III Simpósio Nacio<strong>na</strong>l Discu<strong>rs</strong>o, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADEDom Benedito lembra também sua primeira escola propriamente dita:E - Isso foi em 1918, quando o senhor começou a ir à escola?D - Em 19 e 20, nesta escola que abriram.E - Ela tinha nome essa escola?D - Sei eu lá se tinha nome, acho que não. Todo mundo...se ndava a scuola 11 .[...]E - Ensi<strong>na</strong>vam em português ou italiano?D - Era uma escola brasileira, no Brasil, por uma italia<strong>na</strong> que não falava português. Deviaentender alguma coisa e nós tínhamos o livro de leitura bilíngue, pági<strong>na</strong> dividida italiano eportuguês, porém impresso <strong>na</strong> Itália para os filhos dos imigrantes no Brasil. Acontece quenós não sabíamos nem o italiano, nem o português, porque a nossa língua é outra,chamada vêneto. Aqui o povo diz “parlar talian 12 ”, mas propriamente é vêneto.E - Mas esse italiano que tinha nos livros era o gramatical?D - Gramatical. Não tinha <strong>na</strong>da de dialeto.E - Ela ensi<strong>na</strong>va a gramática italia<strong>na</strong>?D - Ela ensi<strong>na</strong>va a ler. Não se fazia muita questão de gramática, verbos, isso, aquilo. Eraaprender a leitura. Então a gente foi aprendendo porque fi<strong>na</strong>lmente, um pouco o italiano,um pouco o dialeto, o português. Italiano a gente via o padre que pregava italiano <strong>na</strong>smissas. Ele falava a gramática. Então alguma coisa a gente entendia, tanto que <strong>na</strong>quelesdois anos eu fui promovido com outros companheiros, que era um verdadeiro diploma; agente não tinha classe, 1º ano, 2º ano, não era por livro. Então eu passei, com outros,para a Seleta do Clemente Pinto.E - Depois de dois anos de estudo?D - É. Então recebi aquele livrão grosso chamado Seleta. Daí entrei para o Seminário. Oque eu queria dizer mais daquela escola, nós aprendemos a ler, escrever, matemática, eujá tinha geografia, não sei se um pouco de história. Mais ou menos era isto.E - A professora era <strong>na</strong>scida aqui no Brasil?D - Não, italia<strong>na</strong>.E - O sr. lembra se junto com o ensi<strong>na</strong>r a ler, ensi<strong>na</strong>r um pouco de matemática, eleensi<strong>na</strong>va alguma coisa de cultura italia<strong>na</strong>?D - Não. Acho que não. Claro, aquele livro era feito por italianos e a tradução a gente viaque era um coisa feita com mentalidade italia<strong>na</strong>, não era brasileira não. Trechos, etc,como se fosse <strong>na</strong> Itália. Mas eu admiro até hoje a preocupação, deve ter sido a direção dacolônia que se interessou... Eu admiro a direção da colônia que se interessou para queesses meninos aprendessem as duas línguas, italiano e o português.Um ensino precário, e a própria dive<strong>rs</strong>idade linguística, mal aproveitada ou maladministrada pela escola, que só contrapunha o italiano padrão (“gramatical”) e oportuguês padrão, ignorando a especificidade da fala dialetal, tornou os alunos maisatilados, exigindo deles atenção constante e aproveitamento de todas as instâncias defala. Isso os fez progredir: alguns passaram diretamente à Seleta.Dom Benedito também é afirmativo quanto à aprendizagem de português.Quando questio<strong>na</strong>do sobre o interesse de aprender português, informou:D - Houve, porque inclusive, suponho, porque quem ia imprimir o livro bilíngue para agente que está no Brasil. Deve ter havido qualquer combi<strong>na</strong>ção. Eu não acredito quefosse o governo italiano que mandava fazer o livro bilíngue para os que tenham imigrado.Eu não tenho um dado certo. É ape<strong>na</strong>s uma dedução minha. Agora, às vezes, veio aguerra, última, decretos, proibindo falar italiano, alemão, japonês. Isso pra dizer a coisacom toda a verdade, isso foi uma asneira muito grande de quem andou fazendo isto,porque não se obriga ninguém a falar por um decreto, tem que aprender a língua. E comoé que estes colonos, nesta terra aqui, iam aprender o português? Que moram socados,11 Ia-se à escola (tradução das autoras).12 O vêneto sul-rio-grandense é conhecido, por seus falantes, como talian (nota das autoras).
III Simpósio Nacio<strong>na</strong>l Discu<strong>rs</strong>o, Identidade e Sociedade (III SIDIS)DILEMAS E DESAFIOS NA CONTEMPORANEIDADEum pouco isolados, porque a cidade maior, <strong>na</strong>quele tempo, era Caxias, mas <strong>na</strong>s ruas deCaxias, me lembro, o que se ouvia falar ali era dialeto. O grosso do povo estava falandodialeto.O Bispo demonstra aguda consciência da inutilidade do decreto ditatorial deVargas que obrigava a falar uma língua que poucos sabiam, ou que não era a preferidapara se expressarem. E mostra também conhecer a realidade linguística de sua diocese:em ple<strong>na</strong> região urba<strong>na</strong>, <strong>na</strong> maior cidade da Região Colonial Italia<strong>na</strong>, falava-se o dialetovêneto, <strong>na</strong> verdade uma coiné de predominância veneta (FROSI; MIORANZA, 2009).Outra entrevistada, Emma Nilza Citton Faccio lembra a questão das línguas:E - Quem foi sua primeira professora?I - Madale<strong>na</strong> Menegusso, foi e tinha a professora Maria Filini.E - E a Madale<strong>na</strong> falava em que língua?I - Ela falava em italiano, mas ensi<strong>na</strong>va em português. [...]E - Que língua vocês falavam no recreio, brincando?I - Agora entre nós, assim entre algumas falavam em italiano, mas quando a professoraouvia ela ficava braba, então nós tínhamos que falar o português. Era obrigado falar oportuguês.A entrevistada Ida Menegotto lembra que seu professor era italiano. Elafreqüentou a escola a partir de 1921:I - Com 6 anos. [...] Na escola de São Luís, com um professor italiano, chamado SantoSerone. Eu estudei dois anos com ele. Mas agora para nós foi uma grande dificuldadedepois, para poder se expressar <strong>na</strong> língua portuguesa, porque o professor falava tudo emitaliano, e nós estudávamos o português, quase que não se entendia.[...]E - Era uma escola dele, particular?I . Não, escola do município.E - Do município. E como é que ele ensi<strong>na</strong>va tudo em italiano? Ensi<strong>na</strong>va, alfabetizava emitaliano?I . Não, alfabetizava em português, e ele falava conosco tudo em italiano. Então, ficavauma grande dificuldade para depois entender o português. Porque nós em casa não sefalava em português. Se falava tudo em italiano. Só que não era a língua italia<strong>na</strong>, era,como é que se diz...era...E - Dialeto?I - Dialeto italiano, né. Não era mesmo a língua italia<strong>na</strong>. E ele falava mesmo a línguaitalia<strong>na</strong> conosco.[...]E - Ele não sabia falar português?I - Eu acho que ele sabia, talvez, mas como nós também entendíamos pouco português,então eu acho que ele achava melhor falar italiano. Que se ele tivesse falado português,como depois nós tivemos uma outra professora que falava tudo português, ali depois nóstivemos grande dificuldades em poder fazer, por exemplo, uma descrição, uma redação.Para nós a maior dificuldade era aquela. Porque em casa se falava italiano. No colégiotambém [ele] não ensi<strong>na</strong>va em português, não falava, o professor; e depois a outraprofessora nos obrigou a falar português.[...]I – [Ele] Veio da Itália.à escola:João Bodini também lembra a confusão das línguas, além da dificuldade de chegar