaativida<strong>de</strong> diariamente representam 21,4%, enquanto na <strong>pesca</strong> essafreqüência relativa é <strong>de</strong> 57,1%. A média <strong>de</strong> pessoas <strong>de</strong> cada unida<strong>de</strong>familiar que é envolvida nessa ativida<strong>de</strong> é <strong>de</strong> 3,2. Na <strong>pesca</strong>, essamédia cai para 2,4.A renda total gerada soma R$ 393,00 no perío<strong>do</strong> da safra. Noperío<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>feso, essa renda na produção cai, mas é compensadapelo seguro-<strong>de</strong>feso que complementa com um SM mensal para cada<strong>pesca</strong><strong>do</strong>r ou <strong>pesca</strong><strong>do</strong>ra. Como a <strong>pesca</strong> não é totalmente fechada,há o limite legal <strong>de</strong> captura <strong>de</strong> cinco quilos por <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r/dia nãopo<strong>de</strong>n<strong>do</strong> comercializar as espécies proibidas pela portaria.


24Série SistematizaçãoA Colônia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res Z-16 <strong>de</strong><strong>Cametá</strong>: Lutas e ConquistasA Colônia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res Z-16 <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> foi fundada em junho <strong>de</strong> 1923 pela capitania <strong>do</strong>sportos <strong>do</strong> Pará e Amapá com o objetivo <strong>de</strong> servir aos interesses <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> e ser instrumento <strong>de</strong><strong>do</strong>minação.Durante muito tempo, as Colônias permaneceram subordinadas ao <strong>Ministério</strong> da Marinha.Eram consi<strong>de</strong>radas “reservas” e seus integrantes eram obriga<strong>do</strong>s a prestar serviços gratuitos àMarinha – como guiar navios no labirinto fluvial amazônico, pelo conhecimento <strong>do</strong>s rios que os<strong>pesca</strong><strong>do</strong>res possuíam, e <strong>pesca</strong>r para alimentar a tropa da armada.A partir da década <strong>de</strong> 40, na época <strong>do</strong> governo <strong>de</strong> Getúlio Vargas, a subordinação dasColônias <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res passou para o <strong>Ministério</strong> da Agricultura que, entre outras coisas,estabeleceu o estatuto único para todas as Colônias <strong>do</strong> Brasil. Desse mo<strong>do</strong>, em vez dasubordinação aos militares, as colônias passaram a servir aos interesses <strong>de</strong> políticos e, porconseguinte, às elites locais.A partir <strong>de</strong> 1982, com o auge <strong>do</strong>s movimentos sociais no Brasil, a Prelazia <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>passou a fazer um gran<strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> conscientização <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res, surgin<strong>do</strong> daí, aindaque timidamente, um grupo <strong>de</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res que partiram para a realização <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong>base mais intenso. A Igreja pretendia remover as algemas que prendiam os trabalha<strong>do</strong>res aosgrupos oligárquicos, que eram a elite comercial afortunada <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>. Amplas camadas <strong>de</strong>trabalha<strong>do</strong>res rurais e <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res pauperiza<strong>do</strong>s viviam da ajuda <strong>do</strong>s “patrões” <strong>do</strong> aviamento. O“patrão” era, no campo, o que o “figurão” era na cida<strong>de</strong>.


A patronagem era o sistema <strong>de</strong> relações e o aviamento era a “operacionalização”da patronagem, que se dava na forma <strong>de</strong> “crédito sem dinheiro” entre o comerciantee os extrativistas. O comerciante sedia<strong>do</strong> na capital, Belém, supria a pessoa <strong>de</strong> suarelação em <strong>Cametá</strong> (gran<strong>de</strong>s comerciantes – patrão para os extrativistas), parareceber, em pagamento, o produto físico recolhi<strong>do</strong>. O patrão atendia à necessida<strong>de</strong><strong>do</strong>s extrativistas na mesma lógica, trocan<strong>do</strong> produção por produtos <strong>do</strong> comércio.Dinheiro, só em caso <strong>de</strong> <strong>do</strong>ença. O camponês se sentia atendi<strong>do</strong> e tinha merca<strong>do</strong> certopara sua produção; e o patrão aumentava sua renda. “Ele compra por cinco o que vale20 e ven<strong>de</strong> por 20 o que vale cinco”, como reza um dito regional.Uma das metas <strong>do</strong> grupo que se formou com a ajuda da igreja era a tomadada Colônia. Partiram, então, para a disputa, com intuito <strong>de</strong> tomar para si odirecionamento da entida<strong>de</strong>, que afinal havia si<strong>do</strong> criada para favorecer a classe<strong>pesca</strong><strong>do</strong>ra. Disputaram duas eleições, sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>rrota<strong>do</strong>s em ambas em pleitosfraudulentos, basea<strong>do</strong>s no estatuto imposto pelo <strong>Ministério</strong> da Agricultura que davaplenos po<strong>de</strong>res à elite no coman<strong>do</strong> da situação.Com a promulgação da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988 e com a mobilização <strong>do</strong>s<strong>pesca</strong><strong>do</strong>res em to<strong>do</strong> o Brasil, conquistou-se a autonomia <strong>de</strong> organização. As Colôniaspu<strong>de</strong>ram, enfim, elaborar seu próprio estatuto.<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 25


26Série SistematizaçãoÉ necessário lembrar que, na luta para a Colônia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res Z-16<strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> ser dirigida pelos verda<strong>de</strong>iros <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res, algumas pessoastornaram-se importantes. Destacam-se, no perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> 1980 a 1989, algunscompanheiros como Felipe Monteiro <strong>do</strong>s Santos, <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r, mora<strong>do</strong>rda localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Itaúna, que encabeçou a junta governativa; CarlosSchafhashec Neto, representante da Prelazia, hoje Secretário Estadual daPesca; e outros, que tiveram papel importante nesta conquista. No início<strong>do</strong>s anos 90, os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res intensificaram a luta e foram gradativamentebuscan<strong>do</strong> seu espaço, forman<strong>do</strong> uma gran<strong>de</strong> frente luta<strong>do</strong>ra na qual se<strong>de</strong>stacavam Juvenal Viana Teles 16 , Ney Lobato Gomes, José Fernan<strong>de</strong>s Barra 17 ,e o atual presi<strong>de</strong>nte da Colônia, Iracy <strong>de</strong> Freitas Nunes.Com as mobilizações e assembléias conseguiram modificar o estatutoda entida<strong>de</strong>, respalda<strong>do</strong>s pelas conquistas inseridas na ConstituiçãoFe<strong>de</strong>ral. Formaram uma junta governativa que venceu o pleito <strong>de</strong> 1989, masnão conseguiram assumir a presidência, impedi<strong>do</strong>s, mais uma vez, pelopresi<strong>de</strong>nte da FEPA (Fe<strong>de</strong>ração <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Pará), o que obrigou os<strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais a entrar na justiça. Meses <strong>de</strong>pois, tiveram ganho<strong>de</strong> causa, fican<strong>do</strong> a Colônia, a partir <strong>de</strong> então, nas mãos <strong>do</strong>s próprios<strong>pesca</strong><strong>do</strong>res. Porém,“Nós esbarrava no estu<strong>do</strong>, era tu<strong>do</strong> analfabeto. Nós tinha a vonta<strong>de</strong>,ganhemo a Colônia com a cara e a coragem”.João Pereira, <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r da localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> CuxipiariJosé Fernan<strong>de</strong>s Barra, atualmente verea<strong>do</strong>r, nasci<strong>do</strong> da luta <strong>do</strong>s<strong>pesca</strong><strong>do</strong>res, da qual participou, sen<strong>do</strong> eleito secretário em 1994, analisaque:“Nessa época, era muito difícil a gente implementar algumaorganização, porque eles viam a colônia como um órgão assistencialista,clientelista. Estava muito naquela idéia <strong>de</strong> que a colônia era pra po<strong>de</strong>rtirar ficha para uma consulta médica, extrair <strong>de</strong>nte etc. Não viam comouma entida<strong>de</strong> <strong>de</strong> organização que pu<strong>de</strong>sse estar à frente <strong>de</strong> outras lutas,na busca <strong>de</strong> outros benefícios”.Hoje, os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s uma classe organizada.Adquiriram, por um longo processo <strong>de</strong> lutas e práticas, um novo mo<strong>de</strong>lo <strong>de</strong>gestão para direcionar a categoria. Foi fundamental na tomada <strong>do</strong> po<strong>de</strong>rpolítico local (Prefeitura administrada pelo PT).16 Juvenal Viana Teles foium <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s baluartesda conquista da Colônia <strong>de</strong>Pesca<strong>do</strong>res. Exerceu <strong>do</strong>ismandatos segui<strong>do</strong>s e veio afalecer no ano <strong>de</strong> 2002, masconstruiu sua história junto àcategoria <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res nomunicípio e no esta<strong>do</strong> <strong>do</strong> Pará.17 José Fernan<strong>de</strong>s Barrasuce<strong>de</strong>u Juvenal Viana Teles ese elegeu em seguida verea<strong>do</strong>r<strong>do</strong> município, o que vem<strong>de</strong>monstran<strong>do</strong> a gran<strong>de</strong> força<strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 27Estrutura e funcionamento da Colônia Z-16 <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>A hierarquia das organizações <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res no Brasil é a seguinte:Confe<strong>de</strong>ração Nacional <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>resFe<strong>de</strong>ração Estadual <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>resColônia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>resAs Colônias estão distribuidas em Zonas. As zonas representam as áreas <strong>de</strong>atuação, geralmente os limites <strong>do</strong>s municípios. Cada município é uma zona. Cadazona tem suas estruturas organizadas <strong>de</strong> diversas formas: capatazias, secretarias,núcleos. Em <strong>Cametá</strong> são as coor<strong>de</strong>nações, antes chamadas <strong>de</strong> capatazias, distribuídasnas ilhas como forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>scentralizar a administração. Os coor<strong>de</strong>na<strong>do</strong>res são osrepresentantes legítimos da diretoria e fazem as <strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> exercício da profissão,por estar mais próximos <strong>do</strong>s que exercem a <strong>pesca</strong>. As coor<strong>de</strong>nações têm a função <strong>de</strong>organizar os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res para os <strong>de</strong>safios, lutas e participação. Em <strong>Cametá</strong>, são 7.500associa<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> um total aproxima<strong>do</strong> <strong>de</strong> 15 mil <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res 18 .A colônia não sobrevive somente <strong>do</strong> pagamento <strong>do</strong>s seus associa<strong>do</strong>s. A partir <strong>de</strong>projetos aprova<strong>do</strong>s 19 consegue maior abrangência em termos <strong>de</strong> organização dascomunida<strong>de</strong>s, novas possibilida<strong>de</strong>s e alternativas para a geração <strong>de</strong> renda e maiorpresença junto aos seus representa<strong>do</strong>s.18 Da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2005. A estimativa <strong>de</strong> número total <strong>de</strong><strong>pesca</strong><strong>do</strong>res é aproximada porque muitos não têm <strong>do</strong>cumentos.Muitas pessoas dizem que nunca precisaram <strong>de</strong> nada que exija<strong>do</strong>cumentos, por isso não se interessam em tirá-los; dizemque não precisam da Colônia, nem <strong>do</strong> Sindicato, e preferemficar sem registros. Muitos outros tiram, aproveitan<strong>do</strong> ascampanhas.19 Com fontes como PDA, FNMA, PNUD, IIEB/PADIS.


28Série SistematizaçãoOs <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong><strong>de</strong> Pescano Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>A <strong>pesca</strong> e a relação com o rio marcam a vida material e social <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>resartesanais que utilizam, <strong>de</strong> mo<strong>do</strong> sustentável a biodiversida<strong>de</strong> nele existente como fonte<strong>de</strong> alimentos.“Os ribeirinhos habitam às margens das águas Tocantinas, a gran<strong>de</strong> maioriapaupérrima, vive <strong>do</strong> mais primário extrativismo — a quilômetros <strong>de</strong> distância daschamadas conquistas da civilização. Filhos, muitos filhos, são a única fartura nessasilhas multicoloridas.” (Carvalho, 1998)Rios, lagos, igarapés, furos corporificam o espaço <strong>do</strong> homem ribeirinho <strong>do</strong> BaixoTocantins e permitem a obtenção <strong>de</strong> sua subsistência. As águas são fonte <strong>de</strong> alimentação,<strong>de</strong> produtos para comercializar e <strong>de</strong> vias <strong>de</strong> transporte, manten<strong>do</strong> viva sua cultura <strong>de</strong>economia extrativista. Os apetrechos <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> tipo malha<strong>de</strong>ira, matapi, linha <strong>de</strong> anzol,tira<strong>de</strong>ira, arpão, zagaia, espinhel, pari, paredão, que por séculos vêm sen<strong>do</strong> utiliza<strong>do</strong>s poresses povos das águas, representam essa dinâmica cultural.


Esse equilíbrio foi quebra<strong>do</strong> com os impactos sociais, ambientais e econômicosda barragem <strong>de</strong> Tucuruí. Como estratégias <strong>de</strong> permanência nos seus espaços, ascomunida<strong>de</strong>s estão <strong>de</strong>senvolven<strong>do</strong> uma nova forma <strong>de</strong> manejar seus recursospesqueiros, adaptan<strong>do</strong>-se às novas condições ambientais. O elemento central <strong>de</strong>ssanova estratégia é o Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca, que tem se consolida<strong>do</strong> em várias comunida<strong>de</strong>s.Esses acor<strong>do</strong>s, <strong>de</strong>limita<strong>do</strong>s a um rio ou um lugar situa<strong>do</strong> em várzea, <strong>de</strong>finem regrascujo principal objetivo é diminuir o esforço <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> por meio da limitação <strong>de</strong>acesso e <strong>de</strong> formas <strong>de</strong> uso. Limitar o acesso significa restringir locais on<strong>de</strong> não sepo<strong>de</strong>m praticar <strong>de</strong>termina<strong>do</strong>s tipos <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> como, por exemplo, nos poços <strong>de</strong>reprodução não se po<strong>de</strong> lançar re<strong>de</strong>, mas é permiti<strong>do</strong> <strong>pesca</strong>r com caniço. E formas<strong>de</strong> uso são regras como: não bater na vegetação ciliar, não cortar a vegetação, nãomatar tucunarés quan<strong>do</strong> estão no ninho, <strong>de</strong>terminação <strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> que po<strong>de</strong>ser capturada e, quan<strong>do</strong> fazem a <strong>pesca</strong> coletiva, a forma <strong>de</strong> divisão da captura. Oobjetivo <strong>de</strong>ssas regras e limitações é assegurar a manutenção da produtivida<strong>de</strong> <strong>do</strong>srios.O Ibama, reconhecen<strong>do</strong> sua incapacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mediar esses conflitos e gerenciaros recursos pesqueiros da região está mudan<strong>do</strong> sua filosofia <strong>de</strong> gestão, <strong>de</strong>finin<strong>do</strong>critérios e mecanismos para legalizar os acor<strong>do</strong>s e integrá-los no sistema formal <strong>de</strong>gerenciamento pesqueiro. Para isso, conta com o respal<strong>do</strong> <strong>de</strong> normas, estatutos eregimentos cria<strong>do</strong>s pelo governo fe<strong>de</strong>ral (Portaria 29 <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001) epelas próprias comunida<strong>de</strong>s.No município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> começou-se a pensar nos acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> a partir <strong>de</strong>1985, com a primeira experiência na comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Paruru <strong>de</strong> Janua-Coelis. Foi apartir <strong>de</strong>ssa iniciativa que os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais começaram a formular <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong><strong>de</strong> <strong>pesca</strong> em reuniões comunitárias, estabelecen<strong>do</strong> um conjunto <strong>de</strong> regras com aparticipação <strong>de</strong> toda a comunida<strong>de</strong> e <strong>de</strong>finin<strong>do</strong> o acesso e uso <strong>do</strong> recurso pesqueiro.A emergência <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca é uma evidência <strong>de</strong> que os usuários locaissão agentes ativos que respon<strong>de</strong>m aos problemas ambientais. O acor<strong>do</strong> parte dascaracterísticas <strong>do</strong> ecossistema e <strong>do</strong>s atores sociais locais, mas sempre a<strong>de</strong>quan<strong>do</strong> essasespecificida<strong>de</strong>s à legislação ambiental, para que não se criem armadilhas legais quepossam ser questionadas por outrem.<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 29


30Série SistematizaçãoOs Pesca<strong>do</strong>res ArtesanaisRibeirinhosDentre os principais atores relaciona<strong>do</strong>s ao uso <strong>do</strong> recurso <strong>de</strong> várzea estão incluí<strong>do</strong>sos <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong>s <strong>de</strong> ribeirinhos. Geralmente, moram emcomunida<strong>de</strong>s compostas <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>zena a algumas centenas <strong>de</strong> unida<strong>de</strong>s familiarescom relação <strong>de</strong> parentesco. As comunida<strong>de</strong>s apresentam uma organização básica <strong>de</strong>li<strong>de</strong>rança política, religiosa e esportiva, e na maioria das vezes possuem alguma infraestruturacomo escola, meios <strong>de</strong> transporte etc.Os ribeirinhos mantêm uma ativida<strong>de</strong> mista <strong>de</strong> uso <strong>de</strong> recursos incluin<strong>do</strong> <strong>pesca</strong>,criação <strong>de</strong> pequenos animais (galinhas, patos, porcos) e extrativismo vegetal. Aimportância <strong>de</strong> cada ativida<strong>de</strong> na economia familiar po<strong>de</strong> variar bastante <strong>de</strong> umafamília para outra, mas no geral todas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da <strong>pesca</strong> e <strong>do</strong> extrativismo vegetal.Os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais são os cria<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca e os que mais sebeneficiam com o seu estabelecimento. No entanto, é necessário ter uma visão <strong>de</strong>futuro e sair <strong>do</strong> imediatismo para perceber isso, já que a finalida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s éampliar os estoques pesqueiros por meio <strong>de</strong> estratégias <strong>de</strong> limitação <strong>de</strong> acesso e <strong>de</strong>uso.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 31Conjunto <strong>de</strong> Regras<strong>do</strong>s <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> PescaO “Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca” é fruto <strong>de</strong> um processo <strong>de</strong> discussão. É construí<strong>do</strong> a partir <strong>de</strong>sucessivas reuniões para assegurar o máximo <strong>de</strong> representativida<strong>de</strong> entre os diferentesusuários <strong>do</strong>s recursos. As regras incorporam aspectos culturais locais, econômicose políticos, como o sistema <strong>de</strong> patronagem, e questões externas, como a políticagovernamental e o merca<strong>do</strong>.Em termos oficiais, a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> é regulada por uma legislação fe<strong>de</strong>rale por portarias estaduais e municipais, além das portarias regionais <strong>do</strong> Ibama noperío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>feso. A ausência <strong>do</strong>s po<strong>de</strong>res públicos e a ina<strong>de</strong>quação das portarias<strong>de</strong> <strong>de</strong>feso ao sistema ecológico e social <strong>do</strong>s rios 20 têm possibilita<strong>do</strong> o crescimento <strong>de</strong>iniciativas locais como mecanismo <strong>de</strong> gerenciamento da <strong>pesca</strong>.Para participar <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s o critério básico é residir numa das comunida<strong>de</strong>senvolvidas. As regras são dirigidas aos seguintes aspectos: a) apetrechos <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>;b) local <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>; c) espécies <strong>de</strong> peixe; d) estação <strong>do</strong> ano. Delimitam o acesso ao riocrian<strong>do</strong>, em princípio, certos conflitos <strong>de</strong>ntro e fora da comunida<strong>de</strong>.Um exemplo é a proibição <strong>do</strong> puçá, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong> predatório por capturar peixes<strong>de</strong> diferentes espécies. Não é seletiva para tamanho <strong>do</strong>s peixes e é feito em forma <strong>de</strong>arrasto, revolven<strong>do</strong> o fun<strong>do</strong> <strong>do</strong>s rios.Embora as regras <strong>de</strong> acesso e uso sejam relativamente claras e reafirmemlegislações já existentes <strong>de</strong> forma simplificada, a maioria <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s carece <strong>de</strong> umaestrutura consistente <strong>de</strong> regras <strong>de</strong> punição e fiscalização. As punições mais utilizadassão: advertência oral pela comissão da Associação 21 , apreensão temporária e <strong>de</strong>struição<strong>do</strong>s apetrechos <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> proibi<strong>do</strong>s; em seguida, <strong>de</strong>núncia aos órgãos competentes; e,em alguns casos, raros, chega-se à reclusão <strong>do</strong> infrator. Em caso <strong>de</strong> se chegar a essaúltima alternativa, o Ibama solicita o apoio da polícia.20 Por exemplo: alguns tipos <strong>de</strong> material <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> predatória não estavam incluí<strong>do</strong>s na lei <strong>de</strong> crimes ambientais (foram incluí<strong>do</strong>s recentemente, com a Portaria043/2004 <strong>do</strong> Ibama). Outro exemplo <strong>de</strong> ina<strong>de</strong>quação é que a portaria é para a Bacia <strong>do</strong> Araguaia-Tocantins, que são realida<strong>de</strong>s totalmente diferentes. Operío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>feso <strong>do</strong> Tocantins é basea<strong>do</strong> nos estu<strong>do</strong>s realiza<strong>do</strong>s no Araguaia e no Amazonas. Os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res da região, por experiência, afirmam que o<strong>de</strong>feso <strong>de</strong>veria ser <strong>de</strong> outubro a janeiro e não novembro, e que a lista <strong>de</strong> proibição <strong>de</strong>veria ser outra, porque muitas espécies da lista não estão no perío<strong>do</strong>reprodutivo nessa época. A discussão é ter uma portaria exclusiva para o baixo Tocantins, na região <strong>de</strong> baixo da barragem.21 A Comissão é formada durante o fechamento <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong>. São pessoas escolhidas na assembléia para serem responsáveis por receber reclamações,organizar eventos como palestras para as famílias, cursos <strong>de</strong> educação ambiental, legislação e para fazer a ligação entre a Associação e o Ibama. Geralmente,essas pessoas são da diretoria da própria associação e outros são apenas sócios.


32Série SistematizaçãoCom a legalização <strong>do</strong>s <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> pela Portaria MMA/Ibama 029 <strong>de</strong> 31 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 2001, estes ganharam força <strong>de</strong> lei e o apoio <strong>do</strong> Ibama no processo<strong>de</strong> fiscalização. Uma segunda inovação foi a formação <strong>de</strong> agentes ambientaisvoluntários das comunida<strong>de</strong>s, com po<strong>de</strong>r <strong>de</strong> constatação para organizar afiscalização <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s, autoriza<strong>do</strong>s pelo Ibama local.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 33Alguns apetrechos <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>Puçá – Gran<strong>de</strong> re<strong>de</strong> <strong>de</strong> malha fina, chega a 1.300 metros. Serve para fazer gran<strong>de</strong>sbloqueio e arrasta o fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio. Pega tu<strong>do</strong>; por isso, há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> extinguireste material. A existência <strong>de</strong>le em <strong>Cametá</strong> é fruto das relações patronais e políticasque se estabeleciam - muitos eram pequenos empresários com esse tipo <strong>de</strong> materialque precisa <strong>de</strong> uma turma <strong>de</strong> pelo menos 80 pessoas.Espinhel – Cabo (corda) on<strong>de</strong> ficam várias linhas <strong>de</strong>penduradas com anzol e, apósisca<strong>do</strong>, é estica<strong>do</strong> no rio. Os anzóis ficam cerca <strong>de</strong> meio metro distantes um <strong>do</strong> outroFerra<strong>de</strong>ira - Linha com vários anzóis (na mesma linha) com um peso na pontainferior. O <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r, ao i<strong>de</strong>ntificar o cardume, <strong>de</strong>sce a linha e fica tentan<strong>do</strong> “ferrar” opeixe. Os anzóis penetram no peixe, que não pega o anzol por não ter isca. É utiliza<strong>do</strong>exclusivamente na pega <strong>de</strong> mapará.Malha<strong>de</strong>ira – é a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> fabricada <strong>de</strong> fibra, tem malhas <strong>de</strong> 4 a 6 mmentre nós e geralmente tem até 100 metros. O termo malha<strong>de</strong>ira é <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> ao material<strong>de</strong> fabricação e o tamanho. A re<strong>de</strong> é <strong>de</strong> naylon e po<strong>de</strong> ser <strong>de</strong> até 1000 metros,<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>n<strong>do</strong> da situação financeira <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r.


34Série SistematizaçãoAs Experiências <strong>do</strong>s<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pescanas Comunida<strong>de</strong>s<strong>do</strong> Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>O Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca <strong>do</strong> RioJorocazinho <strong>de</strong> BaixoA Acopremarj (Associação Comunitária <strong>de</strong> Preservação <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> <strong>do</strong> RioJorocazinho) é uma entida<strong>de</strong> civil sem fins lucrativos, regida pelos seus estatutos epelas disposições legais aplicáveis. Tem o apoio das seguintes entida<strong>de</strong>s: Ibama,Colônia Z-16 e PDAA referida Associação, usan<strong>do</strong> <strong>de</strong> suas atribuições legais e estatutárias, <strong>de</strong>creta aseguinte nota:- To<strong>do</strong>s os mora<strong>do</strong>res da área em preservação têm o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> colaborar pelo bemestar da população ajudan<strong>do</strong> na educação ambiental, preservan<strong>do</strong> junto ao meioambiente.Para que os objetivos sejam alcança<strong>do</strong>s <strong>de</strong>vem ser obe<strong>de</strong>cidas as normasestatutárias como:- Pescar no rio sem usar instrumentos predatórios como:Malha<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> arrastão, ceboleira, tarrafa, fisga<strong>de</strong>ira e puçá.- Não será permitida a exportação <strong>do</strong>s alevinos (peixe miú<strong>do</strong>) tiração <strong>de</strong> acarí,vendas <strong>de</strong> pássaros e animais silvestres.É proibi<strong>do</strong> também o acesso <strong>de</strong> pessoal no local on<strong>de</strong> será feita a <strong>pesca</strong> <strong>do</strong> maparáevitan<strong>do</strong> assim a invasão e proteção aos mergulha<strong>do</strong>res.Não é permiti<strong>do</strong> corte <strong>de</strong> aturiá na área preservada assim como baque <strong>de</strong> águacom vara na beira <strong>do</strong> rio.A bacia <strong>do</strong> poço da rampa é intocável.OBS: As malha<strong>de</strong>iras a serem usadas serão limitadas da seguinte forma: malha 30mm e com 30 metros <strong>de</strong> comprimento.Vamos to<strong>do</strong>s <strong>de</strong>senvolver sem <strong>de</strong>predar!Jorocazinho <strong>de</strong> Baixo, 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 2001.Acopremarj, Ibama, Colônia Z-16 e PDA


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 35


36Série SistematizaçãoLocalizada a cerca <strong>de</strong> 8 km da se<strong>de</strong> <strong>do</strong> município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>, a comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jorocazinho <strong>de</strong>Baixo faz parte <strong>do</strong> complexo <strong>de</strong> ilhas da região Tocantina. O rio é <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> extensão e <strong>de</strong> enormebeleza e sua população tem si<strong>do</strong> um importante exemplo na luta pela preservação <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>.É uma comunida<strong>de</strong> engajada, que não tem medi<strong>do</strong> esforço para sensibilizar os mora<strong>do</strong>res para aimportância <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> e para a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> respeitar o perío<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>feso.Por que foi feito o acor<strong>do</strong>A necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> chamar uma discussão sobre Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca e preservação <strong>do</strong> rioaconteceu por conta da escassez <strong>de</strong> alimento, sobretu<strong>do</strong> o <strong>pesca</strong><strong>do</strong> - peixe e camarão. Alémdisso, havia também o aumento <strong>de</strong> <strong>do</strong>enças, <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à má qualida<strong>de</strong> da água. Tu<strong>do</strong> isso em<strong>de</strong>corrência <strong>do</strong>s impactos negativos causa<strong>do</strong>s pela Usina Hidrelétrica <strong>de</strong> Tucuruí. D. Rita,mora<strong>do</strong>ra e lí<strong>de</strong>r comunitária da região, faz as seguintes consi<strong>de</strong>rações:Des<strong>de</strong> 92, ou muito antes, a gente já vinha se preocupan<strong>do</strong> com a escassez <strong>do</strong> lugar, <strong>do</strong>ençasque a gente vinha também observan<strong>do</strong> e, lá pelo mea<strong>do</strong> <strong>de</strong> 92, a gente fez reuniões aqui.Teve um sócio da associação, João Figueire<strong>do</strong>, ele chegou aqui e falou: olha nós vamos ter quetomar mesmo providência, porque não tem mais nada pra nós.Um <strong>do</strong>s importantes i<strong>de</strong>aliza<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca na localida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jorocazinho <strong>de</strong> Baixofoi o <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r João Figueire<strong>do</strong> Alves, que disse o seguinte:Eu tinha uma impressão que esse nosso rio aqui podia ter muito peixe, mas só que nesseperío<strong>do</strong> tinha uma tiração <strong>de</strong> acari aqui no rio, tinha também uma cercada com malha<strong>de</strong>ira,uma extensão <strong>de</strong> cem metro e o pessoal caía <strong>de</strong> vara, baten<strong>do</strong> água... Isso atinge umaextensão muito gran<strong>de</strong>, essa zoada espanta o peixe. Com isso, não tem lugar que fique peixee to<strong>do</strong> lugar fica faminto. Eu comecei a anunciar, eu tinha uma idéia <strong>de</strong> preservar isso daqui,se o povo me ajudasse nós ia ver se conseguia isso.A “tiração <strong>de</strong> acari” a que o <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r se refere é a pega <strong>de</strong> acari no fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio, <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>stroncos das árvores. Mergulha-se e tira com as mãos. È uma prática con<strong>de</strong>nável porque revirato<strong>do</strong> o fun<strong>do</strong> <strong>do</strong> rio e afugenta os peixes que inclusive queiram <strong>de</strong>sovar no local.O instrumento <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> chama<strong>do</strong> puçá (uma re<strong>de</strong> <strong>de</strong> malha muito fina) teve um importantepapel na escassez <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 37Eu recor<strong>do</strong> muito bem que num dia, foi nessa bacia da rampa aí, seguidamente, <strong>de</strong>ntro<strong>de</strong> poucas horas, foram oito bloqueios <strong>de</strong> puçá! E nós lembramos bem que a últimacoisa que tiraram daí foram maravalha e folha que veio <strong>do</strong> funco... Naquela época eramuito a invasão sobre a tiração <strong>de</strong> acarí, muitos homens que se jogavam aí puxan<strong>do</strong>pau <strong>do</strong> fun<strong>do</strong>. Nessa época <strong>de</strong>u um surto <strong>de</strong> diarréia aqui. Quan<strong>do</strong> vinha a água, queenchia…Era só lama! E com isso a gente resolveu tomar essa iniciativa, foi por umanecessida<strong>de</strong>.(Dona Rita)Observa-se, pelo <strong>de</strong>poimento, que a utilização <strong>do</strong> puçá intensificou <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>cisivao processo <strong>de</strong> extinção <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>, basicamente porque, ten<strong>do</strong> malha muito fina, nãopermite que os peixes menores escapem para que possam atingir o tamanho i<strong>de</strong>al paraa <strong>pesca</strong>. O puçá, naquele momento em que o <strong>pesca</strong><strong>do</strong> começava a ser escasso na área,era um instrumento inova<strong>do</strong>r; gran<strong>de</strong> parte <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res a<strong>do</strong>tou este méto<strong>do</strong> por não<strong>de</strong>ixar nada “escapar <strong>de</strong> sua malha”.De acor<strong>do</strong> com D. Rita, o que faz o trabalho ser leva<strong>do</strong> em frente até hoje é anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> garantir a sobrevivência e melhores condições <strong>de</strong> vida para as pessoas.O que levou a gente foi essa necessida<strong>de</strong>, o prejuízo que a gente estava ten<strong>do</strong>. Essanecessida<strong>de</strong> está fazen<strong>do</strong> com que até hoje a gente possa levar esse trabalho emfrente… Essa <strong>de</strong>cisão que a gente tomou aqui, nós esperamos que seja tomada emoutros e outros lugares, para a melhoria da população.


38Série SistematizaçãoO que é a <strong>pesca</strong> <strong>do</strong> maparáPara enten<strong>de</strong>r a dinâmica da <strong>pesca</strong> artesanal na região, é preciso saber como se<strong>pesca</strong> o mapará, que é o peixe da alimentação popular regional.O mapará é um peixe liso <strong>de</strong> hábito iliófago (se alimenta <strong>de</strong> lo<strong>do</strong>s ou limo). É muitogor<strong>do</strong>, por isso a indústria <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> não o utiliza no processamento. Talvez seja porisso que não há pesquisa e nem interesse em pesquisar a dinâmica, a biologia e areprodução <strong>de</strong>sse peixe, uma vez que os centros <strong>de</strong> pesquisa, no caso o CEPNOR 22 , sóolham para a <strong>pesca</strong> industrial. É o peixe símbolo da região.A <strong>pesca</strong> <strong>do</strong> mapará se faz com re<strong>de</strong> aberta. É necessário uma turma <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong>50 <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res para que o peixe não fuja. Para i<strong>de</strong>ntificar o cardume há a figura <strong>do</strong>taleiro, que conhece o tamanho <strong>do</strong> cardume com uma tala (espécie <strong>de</strong> sonar). A re<strong>de</strong> éaberta em duas pontas, em forma <strong>de</strong> V. As duas pontas se encontram. Entram em açãoos mergulha<strong>do</strong>res, pessoas treinadas que mergulham com cabos para cruzar as duasmargens da re<strong>de</strong>, forman<strong>do</strong> um poço. Neste momento, o cardume está totalmentepreso. Daí vão puxan<strong>do</strong> a re<strong>de</strong>, fechan<strong>do</strong> cada vez mais o espaço, até ficar emcondição <strong>do</strong> peixe ser coleta<strong>do</strong> em paneiros e joga<strong>do</strong> nos barcos, que já estão a postospara receber.O mapará é como a visão total <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>, né. A gente sobrevive só <strong>de</strong> mapará...(D. Rita)22 Centro <strong>de</strong> Estu<strong>do</strong>s Pesqueiros <strong>do</strong> Norte <strong>do</strong> Brasil. Éum centro liga<strong>do</strong> ao IBAMA, que funciona no prédio daUniversida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral Rural da Amazônia, no Pará.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 39Como foi feito o acor<strong>do</strong>No Jorocazinho <strong>de</strong> Baixo o Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca começou no dia 19 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1993.Segun<strong>do</strong> o Sr.Gilberto, resi<strong>de</strong>nte no rio,A primeira reunião que nós tivemos aqui foi no dia 3 <strong>de</strong> abril <strong>de</strong> 1993. Naquele dia,tinha 21 pessoas <strong>do</strong> Joroca e uma pessoa <strong>do</strong> Jaituba. Esta foi a primeira reunião quenós tivemos. A segunda reunião foi no dia 6 <strong>de</strong> junho <strong>do</strong> mesmo ano, com o Ibama.Quan<strong>do</strong> nós fizemos o Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca aqui, que não tinha nada, nós não tivemosproblema com ninguém. Nós fizemos o acor<strong>do</strong>, saiu daqui, foi noticia<strong>do</strong> e não houveresistência <strong>de</strong> nenhuma pessoa, nem questionamento, porque não tinha nada. Agora,nós começamos a ter problema quan<strong>do</strong> começou a ter peixe <strong>de</strong> novo...D. Joana, que também é mora<strong>do</strong>ra <strong>do</strong> rio e membro da comunida<strong>de</strong>, complementa:Aqui nesta comunida<strong>de</strong> estava presente a colônia <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res, comunida<strong>de</strong>s locais<strong>do</strong> quarto distrito, prefeitura municipal <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>, câmara <strong>do</strong>s verea<strong>do</strong>res, Ibama,fórum judiciário da comarca <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>, Cuxipiari também estava presente… Reuniramaqui e foi assina<strong>do</strong> a fundação da Associação <strong>de</strong> Preservação <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong> <strong>do</strong> RioJorocazinho.Inicialmente, a idéia foi formar uma área <strong>de</strong> preservação que, segun<strong>do</strong> algunsmembros da comunida<strong>de</strong>, seria importante para conter a ação <strong>de</strong> alguns <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res queestavam agin<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma indiscriminada no rio, utilizan<strong>do</strong> instrumentos que prejudicavama reprodução e crescimento <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>. Para isso, o Sr. João Figueire<strong>do</strong> foi orienta<strong>do</strong> aprocurar o Ibama, pois era <strong>de</strong> suma importância conseguir apoio <strong>do</strong> órgão competente.Eu fui na cida<strong>de</strong>, fui falar com o Ibama porque, sem o apoio <strong>do</strong> Ibama, ninguém po<strong>de</strong>fazer nada… Eles me <strong>de</strong>ram o apoio, agra<strong>de</strong>ceram, aí eu pedi por escrito, pra po<strong>de</strong>rprovar que nós ia ter a reunião aqui 23 .23 Interessante observar o valor da palavra escrita, <strong>do</strong><strong>do</strong>cumento no papel. A força <strong>de</strong>ssa simbologia percorretoda a ação <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>; o <strong>do</strong>cumento escrito éaltamente valoriza<strong>do</strong>, embora muitas pessoas não saibam ler.A força da lei, <strong>de</strong> ser um <strong>do</strong>cumento com respal<strong>do</strong> legal, <strong>de</strong>estar apoia<strong>do</strong> pelos órgãos responsáveis, <strong>de</strong> ter assinaturas<strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, <strong>de</strong> ter si<strong>do</strong> discuti<strong>do</strong> e firma<strong>do</strong> em assembléia,tu<strong>do</strong> isso fica plasma<strong>do</strong> no papel. E esse papel é muitoimportante; os dirigentes costumam andar com cópias <strong>do</strong>sprincipais <strong>do</strong>cumentos em suas bagagens (mesmo que sejamanalfabetos), as pessoas gostam <strong>de</strong> ter cópias <strong>do</strong>s <strong>do</strong>cumentose as associações cuidam <strong>de</strong> seus arquivos.


40Série SistematizaçãoDan<strong>do</strong>-se conta da gravida<strong>de</strong> da situação, os mora<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Jorocazinho <strong>de</strong>Baixo iniciaram reuniões para tentar encontrar soluções capazes <strong>de</strong> conter aextinção <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>. Para isso, procuraram apoio <strong>de</strong> outras comunida<strong>de</strong>s, comoParuru <strong>de</strong> Janua Coeli, que já vinha realizan<strong>do</strong> o Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca. Também foisolicitada a ajuda <strong>do</strong> Ibama e da Colônia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res Z-16.Então nós resolvemos, no dia 5 <strong>de</strong> setembro <strong>do</strong> mesmo ano, fazer uma reuniãoaqui pra nós fazer a primeira <strong>pesca</strong>. Alguns verea<strong>do</strong>res vieram aqui, a colônia,já com o Juvenal, o Ibama. Foram cria<strong>do</strong>s alguns critérios, como seria dividi<strong>do</strong>o peixe, quem iria <strong>pesca</strong>r... Fizemos esse acor<strong>do</strong> pra fazer a primeira <strong>pesca</strong>.Nós tínhamos um objetivo, quan<strong>do</strong> foi feita a preservação aqui. Não proibimosninguém <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>r. O pessoal alega, como um advoga<strong>do</strong> tal chegou a fazerum <strong>do</strong>cumento e me tachou na frente <strong>do</strong> promotor, que nós tava privatizan<strong>do</strong>o rio…, Mas nós não proibimos aqui, jamais, uma pessoa <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>r. O que nósfizemos foi organizar e que acontecesse a <strong>pesca</strong>, sim, <strong>de</strong> uma forma correta eorganizada, foi esse o objetivo.(Sr. Gilberto, <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r e membro da comunida<strong>de</strong>)O acor<strong>do</strong> tem um forte caráter mobiliza<strong>do</strong>r e organizacional. Foram formadasequipes que realizaram visitas em todas as casas, para informar os mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca, sua importância para toda a comunida<strong>de</strong> e o que cada famíliapo<strong>de</strong>ria fazer para garantir seu funcionamento e continuação.João Rola, <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> rio Jorocazinho <strong>de</strong> Baixo, relata como se <strong>de</strong>u estetrabalho:Nesse processo, nós fizemos o seguinte: coloquemo tu<strong>do</strong> as regras, <strong>de</strong>pois nóssaímos <strong>de</strong> casa em casa colocan<strong>do</strong> pra cada mora<strong>do</strong>r. To<strong>do</strong>s os mora<strong>do</strong>r daquiarreceberam. Se hoje tem algum mora<strong>do</strong>r que não cumpre o que está no papele que foi prega<strong>do</strong> na pare<strong>de</strong>... Porque eu fui nas casas e preguei na pare<strong>de</strong> os<strong>de</strong>talhes que estavam escritos lá sobre a questão das leis <strong>do</strong> lugar.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 41BenefíciosOs benefícios alcança<strong>do</strong>s pelo acor<strong>do</strong> têm si<strong>do</strong> muitos e <strong>de</strong> gran<strong>de</strong>importância para a comunida<strong>de</strong>. Nos apontamentos da Comissão daAssociação, no ano <strong>de</strong> 1996, pescou-se o equivalente a cerca <strong>de</strong> 10 paneiros (umpaneiro pesa 50kg); em 2001, 200 paneiros; em 2003, chegou-se a 350 .Isso mobilizou os mora<strong>do</strong>res e fortaleceu as parcerias para a empreitada.As parcerias começaram a se intensificar, por exemplo, com a Colônia, como Ibama... Você está conseguin<strong>do</strong> mobilizar os mora<strong>do</strong>res pra esse tipo <strong>de</strong>coisa. Tem a questão da própria alimentação e tem também o la<strong>do</strong> socialque é sempre bom a gente <strong>de</strong>stacar.(João Rola, <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> Rio Jorocazinho <strong>de</strong> Baixo)Um outro importante benefício alcança<strong>do</strong>, segun<strong>do</strong> os mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> rio, foi anormatização <strong>do</strong>s instrumentos <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> permiti<strong>do</strong>s. João Rola <strong>de</strong>staca tais vantagensquan<strong>do</strong> diz que:Hoje nós temos um estatuto. Lá é coloca<strong>do</strong> que nós usamos malha<strong>de</strong>iramalha trinta, a fibra trinta também, e com trinta metro <strong>de</strong> comprimento por<strong>do</strong>is <strong>de</strong> altura, isso pra colocar em lugar a<strong>de</strong>quável… Outro é sobre o acarí, praque ninguém pu<strong>de</strong>sse mexer os paus <strong>do</strong> fun<strong>do</strong>. Também pra colocar tarrafa,que se colocasse no lugar, enquanto o espinhel, o caniço e a ferra<strong>de</strong>ira, estavamextinto…João Figueire<strong>do</strong> cita alguns instrumentos que constam no estatuto dacomunida<strong>de</strong> como proibi<strong>do</strong>s para a <strong>pesca</strong>.A tiração <strong>de</strong> acari, proibi<strong>do</strong>; a malhagem <strong>de</strong> arrasto aqui no rio, proibi<strong>do</strong>;a <strong>pesca</strong> <strong>de</strong> puçá, proibi<strong>do</strong>; a cercada <strong>de</strong> beira, proibi<strong>do</strong>. Certo é que nósconseguimos esses itens, proibimos to<strong>do</strong> esses …Essas proibições trouxeram alguns benefícios, relata<strong>do</strong>s pelos mora<strong>do</strong>res eti<strong>do</strong>s como <strong>de</strong> fundamental importância:Depois da implantação <strong>do</strong> acor<strong>do</strong>, nós já tivemos renda pra nós, pra essacomunida<strong>de</strong>, porque nós já peguemos peixes. Ano passa<strong>do</strong> nós peguemos umabase <strong>de</strong> <strong>de</strong>zesseis toneladas nessa região <strong>do</strong> aqui <strong>do</strong> Joroca … (João Rola)Nós temos consegui<strong>do</strong> e graças a Deus tem da<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>, porque agoraesse ano passa<strong>do</strong> <strong>de</strong>u tanto <strong>do</strong>ura<strong>do</strong> aqui nesse poço da rampa que pessoal<strong>de</strong> outros lugares vinham <strong>pesca</strong>r e puxavam quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peixe. Já tevegente <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>r esse mandubé, <strong>de</strong> puxar paneiro e meio <strong>de</strong> mandubé,<strong>pesca</strong>da.(João Figueire<strong>do</strong>)


42Série SistematizaçãoAno passa<strong>do</strong> <strong>de</strong>u muito mapará aqui. Pegaram uma semanatoda... Muita gente salgou, secou no sol e teve muita família que,em <strong>do</strong>is ou três dias, ven<strong>de</strong>ram. Isso já ajuda. E ajuda muito.Antes eles nunca me davam, mas hoje dão. Tirei a comida e aindafui comprar botijão <strong>de</strong> gás... A produção e a alimentação tambémmelhorou.(Dona Rita)Outros benefícios, segun<strong>do</strong> João Figueire<strong>do</strong>, estão, por exemplo, napossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> o <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r utilizar seu caniço para <strong>pesca</strong>r o peixesem agredir o meio ambiente, utilizan<strong>do</strong> apenas o suficiente para osustento da família.Depois que nós criamos esta organização, está dan<strong>do</strong> resulta<strong>do</strong>.Pelo menos este ano, agora no tempo <strong>do</strong> mapará, quan<strong>do</strong> iniciou asubida <strong>do</strong> peixe. O <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r daqui topou, tinha peixe aqui na rampapra seiscentos e tantos paneiros. Então tem vantagem, em outrostempos não parava esse peixe aqui…Segun<strong>do</strong> Dinar Cor<strong>de</strong>iro, com a implantação <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca,reforçou a autorida<strong>de</strong> <strong>do</strong> povo <strong>do</strong> lugar:Muitos se <strong>de</strong>ram bem com esse acor<strong>do</strong>. Naquelas alturas,por exemplo, se bloqueava um peixe aqui, quan<strong>do</strong> a gente já iachegan<strong>do</strong> lá, o cara 24 já tinha até corri<strong>do</strong>… Hoje não, pega o peixe,há o acor<strong>do</strong>…Eu acho que nós fomos até um espelho, porque quan<strong>do</strong>começou aqui, aí foi começan<strong>do</strong>, algum já foi ven<strong>do</strong>, algum vinhaver, mas foi cada um ir fazen<strong>do</strong> nos seus lugares… Acabou aquelenegócio <strong>de</strong> o <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r tem autorida<strong>de</strong>, jogar a re<strong>de</strong> no porto <strong>de</strong>quem ele quiser porque ele paga, porque ele faz isso e aquilo... Masque conversa é essa! Porque eu acho que um acor<strong>do</strong> <strong>do</strong> povo <strong>do</strong>lugar é uma autorida<strong>de</strong> total, porque é eles que faz o regulamentopro <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r.Antes <strong>de</strong> ter acor<strong>do</strong>, os <strong>do</strong>nos <strong>de</strong> puçás entravam em qualquerlugar, arrastavam e iam embora sem dar satisfação pra ninguém. Porisso que os confrontos, confrontos mesmo, aconteceram. Teve caso<strong>de</strong> quase assassinato. A divisão <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong> captura<strong>do</strong> nos bloqueiosé, hoje, parte <strong>do</strong> acor<strong>do</strong>.24 O <strong>do</strong>no da re<strong>de</strong>,que, na tradição <strong>do</strong>lugar, <strong>de</strong>veria distribuirparte <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong> para apopulação <strong>do</strong> lugar on<strong>de</strong>foi feito o bloqueio.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 43ConflitosTivemos problemas com alguns mora<strong>do</strong>res, inclusive, se for ver a história agente sabe que a situação aqui dividiu… E a coisa é que o peixe é <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s, opeixe tem <strong>do</strong>no, é coisa sagrada, foi Deus que nos <strong>de</strong>u pra nós. Agora, <strong>de</strong>u pranós cultivar. Então foi cria<strong>do</strong> um pensamento <strong>de</strong> grupo, como foi coloca<strong>do</strong> aí,e quan<strong>do</strong> apareceu o fruto <strong>do</strong> trabalho <strong>de</strong> grupo, aí começa a crescer o que?A ambição, o olho gran<strong>de</strong>, to<strong>do</strong> aquele negócio, aí começa os conflitos. Porqueapareceu fartura, aí fomos ten<strong>do</strong> os gran<strong>de</strong>s problemas. O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safiopela frente é pra tentar manter aquilo que queremos e até hoje temos nossasassociações mantida. Tivemos alguns problemas com mora<strong>do</strong>res e pessoas quevieram <strong>de</strong> outro local pra cá criar problema…(Jair, <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r e mora<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Rio Jorocazinho)João Rola avalia que ainda existem mora<strong>do</strong>res que não cumprem o Acor<strong>do</strong><strong>de</strong> Pesca. Ele diz que a culpa não é da comunida<strong>de</strong>, mas <strong>do</strong> próprio mora<strong>do</strong>r,que ainda não adquiriu a sensibilida<strong>de</strong> necessária para perceber que to<strong>do</strong> esteesforço está sen<strong>do</strong> feito para o benefício <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s. João Rola também reconhecea necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se fazerem novas reuniões para socializar com os mora<strong>do</strong>reso trabalho que está sen<strong>do</strong> feito, os resulta<strong>do</strong>s alcança<strong>do</strong>s e o que precisa sermelhora<strong>do</strong> com a ajuda <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s.Ainda não fizemos uma reunião com to<strong>do</strong>s os mora<strong>do</strong>res pra colocar algumacoisa sobre a questão <strong>do</strong> nosso lugar, <strong>do</strong> trabalho que estamos fazen<strong>do</strong>,porque ainda não chegou o momento. Mas nós estamos fazen<strong>do</strong>, primeiro nósfizemos isso, quer dizer, um alerta…


44Série SistematizaçãoEle diz que, embora alguns mora<strong>do</strong>res tenham transgredi<strong>do</strong> as regras <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca,nem por isso foram leva<strong>do</strong>s a julgamento no fórum judiciário. Explica que, quan<strong>do</strong> a associaçãofica saben<strong>do</strong> que alguém está agin<strong>do</strong> <strong>de</strong> má fé os associa<strong>do</strong>s chamam a atenção <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r.Para ele, alguns <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res não cumprem o <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca porque:Às vezes ele pensa por duas coisas: que naquele momento ele vai ser sacia<strong>do</strong> com o negócio<strong>do</strong> trabalho, que ele vai pegar um peixe, assaciar a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong>le, mas <strong>de</strong>pois ele não vaipensar que ele vai prejudicar o mesmo lugar. Essa questão <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r hoje, na região <strong>de</strong><strong>Cametá</strong>, é aqueles que ainda não tiveram essa consciência, porque o <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r que temsua consciência, ele não vai se prejudicar ele mesmo. Nós temos que trabalhar na questãoda economia porque se estamos trabalhan<strong>do</strong> naquele lugar, se eu acho que posso pegartrês quilos <strong>de</strong> peixe pra alimentação <strong>do</strong> dia, eu já tô satisfeito, mas tem gente que coloca amalha<strong>de</strong>ira, que pegou cinco quilos e acha que tem que pegar vinte, pra manter… Já vai fazerparte <strong>de</strong> negócio 25 .Ainda há conflitos também com pessoasque vêm <strong>de</strong> outros rios e se sentem no direito<strong>de</strong> <strong>pesca</strong>r da forma como bem enten<strong>de</strong>m,causan<strong>do</strong> certo mal-estar aos mora<strong>do</strong>res locais.Tu<strong>do</strong> isso tem resulta<strong>do</strong> em vários conflitos,haven<strong>do</strong> discussões bastante agressivas <strong>de</strong>s<strong>de</strong> oinício <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> até hoje. Os próprios mora<strong>do</strong>resreconhecem que isso sempre vai fazer parte <strong>do</strong>processo <strong>de</strong> manutenção <strong>do</strong> acor<strong>do</strong>.O primeiro gran<strong>de</strong> problema era o <strong>do</strong>no <strong>do</strong>terreno, que era “<strong>do</strong>no <strong>do</strong> rio”, foi o primeiroproblema que nós tivemos. Ele dizia que era<strong>do</strong>no <strong>do</strong> terreno e que ia mandar fazer a <strong>pesca</strong><strong>do</strong> peixe, que era <strong>de</strong>le porque ele era o <strong>do</strong>no<strong>do</strong> terreno e <strong>do</strong>no <strong>do</strong> rio. Nós enten<strong>de</strong>mosque os rios são <strong>de</strong> <strong>do</strong>mínio público e <strong>de</strong> usocomum <strong>do</strong> povo, então não é proprieda<strong>de</strong>particular. E se é <strong>de</strong> uso comum <strong>do</strong> povo,ele dita regra. A própria lei diz isso, é <strong>de</strong><strong>do</strong>mínio público, mas é proibi<strong>do</strong> <strong>pesca</strong>r talépoca, proibi<strong>do</strong> <strong>pesca</strong>r em área que está sobproteção. (Gilberto)25 A quantida<strong>de</strong> paracaptura diária, cincoquilos, é ditada pelalegislação <strong>do</strong> <strong>de</strong>feso.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 45Foi necessário o povo enten<strong>de</strong>r que esse tipo <strong>de</strong> intervenção – as regras<strong>do</strong> acor<strong>do</strong> - fazia-se necessário para garantir a reprodução <strong>do</strong>s peixes, com ointuito <strong>de</strong> afastar o perigo da extinção. Mas a questão da visão imediatista eindividualista é muito forte:Conflito, nós temos passa<strong>do</strong> muito e conflito não acaba porque mesmo on<strong>de</strong>não tem organização a gente vê conflito. Porque quan<strong>do</strong> a gente vê queaparece alguma coisa assim, quan<strong>do</strong> a gente organiza, que aparece as coisas,é mais quem pensa em si.Dinar Cor<strong>de</strong>iro, mora<strong>do</strong>r e <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> Rio Jorocazinho <strong>de</strong> Baixo, vê com<strong>de</strong>salento a falta <strong>de</strong> crença na organização e como alguns mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> lugar nãose conscientizam.Alguém não se dá bem com isto, porque ele estava acostuma<strong>do</strong> a fazer abagunça, ainda faz por aí, talvez escondi<strong>do</strong>…Eu acho que é uma <strong>do</strong>ença <strong>do</strong>povo, não querer obe<strong>de</strong>cer or<strong>de</strong>m, o regulamento, coisas que vêm até probenefício da gente…Tu<strong>do</strong> se torna muito mais difícil quan<strong>do</strong> não se tem outras alternativas, e JoãoRola, que também faz parte da Colônia <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res Z-16, diz o quanto é difícilcolocar em prática tu<strong>do</strong> aquilo que é discuti<strong>do</strong>:Eu estou há 20 anos na colônia baten<strong>do</strong> com esse pessoal e a gente nãoconsegue. Teve uma reunião lá ano passa<strong>do</strong> e nós conversan<strong>do</strong> sobre a questão<strong>do</strong> mapará miudinho, a lei, colocan<strong>do</strong> como é; e aí, quan<strong>do</strong> nós terminamos<strong>de</strong> lá, que nós vinha passan<strong>do</strong> aqui no Jaituba, o cara já tava bloquean<strong>do</strong> como puçá. Mas, oh meu Deus, será que ele não enten<strong>de</strong>u, ou ele fez aquilo <strong>de</strong>afronto? Ele tá se prejudican<strong>do</strong> mesmo, ele tá prejudican<strong>do</strong> a própria entida<strong>de</strong>que está apoian<strong>do</strong> ele… São coisas que a gente tem que pensar.Mas trabalhar a conscientização não é tarefa fácil em uma socieda<strong>de</strong> viciada.João Rola continua dizen<strong>do</strong> o quanto é difícil a tarefa <strong>de</strong> conscientizar os<strong>pesca</strong><strong>do</strong>res.O cara acha que <strong>de</strong>ve pegar o mapará <strong>de</strong> oito milímetro, que eu já tenho visto.Já levei pra cida<strong>de</strong>, já levei pro Ibama, porque sinceramente, um mapará <strong>de</strong>


46Série Sistematizaçãooito milímetro! Você acha que vai estar manten<strong>do</strong> a necessida<strong>de</strong> da pessoa, naqueledia mantém, mas no outro dia não vai manter. E se ele pegar quinhentos quilos <strong>de</strong>mapará miú<strong>do</strong>, <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> seis meses ele po<strong>de</strong> pegar esse mapará que vai estar maior,já com vinte centímetro... Esse mapará <strong>de</strong> vinte centímetro já não vai dar os quinhentosquilos, com certeza já vai dar seus oitocentos a uma tonelada. É isso que o pessoaltem que pensar, se nós pegar o camarão é a mesma coisa... Então são coisas que o<strong>pesca</strong><strong>do</strong>r, ele é exagera<strong>do</strong> no seu trabalho, ele ainda não tem essa consciência, eleacha que hoje sai com seis metros <strong>de</strong> malha<strong>de</strong>ira pro rio, pega 20 quilos, mais tar<strong>de</strong> eletorna voltar pra pegar mais 20 quilos, e assim que é o negócio.Na área conservada, po<strong>de</strong>-se <strong>pesca</strong>r; não po<strong>de</strong> é <strong>de</strong>srespeitar a legislação. O perío<strong>do</strong>em que a <strong>pesca</strong> é proibida – perío<strong>do</strong> <strong>do</strong> <strong>de</strong>feso - acaba sen<strong>do</strong> um importante motivopara que algumas famílias <strong>de</strong>ixem <strong>de</strong> cumprir o acor<strong>do</strong>. O seguro <strong>do</strong> <strong>de</strong>feso 26 não atingeto<strong>do</strong>s os mora<strong>do</strong>res das ilhas, porque não estão inseri<strong>do</strong>s na estrutura sindical. Por isso, éurgente o <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> trabalhos que garantam a sustentabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong>stas famílias,e a Eletronorte tem o compromisso moral <strong>de</strong> fazê-lo.26 Pagamento <strong>de</strong> umsalário como uma espécie<strong>de</strong> “seguro-<strong>de</strong>semprego”por reconhecimento <strong>de</strong>que o <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r, naqueleperío<strong>do</strong>, não po<strong>de</strong>exercer sua profissão.O problema é que nemto<strong>do</strong>s estão cadastra<strong>do</strong>se, por isso, não recebemo seguro <strong>do</strong> <strong>de</strong>feso.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 47Dificulda<strong>de</strong>sAlém <strong>do</strong>s conflitos internos e problemas <strong>de</strong> invasão <strong>de</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res <strong>de</strong>outros lugares, há a ausência <strong>de</strong> políticas públicas apropriadas, <strong>de</strong> crédito e <strong>de</strong>esclarecimento.Não tinha uma política voltada para a <strong>pesca</strong> no município. O que tinha era algumasajudas isoladas; quan<strong>do</strong> precisava ajeitar alguma coisa, ia lá com o prefeito eele ajudava… Se já tem uma política direcionada para a <strong>pesca</strong>, nós temos queter o conhecimento <strong>de</strong> para quem vem essa política. Porque as primeiras vezesquan<strong>do</strong> houve financiamento pra <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res, há mais <strong>de</strong> 20 anos, quem pegou odinheiro não foram <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res e sim o pessoal que comprava cacau, que compravapimenta…(Gilberto , <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> rio Jorocazinho <strong>de</strong> Baixo)O Sr. Dércio, também <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r local e membro da comunida<strong>de</strong>, faz o seguinteraciocínio com relação ao pouco apoio a iniciativas com essas:Às vezes a gente tenta trabalhar nessa área aí e não tem condição. A única coisaque a gente vê que está dan<strong>do</strong> apoio são essas entida<strong>de</strong>s particulares. Eu querialembrar até o que um senhor i<strong>do</strong>so me disse: olha, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> fala em preservara Amazônia, só que num tá dan<strong>do</strong> condição pra nós se manter na Amazônia. Ecom isso, o que vai acontecer, eles querem que nós preserve, mas não dão ascondição, e com isso o que vai acontecer: nós vamos acabar com a Amazônia emorre eles lá e nós aqui. Hoje a gente é <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r, não tem condição <strong>de</strong> manteroutra ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> se não for assim em coletivida<strong>de</strong>. E o apoio é através <strong>de</strong>entida<strong>de</strong>s particulares, então, se existir outra entida<strong>de</strong>, ou secretaria, por quenão se manifesta, pra que possa buscar condição pra gente movimentar essa áreaaí. Porque, se não tiver condição para a área pesqueira, o que nós vamos fazeré acabar. O po<strong>de</strong>r público <strong>de</strong>veria buscar condição para que a gente pu<strong>de</strong>ssetrabalhar e nos dar condição para preservar.


48Série SistematizaçãoOutra dificulda<strong>de</strong> foi o enfrentamento com as oligarquias tradicionais,que procuraram emperrar os acor<strong>do</strong>s no Joroca, on<strong>de</strong> se fazia uma ferrenhaoposição aos políticos e empresários <strong>do</strong> município:Foi forma<strong>do</strong> grupos aqui, com o apoio <strong>de</strong> autorida<strong>de</strong>s, justamentepara questionar o acor<strong>do</strong>. As autorida<strong>de</strong>s na época eram verea<strong>do</strong>res,e houve influência <strong>de</strong> algumas pessoas lá em <strong>Cametá</strong>, principalmente“barão” que patrocinavam pessoas justamente pra questionar. Essasmesmas pessoas trouxeram <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res <strong>de</strong> outras localida<strong>de</strong>s, <strong>de</strong> outrosmunicípios. Quan<strong>do</strong> nós soubemos, fomos na justiça pra tirar elesimediatamente, e o conflito foi muito gran<strong>de</strong>. (Gilberto, <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r)A estrutura da Fe<strong>de</strong>ração, que está a serviço <strong>de</strong>sses grupos políticos,também fez tentativa para proibir o acor<strong>do</strong> na comunida<strong>de</strong>.Tivemos sérios problemas com o presi<strong>de</strong>nte da Fe<strong>de</strong>ração <strong>do</strong>sPesca<strong>do</strong>res na época. Ele veio questionar por duas vezes com a gente,em <strong>Cametá</strong>, veio <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>r uma pessoa que pagou ele pra vir. Eu tivesérios problemas, teve vezes que pra eu ir lá em <strong>Cametá</strong> tive <strong>de</strong> levarproteção, na minha casa teve gente manda<strong>do</strong>, os caras chegaram láarma<strong>do</strong>s.(Gilberto, <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r)Ele (o presi<strong>de</strong>nte da Fe<strong>de</strong>ração, Orlan<strong>do</strong> Lobato) entrou na nossa áreae eu acho que ele usou <strong>de</strong> um <strong>de</strong>srespeito. Porque assim como a genteuma entida<strong>de</strong> qualquer, nós po<strong>de</strong>ríamos receber ele e conversar com elee explicar como era. Aí nós falamos para o promotor o seguinte: “Olha,<strong>do</strong>utor, nós gostaríamos que o sr. Orlan<strong>do</strong> Lobato, como ele representauma entida<strong>de</strong> da associação <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res, que ele tivesse o respeitoconosco. Não é porque nós somos mora<strong>do</strong>res ribeirinhos, somos pessoascarentes, mas também a gente conversa alguma coisa. Nós estamos


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 49receben<strong>do</strong> em nossa casa um seminário com 35 entida<strong>de</strong>s lá <strong>de</strong>fora. E muitos sabem que po<strong>de</strong>m vir pra cá e sentar com a gente,em nossa casa. E será que nós não éramos dignos <strong>de</strong> receber osr. Orlan<strong>do</strong> Lobato? Como é que ele chega na nossa área, chegamedin<strong>do</strong> bacia, fazen<strong>do</strong> isso... E se a gente chegar lá na fe<strong>de</strong>ração<strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res, empurran<strong>do</strong> a porta <strong>do</strong> gabinete <strong>de</strong>le, com certezaele vai esquentar, porque a gente tá entran<strong>do</strong> sem permissão, nãoé? Será que ele vai gostar?” Ele falou para o promotor que nósestávamos privatizan<strong>do</strong> o rio e falan<strong>do</strong> que era proibi<strong>do</strong> <strong>pesca</strong>r ali.Nós falamos assim: “Nós, da associação da comunida<strong>de</strong>, falarmosuma besteira <strong>de</strong>ssas...”, falamos assim mesmo, “Agora, o senhor,da Fe<strong>de</strong>ração <strong>do</strong>s Pesca<strong>do</strong>res, vim falar aqui, perante o promotor,assim, isso eu acho imper<strong>do</strong>ável”. Então são momentos que nós játivemos, que já teve tempos muito difíceis.(Dona Rita)O <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r Gilberto lembra que uma das dificulda<strong>de</strong>s para sechegar ao acor<strong>do</strong> foram as barreiras burocráticas para legalizar aassociação:Então nós enten<strong>de</strong>mos que só nós aqui na comunida<strong>de</strong>, o grupinho,nós não teriamos chance <strong>de</strong> resistir. Porque primeiro lutar contra odinheiro tá muito difícil; e ninguém tinha como questionar. Então oque nós fizemos: vamos tentar criar uma associação imediatamentepra ver se a gente consegue ter mais um respal<strong>do</strong>. Tivemosproblema na legalização, porque, para ser legalizada, o cartório sóregistrava uma associação se ela tivesse passa<strong>do</strong> pelo Diário Oficialda União. Ficou muito difícil para nós porque nós não tínhamos essetipo <strong>de</strong> acesso no governo <strong>do</strong> esta<strong>do</strong> e na assembléia. Tinha queter uma peixada lá e nós não tínhamos esse acesso… O prefeito daépoca nos <strong>de</strong>u essa colaboração, ele conseguiu que nós tivéssemosessa publicação.


50Série SistematizaçãoO que ainda falta fazerOs mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong> Rio Jorocazinho reconhecem que, para que o Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca dêmaiores resulta<strong>do</strong>s, é necessário que os outros mora<strong>do</strong>res <strong>do</strong>s rios vizinhos tambémelaborem seus próprios <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>. Isso é necessário <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> à mobilida<strong>de</strong> <strong>do</strong>speixes, que vão ser captura<strong>do</strong>s em outros rios que não possuem Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca; jáque o peixe não fica confina<strong>do</strong>, ele acaba não atingin<strong>do</strong> a ida<strong>de</strong> adulta.Hoje não tem mapará num rio <strong>de</strong>sse, porque não tem <strong>de</strong> on<strong>de</strong> vir o alevino pra cá.Como está livre aqui fora, a malha<strong>de</strong>ira come aí noite e dia…Aí vai pegan<strong>do</strong> as mães<strong>do</strong> mapará gran<strong>de</strong> que reproduz. O que é que nós vamos ter mais no futuro?E ainda, segun<strong>do</strong> Dinar Cor<strong>de</strong>iro, é necessário tomar medidas urgentes para aproteção <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>, pois muitas espécies já <strong>de</strong>sapareceram e outras estão em via <strong>de</strong>extinção. Já o Sr. Gilberto tem a seguinte opinião:Eu acho que tem que criar uma educação no próprio <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r porque não adiantadizer que as autorida<strong>de</strong>s vão resolver, porque não vão. E porque o homem é<strong>de</strong>sobediente…


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 51Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca da Localida<strong>de</strong><strong>de</strong> Cuxipiari CarmoMotivos para se fazer o acor<strong>do</strong>Na comunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Cuxipiari Carmo, localizada a cerca <strong>de</strong> 8 km da se<strong>de</strong> <strong>do</strong>município, um momento <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> tensão foi a proibição <strong>de</strong> alguns instrumentos<strong>de</strong> <strong>pesca</strong>, o que não era consenso da maioria. Os instrumentos estavamprejudican<strong>do</strong> a salutar reprodução <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>, uma vez que são consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>spredatórios. A fala <strong>do</strong> Sr. Leonel Serrão <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>, lí<strong>de</strong>r da comunida<strong>de</strong>,<strong>de</strong>monstra os objetos <strong>de</strong> tensão, na época da implantação <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca:Quan<strong>do</strong> chegamos à questão <strong>do</strong> pari-fino, ai é que começou a ter o conflito.Por que o pari-fino? Porque nós <strong>de</strong>cidimos: vamos tirar o pari-fino da beira,não se faz mais camboa 27 com pari-fino; aí começou o conflito, porque tinhaproprietário que tinha 15, 25, 30 pari-fino. O que cai pra <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> pari-finotu<strong>do</strong> é morto. Nós, que já tínhamos a preservação aqui, tiramos o pari-finoda beira, e isso começou a gerar conflito porque o cara tava acostuma<strong>do</strong> afazer sua camboa e pegar tu<strong>do</strong>. Houve muito conflito, mas <strong>de</strong>pois que o caracomeçou a se conscientizar, graças a Deus, acabou isso.27 Ver glossário ao final <strong>do</strong> texto.


52Série SistematizaçãoPara enten<strong>de</strong>r a razão <strong>do</strong> conflitoO pari fino é o pari construí<strong>do</strong> <strong>de</strong> tala <strong>de</strong> jupati (uma palmeira).É um instrumento<strong>de</strong> pegar camarão nos igarapés. É aberto no igarapé. Quan<strong>do</strong> a água baixa, o pariinterrompe a passagem <strong>do</strong> camarão. Pari é uma construção <strong>de</strong> várias talas amarradasentre si, forman<strong>do</strong> uma pare<strong>de</strong> <strong>de</strong> até 5 metros <strong>de</strong> comprimento e 1,5 <strong>de</strong> altura.Outras formas <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> predatória também foram proibidas no rio CuxipiariCarmo:Outra foi a salteação, porque a jatuarana, quan<strong>do</strong> está pequena, ela vem procuraro rio seco, o rio que a água não corre, até ficar um peixe gran<strong>de</strong>. Mas se <strong>de</strong> noite eupasso um remo num casco e vou cutucar na beira, que é a salteação, cai tu<strong>do</strong> pra<strong>de</strong>ntro <strong>do</strong> casco, aí morre tu<strong>do</strong>… Isso daí foi outro conflito, porque o pessoal tavaacostuma<strong>do</strong> a pegar jatuarana miúda. Pega o casco, faz aquela paçoca, no outrodia ele come, mas falta pra <strong>de</strong>pois.A reflexão <strong>do</strong> experiente <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r é que aquele que pega o peixe miú<strong>do</strong> conseguesaciar sua fome e <strong>de</strong> sua família por alguns instantes, mas fica a certeza da escassez <strong>do</strong>alimento. Aqueles peixes miú<strong>do</strong>s po<strong>de</strong>riam alcançar um bom tamanho representan<strong>do</strong>,conseqüentemente, uma quantida<strong>de</strong> maior <strong>de</strong> alimento.Outro momento conflitante foi a utilização <strong>de</strong> material criminoso para a <strong>pesca</strong>predatória, também relatada pelo Sr. Serrão Andra<strong>de</strong> e que causava gran<strong>de</strong>indignação a to<strong>do</strong>s os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res <strong>do</strong> lugar, porque afinal a maior parte <strong>do</strong> peixeacabava sen<strong>do</strong> <strong>de</strong>sperdiça<strong>do</strong>:Outra proibição foi o timbó 28 . O camarada ia, enchia um lata com leite <strong>de</strong> assacu 29 ,<strong>de</strong>rramava no poço, com algum tempo <strong>de</strong>pois morria tu<strong>do</strong> o peixe que tinha lá. Aí ocamarada ia lá, pegava tu<strong>do</strong> o peixe que ele queria, e a água ia <strong>de</strong> poço em poço, <strong>de</strong>igarapé em igarapé, matan<strong>do</strong> gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> peixe. Quan<strong>do</strong> a gente passavalá, tinha gran<strong>de</strong> quantida<strong>de</strong> <strong>de</strong> urubu comen<strong>do</strong> o peixe que tava morto. Por causadisso, teve um mora<strong>do</strong>r, que não mora mais nesse rio, por um serviço <strong>de</strong>sse que ele fez<strong>de</strong> botar veneno aí, nos levemo ele pras autorida<strong>de</strong>s; o cara fugiu <strong>de</strong> noite, até hojenão apareceu.28 Ver glossário no final <strong>do</strong> texto.29 I<strong>de</strong>m.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 53Caminhos para a resolução <strong>do</strong>s conflitosPor conta <strong>de</strong> to<strong>do</strong>s esses conflitos para que fosse possível a implantação <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong><strong>de</strong> Pesca no rio Cuxipiari Carmo, as pessoas que assumiram essa empreitada correramriscos, inclusive <strong>de</strong> serem assassina<strong>do</strong>s, pois existiam pessoas que acreditavam que osresponsáveis pela implantação <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> queriam se apossar <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong> para usufruirsozinhos <strong>do</strong>s benefícios. O Sr. Serrão Andra<strong>de</strong> comenta, com relação ao trabalho <strong>de</strong>conscientização:Então, isso teve muito conflito. Foi obriga<strong>do</strong> nós, que estava na frente da coor<strong>de</strong>nação,enfrentasse ameaça. Nós fomos ameaça<strong>do</strong>s tipo assim: se ele vim aqui eu mato ele, eucorto, porque esse material é meu, como é que ele quer, como é que ele num <strong>de</strong>ixa.Conflito pra cá, conflito pra lá, foi obriga<strong>do</strong> a gente estar contan<strong>do</strong> com a ajuda <strong>de</strong>pessoas i<strong>do</strong>sas que estavam por ali e diziam: vamos em cima, vamos ver o que é quedá, se nós não tinha nada, vamos ver se melhora.O respeito às pessoas i<strong>do</strong>sas foi um importante instrumento a serviço da sensibilização<strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res para o iminente perigo <strong>de</strong> extinção <strong>de</strong> várias espécies <strong>de</strong> peixes. Graças àcultura <strong>do</strong> respeito aos mais velhos, coisa que ainda se faz muito forte nas comunida<strong>de</strong>sinterioranas <strong>do</strong> município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>, alguns <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res intransigentes acabavama<strong>de</strong>rin<strong>do</strong> à causa, por respeito e estima a alguns <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res mais velhos.


54Série SistematizaçãoTu<strong>do</strong> isto só foi possível graças a um árduo trabalho <strong>de</strong> mobilização<strong>de</strong> toda comunida<strong>de</strong>, envolven<strong>do</strong> uma série <strong>de</strong> encontros e reuniões parase atingir um acor<strong>do</strong> que fosse capaz <strong>de</strong> ser cumpri<strong>do</strong> por to<strong>do</strong>s, <strong>do</strong> qualto<strong>do</strong>s se sentissem responsáveis. Mas, isso tu<strong>do</strong> não dispensava o trabalho<strong>de</strong> vigilância, efetiva<strong>do</strong> nos primeiros perío<strong>do</strong>s <strong>de</strong> implantação <strong>do</strong> acor<strong>do</strong>:A gente teve várias reuniões, to<strong>do</strong> mês a gente reunia o pessoal praservir <strong>de</strong> testemunha, pra que o camarada cumprisse o acor<strong>do</strong>, e atéconseguimos. Tinha vigilância noturna aqui, tinha noite que nós saíaduas, três turmas… Depois, to<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> teve aquela compreensão queera um acor<strong>do</strong> bom, que tinha muita gente e o apoio da Colônia.(Sr. Serrão Andra<strong>de</strong>, <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> rio Cuxipiari Carmo e lí<strong>de</strong>r da comunida<strong>de</strong>local)Fazia-se necessário utilizar to<strong>do</strong>s os mecanismos possíveis para queas pessoas cumprissem com o Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca e, <strong>de</strong>sta forma, to<strong>do</strong>spercebessem o grau <strong>de</strong> serieda<strong>de</strong> que envolvia tal tarefa. Definiram oque fazer quan<strong>do</strong> alguém era flagra<strong>do</strong> <strong>pesca</strong>n<strong>do</strong> <strong>de</strong> forma ilícita:A primeira vez que a gente pega o cidadão que é <strong>de</strong> fora e não sabeque aqui é uma área <strong>de</strong> preservação, não sabe como é aqui, como é queestava, aí a gente explica que aqui é proibi<strong>do</strong> esse tipo <strong>de</strong> serviço. Seele for <strong>do</strong> tipo que diz: se tu vim pra cá eu te corto, eu te mato, aí nãoprecisa brigar, a gente vai lá, registra o nome <strong>de</strong>le, o material com queele tava <strong>pesca</strong>n<strong>do</strong>, e vai lá no órgão competente que é o Ibama.(Sr. Serrão Andra<strong>de</strong>)


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 55Dificulda<strong>de</strong>s para cumprir o acor<strong>do</strong>De acor<strong>do</strong> com o Sr. Manoel, <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r <strong>do</strong> rio Cuxipiari Carmo e membro dacomunida<strong>de</strong>, o não cumprimento <strong>do</strong> Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca geralmente acontece emvigência da necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se garantir o alimento <strong>de</strong> forma imediata, pois, sem dispor<strong>de</strong> muitas alternativas que garantam seu sustento, o(a) <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r(a) acaba sen<strong>do</strong>força<strong>do</strong> a <strong>de</strong>srespeitar aquilo que aju<strong>do</strong>u a construir:Eu acho que o que leva o <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r a <strong>de</strong>srespeitar o acor<strong>do</strong> é que ele vive numatarefa tão gran<strong>de</strong> e a nossa preservação não tem condição <strong>de</strong> botar to<strong>do</strong> diaalimento na sua mesa. Essa carência que leva a pessoa a <strong>de</strong>srespeitar a si próprio,ven<strong>do</strong> o filho com fome, a mulher, às vezes ele próprio. Às vezes, procura fora enão acha e, como num tem outro meio pra gente arrumar a bóia pr’aquele dia oupra outro dia, leva aquelas pessoas a fazerem um serviço arbitrário, fora da lei. Apessoa, mesmo reconhecen<strong>do</strong> que está fazen<strong>do</strong> erra<strong>do</strong>, mas acaba sen<strong>do</strong> traí<strong>do</strong>a fazer. Talvez, se a gente tivesse um outro mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> vida pra se sustentar, umacriação <strong>de</strong> galinha, uma criação <strong>de</strong> porcos, um poço pra criar peixe em cativeiro, senós já tivéssemos recursos pra fazer essas coisas, certamente muita gente <strong>de</strong>ixaria<strong>de</strong> <strong>de</strong>srespeitar o acor<strong>do</strong>…


56Série SistematizaçãoResulta<strong>do</strong>sÉ interessante <strong>de</strong>stacar a mudança <strong>de</strong> concepção <strong>de</strong> alguns <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res que antes eramcontrários ao Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca e hoje compreen<strong>de</strong>m sua importância e necessida<strong>de</strong>:Ainda tem gente que sai pra experimentar, pra ver se ainda tem or<strong>de</strong>m nas coisas.Quan<strong>do</strong> ele vê que a barra pesa pro la<strong>do</strong> <strong>de</strong>le, começa a pedir misericórdia e vê quenão tem… Eu, quan<strong>do</strong> era criança, errava e apanhava; <strong>de</strong>pois <strong>de</strong> adulto, o camaradaerra e é puni<strong>do</strong> pela lei. Eu, por exemplo, não nego, eu experimentei uma noite, fuipego e perdi o meu material. Não até que eu tivesse tanta precisão, foi que minha mãeestava <strong>do</strong>ente e <strong>de</strong>sejou comer um peixe, ai eu disse: <strong>de</strong>ixa eu ver se eu roubo um peixepor aí. Eu tava saben<strong>do</strong> que era erra<strong>do</strong>, mas só pelo motivo <strong>do</strong> velho dita<strong>do</strong> que dizque a precisão é que faz o ladrão, eu precisava <strong>do</strong> peixe pra minha mãe e fui lá.Apesar <strong>de</strong> os resulta<strong>do</strong>s ainda não serem muito gran<strong>de</strong>s, por conta <strong>do</strong> pouco tempoda implantação <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> e mesmo por <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>r da colaboração <strong>de</strong> outras comunida<strong>de</strong>sque ainda não implantaram o Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca, alguns avanços começam a ser visíveispelos próprios <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res da localida<strong>de</strong>:Hoje a gente pensa que já está melhor <strong>do</strong> que estava, porque já não é toda noite quea gente tem que sair no rio pra fazer a vigilância. As pessoas já compreen<strong>de</strong>ram, mascom tu<strong>do</strong> isso ainda tem gente que diz: quan<strong>do</strong> ele estiver <strong>do</strong>rmin<strong>do</strong>, eu vou lá epesco.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 57Falta mais conscientizaçãoSegun<strong>do</strong> algumas reflexões <strong>do</strong>s comunitários seria <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> ajuda paraos <strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca a divulgação <strong>de</strong> sua importância por outras instituições,especialmente pelas escolas. Uma das gran<strong>de</strong>s dificulda<strong>de</strong>s encontradas pelos<strong>pesca</strong><strong>do</strong>res que coor<strong>de</strong>naram a implantação <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> foi a falta <strong>de</strong> conscientizaçãoe compreensão acerca da importância <strong>de</strong> tal iniciativa, tanto por parte <strong>do</strong>s outros<strong>pesca</strong><strong>do</strong>res quanto por parte <strong>do</strong>s órgãos governamentais.Não houve uma escola pra fazer uma conscientização, pra ensinar o <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r comofazer, não houve um projeto volta<strong>do</strong> pro <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r artesanal. Tinha, mas era pro<strong>pesca</strong><strong>do</strong>r industrial, e não teve nada pra nós. Como aqui nós moramos ribeirinhoe que não é oceano, nós moramos no rio Tocantins, a nossa área é pra <strong>pesca</strong>artesanal.(Sr. Vidal Serrão <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong>)


58Série SistematizaçãoOs <strong>de</strong>safios para ofuturo:as novasalternativaspara a <strong>pesca</strong>Aprendiza<strong>do</strong>s erecomendaçõesO <strong>pesca</strong><strong>do</strong> é a principal fonte proteica da população <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>. A <strong>pesca</strong>não representa somente o principal prove<strong>do</strong>r <strong>de</strong> proteína, mas tambémcumpre um papel social importante, ao absorver parte da mão <strong>de</strong> obraativa <strong>do</strong> município, auxilian<strong>do</strong> na redução da taxa <strong>de</strong> <strong>de</strong>semprego regional.A exaustão <strong>do</strong>s recursos pesqueiros coloca em risco outros recursos,que passarão a ser intensamente explora<strong>do</strong>s: os recursos florestais. Nessaperspectiva, relacionamos alguns problemas que afetam os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>resartesanais e suas ativida<strong>de</strong>s. Uma <strong>de</strong>las é a educação formal, que refletena mobilida<strong>de</strong> espacial e social <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r e na ida <strong>do</strong> homem <strong>do</strong> campopara a cida<strong>de</strong>. Há necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> formulação <strong>de</strong> currículos com uma certa<strong>do</strong>se <strong>de</strong> regionalização. No caso <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>, uma maior integração daCasa Familiar Rural com a realida<strong>de</strong> das comunida<strong>de</strong>s ribeirinhas, assimcomo o Projeto <strong>Cametá</strong> –Tapera 30 , que teve como propósito contribuirpara a reafirmação da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong> e da cultura <strong>do</strong>s sujeitos, garantin<strong>do</strong>os seus direitos constitucionais <strong>de</strong> acesso à educação. Nesse senti<strong>do</strong>, aColônia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res Z-16 <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> começou, com o apoio <strong>do</strong> InstitutoInternacional <strong>de</strong> Educação <strong>do</strong> Brasil, a elaboração <strong>de</strong> um livro didático comlições estritamente voltadas para as questões da <strong>pesca</strong> e da agricultura.Tem também o trabalho apoia<strong>do</strong> pelo PDA, que visa a expansão econscientização <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais por meio <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>.30 O projeto <strong>Cametá</strong>Tapera é <strong>de</strong> aceleraçãoescolar. Foi <strong>de</strong>senvolvi<strong>do</strong>no governo <strong>do</strong> PT paraelevar escolarida<strong>de</strong> <strong>de</strong>mais <strong>de</strong> 600 pessoasa conseguir terminaro ensino fundamentale ensino médio.Atualmente não existemais, pois não é interesse<strong>do</strong> atual gestor.


Outro fator é a comercialização <strong>do</strong>s produtos <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais, que nãoé um problema unilateral: é <strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r e <strong>do</strong> consumi<strong>do</strong>r. As condições materiais<strong>do</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r não lhe permitem agenciar a venda <strong>de</strong> seu próprio produto, falta-lheum a<strong>de</strong>qua<strong>do</strong> sistema <strong>de</strong> conservação e acondicionamento; falta-lhe transporte,recorre então ao intermediário. Com este, se instala uma mútua <strong>de</strong>pendência:entrega <strong>do</strong> produto para pagamento após a venda. Para o consumi<strong>do</strong>r, a <strong>pesca</strong>,nessas condições, proporciona produtos <strong>de</strong> baixa qualida<strong>de</strong> a preços nem tantocompensa<strong>do</strong>res. Para enfrentar a questão da conservação e acondicionamento <strong>do</strong><strong>pesca</strong><strong>do</strong>, a Colônia conseguiu aprovar junto à SEAP/PR (Secretaria Especial <strong>de</strong> Apoio aPesca da Presidência da República) um projeto para instalação <strong>de</strong> câmara fria.Outro aspecto é o crédito. Mesmo existin<strong>do</strong> as políticas oficiais que criam oscréditos para a <strong>pesca</strong>, como os programas da Secretaria Especial <strong>de</strong> Pesca daPresidência da República, são ainda muito caros em função <strong>do</strong>s juros cobra<strong>do</strong>s e dafalta <strong>de</strong> assistência para garantir o sucesso <strong>do</strong> empreendimento. Tem havi<strong>do</strong> gran<strong>de</strong>savanços em negociações <strong>de</strong> crédito para a categoria, porém ainda com regras queclaramente levam à exclusão ou dificulda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> acesso pelos <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais.Ven<strong>do</strong> pelo la<strong>do</strong> financeiro, sabemos que o crédito é necessário para a capitalização einstrumentalização da ativida<strong>de</strong>. Porém, os materiais (apetrechos) que são adquiri<strong>do</strong>scom os créditos não estão <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as condições <strong>de</strong> pouca capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong>renovação <strong>do</strong>s estoques locais <strong>de</strong> <strong>pesca</strong><strong>do</strong>.Outra gran<strong>de</strong> dificulda<strong>de</strong> é a estruturação e posição das Colônias <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res.Na região, apesar <strong>do</strong>s problemas ambientais que claramente influenciaram o nível <strong>de</strong>produção da ativida<strong>de</strong>, as Colônias, exceto as <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>, Igarapé Mirí e Abaetetuba,não estão proporcionan<strong>do</strong> assistência <strong>de</strong> direito e <strong>de</strong> fato ao <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r. Não promovemcursos que dêem condições à classe <strong>de</strong> ter acesso à legislação que dirige a <strong>pesca</strong>. Essescursos e <strong>de</strong>bates criam a oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> questionamento e <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> umprocesso <strong>de</strong>mocrático e participativo.Pensamos que a resposta a esses questionamentos já está começan<strong>do</strong> a ser dada apartir <strong>de</strong> pequenos passos. Novas perspectivas para a <strong>pesca</strong> já surgem no município<strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>. Com a criação <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> da Pesca e uma política específica para os<strong>pesca</strong><strong>do</strong>res artesanais, fluem novos projetos, investimentos, capacitação e qualificaçãopara o(a) <strong>pesca</strong><strong>do</strong>r(a); e renasce o <strong>de</strong>safio <strong>de</strong> um trabalho <strong>de</strong> fortalecimentoorganizacional nas comunida<strong>de</strong>s, com intuito <strong>de</strong> que possam estar aptas a usufruir <strong>do</strong>sbenefícios, fruto <strong>de</strong> sua própria organização.Na prática a Colônia vem crian<strong>do</strong> espaços para discussão e eleição <strong>de</strong> priorida<strong>de</strong>sque venham dar respostas aos anseios <strong>de</strong>sta categoria <strong>do</strong>s trabalha<strong>do</strong>res, tais comoa regularização <strong>de</strong> associações, auxílio técnico na elaboração e implementação<strong>de</strong> estatutos, elaboração <strong>de</strong> projetos para aquisição <strong>de</strong> recursos nacionais einternacionais, com objetivo <strong>de</strong> repovoamento <strong>do</strong>s rios com espécies nativas <strong>de</strong><strong>pesca</strong><strong>do</strong>s e fomento a novas iniciativas <strong>de</strong> produção, adaptadas à realida<strong>de</strong> local.<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 59


60Série SistematizaçãoOutra questão fundamental é a criação <strong>de</strong> “corre<strong>do</strong>res ou bacias <strong>de</strong> reprodução” <strong>do</strong>peixe. Isso é necessário para consolidar o esforço <strong>de</strong> conservação feito pelos acor<strong>do</strong>s,porque o peixe migra. Nas palavras <strong>de</strong> um <strong>do</strong>s dirigentes da Colônia:Por causa da migração <strong>do</strong> peixe, tem o setor que eles passa e a gente vai pegan<strong>do</strong>.Chega lá em Limoeiro, o peixe tá maior <strong>do</strong> que pra cá. Tanto que o pessoal <strong>de</strong> Limoeirodizia assim: que era bom que <strong>Cametá</strong> se preservasse, que eles pegam lá os gran<strong>de</strong>s,porque o peixe tem a migração natural <strong>de</strong>le, né? Por isso, é importante que essadiscussão se amplie... Esses corre<strong>do</strong>res têm que ser consolida<strong>do</strong>s, porque aí você temtoda uma junção <strong>de</strong> esforços <strong>do</strong>s poços daqui, <strong>do</strong>s poços <strong>de</strong> lá e forma toda uma bacia <strong>de</strong>reprodução, que abastece tanto <strong>de</strong>ntro das áreas em acor<strong>do</strong> quanto fora.A ampliação <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s é fundamental nessa estratégia. Mas um <strong>de</strong>safio gran<strong>de</strong>,para fortalecer os acor<strong>do</strong>s, é a questão das legislações municipais. Apesar <strong>de</strong> já ter havi<strong>do</strong>duas sessões especiais na Câmara <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> sobre questões <strong>de</strong> meio ambiente, não há umprojeto <strong>de</strong> lei que regulamente, que fortaleça o trabalho <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s ou que diga algumacoisa em relação à questão ambiental, com exceção <strong>de</strong> uma lei orgânica sobre extração <strong>de</strong>minério.No município <strong>de</strong> Gurupá, a prefeitura fez um <strong>de</strong>creto reconhecen<strong>do</strong> áreas <strong>de</strong>importância para a conservação. Um <strong>de</strong>creto municipal assim fortalece muito! O prefeitolá fez isso em cima <strong>de</strong> um estu<strong>do</strong> da FASE (Fe<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> Órgãos para Assistência Sociale Educacional) sobre a região. Com a área <strong>de</strong>cretada como <strong>de</strong> importância para aconservação, as outras ativida<strong>de</strong>s andam em torno disso.Daí se chega ao outro <strong>de</strong>safio: a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s na região <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> quepossam provar o valor e a importância das áreas para reprodução das espécies; um estu<strong>do</strong>para uma portaria regional, respeitan<strong>do</strong> e realida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s tempos <strong>de</strong> <strong>de</strong>sova na regiãoTocantina; estu<strong>do</strong>s sobre as espécies, porque sobre o mapará, por exemplo, pouco seconhece.


<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 61RecomendaçõesA partir <strong>de</strong> nossa experiência, po<strong>de</strong>mos recomendar, a quem estiver trabalhan<strong>do</strong> comacor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong>, ou quiser começar, algumas coisas que <strong>de</strong>ram certo em <strong>Cametá</strong>:1. Fazer o acor<strong>do</strong> estritamente <strong>de</strong>ntro <strong>do</strong>s aspectos da legislação vigente, lei <strong>de</strong> crimesambientais e Instrução Normativa <strong>do</strong> <strong>Ministério</strong> <strong>do</strong> <strong>Meio</strong> <strong>Ambiente</strong>;2. Não tentar fazer sozinho. Buscar, além <strong>do</strong> Ibama, outras organizações <strong>de</strong> apoio nomunicípio;3. O acor<strong>do</strong> não po<strong>de</strong> se transformar em proprieda<strong>de</strong> privada. Deve permitir que os<strong>pesca</strong><strong>do</strong>res exerçam a ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ntro das regras que a comunida<strong>de</strong> tem;4. Garantir o máximo possível a participação nos ganhos - produto <strong>do</strong> acor<strong>do</strong> - ou seja, oproduto <strong>de</strong>ve ser distribuí<strong>do</strong> para to<strong>do</strong>s;5. Nunca ter fiscal na área e sim convencer a comunida<strong>de</strong> que to<strong>do</strong>s são responsáveis pelamanutenção e cumprimento <strong>do</strong> que acordaram;6. Discutir a implantação <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s, pois é ainda uma forma eficiente <strong>de</strong> envolvimentona questão ambiental e meio <strong>de</strong> recuperação <strong>do</strong> estoque pesqueiro e manutenção <strong>de</strong>alimento e renda


62Série SistematizaçãoConclusãoOs acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> no município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> têm se torna<strong>do</strong> uma proposta viávelporque colocam o processo <strong>de</strong> organização <strong>do</strong>s <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res, tanto em suas comunida<strong>de</strong>squanto nos movimentos sociais, como um <strong>do</strong>s eixos <strong>de</strong> maior conquista <strong>de</strong>ssestrabalha<strong>do</strong>res. Esses acor<strong>do</strong>s, ao mesmo tempo que proporcionaram refletir sobre a ricaexperiência recheada <strong>de</strong> conquistas, conflitos e tensões, trouxeram consigo impactosfundamentais para a implementação <strong>de</strong> uma proposta para o <strong>de</strong>senvolvimento da <strong>pesca</strong> e,por conseguinte, das comunida<strong>de</strong>s envolvidas.Essa alternativa não foi concebida pelos <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res <strong>do</strong> município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> sobre umprincípio <strong>de</strong> uma organização, mas pela existência <strong>de</strong> um problema, <strong>de</strong> uma necessida<strong>de</strong>,causa<strong>do</strong>s pela Hidroelétrica <strong>de</strong> Tucuruí, que obrigou os <strong>pesca</strong><strong>do</strong>res a mudarem seu mo<strong>do</strong><strong>de</strong> vida.Torna-se necessário, para o sucesso e o avanço das experiências, uma maior presençainstitucional (Prefeituras, ONGS, Colônias etc), a fim <strong>de</strong> viabilizar e apoiar políticasbenéficas para o setor pesqueiro.A sustentabilida<strong>de</strong> social <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> fundamentalmente da capacida<strong>de</strong> dasorganizações comunitárias <strong>de</strong> lidar com as pressões internas e externas, geradas peloprocesso <strong>de</strong> implantar e manter o sistema <strong>de</strong> manejo. Apesar <strong>de</strong> sua história comum, nascomunida<strong>de</strong>s ribeirinhas existe um alto grau <strong>de</strong> heterogeneida<strong>de</strong> social e econômica entreseus membros. Por exemplo, a importância relativa das diferentes ativida<strong>de</strong>s econômicas– <strong>pesca</strong> e criação – varia muito entre famílias.Para manter os acor<strong>do</strong>s, é preciso investir na diversificação da produção. As famíliasprecisam sentir que po<strong>de</strong>m ter outra fonte <strong>de</strong> recursos e, portanto, <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> usar certosapetrechos <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> e suspen<strong>de</strong>r certos tipos <strong>de</strong> captura num <strong>de</strong>termina<strong>do</strong> perío<strong>do</strong>.Um investimento importante é na questão <strong>do</strong> aproveitamento <strong>do</strong> açaí. As comunida<strong>de</strong>senvolvidas nos acor<strong>do</strong>s também estão fazen<strong>do</strong> o manejo <strong>do</strong> açaizal nativo e agora aColônia quer investir no aproveitamento <strong>do</strong> palmito advin<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas áreas <strong>de</strong> manejo.As outras ativida<strong>de</strong>s econômicas <strong>de</strong>senvolvidas pela população ribeirinha,especialmente a <strong>de</strong>rrubada das árvores e plantas nativas da região, po<strong>de</strong>m comprometera integrida<strong>de</strong> ecológica <strong>do</strong> ecossistema <strong>do</strong>s rios, reduzin<strong>do</strong> a sua produtivida<strong>de</strong>. Portanto,os acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> não po<strong>de</strong>m se concentrar apenas na <strong>pesca</strong>, ignoran<strong>do</strong> os impactos<strong>de</strong>ssas outras ativida<strong>de</strong>s no sistema como um to<strong>do</strong>.Tais fatores influenciam diretamente os conflitos internos e poucos lí<strong>de</strong>res eorganizações comunitárias têm a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> superar essas divisões e conciliar osdiferentes atores na elaboração e manutenção <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s. Além da estrutura social


da comunida<strong>de</strong>, um Acor<strong>do</strong> <strong>de</strong> Pesca eventualmente precisa também lidar com osinteresses <strong>de</strong> outros atores locais, como os proprietários <strong>de</strong> re<strong>de</strong> aberta (puçá).Embora os acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> sejam motiva<strong>do</strong>s pelo interesse das comunida<strong>de</strong>sem controlar o uso <strong>do</strong>s recursos locais, elas constantemente procuram o apoio dasautorida<strong>de</strong>s governamentais para legitimar a sua posição. Neste contexto, a integração<strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s num sistema formal <strong>de</strong> gestão participativa representa um passoimportante na consolidação <strong>do</strong> manejo comunitário. A estruturação <strong>de</strong> AssociaçõesComunitárias para <strong>de</strong>finir os acor<strong>do</strong>s, a transformação <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s em portarias ea formação <strong>de</strong> agentes para fiscalizá-los, não só legitimam as iniciativas <strong>de</strong> manejocomunitário, como fornecem um contexto institucional <strong>de</strong> apoio para a manutenção<strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s.Com a sistematização, verificaram-se as <strong>de</strong>bilida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s acor<strong>do</strong>s, bem como osavanços, servin<strong>do</strong> como mo<strong>de</strong>lo para outras comunida<strong>de</strong>s. A criação e manutenção<strong>de</strong> acor<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>pesca</strong> são processos dialéticos (ação – reflexão – ação) que não sãoestáticos, vivem em constante transformação. Sempre irão existir tensões, ganhos,conflitos, retrocessos e avanços, mas o acor<strong>do</strong> é posto, re<strong>de</strong>fini<strong>do</strong> e novamenterepensa<strong>do</strong>.<strong>Acor<strong>do</strong>s</strong> <strong>de</strong> Pesca no Município <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong> 63


64Série SistematizaçãoGlossário <strong>de</strong>Alguns TermosUtiliza<strong>do</strong>s noTextoAssacu – vegetal que produz um leitemortal para peixesAturiá – Vegetação das margens <strong>do</strong>s rios,local on<strong>de</strong> se escon<strong>de</strong>m diversos peixesCamboa – <strong>pesca</strong> com o pari que é umapare<strong>de</strong> <strong>de</strong> talas que fazem cerco em locais<strong>de</strong> pouso <strong>do</strong>s peixesFisga<strong>de</strong>ira – linha com váriosanzóis utilizada sem iscas, somentemovimentan<strong>do</strong> a linha num vai-e-vémPaçoca – Comida <strong>do</strong>s peixes miú<strong>do</strong>sSalteação – Captura <strong>de</strong> alevinos fazen<strong>do</strong>cutuca nas margens fazen<strong>do</strong> com que opeixe salte para <strong>de</strong>ntro da canoaTimbó – Veneno proveniente da rotenonaque lançam nos rios para matar peixes


PDA - Projetos DemonstrativosW3 Sul, Qd. 514, Bl. B, Lj. 69,2 o andar, s/ 203Brasília - DFCEP: 70380-515Telefone: (61) 4009-9256Fax: (61) 4009-9271www.mma.gov.brColonia <strong>de</strong> Pesca<strong>do</strong>res Z-16 <strong>de</strong> <strong>Cametá</strong>Rua Pedro Texeira,165B. Brasília - <strong>Cametá</strong>/PACEP: 68400-000Telefone e Fax: (91) 3781-1327email: wadircameta@ig.com.br<strong>pesca</strong><strong>do</strong>rescameta@bol.com.br


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