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metáfora, hipérbole e metamorfose em “a fila”

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Revista Mundo & Letras 53METÁFORA, HIPÉRBOLE E METAMORFOSE EM “A FILA” E “TELECO, O COELHINHO”:ELEMENTOS NARRATIVOS RECORRENTES NOS CONTOS DE MURILO RUBIÃOLOURENÇO, Daiane da Silva 1RESUMO: A transgressão das leis do mundo real ocasionada pela inserção deacontecimentos sobrenaturais no enredo da narrativa é constante nos contos rubianos.Metáfora, <strong>hipérbole</strong> e <strong>metamorfose</strong> são el<strong>em</strong>entos presentes na narrativa quecontribu<strong>em</strong> para o aparecimento do fantástico no enredo. A função do fantástico, deconduzir o leitor a uma reflexão, é ainda mais destacada pelos mesmos. Apresentamos aanálise dos contos “A <strong>fila”</strong>(O Convidado, 1988) e “Teleco, o coelhinho” (O PirotécnicoZacarias, 1976), a partir dos el<strong>em</strong>entos citados, a fim de mostrar como seu <strong>em</strong>pregoinfluencia na aparição do fantástico e, consequent<strong>em</strong>ente, aumenta a atenção do leitorpara o t<strong>em</strong>a abordado no texto.Com pouca representação na literatura brasileira, o gênero fantástico t<strong>em</strong> comoum dos precursores Murilo Rubião, autor que se dedicou a escrever apenas contosfantásticos durante toda sua carreira literária. Caracterizado pela transgressão das leis domundo real, os contos rubianos têm o objetivo de chamar a atenção do leitor para fatoscotidianos de sua realidade, os quais revelam a situação ainda atual do ser humano.Neste artigo apresentamos resultados obtidos por meio de uma pesquisabibliográfica acerca do fantástico. A hesitação do leitor possibilita seu surgimento noenredo, no entanto há el<strong>em</strong>entos narrativos que contribu<strong>em</strong> para sua aparição: a<strong>metáfora</strong>, a <strong>hipérbole</strong> e a <strong>metamorfose</strong>. Analisamos como tais recursos aparec<strong>em</strong> <strong>em</strong> “A<strong>fila”</strong>, publicado <strong>em</strong> O convidado (doravante OC), 1988, e “Teleco, o coelhinho”, <strong>em</strong> Opirotécnico Zacarias (doravante OPZ), 1976.A <strong>metáfora</strong> aparece <strong>em</strong> uma narrativa quando há o <strong>em</strong>prego de um termo <strong>em</strong>seu sentido próprio e ao mesmo t<strong>em</strong>po metafórico, isto é, quando o mesmo significamais que a expressão literal. O que está escrito adquire novo sentido dentro do enredo enão teria o mesmo <strong>em</strong> outro contexto. A <strong>hipérbole</strong> é um recurso utilizado por escritorespara enfatizar acontecimentos por meio do exagero, seja este positivo ou negativo, poraumento ou por diminuição. A mudança de forma, principalmente física, é chamada de<strong>metamorfose</strong>, e ocorre com as personagens ou com o mundo ao seu redor, afetando oenredo.Sendo a <strong>metáfora</strong>, a <strong>hipérbole</strong> e a <strong>metamorfose</strong> recursos recorrentes nos contos,perceb<strong>em</strong>os que suas ausências não causariam tamanha hesitação no leitor, n<strong>em</strong> o fariaestar atento as discussões propostas. Os contos “A <strong>fila”</strong> (OC, 1988) e “Teleco, ocoelhinho” (OPZ, 1976) confirmam tal proposição. No primeiro, a personag<strong>em</strong> passameses ante uma fila que o impossibilita de falar com o gerente de uma fábrica, seuobjetivo único. A <strong>metáfora</strong> da burocracia e a <strong>hipérbole</strong> são exploradas pelo escritor paradiscutir um probl<strong>em</strong>a presente <strong>em</strong> nosso cotidiano. No segundo conto, a personag<strong>em</strong>Teleco, um coelho, t<strong>em</strong> o desejo de tornar-se um ser humano, para ser aceitosocialmente, para tanto utiliza seu poder de <strong>metamorfose</strong>ar-se. Apesar de não conseguir1 Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestranda do programa de Pós-graduação <strong>em</strong> Letras comênfase <strong>em</strong> Estudos Literários. Bolsista da Capes. E-mail: dailourenco4@hotmail.com.Mundo & Letras, José Bonifácio/SP, v. 2, Julho/2011


Revista Mundo & Letras 54atingir seu objetivo <strong>em</strong> vida, sua história é uma <strong>metáfora</strong> da necessidade humana de seraceito e, por isso, preocupa-se com a aparência. Ainda há o <strong>em</strong>prego da <strong>hipérbole</strong> e da<strong>metamorfose</strong> na mesma narrativa.Discorr<strong>em</strong>os, portanto, sobre os três recursos narrativos apontados e a formacomo contribu<strong>em</strong> para a inserção de fatores sobrenaturais e, consequent<strong>em</strong>ente, como aunião desses el<strong>em</strong>entos para favorecer o aparecimento do fantástico chama a atenção doleitor a probl<strong>em</strong>as constantes da sociedade moderna.A literatura fantástica: características do gêneroA literatura fantástica brasileira não t<strong>em</strong> um panorama histórico extenso, poisapenas recent<strong>em</strong>ente alguns escritores se interessaram por tal gênero e, contudo, dessesn<strong>em</strong> todos se dedicaram exclusivamente a ele. Com suas origens <strong>em</strong> romances queexploravam o medo, tal literatura surgiu na Europa, provavelmente com os romancesgóticos. No entanto, as opiniões de estudiosos diverg<strong>em</strong> acerca de seu início.De acordo com Rodrigues (1988), para alguns pesquisadores o gênero existedesde Homero e As mil e uma noites, contudo para a grande maioria seu nascimentoocorreu entre os séculos XVIII e XIX, e seu amadurecimento se deu no século XX. JáPaes (1985) afirma que os primórdios da literatura fantástica ocorreram no séculoXVIII, na França. Segundo o autor, o florescimento da literatura fantástica ocorreudurante o Romantismo, período que se opôs à razão. Os contos fantásticos ganharaminfluência na França e <strong>em</strong> toda a Europa, enquanto na Inglaterra já havia o romancegótico 2 , que recorria ao horror sobrenatural. Durante a fase do Realismo-Naturalismo,subsequente, o racional e o objetivo voltaram ao destaque, contudo o fantásticopermaneceu e chegou ao século XX modificado.Estudando sobre as origens desse gênero, Coalla (1994, apud VOLOBUEF,2000, p. 111) apontou diferentes fases atravessadas pelo fantástico durante os séculos:no final do século XVIII e início do XIX, o gênero exigia a presença do sobrenatural,estando presentes monstros e fantasmas; no século XIX, passou a explorar opsicológico, inserindo nas narrativas a loucura, alucinações, pesadelos para mostrar aangústia no interior do sujeito; no século XX, o fantástico passou a criar incoerênciaentre el<strong>em</strong>entos do cotidiano. Baseado <strong>em</strong> tal relato, é possível notar que o gênerofantástico não é estanque, está s<strong>em</strong>pre evoluindo e aproximando-se de t<strong>em</strong>as cada vezmais críticos.Apesar de ter suas origens <strong>em</strong> romances que suscitavam o medo, no século XX anarrativa fantástica se tornou mais sutil. Volobuef (2000, p.109) afirma que abandonoua sucessão de acontecimentos surpreendentes, assustadores e <strong>em</strong>ocionantes paraadentrar esferas t<strong>em</strong>áticas mais complexas. Devido a isso, a narrativa fantástica passou atratar de assuntos inquietantes para o hom<strong>em</strong> atual: os avanços tecnológicos, asangústias existenciais, a opressão, a burocracia, a desigualdade social. Assim, o gênerofantástico deixou de ser apenas narrativa de entretenimento, pois “não cria mundosfabulosos, distintos do nosso e povoados por criaturas imaginárias, mas revela eprobl<strong>em</strong>atiza a vida e o ambiente que conhec<strong>em</strong>os do dia-a-dia” (VOLOBUEF, 2000, p.110).Até o início do século XX, a literatura brasileira não havia apresentadoimportantes obras fantásticas. O florescimento do gênero fantástico <strong>em</strong> nosso país, de2 O romance gótico teve grande importância na Literatura Inglesa no final do século XVIII e início doséculo XIX. Alguns estudiosos o consideram uma variedade do fantástico que recorria ao mistério e aoterror, e cujo objetivo era causar medo no leitor. No entanto, durante a narrativa os fatos eramexplicados racionalmente, o que dissipava o efeito do fantástico. Um ex<strong>em</strong>plo desse tipo de narrativa éa obra Frankenstein, de Mary Shelley.Mundo & Letras, José Bonifácio/SP, v. 2, Julho/2011


Revista Mundo & Letras 57a uma questão social <strong>em</strong> específico, a fim de que o leitor ultrapasse o nível ingênuo deleitura.A narrativa rubiana apresenta textos que vão além da linguag<strong>em</strong> denotativa.Partindo de probl<strong>em</strong>as de nosso cotidiano, possibilita ao leitor refletir sobre o meio <strong>em</strong>que vive “na preocupação de mostrar realidades subentendidas, que não se explicitamautomaticamente” (GOULART, 1995, p. 51).Schwartz (1981) considera o texto do escritor ideológico, com uma linguag<strong>em</strong>que adquire funções que se projetam além do texto ficcional. Em seu estudo, consideratrês principais t<strong>em</strong>as: o cristão, o social e o existencial. Há contos <strong>em</strong> que é possívelnotar a simbologia de uma figura cristã, como Cristo (“A lua”, “Botão-de-rosa”). Emoutros, a narrativa “se converte <strong>em</strong> trampolim metafórico de uma crítica social”, procuramostrar a realidade propondo t<strong>em</strong>as como a opressão (“A cidade”), a burocracia (“A<strong>fila”</strong>), o sist<strong>em</strong>a industrial (“O edifício”), entre outros. E há também o questionamentodo hom<strong>em</strong> e sua existência, do relacionamento (“O convidado”), da rotina (“Oscomensais”).Os t<strong>em</strong>as encontrados nos contos rubianos os tornam universais e levam o leitora refletir sobre questões sociais para as quais, talvez, ainda não havia olhado comseriedade, propondo uma visão mais crítica do real.A <strong>metáfora</strong> do hom<strong>em</strong> cont<strong>em</strong>porâneo nos contos rubianosA leitura e análise de alguns contos rubianos nos fez perceber que no decorrer desua leitura diversas lacunas são deixadas, s<strong>em</strong> a d<strong>em</strong>onstração de preocupação doescritor <strong>em</strong> preenchê-las. Contudo, ao término do conto, a totalidade do texto nos revelaque, na verdade, as lacunas são intencionais para criar uma ambigüidade e favorecer as<strong>metáfora</strong>s presentes. Entend<strong>em</strong>os <strong>metáfora</strong>, neste artigo, como o <strong>em</strong>prego de um termona narrativa que adquire sentido além do literal, um sentido novo dentro do enredo, quenão seria o mesmo <strong>em</strong> outro contexto.A <strong>metáfora</strong> é parte constitutiva do el<strong>em</strong>ento fantástico. Tal figura ganhou maioratenção a partir de A poética, de Aristóteles. Neste livro, o filósofo procura criar umconceito de <strong>metáfora</strong>, afirmando que ela “consiste no transportar para uma coisa o nomede outra, ou do gênero para a espécie, ou da espécie para o gênero, ou da espécie deuma para a espécie de outra, ou por analogia” (ARISTÓTELES, 1966).A forma mais conhecida de conceituação da <strong>metáfora</strong> é a de uma comparaçãoabreviada, conceito que não abrange seu sentido e função real. Para Castro (1977), a<strong>metáfora</strong> não é mais vista hoje como ornamento de discurso ou simples variante dacomparação, é uma atividade recriadora da linguag<strong>em</strong>, a mais usada de todas as figurasde linguag<strong>em</strong> pelos escritores de todas as épocas.Essa figura é amplamente utilizada pelos poetas como recurso estilístico paradesenvolver o trabalho com a linguag<strong>em</strong>. Há o <strong>em</strong>prego do termo <strong>em</strong> seu sentidopróprio e no sentido metafórico, chamado de transposto. É essa mudança de sentido quecaracteriza a <strong>metáfora</strong>. Segundo Genette (1966), ela t<strong>em</strong> a característica de significarmais que a expressão literal, há um acréscimo de sentido além dos objetos, dos fatos,dos pensamentos.Ao pensar sobre a <strong>metáfora</strong> e a comparação, Moisés (2004) considera a primeiracomo dependente da segunda. A <strong>metáfora</strong> é estruturada <strong>em</strong> torno de uma comparação,explícita ou implícita, que inclui dois termos e resulta na transformação de sentido decada um e no nascimento de um sentido novo. Ainda acrescenta que traduzir a <strong>metáfora</strong>é impossível, pois uma paráfrase não transmitiria n<strong>em</strong> sua superfície, já que a <strong>metáfora</strong>fala por si própria.Mundo & Letras, José Bonifácio/SP, v. 2, Julho/2011


Revista Mundo & Letras 58Apesar de muito presente <strong>em</strong> textos literários, de acordo com Moisés (2004), a<strong>metáfora</strong> não é exclusiva da linguag<strong>em</strong> literária. Também ocorre na linguag<strong>em</strong> falada,talvez com mais freqüência que <strong>em</strong> textos da literatura. A diferença é posta pelo teóricopelo caráter vulgar e cotidiano recebido na linguag<strong>em</strong> falada, enquanto é utilizada naliteratura com objetivos estéticos. Em geral, na fala são utilizadas <strong>metáfora</strong>s mortas,estereotipadas, clichês, vazias de sentido. Essas <strong>metáfora</strong>s não possu<strong>em</strong> mais umsentido ambíguo, já são <strong>em</strong>pregadas com um único sentido. A <strong>metáfora</strong> presente <strong>em</strong>textos literários é conotativa, procura traduzir <strong>em</strong> palavras pensamentos e sensações, porisso não pode ser traduzida.O <strong>em</strong>prego da <strong>metáfora</strong> no texto <strong>em</strong> prosa é diferente do poético. Seu <strong>em</strong>pregonão é na forma direta e imediata, e sim indireta e mediata. As <strong>metáfora</strong>s presentes notexto só se revelam quando a leitura chega ao fim, por meio da totalidade da narrativa.Elas permit<strong>em</strong> ao leitor uma nova compreensão da leitura realizada e a atribuição denovos sentidos e novas imagens, a partir da realidade conhecida.Boranelli (2008), estudioso dos contos de Murilo Rubião, mostra que a <strong>metáfora</strong>percorre toda a narrativa do escritor. Segundo ele, no gênero fantástico a <strong>metáfora</strong> seapresenta de modo sist<strong>em</strong>ático e original, é um dos el<strong>em</strong>entos geradores do fantástico edá novos sentidos à realidade presente na narrativa. A <strong>metáfora</strong> permite a aproximaçãode duas realidades afastadas por meio da criação de uma nova imag<strong>em</strong>. O efeito desurpresa, de acordo com Castro (1977), é fator peculiar da <strong>metáfora</strong> verdadeiramenteoriginal e viva, e intensifica o efeito do fantástico sobre o leitor, contribui com ouniverso absurdo do texto. Já Moisés (2004) afirma que a <strong>metáfora</strong> procura representarsimbolicamente a realidade e, mais uma vez, contribui com o el<strong>em</strong>ento fantástico.Os contos rubianos s<strong>em</strong>pre apresentam um fato sobrenatural com a intenção deenfatizar acontecimentos da sociedade que têm como centro o hom<strong>em</strong>, o hom<strong>em</strong>cont<strong>em</strong>porâneo. Em “A <strong>fila”</strong> (OC, 1988), a personag<strong>em</strong> protagonista, Pererico, sai desua cidade do interior e vai à cidade grande com o objetivo de conversar com o gerentede uma fábrica, porém, é encaminhado para uma fila composta de pessoas queaguardam para conversar com o gerente, fila que não t<strong>em</strong> fim, mesmo após dias e dias.A <strong>metáfora</strong> presente no conto é a fila como representação da burocracia e o hom<strong>em</strong>alienado e levado a aceitá-la, ou seja, o sist<strong>em</strong>a alienador existente na sociedade atual.Em “Teleco, o coelhinho” (OPZ, 1976), Teleco, envolvido pelo desejo de se tornar umser humano e ser aceito pela sociedade, visto que apenas as suas mudanças decomportamento não conduz<strong>em</strong> a sua aceitação, entra <strong>em</strong> crise ao final do contotransformando-se diversas vezes, mas só consegue atingir a forma de uma criançamorta. Aqui há uma <strong>metáfora</strong> da preocupação constante da aparência na sociedade atuale como a aparência faz com que uma pessoa seja mais facilmente aceita <strong>em</strong> algunsgrupos sociais. Há nos contos, portanto, como afirma Boranelli (2008), uma <strong>metáfora</strong>do comportamento social que procura alertar contra uma realidade alienante. Como a<strong>metáfora</strong> consegue unir a razão e a imaginação, dois mundos contrários e distantes, noscontos fantásticos aquilo que nos parece estranho no início torna-se familiar, mesmocom el<strong>em</strong>entos sobrenaturais. A ambiguidade ilimitada resultante da <strong>metáfora</strong> é traçoimportante para a existência do fantástico.Todos os contos rubianos, por meio da <strong>metáfora</strong>, pod<strong>em</strong> conduzir o leitor a umavisão mais crítica da sociedade. Com isso, ao término da leitura, o leitor pode conseguirentender o significado metafórico do conto.Hipérbole: a importância do exagero para o fantásticoA <strong>hipérbole</strong>, segundo Schwartz (1981), aparece nas obras de Murilo Rubiãocomo figura-chave que desvenda os mecanismos fantásticos da narrativa. Sendo assim,Mundo & Letras, José Bonifácio/SP, v. 2, Julho/2011


Revista Mundo & Letras 59além da <strong>metáfora</strong>, essa figura é importante para o surgimento do el<strong>em</strong>ento fantástico noscontos. A entend<strong>em</strong>os como um recurso textual que representa acontecimentos comexageração.Considerada por Moisés (2004) uma forma de enfatizar por meio do exagero, deforma negativa ou positiva, a <strong>hipérbole</strong> ajuda a chamar atenção a uma verdade e podeser <strong>em</strong>pregada na linguag<strong>em</strong> falada ou na literária. Em um texto fantástico, seu<strong>em</strong>prego, como afirma Todorov (2004), conduz ao sobrenatural.Baseando-se <strong>em</strong> Roland Barthes, Schwartz (1981) mostra que a <strong>hipérbole</strong> seapresenta sob duas formas: aquela que exagera por aumento, a auxesis, e a que exagerapor diminuição, tapinosis. Em seu estudo, afirma que a obra rubiana apóia-se, <strong>em</strong> geral,na auxesis.Em “A Fila” (OC, 1988), Pererico passa dias após dias na fila para falar com ogerente, no entanto o número de pessoas aguardando para ser<strong>em</strong> atendidas aumentacada vez mais. “Estou há quase seis meses nesta cidade <strong>em</strong> missão confidencial e nãoconsigo falar a um porcaria de gerente!” (OC, RUBIÃO, 1988, p. 34), afirmava apersonag<strong>em</strong>. O exagero chama a atenção para a burocracia que existe <strong>em</strong> nosso país etambém para o descaso com as pessoas que não pertenc<strong>em</strong> a elite social. No conto“Teleco, o coelhinho” (OPZ, 1976), Teleco costumava <strong>metamorfose</strong>ar-se para agradarou brincar com as pessoas, ao final da narrativa perde o controle sobre astransformações e morre <strong>em</strong> forma de uma criança. Neste caso, a <strong>hipérbole</strong> reforça aatenção d<strong>em</strong>asiada do ser humano para as aparências.Sendo parte essencial para o surgimento do fantástico na narrativa, a <strong>hipérbole</strong> éde grande importância nos contos e se manifesta de diversas formas, atinge não somenteas personagens, mas o t<strong>em</strong>po, o espaço, aparece representada nas ações e nasdescrições.A <strong>metamorfose</strong>: <strong>metáfora</strong> dos probl<strong>em</strong>as humanosO t<strong>em</strong>a da <strong>metamorfose</strong> é constante na literatura antiga e cont<strong>em</strong>porânea.Ultrapassando séculos, sofreu evoluções e aparece de diferentes modos nas narrativas.Santos (2006) analisou a evolução de tal t<strong>em</strong>a e afirma que recebeu tratamento diverso<strong>em</strong> cada época. Na mitologia grega, a <strong>metamorfose</strong> estava relacionada ao desejo de umser de se transmutar, ou a causas externas, como forma de punição ou prêmio. Naliteratura clássica, tinha um fim determinado: a punição a uma afronta ou crime. Naliteratura do maravilhoso, contos de fadas, as transformações voluntárias ouinvoluntárias estão presentes, há frequent<strong>em</strong>ente seres mágicos, como bruxas e fadas,que têm a capacidade de modificar fisicamente os seres. Na literatura cont<strong>em</strong>porânea, a<strong>metamorfose</strong> deixou de ser somente física e passou à utilização da <strong>metáfora</strong>. Nouniverso criado por Murilo Rubião, a <strong>metamorfose</strong> é uma forma de abordar osprobl<strong>em</strong>as humanos, tais como: burocracia, marginalização, relacionamentos, rotina.Segundo Santos (2006), nos contos rubianos o t<strong>em</strong>a da <strong>metamorfose</strong> r<strong>em</strong>ete àprobl<strong>em</strong>ática existencial: o sentido da vida. As narrativas são constituídas de dúvidas,mistério, absurdo. A <strong>metamorfose</strong> não é apenas física, mas reflete também a própriareescritura dos contos, a tentativa das personagens de se ajustar<strong>em</strong> ao mundo que osrodeia. O absurdo surge diante o leitor, mas, curiosamente, não incomoda aspersonagens.Em “Teleco, o coelhinho” (OPZ, 1976), Teleco t<strong>em</strong> o poder de transformar-se<strong>em</strong> qualquer animal para agradar as pessoas, mas sua verdadeira busca é pela forma doser humano, pois sente-se marginalizado e quer ser aceito socialmente. Apesar de agircomo humano, não t<strong>em</strong> a aparência de um. Suas tentativas são frustradas e,Mundo & Letras, José Bonifácio/SP, v. 2, Julho/2011


Revista Mundo & Letras 60ironicamente, apenas quando morre consegue adquirir a forma tão desejada: umacriança.Assim, a <strong>metamorfose</strong> é mais um artifício <strong>em</strong>pregado pelo escritor para criticar ohom<strong>em</strong> moderno. “Seus contos não se propõ<strong>em</strong> a responder ou resolver as questões domundo, ao contrário, são enigmas que conduz<strong>em</strong> à reflexão do real” (SANTOS, 2006).A <strong>metamorfose</strong>, nessas narrativas, t<strong>em</strong> o sentido de degradação, de impotência diante domundo, revela um hom<strong>em</strong> que não se compreende e não consegue fugir de sua condiçãode vida. O absurdo, portanto, não resulta do sobrenatural presente no texto, mas daprópria condição humana.Considerações finaisA análise da <strong>metáfora</strong>, da <strong>hipérbole</strong> e da <strong>metamorfose</strong> nos contos “A <strong>fila”</strong> (OC,1988) e “Teleco, o coelhinho” (OPZ, 1976) serve como uma ex<strong>em</strong>plificação de como oescritor Murilo Rubião trabalhava a linguag<strong>em</strong> para discutir sobre t<strong>em</strong>as sociais. Asituação do ser humano moderno é s<strong>em</strong>pre questionada, nos mais diversos locais e dediferentes formas, falando sobre a preocupação com a aparência, a burocracia, asrelações artificiais, a corrupção, entre outros.Preocupado d<strong>em</strong>asiadamente com a clareza de seus textos, o escritor, mesmoapós a publicação, reescrevia seus contos para uma nova publicação. Publicou oitolivros com oitenta e nove contos, contudo, dos contos citados, apenas trinta e dois eramoriginais. Os outros são republicações que o autor fez, chegando a existir livros somentecom contos republicados. Quando questionado sobre o assunto, o autor disse:“Reelaboro a minha linguag<strong>em</strong> até a exaustão, numa busca desesperada pela clareza,para tornar o conto o mais real possível. Com a linguag<strong>em</strong> mais depurada, a intriga fluinaturalmente 3 ”. O escritor, a cada nova publicação, alterava os contos, às vezesmodificando-os muito.Talvez por isso o modo como Murilo Rubião <strong>em</strong>prega o fantástico <strong>em</strong> seuscontos causa perplexidade nos leitores, além de impressionar a aceitação dos fenômenossobrenaturais no decorrer da leitura, como se foss<strong>em</strong> reais, mesmo com o <strong>em</strong>prego da<strong>metáfora</strong>, da <strong>hipérbole</strong> e da <strong>metamorfose</strong>. O real e o irreal se misturam a todo omomento e a hesitação permanece até o final da narrativa, como se não houvessesolução para o ser humano moderno.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASARISTÓTELES. Poética. Porto Alegre: Editora Globo, 1966.BORANELLI, V. O fantástico nos contos de Murilo Rubião e de Júlio Cortázar:entre o mito literário e a poli<strong>metáfora</strong>. São Paulo: PUC, 2008. Tese (Doutorado) –Programa de Pós-Graduação <strong>em</strong> Literatura e Crítica Literária, Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, São Paulo, 2008.CANDIDO, A. A literatura e a formação do hom<strong>em</strong>. Ciência e cultura. São Paulo, v.24, n. 9, p. 803-809, set. 1972.CASTRO, W. Metáforas machadianas: estruturas e funções. Rio de Janeiro: Aolivro técnico, 1977.COSSON, R. Letramento literário na escola. São Paulo: Contexto, 2006.FONSECA, P. C. L. O fantástico no conto brasileiro cont<strong>em</strong>porâneo. Estudos deliteratura luso-brasileira. Ribeirão Preto, SP: Editora Coc., 1987. p. 165-199.3 Relato de entrevistas feitas a Murilo Rubião presente na obra Murilo Rubião (1982), organizada porJorge Schwartz para a coleção Literatura Comentada.Mundo & Letras, José Bonifácio/SP, v. 2, Julho/2011


Revista Mundo & Letras 61GENETTE, G. Figuras. São Paulo: Editora Perspectiva, 1966.GOULART, A. T. O conto fantástico de Murilo Rubião. Belo Horizonte, MG: Lê,1995.HOHLFELDT, A. C. O conto alegórico. Conto brasileiro cont<strong>em</strong>porâneo. PortoAlegre: Mercado Aberto, 1981. p. 102-115.MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 2004.PAES, J. P. As dimensões do fantástico. Gregos e baianos. São Paulo: Brasiliense,1985.RODRIGUES, S. C. O fantástico. São Paulo: Ática, 1988.SANTOS, L. A. A <strong>metamorfose</strong> nos contos fantásticos de Murilo Rubião. NauLiterária. Porto Alegre, n. 3, p. 186-199, jul./dez., 2006.RUBIÃO, M. O pirotécnico Zacarias. 3. ed. São Paulo: Ática, 1976.______. O convidado. 4. ed. São Paulo: Ática, 1988.SCHWARTZ, J. Murilo Rubião: a poética do uroboro. São Paulo: Ática, 1981.______ (Org.). Murilo Rubião. São Paulo: Abril Educação, 1982.TODOROV, T. As estruturas narrativas. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1970.______. Introdução à literatura fantástica. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.VOLOBUEF, K. Uma leitura do fantástico: A invenção de Morel (A. B. Casares) e Oprocesso (F. Kafka). Revista Letras, Curitiba, n. 53, p. 109-123, jun. 2000.Mundo & Letras, José Bonifácio/SP, v. 2, Julho/2011

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