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cecília meireles: intimismo, lirismo e tendência ao misticismo em ...

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Revista Mundo & Letras 55Pequena florComo pequena flor que recebeu uma chuva enormee se esforça por sustentar o oscilante cristal das gotasna seda frágil e preservar o perfume que ai dorme,e vê passar<strong>em</strong> as leves borboletas livr<strong>em</strong>ente,e ouve cantar<strong>em</strong> os pássaros acordados nesta angústia,e o sol claro do dia as claras estátuas beijando sente.E espera que desprenda o excessivo úmido orvalhopousado, trêmulo, e sabe que talvez o ventoa libertasse, porém a desprenderia do galho,e nesse tr<strong>em</strong>or e esperança aguarda o mistério transidaassim repleto de acasos e todo coberto de lágrimashá um coração nas lânguidas tardes que envolv<strong>em</strong> a vida.MEIRELES (1994, p. 211)Cecília também recebeu “uma chuva enorme” de perdas <strong>em</strong> sua vida, mas apesardisto, conseguiu preservar o perfume da poesia que dormia “na seda frágil”.No po<strong>em</strong>a, a fragilidade está relacionada com a angústia existente no coração“todo coberto de lágrimas” como o “excessivo orvalho” na pele da flor, presa <strong>ao</strong> galhooposto da livres e leves borboletas e <strong>ao</strong>s pássaros s<strong>em</strong> angústia. Entre o medo dosofrimento e da morte e a esperança de ter uma vida livre, a flor aguarda o mistério daexistência que se mistura <strong>ao</strong> mistério da própria criação poética. Pois a comparação feitano primeiro verso só se completa nos dois últimos, revelando um coração capaz derecordar. O “eu” lírico não se apresenta diretamente, o que contribui para aumentar afusão entre “flor” e “coração”, igualando-se no mesmo estado afetivo.No percurso da busca pelas águas da m<strong>em</strong>ória, o “eu” lírico procura encontrarsentido para sua existência, o sentido da vida e do mundo e possivelmente <strong>em</strong> pressentira verdade, pois todas as l<strong>em</strong>branças são cheias de significação. Ele percebe suafragilidade diante do t<strong>em</strong>po, que apaga suas m<strong>em</strong>órias mais preciosas que o “eu” líricobusca conservar todos os dias.“A água de minha m<strong>em</strong>ória devora todos os reflexosDesfizeram-se, por isso, todas as minhas presençasE s<strong>em</strong>pre continuarão a desfazer.É inútil o meu esforço de conservar-me;Todos os dias sou meu completo desmoronamento;E assisto à decadência de tudo,Nesses espelhos s<strong>em</strong> reprodução.Voz obstinada que estás <strong>ao</strong> longe chamando-meConduze-te a mim, para compreenderes minha ausência.”MEIRELES (2002, p.53)O <strong>lirismo</strong> é caracterizado pelo uso do pronome possessivo e os verbos, ambos<strong>em</strong> primeira pessoa no qual a cont<strong>em</strong>plação narcísica é presença constante, da mesmaforma o <strong>intimismo</strong> é apresentado <strong>em</strong> versos como: “A água da minha m<strong>em</strong>ória devoratodos os reflexos / Desfizeram-se, e por isso, todas as minhas presenças / E s<strong>em</strong>precontinuarão a desfazer.” Eles mostram o sentimento da perda das l<strong>em</strong>branças, aimpossibilidade de reverter o passado e da consciência do “eu” lírico quanto àef<strong>em</strong>eridade do mundo.Mundo e Letras, José Bonifácio/SP, v. 1, n. 1, Maio/2010

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