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MODELO ASSISTENCIAL PARA A SAÚDE INDÍGENA: DSEI-MG/ES

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modelo que se pensa para a saúde indígena, deve empoderar os índios paraque eles próprios possam com o tempo, vir a ser protagonistas na produção dasua própria saúde. Torná-los sujeitos plenos, individuais e coletivos, rompendocom um centenário ciclo de relações que os tornam sujeitados. Este é o outroobjetivo que deve ser perseguido. Isto só será possível se forem incorporadas àsações da saúde, os outros saberes que possibilitem o acesso ao mundosimbólico destes povos, que contribuem para a compreensão da sua cultura ecomportamento e naturalmente a subjetividade dos índios. Nos referimossobretudo, à questão do processo de trabalho, que deve considerar, para aimplantação e operação dos programas e ações de saúde, o modo dialógico einterativo na relação com os índios, respeitando-os e fazendo-se respeitar,procurando assim constituir um ambiente solidário de trabalho e produção dasaúde.Pensando o modelo assistencial.O modelo assistencial genericamente é entendido como a forma ideal deorganização dos serviços de saúde, ou, o modo como se produz o cuidado apartir de determinadas tecnologias assistenciais, dentro de um contexto social,político, ambiental e subjetivo (Merhy, 1992; Silva Jr., 1998; Franco, 1999).Partimos de um princípio norteador para pensar o modelo de assistência, qualseja: ele deve se estruturar, centrado no usuário-índio e suas necessidades. Issopressupõe um modelo dinâmico, que pode assumir diferentes matizes,dependendo das necessidades que se interpõem para o cuidado à saúde dospovos indígenas. Deve se adaptar às condições de vida, sociais, sanitárias eepidemiológicas, culturais e simbólicas, subjetivas e de comportamento de cadaetnia. Porém, nesse universo complexo, nos guiamos por algumas diretrizesoperacionais para pensar esse modelo assistencial, que serão discutidas aolongo do texto, mas que definimos a seguir como:


clínico-sócio-cultural-subjetivo, a equipe deve definir seu projeto terapêutico,atendendo ao conjunto de necessidades apresentadas pelo usuário-índio. Parao projeto terapêutico devem ser dimensionados recursos e ações compatíveiscom a complexidade que envolve a assistência à saúde indígena. Isto requerpensar o acompanhamento do usuário-índio, o cuidado com seus “parentesacompanhantes”,espaço de escuta e de fala nas relações com os mesmos,possibilidades de realização de seus ritos no ambiente em que estiver,especialmente nas Casas de Atendimento à Saúde Indígena (CASAI) enfim, oprojeto terapêutico deve reunir as tecnologias de cuidado que os serviços desaúde usuais dispõem, adicionadas das questões específicas que são da culturaindígena. Tendo o projeto terapêutico definido, é importante definirresponsabilidades para a sua condução. Isto pode ser feito, indicando entre osmembros da equipe de saúde, aquele que vai fazer a “gestão do cuidado” , ouseja, administrar a condução do seu projeto terapêutico, tendo claro que eleutilizará o trabalho de toda equipe para isso, mas fica sendo a partir de então, oresponsável por garantir os cuidados àquele usuário.Vínculo 2 : se realiza e a partir da adscrição de um certo número deusuários-índios a uma equipe multiprofissional, que deve ser a referência segurapara o cuidado àquela população. Para comunidades de até 2.000 índios emmédia, pode ser utilizada uma equipe multiprofissional e acima deste número asequipes podem ou ganhar uma estrutura ampliada (com maior número deprofissionais) ou devem ser organizadas maior número de equipes para umamesma comunidade indígena. O vínculo pressupõe responsabilização, isto é,que a equipe cuide de todos os aspectos que cercam a saúde dos índios,incluindo as visitas nas aldeias e domicílios, a busca ativa de casos, assistênciaaos egressos de internações hospitalares e/ou da CASAI, organização deprogramas de controle de agravos, vigilância à saúde em geral e todo arsenaltécnico da clínica que está disponível para o cuidado aos índios.2 Sobre o vínculo a equipes de referência ver: CAMPOS, G. W. S. Reforma da reforma, repensando asaúde. São Paulo: Hucitec, 1992.


Ao vincular um número de usuários-índios a uma <strong>ES</strong>FI (Equipe de Saúdeda Família Indígena), estamos nos referenciando a uma estrutura naorganização dos serviços, com foco na sua micro-organização social, assimcomo de um novo processo de trabalho.O vínculo pode ser organizado no Território Indígena (TI) e/ou emqualquer equipamento de saúde. Partimos da idéia geral de que o nível deassistência na aldeia deve ser o mais resolutivo possível, evitando assim otrânsito de indígenas para as cidades, deslocamento este que muitas vezescoloca em risco o usuário-índio e seus familiares. Encaminhamentos para aCASAI e a rede de maior complexidade do SUS, devem ser feito, somente emcasos de necessidade, que foge à competência técnica e missão do posto daaldeia e suas estruturas mais próximas. Assim, no nível das aldeias, sugerimosduas estruturas de vínculo para assistirem aos índios, a saber:i) A <strong>ES</strong>FI básica, formada por médico, enfermeira, dentista,auxiliares de enfermagem, Auxiliar de Consultório Dentário(ACD) e agentes comunitários indígenas.ii) A Equipe Matricial, formada necessariamente por Antropólogo 3 ,Assistente Social 4 , Psicólogo 5 , e outros profissionais paraquestões específicas, caso a necessidade dos mesmos sejapercebida. Esta equipe matricial deve ser referência para umcerto número de equipes básicas, a ser definido posteriormentepara cada caso-etnia estudado.3Sua função poderá ser a de orientar a equipe técnica quanto aos aspectos culturais, hábitos,comportamentos, ritos e todo o mundo simbólico que cerca as comunidades indígenas. Poderá ofertarcapacitação básica em antropologia para os profissionais de saúde, entre outras ações.4 Com atribuição de cuidar dos aspectos que envolvem a assistência social aos usuários-índios e suasfamília, atuar em conflitos, articular com outros órgão e entidades, sendo um elemento chave na busca daintersetorialidade.5 Deverá assistir os usuários-índios nos aspectos relacionados à saúde mental, notadamente atendendo àmaior urgência atual, articulando um programa de redução de danos relacionado ao alcoolismo. Poderáofertar capacitação às equipes básicas, nas questões relacionadas à saúde mental, bem como articular asentidades da área.


faz a articulação da linha do cuidado 6 na assistência à saúdeindígena.Ao mesmo tempo, a CASAI serve como um importanteobservatório da eficácia da assistência realizada pelasequipes em nível das aldeias. Um grande número de casosvindos à CASAI, que poderiam ser resolvidos com os recursosdisponibilizados às equipes que atendem nas aldeias, é indicadorde baixa eficácia destas equipes. É possível, a partir da CASAI,ter alguns indicadores sentinela da atenção à saúde, porexemplo: Alta presença de desnutrição infantil na CASAI ésentinela para baixa resolutividade dos cuidados à saúde dacriança em nível da aldeia.iv)HOSPITAL: O mesmo vínculo que há na CASAI, pode ser feitotambém no hospital. Sabemos que não é o modelo adotadousualmente na rede de assistência hospitalar do SUS, mas napactuação entre o subsistema de saúde indígena com osequipamentos hospitalares, pode-se sugerir a vinculação deleitos a equipes de saúde, supondo toda a necessidade decuidados especiais que devem ser dispensados aos índios.Resolutividade: significa o compromisso do trabalhador de saúde emefetivamente resolver o problema do usuário-índio, ou com os recursos de queele dispõe, ou dando-lhe um encaminhamento seguro para o lugar onde elepossa ter seu problema resolvido.Integralidade: A integralidade da assistência à saúde, depende dapactuação da rede básica organizada e operada pelo subsistema de saúdeindígena, incluindo a CASAI, e toda rede de atenção à média e alta6 Ver: Franco, T.B. & Magalhães, H.M.; Integralidade na Assistência à Saúde: A organização dasLinhas do Cuidado in O Trabalho em Saúde: olhando e experienciando o SUS no cotidiano;Merhy, Franco, et al; São Paulo, Hucitec, 2003.


Os dados sugerem adoção, em caráter emergencial, de programa derecuperação nutricional e controle de agravos relacionados ao aparelhodigestivo, de causa infecciosa e parasitária. Da mesma forma, o controle dedoenças do aparelho respiratório e programa de redução de danos são tambémde caráter emergencial. Para construir um modelo de produção do cuidadoaos Maxakali em especial, é necessário primeiro, desmontar as “máquinasde morte” presentes nas suas populações, que são principalmente adesnutrição e o alcoolismo.FIGURA I: Morbidade entre os índios da área de abrangência do <strong>DSEI</strong>-<strong>MG</strong>/<strong>ES</strong>,para o ano de 2003, distribuída por grupo de doenças conforme a ClassificaçãoInternacional de Doenças (CID10).6%6%5%Alg. D. infecciosas e parasitárias4% 2% 4% D. do ap. Respiratório24%D. endócrinas, nutr. e metabólicasD. do ap. CirculatórioD. sist. osteomuscular e tec. conjuntivoD. da pele e tecido subcutâneoD. do ap. Digestivo7%7%13%22%D. aparelho geniturinárioD. do sangue e órg. hemat.e transt.ImunitáriosTranstornos Mentais e Comport.*OutrosFonte: Sistema de Informação da Saúde Indígena, <strong>DSEI</strong>-<strong>MG</strong>/<strong>ES</strong>.A análise dos dados, deixa dúvida no entanto, quanto aos registrosrelacionados aos transtornos mentais e comportamentais, incluindo oalcoolismo. É sabido a alta prevalência desta doença entre os índios e noentanto, presume-se que os registros não revelam este fato com a extensão que


têm e o dano que causa entre os mesmos. Um melhor cuidado sobre este itemdeve ser verificado, pois a observação do comportamento dos índios e dosdanos causados pelo alcoolismo tem nos levado à conclusão de que esta temsido responsável por inúmeros problemas, inclusive o aumento exacerbado daagressão entre os próprios índios.Conclusão.Este texto assume que a construção de um modelo assistencial para asaúde indígena deve ser obra coletiva e portanto, não considera que aqui seencerra este debate, mas simplesmente, abre a discussão para os diversossujeitos implicados com o subsistema de saúde indígena.Propõe a composição de um amplo arsenal teórico para construir e operaro novo modelo, que considera, além das tradicionais áreas da saúde coletiva(clínica, epidemiologia, planejamento e ciências sociais), outras se colocamcomo fundamentais, notadamente a antropologia, assistência social, psicanálisee esquizo-análise, e ainda, naturalmente, os campos de conhecimento que aintersetorialidade pode agregar, como a ecologia, e todos saberes e práticas queoperam na linha da autosustentabilidade das aldeias.A diretriz do Acolhimento, faz uma aposta fundamental na relação entretrabalhador e o usuário-índio. Quando implantado nas equipes que atuam emcomunidades onde uma minoria de indivíduos se comunicam em português,alguns dos trabalhadores devem aprender o idioma indígena para melhorinteragirem com estas etnias. Um exemplo disto é o caso dos Maxakali emMinas Gerais. Isto é um diferencial importante para a eficácia desta diretriz emum modelo de cuidado, que opera junto aos povos indígenas.


de liberar sua energia criativa, criadora e produtiva, recuperando para os índiosbens simbólicos como auto-estima, afirmação como sujeito, domínio sobre arealidade que o cerca, construção de novas subjetividades, poder de atuar sobreo mundo. Isto é altamente terapêutico. Sobre estes aspectos, há um importantedebate a se realizar, pois trata-se de algo novo no campo de reflexões da saúdecoletiva, mas que vem ganhando terreno e sendo objetivo de atenção de algunsautores. Fica a idéia em geral de que os rituais devem ser estimulados e nãodesqualificados pelo novo modelo de assistência à saúde indígena.Enfim, atingir níveis ótimos de assistência à saúde indígena é uma missãoa ser cumprida e tem como premissa a mudança do atual modelo, aindacentrado no saber biológico, com práticas excessivamente prescritivas, como é omodelo hegemônico. Verifica-se um terrível paradoxo na saúde indígena,enquanto a maioria destas comunidades não viveram o período higienista dosanitarismo brasileiro, e neste quesito assumem o perfil da comunidades ruraisdo Brasil século XVII, como dito aqui, têm para si um modelo que opera centradonos recursos ofertados pela maquinaria e instrumental duro normativo eestruturado, pouco relacional e dialógico. Assim, o desafio é o de encontrar umequilíbrio em um modelo que atue sobre as condições sanitárias propriamenteditas, e ao mesmo tempo opera a clínica ampliada, com ênfase nas tecnologiasleves e no campo relacional para a produção do cuidado (Merhy, 1997, 1998;Franco, 1999).BIBLIOGRAFIA:BAREMBLITT, G. Compêndio de análise institucional e outras correntes.Rio de Janeiro: Ed. Rosa dos Tempos, 1992.CAMPOS, G. W. S. Reforma da reforma, repensando a saúde. São Paulo:Hucitec, 1992.


CAMPOS, G. W. S. A saúde pública e a defesa da vida. São Paulo: Hucitec,1994b.CECÍLIO, L. C. O. (Org.). Inventando a mudança na saúde. São Paulo:Hucitec, 1994.CECÍLIO, L.C.O.; As Necessidades de Saúde como Conceito Estruturantena Luta pela Integralidade e Equidade na Atenção em Saúde; Rio de Janeiro;UERJ, IMS: ABRASCO; 2001.DELEUZE, G. e GUATTARI, F. O Anti-Édipo: capitalismo e esquizofrenia.Lisboa: Assírio & Alvim, 1966.DONNANGELO, M. C. Saúde e sociedade. São Paulo: Duas Cidades, 1976.Ferreira Vilarinho, E.; Relatório sobre a Intervenção Nutricional na Casa doÍndio; Governador Valadares (<strong>MG</strong>), mimeo, outubro/2004.FRANCO, T. B. Os processos de trabalho e a mudança do modelotecnoassistencial em saúde. Campinas, 1999. (Tese - Mestrado –Universidade Estadual de Campinas).FRANCO, T.B. & MAGALHÃ<strong>ES</strong>, H.M.; Integralidade na Assistência à Saúde:A organização das Linhas do Cuidado in O Trabalho em Saúde: olhando eexperienciando o SUS no cotidiano; Merhy, Franco, et al; São Paulo, Hucitec,2003.FRANCO, T. B.; MERHY, E. E. PSF: contradições de um programa destinado àmudança do modelo assistencial in O Trabalho em Saúde: olhando eexperienciando o SUS no cotidiano; São Paulo, Hucitec, 2003.FRANCO, T. B.; BUENO, W. S.; MERHY, E. E. O acolhimento e os processosde trabalho em saúde: o caso de Betim (<strong>MG</strong>). Cadernos de Saúde Pública. Riode Janeiro: FIOCRUZ, jun. 2000.


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