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O aprender a pensar na diferença - Eliane Caldas - Faders

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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOSCENTRO DE CI ÊNCIAS HUMANASELIANE RIBEIRO DE CALDASO APRENDER A PENSAR NA DIFERENÇASão LeopoldoDezembro, 2005


ELIANE RIBEIRO DE CALDASO APRENDER A PENSAR NA DIFERENÇAMonografia submetida como requisito parcialpara a obtenção do tí tulo de Especialista emFilosofia e seu Ensino <strong>na</strong> Universidade doVale do Rio dos Sinos – UNISINOSOrientador Professor Dr. Sérgio Augusto SardiSão LeopoldoDezembro, 2005


Aos meus amados filhos, Jé ssica e Jackson, pedaç os muito valiosos <strong>na</strong>minha existê ncia e que permearam todas as linhas deste trabalho;Aos meus pais, João e Marlene, que sempre me apó iam incondicio<strong>na</strong>lmentee sempre embarcam comigo <strong>na</strong>s mais variadas aventurase experiê ncias, sem pedir <strong>na</strong>da em troca;Ao Rudimar, pelos momentos a mim dedicados;Ao Dr. Paulo Roza, grande impulsio<strong>na</strong>dor para que a filosofia faç aparte definitiva <strong>na</strong> minha vida;Ao grande amigo e cunhado Rudnei, meu agradecimento especial pordispor de horas, minutos e segundos ouvindo as minhas angústias,medos, inseguranç as e não deixando que eu esmorecesse;Ao amigo Oli Vanderlei, que sempre me socorre <strong>na</strong>s horas mais difí ceis;Ao pequeno grande homem, Dr. Prof. Sé rgio Sardi, orientadordeste trabalho, pela humildade, credibilidade, paciê ncia, e confiança dispensadas a mim;Ao querido mestre e coorde<strong>na</strong>dor deste curso, Prof. Urbano Scheid,que muito me ensinou sobre filosofia e que em momento algum medisse não;À amiga Stela, pela colaboraç ão <strong>na</strong> estruturaç ão desta monografia;Aos colegas, Élvio e Vinicius, pelo auxí lio <strong>na</strong> construç ão deste trabalho,ouvindo pacientemente minhas idé ias, contribuindo para torná-lasreais;Aos colegas do curso, Evandro, Patrí cia, Hele<strong>na</strong>, Wellington,Igor, Beth, Janice, Marcelo, Arilton, Mauro e Merci,que com suas experiê ncias, jeito de ser, aceitação do outro, formarama melhor turma acadê mica da qual tive oportunidade de fazerparte;Enfim, a todos que direta ou indiretamente participaram e contribuí ramnesta caminhada.


SUM ÁRIOACEITANDO O INACEIT ÁVEL OU CONSTRUINDO UM CAMINHO?......................4CAPÍTULO I - TRANSMITINDO CONTE ÚDOS OU EDUCANDO?............................8CAPÍTULO II - APRENDENDO A ENSINAR OU APRENDENDO A APRENDER? 21CAPÍTULO III - PENSANDO SIMPLESMENTE OU PENSANDO O PENSAR? ......28CAPÍTULO IV - DESCONSIDERANDO A DIFEREN ÇA OU ACEITANDO UMDESAFIO? ................................................................................................................32CAPÍTULO V - CRISTALIZANDO O SABER OU FILOSOFANDO COMO UMCONVITE AO NOVO? ..............................................................................................41CONSIDERA ÇÕES GERAIS ....................................................................................44CONSIDERA ÇÕES PESSOAIS................................................................................47REFER ÊNCIAS BIBLIOGR ÁFICAS.........................................................................50


ACEITANDO O INACEIT ÁVEL OU CONSTRUINDO UM CAMINHO?Era uma vez...Parece estranho começar um trabalho cientí fico assim, mas tudo começouexatamente deste jeito: era uma vez uma <strong>Eliane</strong> inquieta, questio<strong>na</strong>dora, querendosaber tudo de tudo, sedenta por conhecimento, por saber, por entender o mundo, aspessoas, sempre muito crí tica, que foi buscar no curso de pós-graduação de Filosofiae seu ensino respostas a estas indagações.Pura Ilusão. Ao longo do curso, fui ficando cada vez mais perdida, sem conseguirimagi<strong>na</strong>r como juntar a teoria e a prática e ainda construir uma práxis (interação,inter-relação positiva entre os dois) que contribuí sse para uma visão de construçãode mundo. Num primeiro momento, pensei: como vou conseguir realizar umaconstrução que tenha sentido, que possa contribuir para um mundo melhor?Estava tudo muito ideológico. Todo o conhecimento adquirido <strong>na</strong>s aulas dapós-graduação mexia comigo de uma forma muito especial, mexia com a minha visãode mundo. Passei a questio<strong>na</strong>r tudo a minha volta, dia a dia me fazia perguntas,


5as palavras soavam estranhas, estava o tempo todo buscando entender o comportamentohumano e o que as pessoas diziam ou tentavam dizer. Tinha a sensação deestar fora do mundo, uma “ et” (extraterrestre).Ficava cada vez mais introspectiva, reavaliando minhas ações, as ações daspessoas a minha volta, de como se viam no mundo e para quê. O mundo estavaparticio<strong>na</strong>do, e eu não sabia mais como juntá-lo novamente.Olhava-me no espelho e sentia-me diferente. Mas diferente em que, me perguntava?O que é esta diferença? O que é o <strong>aprender</strong>? O que é o <strong>pensar</strong>? O que éFilosofia? E agora? Mexi com toda uma estrutura inter<strong>na</strong> e exter<strong>na</strong>, fiz separações,desmembrei, filtrei conhecimentos, sentimentos, atitudes. Estou perdida.Todas estas questões me levaram a entender que este seria um processoinevitável para a minha construção: “ Questio<strong>na</strong>r é criar condições de avançar. Parafazer uma pergunta, precisamos <strong>pensar</strong> que há algo no qual ainda não pensamos,precisamos saber que não sabemos algo. E isso nos põe em condições de <strong>aprender</strong>”(SARDI, 2004, p.14).Percebi que esse processo reflexivo pedia um passo a mais. Estava inconsistente.Só refletir foi importante <strong>na</strong>quele momento, mas o que fazer com essas reflexões?Sabia que após este perí odo já não era mais a mesma pessoa, que haviacrescido inter<strong>na</strong>mente. Queria uma construção mais concreta, um sentido, contribuirpara um mundo melhor, pois afi<strong>na</strong>l de contas iniciei a especialização com este objetivo.O que fazer e como fazer?


6Este momento reflexivo e crí tico lembrou-me Sócrates:Mesmo se soubéssemos transformar pedras em ouro, este conhecimentonão teria valor. Pois se não soubéssemos fazer uso do ouro, ele de<strong>na</strong>da nos serviria [...]. Mesmo se tivéssemos algum conhecimento que nostor<strong>na</strong>sse imortais, se não soubéssemos como utilizar a imortalidade, mesmoisto de <strong>na</strong>da nos serviria.Eu queria utilizar este ouro para contribuir no abrilhantamento de muitos caminhos.Como fazer?Percebi <strong>na</strong> filosofia e sua aplicação <strong>na</strong> educação um caminho enriquecedore importante para alcançar este objetivo.Iniciei a busca por outros conhecimentos, além da especialização, realizeileituras, participei de encontros temáticos, congressos, colóquios, cursos de extensão.Entendia que estes momentos seriam de grande valia para me auxiliar no conhecimentodo processo educacio<strong>na</strong>l.Aprimorei os questio<strong>na</strong>mentos internos e percebi que muitas das minhas dificuldadese de outras crianças, que eu já vinha observando ao longo de minha atividadeprofissio<strong>na</strong>l, estavam ligadas ao fato de ter (aqui entendida como obrigação)que <strong>aprender</strong> a <strong>pensar</strong> de uma forma padronizada e qualquer iniciativa diferente seriaconsiderada como dificuldades, desobediência, indiscipli<strong>na</strong>, hiperatividade, déficitde atenção e outros.


7Este “ método de ensino” contribui para que as crianças sintam-se desintegradae desinteirada, estanques, sem condições de avançar.Apesar das muitas perguntas, neste momento me parece relevante e centralaprofundar a seguinte questão:“ Como <strong>aprender</strong> a <strong>pensar</strong> considerando as diferenças, respeitando as particularidades,individualidades e experiências de cada um?” .


8CAPÍTULO ITRANSMITINDO CONTE ÚDOS OU EDUCANDO?Antigamente, e aqui refiro ao século XIX, as práticas pedagógicas eramconstruí das a partir de uma visão dos sujeitos enquanto pessoas ignorantes, desprovidasde conhecimentos, de vivências. A escola era o local onde “ <strong>aprender</strong>iam aser alguém” .Segundo Rancière: “ Cada prática pedagógica explica a desigualdade do sabercomo um mal, e um mal redutí vel em uma progressão infinita em direção aobem” (2002, p.124).O processo de ensino era e parece continuar sendo, <strong>na</strong> maioria das vezes,conteudista, que não privilegia o <strong>pensar</strong>, com queixas freqüentes dos educadores deque os estudantes não se interessam, não gostam de estudar, não cumprem as tarefasescolares. A criança leva a culpa desta não aprendizagem.O educador, por sua vez, que também é fruto deste sistema educacio<strong>na</strong>l quepouco mudou, não recebe um preparo adequado para estimular o <strong>aprender</strong> combase no <strong>pensar</strong>. Acredita nos “ ensi<strong>na</strong>mentos” que recebeu, pois eles dão suportepara manter uma ordem que facilita no momento de passar os conteúdos para o“aprendizado” da criança.


9Em uma educação tradicio<strong>na</strong>l, o <strong>aprender</strong> a <strong>pensar</strong>, tor<strong>na</strong>-se contraditório,pois este sistema quer formar pessoas “ obedientes” , “ centradas” , que siga o caminhoque eles, os inventores desta pedagogia, entendem o melhor.Instruir para libertar vai contra os princí pios desta forma direcio<strong>na</strong>da de ensi<strong>na</strong>r,pois ameaça uma estrutura “ sólida” e pode escapar ao controle: “ A instruçãodas massas coloca em perigo os governos absolutos” (RANCIÈRE, 2002, p.130).Neste contexto, não existem diferentes, todos são tratados como iguais, háum nivelamento. A sala de aula é um espaço de domi<strong>na</strong>ção constante, onde é proibidoavançar no <strong>pensar</strong> e no <strong>aprender</strong>. Pensar pode representar o caos. Parece haverum reducionismo simplista no processo do pensamento e uma ênfase acentuadano <strong>aprender</strong> a ensi<strong>na</strong>r dentro de moldes pré-fabricados.Apesar de estarmos <strong>na</strong> era tecnológica, os avanços <strong>na</strong> educação ainda continuamalicerçados <strong>na</strong> inferioridade, <strong>na</strong> denegação huma<strong>na</strong>, <strong>na</strong> necessidade de conduzirpara <strong>pensar</strong>, para <strong>aprender</strong>. Diz Rancière: “ O que embrutece o povo não é afalta de instrução, mas a crença <strong>na</strong> inferioridade de sua inteligência” (2002, p.50).Para exemplificar este processo, relato, abaixo, duas situações que justificamestas práticas no sistema educacio<strong>na</strong>l.


10O Pequeno Grande ConstrutorEsta é a história de um construtor a<strong>na</strong>lfabeto que trabalhava para a chamadaclasse média alta.Este senhor, de nome Florêncio Silva, morador de uma cidade do interior, foium menino pobre, que desde pequeno - cinco anos de idade - já auxiliava seus pais,pequenos agricultores, <strong>na</strong> lida do campo.Ele tinha muita vontade de <strong>aprender</strong> e dizia ao pai que quando crescesseconstruiria casas. Seu pai não duvidava, porque observava a perseverança do filho.Mas tinha um problema: <strong>na</strong> localidade onde a famí lia Silva residia não havia estabelecimentode ensino. A escola mais próxima ficava distante uns 10 km, dificultandoo acesso.Mas o pai do menino, Sr. João, mesmo sabendo que seria complicado freqüentarregularmente esta escola pela sua distância, resolveu matriculá-lo aos seteanos e meio. Tinha como meta dar condições ao filho de realizar o sonho de construiras tão faladas casas.Florêncio, muito satisfeito, iniciou as aulas. Ao longo do dia, ficava horaslonge de casa. A maioria das vezes ia a pé, outras de caro<strong>na</strong> no carro de bois oucarroças dos vizinhos. Em muitas situações o menino era obrigado a faltar, algumasdevido às intempéries do tempo, outras para ajudar os pais <strong>na</strong> época de colheita.Ficava chateado, mas entendia que não poderia ser diferente.


11Mesmo assim <strong>na</strong>da lhe era penoso, continuava a freqüentar a escola, poisqueria penetrar no mundo das letras e dos números. Perseguia seu sonho.Porém, <strong>na</strong> metade do ano, seus pais foram chamados pela professora. Estalhes informou que o menino Florêncio tinha “ dificuldades de aprendizagem” , nãoacompanha a turma, nem sequer sabia ainda juntar o “ B” com o “ A” . Só queria saberde desenhar. Passava a aula toda desenhando casas. “ Veja só, passa brincando” ,reclamou.Nas contas, dizia ela, até consegue dar o resultado “ de cabeça” como elemesmo diz, mas não acredito, não sabe elaborar a conta, como pode acertar? Comcerteza “ copia” de algum colega. Mas <strong>na</strong> verdade, o menino de tanto ver o pai contandomudas, paus de cerca, fazendo cálculos para saber o que tinha ganho no fi<strong>na</strong>lda colheita, etc.., aprendeu também a fazer estes cálculos mentalmente.A professora Sra. Flora, este era seu nome, que era também a diretora, aservente, a secretária, sentenciou: “ Sr. João e Do<strong>na</strong> Margarida deixem Florêncio emcasa, não vai adiantar ele vir para a escola, é tempo perdido. Na roça, ele vai sermais útil, pois a memória dele é “ fraca” , nunca vai conseguir <strong>aprender</strong> <strong>na</strong>da” .Segundo Rancière: “ O segredo do mestre é saber reconhecer a distânciaentre a matéria ensi<strong>na</strong>da e o sujeito a instruir, a distância, também, entre <strong>aprender</strong> ecompreender” (2002, p.18).


12O menino ouviu calado sua sentença, não podia se manifestar, pois era faltade respeito com os mais velhos. Mas pensou: “ ainda vou mostrar a esta professoraque vou <strong>aprender</strong> muito <strong>na</strong> vida e serei conhecido <strong>na</strong> cidade” . Passaram-se algunsanos, Florêncio continuava a trabalhar <strong>na</strong> lavoura da famí lia.Mas um fato novo aconteceu, seu tio paterno, um construtor civil, foi visitálose convidou-o a morar com ele <strong>na</strong> cidade e ajudá-lo <strong>na</strong> construção de casas. Ambossempre foram amigos e Sr. Manoel era seu tio preferido.O pai, apesar de conster<strong>na</strong>do com o convite, pois seu filho lhe faria muitafalta, concordou. Disse ele ao irmão: — Contigo ele poderá ter um bom futuro, pois alida do campo está muito difí cil, conseguimos sempre tão pouco.Florêncio, então, iniciou uma nova vida <strong>na</strong> cidade. Seu tio, pacientemente,foi lhe ensi<strong>na</strong>do tudo que <strong>aprender</strong>a, até então, <strong>na</strong> arte de construir casas.O que pode, essencialmente, um emancipado é ser emancipador:fornecer, não a chave do saber, mas a consciência daquilo que pode umainteligência, quando ela se considera como igual a qualquer outra e consideraqualquer outra como igual à sua (RANCI ÈRE, 2002, p.50).Todo o dia Florêncio aprendia um detalhe a mais. Era interessado, trabalhador,caprichoso e se encantava quando via a casa pronta.Segundo Rancière, a mola propulsora para <strong>aprender</strong> é a vontade:


13O homem – e a criança, em particular – pode ter necessidade deum mestre, quando sua vontade não é suficientemente forte para colocá-lae mantê-la em seu caminho. Mas a sujeição é puramente de vontade avontade. Ela se tor<strong>na</strong> embrutecedora quando liga uma inteligência a umaoutra inteligência. No ato de ensi<strong>na</strong>r e de <strong>aprender</strong>, há duas vontades e duasinteligências (2002, p.25).Na cidade, seus “ dotes” eram comentados. A dupla, tio e sobrinho, sempretinha muitas obras para realizar. A procura era grande. Aos 22 anos, tio de Florênciofaleceu, mas ele não desanimou. Continuou cada vez mais dedicado.Agora já era um construtor conhecido e chamado de “ o pequeno grandeconstrutor” , porque era baixinho, franzino. Sua fama foi parar <strong>na</strong> cidade vizinha. Foientão contratado por engenheiros e arquitetos desta cidade para que executassesuas obras.Estes profissio<strong>na</strong>is lhe entregavam as plantas e recebiam a obra concluí datal qual tinham planejado. Mas uma questão intrigava outros profissio<strong>na</strong>is, seus parentes,amigos, vizinhos:“Como o Sr. Florêncio consegue entender e executar as plantas se não sabeler, é a<strong>na</strong>lfabeto, ignorante?”— Prestando atenção e querendo <strong>aprender</strong>, dizia ele. Eles me mostravam asplantas, explicavam o que queriam. Aí eu pensava e conseguia ver o que eles diziamnos “ desenhos” .


14— Mas como o senhor conseguia saber qual o lado certo da planta e porqual delas começar, são várias plantas de uma mesma casa? O senhor não as colocaao contrário, viradas para baixo, por exemplo?Respondia ele que não, já conhecia as letras, mesmo sem saber juntá-las, esabia que o nome dos engenheiros ficava no canto direito bem embaixo. Este eraum si<strong>na</strong>l para que colocasse as plantas <strong>na</strong> posição correta.— E como o senhor sabia por qual planta começar?— Ah! Muito simples, exclamava ele. Tudo <strong>na</strong> vida para dar certo, tem queter uma base bem forte e firme. Pedi então aos engenheiros e arquitetos que meensi<strong>na</strong>ssem quais das plantas era o alicerce e qual ordem seguir com as demais.Como já construí a casas sem plantas, sabia que era pelo alicerce que deveria iniciara obra. Assim, todas as vezes que eu me preparava para construir uma casa, colocavauma planta encima da outra exatamente como eles tinham me ensi<strong>na</strong>do.— E as quantidades que precisava como fios, cimentos, pedras, areia. Comoo senhor sabia?— Bom, explicou ele, aprendi fazer cálculos de “ cabeça” com meu pai. Elesempre foi um homem muito sábio, me ensinou muito, apesar de ser a<strong>na</strong>lfabeto eignorante como eu: “ Não há ignorante que não saiba uma infinidade de coisas, e ésobre este saber, sobre esta capacidade em ato que todo ensino deve se fundar”(2002, p.11).


15Muitas pessoas o incentivaram, acreditaram <strong>na</strong> sua capacidade de <strong>pensar</strong>,<strong>na</strong> sua vontade de <strong>aprender</strong>. O pequeno grande construtor, a exemplo do tio, seguiusua vida contribuindo <strong>na</strong> formação de novos construtores.Esta é a história de uma pessoa que poderia não ter tido sucesso <strong>na</strong> vida,pois, foi estigmatizado como sendo “ um menino com dificuldades de aprendizagem” .Não se enquadrou nos padrões educacio<strong>na</strong>is estabelecidos, pois não conseguia<strong>aprender</strong>, pois não conseguia <strong>pensar</strong>, não absorvia os ensi<strong>na</strong>mentos da “ educadora”devido às “ suas” dificuldades de compreensão.O RelógioA situação abaixo foi relatada pela colega Luciane, fonoaudióloga, 35 anos,acerca das lembranças que tem do método de ensino de uma escola particular,pertencente a uma congregação religiosa, a qual freqüentou durante o ensino fundamental,numa cidade do interior.Luciane relata que aos oito anos, durante uma determi<strong>na</strong>da aula, uma situaçãoficou-lhe marcante: era a uma aula da professora Regi<strong>na</strong>lda que iria “ ensi<strong>na</strong>r” aver as horas.Iniciada a aula, a professora mostrou-lhes um relógio, mexeu para cima epara baixo seus ponteiros e foi assim dizendo: “ deste jeito é meio dia, do outro umahora e, deste aqui, é dez e meia” , assim sucessivamente.


16Esta professora não fazia perguntas e nem deixava que os estudantes as fizessem.Só falava, falava, falava. Eram somente explicações e mais explicações: “ Oexplicador é aquele que impõe e abole a distância, que a desdobra e que a reabsorveno seio de sua palavra” (RANCIÈRE, 2002, p.18).Ninguém podia tocar no relógio. Só podiam ficar observando aquele vai evem. A turma permanecia em silêncio, só observava. Não podiam fazer barulho,nem conversar, nem mesmo cochichar. Ela cuidava todos os movimentos dos estudantes.Luciane lembra que estava com dificuldades de entender aquela matéria, tinhadúvidas. A professora não dava tempo para que pensassem. Queria que a assimilaçãofosse instantânea, sem questio<strong>na</strong>mentos. Quando havia dúvidas, algunsestudantes faziam questio<strong>na</strong>mentos, outros se colocavam à disposição para contribuircom a professora. Mas esta não lhes dava espaço. Mostrava-se visivelmenteirritada com as interferências. Dizia-lhes: “ A professora sou eu e se não estão entendendoé porque não estão prestando atenção” .Em vez de aceitar uma explicação, um exemplo, uma discordância,uma objeção ou uma pergunta como parte do encontro com a vida dacriança, temos tendência para conde<strong>na</strong>r ou elogiar quase tudo o que o alunofaz ou diz. Sob tais condições, para os alunos fica muito claro o que éque devem fazer (1977, p.5).Luciane refere que tudo ficou mais complicado ainda quando a professoraexplicou que 15 para as cinco era a mesma coisa que 16h45minutos. Entrou em pânico,não conseguiu entender como que coisas diferentes podiam ser iguais?


17Após o término da aula, já no caminho para casa, pensava <strong>na</strong> aula e se sentiamal. Não conseguia entender todas aquelas informações. Perguntava-se: “ Mas oque está acontecendo comigo? Não consegui <strong>aprender</strong> esta matéria, parecia tãofácil, tão comum” ? Ficou alguns dias remoendo seu fracasso e tentando entenderporque não entendia.Resolveu, então, pedir ajuda para as colegas. Chegando <strong>na</strong> escola, comentousua insatisfação com a aula do relógio. Disse que não havia entendido.Para a sua surpresa, a maioria de suas amigas também afirmou não ter conseguido“ <strong>aprender</strong>” a ver as horas. Sentiu-se um pouco aliviada, até que seu colegaEdison, que estava próximo ao grupo, entrasse <strong>na</strong> conversa. Ele disse: “ Se vocêsnão entenderam, posso explicar, porque eu entendi” .Neste momento Luciane, que deveria ter ficado contente com o oferecimentoda ajuda do colega, se sentiu pior ainda. Angustiada ficou pensando: “ Se o Edisonentendeu, ele é inteligente e eu sou burra” .Apesar de estar muito chateada consigo, resolveu aceitar a ajuda. O colegaentão passou a explicar-lhes como ver as horas no relógio:— O ponteiro pequeno é as horas e o grande, os minutos. Pediu que prestássemosmais atenção no ponteiro grande. Ele se movimenta bem mais, o pequenofica parado um tempão no mesmo lugar, por isso não precisa dar muita bola paraele. Tudo começa no número 12 que é igual a zero, o ponto de partida, depois vem o


18um, aí já passou cinco minutos, no número dois soma mais cinco, vai dar 10 minutos.É a tabuada do cinco. Quando o ponteiro grande faz toda a volta, o ponteiro pequenodesce para o próximo número, então passou uma hora.Ao longo da explicação, Edison deixou que tocassem o relógio, que experimentassemo que ele explicava. Fazia perguntas em uma linguagem simples, <strong>na</strong>linguagem de igual para igual, de criança. Era alegre. Parecia uma brincadeira, foimuito divertido.Luciane acredita que Edison tenha aprendido desta forma peculiar, porqueadorava inventar coisas, sempre aparecia com alguma novidade que ele mesmo criava.Tinha muitas habilidades, fazia poesias, músicas e as tocava no violão. Era curioso,criativo, acessí vel, se relacio<strong>na</strong>va bem com todos os colegas. Não guardavapara si seus conhecimentos. Era diferente dos outros colegas e, mesmo não sendode uma famí lia de classe média baixa, acredita que havia por parte desta bastanteestí mulo.Luciane e suas colegas rapidamente assimilaram o funcio<strong>na</strong>mento desta peque<strong>na</strong>máqui<strong>na</strong>. “ Parecia impossí vel <strong>aprender</strong>” , disse ela, “ mas o Edison nos ensinoudiferente da irmã Regi<strong>na</strong>lda, de um outro jeito que ficou muito mais fácil de<strong>aprender</strong>” .Hoje ela considera que se a irmã Regi<strong>na</strong>lda fosse uma pessoa mais flexí vel,percebido as dificuldades dos estudantes, poderia ter dado espaço ao colega Edison


para que apresentasse este outro método de ensino, valorizando o esforço do colega.19Diz ela: “ Infelizmente <strong>na</strong>quela instituição de ensino, a maioria dos professoressó tinha um jeito de ensi<strong>na</strong>r e quem não se adequasse, ou rodava ou optava porsair da escola, porque se sentia fracassado. Este método deixou-me marcas, é sofrido,rí gido, padronizado, não valoriza as diferenças. Não há espaços para argumentar.Infelizmente até hoje muitos educadores ainda agem assim”.Luciane e Sr. Florêncio, como muitas outras pessoas, poderiam ter tido fracasso<strong>na</strong> vida pessoal e profissio<strong>na</strong>l, pois tiveram dificuldades de adequar a um determi<strong>na</strong>do“ método de ensino” . Trilharam outros caminhos, talvez sem se daremconta de que, mesmo em “ enquadrados em uma fôrma” , utilizaram o <strong>pensar</strong>, a vontadepara fazer a diferença.E <strong>aprender</strong>am, pois o <strong>aprender</strong> tem a ver com a nossa vontade de <strong>aprender</strong>a <strong>pensar</strong>, e a angústia pela qual passaram contribuiu efetivamente para este aprendizado.São profissio<strong>na</strong>is reconhecidos, que não eram para “ dar certo” , mas driblaramo sistema tradicio<strong>na</strong>l.A escola, antes de ser somente um local para ensi<strong>na</strong>r, deve ser o palco demuito acolhimento, observação, atenção, criatividade, de lazer, de momentos ondeas vivências possam transformar-se em saber, de respeito a si e ao outro, um desafiaro saber e um saber desafiar o desafio, um inovar com sensatez.


20Penso ser emergente e necessário um processo pedagógico que habiliteeducadores e estudantes a <strong>pensar</strong>em e que ambos possam experimentar e experienciarproduções inéditas.


21CAPÍTULO IIAPRENDENDO A ENSINAR OU APRENDENDO A APRENDER?Falamos e escrevemos tanto a respeito do tema integração, interação, inclusãoe de que devemos nos despir de pré-conceitos, aceitar o outro com suas diferenças,mas, <strong>na</strong> formação acadêmica, aprendemos que o geral se sobrepõe ao particular.Como equacio<strong>na</strong>r este problema? Como fica o estudante que não consegue“<strong>pensar</strong> e agir” como o programado? E o professor que não consegue ensiná-lo?Onde “ exercitar” este ensi<strong>na</strong>r o diferente, ainda durante a formação acadêmica?Quais os sentimentos de ambos? Como <strong>aprender</strong> a <strong>aprender</strong> a ensi<strong>na</strong>r? Comocontribuir <strong>na</strong> base educacio<strong>na</strong>l considerando a diferença? E a capacidade do <strong>pensar</strong>,onde fica? Enclausurado?A educação, no sentido clássico, significa a construção de uma pedagogia(uma prática educativa) que dê conta de indicar e delinear a direção (o caminho) daaprendizagem huma<strong>na</strong>. O estudante é entendido como alguém que não dispõe decondições para <strong>pensar</strong> e <strong>aprender</strong>, que necessita de recursos que o condicione paratal:Assim como o legislador que institui um povoado deve estar emcondições de alterar a <strong>na</strong>tureza huma<strong>na</strong>, assim o mestre cria um homem, eneste criar o conduz, o gover<strong>na</strong>, para o que deve ser. O mestre (como o legislador)é mediador necessário para aquiescer à liberdade, possível somentedentro da ordem justa e da obediência à lei” (WASKMAN, Vera. Omal-estar <strong>na</strong> educação: variações sobre o mestre e o discípulo. In: KOHAN,Walter Omar. (org.) Políticas do ensino de filosofia. Rio de janeiro: DP&A,2004. p.73).


22O papel do professor neste contexto é o de conduzir o estudante pelo caminhocerto e, para cumprir esta tarefa, necessita ter o controle deste saber (poder).Para ilustrar as colocações, transcrevi a seguir um diálogo entre uma professora da5ª série do ensino fundamental da discipli<strong>na</strong> de português e um estudante de 11anos, ocorrido em uma escola estadual no ano de 2004.Contando uma HistóriaJackson um menino muito esperto e curioso perguntou a sua professora:— O que é uma história, “ sôra”?A professora Aparecida, que recém iniciara a leitura de uma história comoatividade daquela aula, mostrou-se indig<strong>na</strong>da com a pergunta (ou será que com ainterrupção?). Era visí vel o seu embaraço com tal questio<strong>na</strong>mento, pois estava preparadasomente para ler a tal história. Observando que a “ prô” não lhe respondera,Jackson insistiu:– “ Prô” Cida, era assim que a chamavam, mas o que é mesmo uma história?Não esta e em especial mas as histórias em geral. Como elas surgem? Para queserve ouvir as histórias?A “ prô” , que em geral ensi<strong>na</strong>va a matéria, sem ser questio<strong>na</strong>da, ficou visivelmenteirritada; com certeza se sentiu perdida, pois não havia recebido preparopara um tipo de situação como esta.


23Para conseguir prosseguir à aula, disse ao Jackson:— Na próxima aula te explico essas dúvidas.Segundo Rancière: “ [...] a cada etapa, cava-se o abismo da ignorância que oprofessor tapa, antes de cavar um outro” (2002, p.33).O menino, não satisfeito com sua resposta, e pouco disposto a esperar pelapróxima aula, tornou a perguntar:— Mas eu quero saber para que serve ouvir essa história, para que eu vouusá-la? Mas o que é mesmo uma história? Como ela surgiu?Segundo Sardi: “ Questio<strong>na</strong>r é criar condições de avançar. E isso nos põe emcondições de <strong>aprender</strong>” (2005).Decidida a acabar com as perguntas do menino, a prô disse-lhe:— Tu estás tumultuando a aula. És inquieto, agitado, indiscipli<strong>na</strong>do e perguntasdemais.Ordenou que parasse ou teria suas notas rebaixadas.Jackson, devido àforma impositiva como a professora se mostrou, obrigou-se a calar, sem que tivesseseu desejo de <strong>aprender</strong> atendido. “ O fato de haver diferenças, de haver discordân-


cias como o manual, prepara o terreno para se <strong>pensar</strong> mais, mas muito freqüentementeisso não é assim interpretado” (RATHS, 1977, p.26).24O exemplo acima demonstra as dificuldades que os “ educadores” clássicostêm de se desviar de um determi<strong>na</strong>do molde pedagógico:O estudante é considerado como um mero receptor de informações, incapazde <strong>pensar</strong> por si, sem espaço para expor seus pensamentos, experiências, dúvidase curiosidades. É “ alguém” limitado e sem potencialidades.O processo educacio<strong>na</strong>l não considera particularidades, utiliza a mesmafôrma e forma para todos, a linguagem é cristalizada, não há lugar para o diferente,para o “ despadronizado” , a verdade é única. Existe uma forte incli<strong>na</strong>ção em apresentarconteúdos prontos, mostrando os fatos e, a partir daí , solicitar que a criançapense.Façamos então ao contrário, solicitemos à criança que pense e depoisconstruí mos com ela os fatos, por exemplo: por que trazer uma história pronta, previamenteescolhida? Por que não construir com os estudantes uma que lhe pareçainteressante?Raramente damos aos estudantes uma oportunidade para fazertrabalho independente. Por “independente” entendemos um trabalho quecomece com a curiosidade, as perguntas e a busca de um aluno. Temostendência para dar informação ao aluno e pedir-lhe que assimile essa informação(RATHS, 1977, p.30).


25Observasse que há dificuldades de trabalhar com o adverso, a diferença, ocontraste. Diz Heráclito: “ [...] quem exclui o diverso (oposto), não percebe a unidadeda totalidade [...]” (apud KOHAN, 2003, p.133).Esta postura contribui para homogeneizar a educação e construir a debilidadehuma<strong>na</strong>. A criança é um ser humano único, e sendo único, tem particularidadespróprias que lhe permite <strong>pensar</strong> e <strong>aprender</strong> de modo diferenciado e próprio, comcondições de indicar um outro caminho, solicitar outros significados, diferentes dos jápré-estabelecidos.Para exemplificar o exposto, transcrevi um segundo diálogo de um outromenino – Re<strong>na</strong>to, 6ª série, da mesma escola, com a professora Fátima da discipli<strong>na</strong>de Ciências:“Aprendendo” com o ManualA professora Fátima solicitou a leitura individual de um texto do livro didático,utilizado pelos estudantes. A partir da leitura, eles deveriam responder as perguntaselaboradas pela professora, as quais se referiam ao texto. Após concluí -las, deveriamentregar o trabalho para a professora.[...] desde que ingressamos no ensino fundamental, ou mesmoantes, somos geralmente ensi<strong>na</strong>dos a dar respostas a questões formuladaspor outras pessoas. E esse gesto passivo, uma mera adequação a perguntasque não são nossas e, muitas vezes, sequer dizem respeito ao processode nossas vidas (SARDI, 2002).


26O menino Re<strong>na</strong>to, após concluir a tarefa, entregou-lhe as folhas com as perguntase as respostas. Imediatamente a professora lhe indagou sobre as respostas,dizendo-lhe:— As respostas estão diferentes do livro. Este não é o jeito “ correto” de fazer,está “ errado” e, se tu não refizeres da forma como eu determinei, literalmente,não vai “ ganhar” nota.Re<strong>na</strong>to respondeu-lhe que fez conforme entendeu, e o resultado que chegoué o mesmo, só que com outras palavras. A professora disse que não interessava,estava errado e que não iria considerar o trabalho.Sabemos que a criança, se lhe for permitido, especula tudo, quer conhecimento,quer <strong>aprender</strong>, necessita de estí mulo. Este processo é essencial para seudesenvolvimento integral. Mas, infelizmente, ainda encontramos “ educadores” queacreditam que quanto mais atividades programadas, mais o estudante consegue<strong>pensar</strong> e <strong>aprender</strong>. Um fazer mecânico.Existe a pré-suposição que tem de condicio<strong>na</strong>r para <strong>aprender</strong>, porque dificilmenteo estudante conseguirá ter idéias próprias. O educador tem que orientá-lopara que haja assimilação, tem que vir pronto.Para a maioria dos educadores, a mente ocupada com muitas informações,resulta no <strong>aprender</strong>, pois não concebe um envolvimento, troca mútua. Um dá e o


outro deve receber, sem questio<strong>na</strong>r. Entendem o processo de aprendizagem comoum processo uniforme e continuo, onde não há contextos diferentes.27Para caminhar com a criança, é necessário instituir uma comunicação, considerandoque há diferenças, efetivar um diálogo, interagir com o outro: “ Com estapostura abrimos espaços para filosofar, possibilitando o aprendizado” (KOHAN,2005, citação em sala de aula).Por mais que tenhamos um sistema educacio<strong>na</strong>l que tente nos conduzircondicio<strong>na</strong>ndo, há como transformá-lo a partir da vontade, ela é a mola propulsoraque acio<strong>na</strong> o <strong>pensar</strong>, o fazer, que nos permite construir, des-construir.O educador deve, antes de tudo, se colocar <strong>na</strong> posição de aprendiz, revendoconstantemente conceitos, teorias, criando e re-criando saberes com os estudantes.Enfim, um desacomodador do saber, propiciando o surgimento de novos saberesantes nunca imagi<strong>na</strong>dos.Aprender é um ato de liberdade, que está ligada diretamente a nossa capacidadede articular as diferenças e de enriquecer o processo educacio<strong>na</strong>l com estasdiferenças.


28CAPÍTULO IIIPENSANDO SIMPLESMENTE OU PENSANDO O PENSAR?Montando um OrigamiEm uma reunião profissio<strong>na</strong>l, a educadora que coorde<strong>na</strong>va a atividade lançouum desafio às colegas de trabalho: montar uma figura numa folha de papel ofí -cio igual a que ela havia realizado momentos antes <strong>na</strong> presença dos colegas.A educadora, sob os olhares atentos dos colegas, fez agilmente várias rasgadurasno papel. Para concluir, torceu a folha e mostrou uma espécie de origami.Então, pediu aos colegas que tentassem reproduzir a figura tal e qual havia realizado.Parecia algo muito fácil e rápido, torce daqui, torce dali, mas não foi bem assim.Houve rasgos desnecessários que impediram os colegas de montar a figura.Como não estavam conseguindo, iniciaram uma série de perguntas, sobre comoconseguir fazer o origami, que técnica deveria utilizar para concluir a tarefa. Pedirampistas. A professora-coorde<strong>na</strong>dora não forneceu as informações solicitadas, disseque deveriam tentar fazer sem orientação: “ Observem o origami e façam” , determinou.Não teve de sua parte nenhuma manifestação que motivasse o <strong>pensar</strong>. Umadas colegas ficou observando a figura por alguns momentos. Parecia fazer uso deum pensamento reflexivo. Segundo Raths: “ Observar é uma forma de descobrir informação,uma parte do processo de reação significativa do mundo ... Aprendemos aver e a notar o que não tí nhamos percebido antes” (1977, p.22).


29Quando sentiu que estava preparada para construir a figura, iniciou calmamentesua figura. Conseguiu reproduzir a figura com a mesma riqueza de detalhes,só que com outra técnica.Questio<strong>na</strong>da pela coorde<strong>na</strong>dora sobre como conseguiu realizar a tarefa corretamente,disse-lhe ter realizado rasgaduras e dobraduras.A professora disse que era impossí vel ter feito a figura sem torcê-la e queela só conseguiu porque dobrou. A “ educadora” colocou em dúvida a capacidade do<strong>pensar</strong> diferente da colega. Não concebia esta nova técnica.A colega, mesmo perante a descrença da “ educadora” , tornou a afirmar quea forma de fazer foi dobrando, disse ela: “ o resultado foi o mesmo, mas o caminhofoi outro” .Conforme: “ Não é o pensamento “ ordinário” , de “ baixo ní vel” , dos outros, oque embrutece, mas a crença <strong>na</strong> incapacidade de <strong>pensar</strong> dos outros e <strong>na</strong> superioridadedo próprio <strong>pensar</strong>” (KOHAN, 2004, p.234).Neste agir, observasse que, mesmo entre “ iguais” , ou seja, entre profissio<strong>na</strong>isde mesmo ní vel educacio<strong>na</strong>l, a diferença no <strong>pensar</strong> não é aceita. O <strong>pensar</strong> lhesparece algo abstrato, transparente, infinito, intocável, sem substância, impraticável,algo não real, pois não é visto. Creio que muitos educadores devem se perguntar:como então o <strong>pensar</strong> vai fazer parte de um método pedagógico se parece não haverconcretude?


30Na formação dos educadores, parece haver uma padronização do ser humano,fazendo-os crer que todos os estudantes que encontrarão <strong>na</strong> sua atividadefutura serão iguais e <strong>pensar</strong>ão da mesma forma. Devido esta formação, todo o processoter de ser “ visto” , há necessidade de uma técnica, um método, tem que serpalpável.Nesse sentido, o <strong>pensar</strong> é um acontecimento imprevisível. Não háformas predetermi<strong>na</strong>das que o produzam. As técnicas, os m étodos, podeminibir sua emergência: os modelos quando crêem <strong>aprender</strong> o <strong>pensar</strong> e tornálotransmissível, antecipam o i<strong>na</strong>ntecipável (KOHAN, 2003, p.232).O invisí vel, para muitos deles, é um grande mistério que assombra, que nãotem limites, que parece i<strong>na</strong>tingí vel, i<strong>na</strong>lcançável, que gera medos, inseguranças,pela falta de controle e de “ domi<strong>na</strong>ção” que pode gerar.Utilizei o exemplo acima para ilustrar que um <strong>pensar</strong> diferente, <strong>na</strong> maioriadas vezes, ao invés de ser um potencializador para ampliar as alter<strong>na</strong>tivas e as habilidadescognitivas, funcio<strong>na</strong> como um limitador da possibilidade huma<strong>na</strong>. Tambémpara refletir o <strong>pensar</strong>, pois para muitos “ educadores” <strong>pensar</strong> cansa, estimular o <strong>pensar</strong>dá trabalho, exige rever constantemente a prática profissio<strong>na</strong>l, requer consciênciadas ações. É necessário que tenhamos vontade, disponibilidade, despojamento,crença em si mesmo e no outro para despertar o prazer de <strong>pensar</strong>, de <strong>aprender</strong>.Valorizar o pensamento é capacitar para discernir, é possibilitar autonomia,alter<strong>na</strong>tivas, é dar condições ao estudante ser um cidadão livre, responsável porseus atos e com os outros.


31Posições diferentes ou diferentes modos de <strong>pensar</strong> podem gerar grandescontribuições se nos colocarmos abertos a conhecê-las, a aplicá-las. Considerar asdiferentes formas de <strong>pensar</strong> é dar condições de <strong>aprender</strong>, de criar espaços para aconstrução do novo, de contribuir solidificar uma aprendizagem.O estí mulo ao <strong>pensar</strong> é um processo conjunto, um preparo para viver, sobrevivere viver cada vez melhor, é dar oportunidades, é suporte à solução de muitassituações que se apresentam ao longo da vida. O <strong>pensar</strong> vem de dentro e tudo quede dentro brota jamais voltará a sua forma inicial. O <strong>pensar</strong> encanta e nos leva auma grande aventura, a um caminho sem volta, uma liberdade incondicio<strong>na</strong>l.Será que é o ensi<strong>na</strong>r que provoca o <strong>pensar</strong> que provoca o <strong>aprender</strong> ou seráque é o <strong>pensar</strong> que provoca o <strong>aprender</strong> que provoca o ensi<strong>na</strong>r?


32CAPÍTULO IVDESCONSIDERANDO A DIFEREN ÇA OU ACEITANDO UM DESAFIO?Quanto ao ser, Deluze se expressa da seguinte forma: “ O ser real é singulare uní voco; é diferente em si mesmo. Dessa diferença eficiente no coração do ser fluia multiplicidade real do mundo” (apud HARDT, Michael, 1996, p.175).A diferença que aqui refiro não é a de etnias, de raça, fí sica, mas a do <strong>pensar</strong>e do <strong>aprender</strong>. Daqueles estudantes que não aprendem dentro de um padrão,que “ teimam” em <strong>pensar</strong> de outro jeito, diferente do que querem lhe ensi<strong>na</strong>r.Esta diferença que em sala de aula é uma maneira muito peculiar de <strong>pensar</strong>e <strong>aprender</strong>. Que apavora em alguns momentos que coloca em risco o saber do educador,que mexe com as estruturas que parecem tão solidamente construí das, que édesconhecida por alguns, que atrapalha o bom andamento da turma. Que muitasvezes obriga o educador a rever sua prática.O ser humano sempre tem muito medo do desconhecido, porque não é preparadopara enfrentá-lo, e a diferença é este desconhecido para o educador, poispara esta forma de <strong>pensar</strong> não há técnica especí fica.Neste contexto, o diferente é assustador, pois falta um preparo acadêmicoque dê conta dos modos de existência singularidades, deste jeito tão próprio de<strong>pensar</strong>. As dificuldades de aceitação aparecem quando este fazer diferenciado vem


à to<strong>na</strong> e, este estudante, acaba por ser reduzido a um ser humano ‘ incapaz de <strong>pensar</strong>por si’ .33Gera-se, assim, uma situação que pode ter dois caminhos para os educadores:ou excluí -los ou aceitar o desafio e tomar esta situação como enriquecedora doprocesso educacio<strong>na</strong>l.Ao me assumir <strong>na</strong> diferença, posição que me possibilita respeitar –e não ape<strong>na</strong>s conviver com – a diferença (do outro), ao assumir a relaçãoprimordial entre a palavra e o viver desde a <strong>na</strong>rrativa de minha vida, talvezpossa expressar a diferença nos une - e distancia – <strong>na</strong> diferença; talvezpossa ensi<strong>na</strong>r; talvez possa <strong>aprender</strong>...mas por prazer (SARDI, 2002).Inúmeras possibilidades podem surgir, tanto para o educador, como para oestudante. O <strong>aprender</strong> a <strong>pensar</strong> <strong>na</strong> diferença é um caminho que permite transporbarreiras inimagináveis, é a superação da superação, é romper paradigmas, é umcrescimento intelectual, é dar um novo sentido à educação e a vida, é considerar oser como ser uní voco:A univocidade do ser não significa que haja um só e mesmo ser:ao contrário, os existentes são m últiplos e diferentes, sempre produzidospor uma síntese disjuntiva, eles próprios disjuntos e divergentes, membradisjuncta. A univocidade do ser significa que o ser é Voz, que ele se diz emum só e mesmo “sentido” de tudo aquilo que se diz. Aquilo de que se diznão é, em absoluto, o mesmo. Mas ele é o mesmo para tudo aquilo de quese diz (DELEUZE, 1974, p.185).O <strong>aprender</strong> de forma diferente e com tempos diferentes exercita nosso crescimento,provoca o <strong>pensar</strong>, oportuniza <strong>aprender</strong> a <strong>aprender</strong> o que ainda não tinhasido pensado, amplia horizontes, abre espaços à construção conjunta do saber,transforma a prática profissio<strong>na</strong>l, qualificando-a.


34O <strong>pensar</strong> diferente dá espaço ao surgimento do novo, a novas construções,“[...] o <strong>pensar</strong> surge <strong>na</strong> diferença, não <strong>na</strong> repetição mecânica” (SARDI, 2002).O <strong>aprender</strong> a <strong>pensar</strong> deve ter sempre a diferença como ponto de partida,porque ela dá o <strong>pensar</strong>, dá experiências múltiplas, possibilita a construção de novoshorizontes, fasci<strong>na</strong>.O relato a seguir exemplifica um fazer diferenciado que enriquece a práticaprofissio<strong>na</strong>l e estimula o <strong>pensar</strong>.A aula da professora RitaEsta é história de uma professora que encanta seus estudantes pela formacomo ministra a aula. Tudo começou com meu filho. Duas vezes por sema<strong>na</strong>, quandoele retor<strong>na</strong>va da escola dizia: “ Como as aulas da ‘ prô’ Rita são legais. Ela conversacom a gente sobre futebol, educação de filhos, lazer, comidas, polí tica, direitosdas crianças. Todas as aulas são diferentes, divertidas, aprendo sempre coisas novas.Ela nos escuta e respeita as nossas opiniões” . Segundo Sardi: “ A escuta caracterizao educador” (2002).Minha filha, que também já havia assistido aulas com esta professora, reforçavasempre os comentários do irmão. Os elogios eram constantes e despertavamminhas atenções. Perguntava-me: “ Mas o que ela faz diferente?”


35Interessada e disposta a também me contami<strong>na</strong>r com este fascí nio, resolviassistir a tão falada aula de história da professora Rita da turma 62 (6ª série). Seguerelato:A professora Rita entrou <strong>na</strong> sala com um grande sorriso no rosto, dandouma boa tarde com vigor:— Boa tarde meus lindinhos. Como vocês estão?— Boa tarde “ sôra” , responderam eles entusiasmados. Estamos bem.Os semblantes se transformaram, havia sorrisos em todos os rostos. Bastanteafetuosa, carinhosa, demonstrando satisfação com a alegria dos estudantes,ela deu inicio à aula brincando, mexendo com um com outro, fazendo piadas. Osestudantes responderam às brincadeiras com a mesma intensidade. O clima formadoera de total descontração.Segundo Sardi: “ A conexão entre emoção e cognição conformam um sentidoampliado de razão, para além de uma concepção exclusivamente lógica, sistemáticae unitária” (2002).No curso da aula, a professora Rita iniciou o conteúdo programado paraaquele dia. Já havia combi<strong>na</strong>do com eles <strong>na</strong> aula anterior, que fizessem a leitura dotexto. Perguntou se haviam lido o texto, uns disseram que sim, outros que não. Mas


este não foi motivo para haver repúdios ou xingamentos. O texto era sobre ReformaProtestante e Brasil Colônia.36Ao longo da aula, ela anotava no quadro as informações trazidas pelos estudantes,as quais eram resultantes das perguntas que fazia. Observei que, em momentoalgum, a professora desconsiderou qualquer informação.Quando observava que a informação não era assim tão pertinente, refletiacom todos os estudantes, não somente com quem a trouxe. Estavam fazendo umaconstrução conjunta.Durante a aula, aproveitava situações do cotidiano e fazia outras referênciasque pareciam “ não ter <strong>na</strong>da a ver” com o conteúdo programado, como no exemploabaixo:— Patrí cia, observei que colocaste um chiclete no chão! Num tom de vozbrando e sempre com um sorriso no rosto, professora Rita resolveu chamar a atençãoda turma para a questão ambiental e perguntou-lhes:— E se bilhões de pessoas colocarem o lixo no chão, como fica a conservaçãodo local onde estamos e como ficaria a humanidade?— Morrerí amos, disse um colega. Outro completou:


37— Morrerí amos porque a água iria ficar contami<strong>na</strong>da.— Terí amos várias doenças, comentou um terceiro. E assim sucessivamentetodos contribuí ram <strong>na</strong> discussão.Interessante observar que, espontaneamente, a colega que havia jogado ochiclete no chão, juntou e colocou a goma de mascar <strong>na</strong> lixeira, dizendo:— Tá bom “ sôra” , vou colocá-lo <strong>na</strong> lixeira. E assim procedeu.Com relação a esta postura, assim já se expressou Raths: “ Sob a orientaçãode um professor competente, bem informado e paciente, o fato de <strong>aprender</strong> comointerpretar as experiências da vida é um marco importante no caminho para a maturidade”(1977, p.26).Continuando no tema, a professora perguntou a opinião da turma sobremascar chicletes e chupar pirulito após ter almoçado e já ter escovado os dentes.Alguns responderam:— Dá um gostinho bom, disse um dos colegas.— Depois escovamos novamente, justificou um outro colega.— Não se deve fazer isto, afirmou outra.


38— Vai estragar os dentes, sentenciou um quarto colega.Professora Rita, após fomentar a discussão, refletiu com eles a questão.Pensar é uma forma de prender. Pensar é uma forma de perguntarpelos fatos, e se o pensamento tem algum objetivo, os fatos assim encontradosserão significativos para esse objetivo. Nesse caso temos aprendizadointencio<strong>na</strong>l, e uma pessoa está amadurecendo quando suas atividadessão discipli<strong>na</strong>das pelo objetivo (RANCI ÈRE, 2002, p.15).Seguiram ampliando conjuntamente o tema. Agora falavam da saúde em geral.Comentaram sobre alimentação e sua importância para o bem estar, e que atitudesimpensadas, sem uma análise, levam a prejuí zos futuros.Professora Rita fez considerações acerca da importância de evitar doençascomo placa bacteria<strong>na</strong>, aumento de acidez, caries, úlcera, diabetes, obesidade,pressão alta, pedras nos rins e outras doenças.Também explicou sobre o SUS – Sistema Único de Saúde, que é um sistemade saúde atualmente deficitário e que a demora no atendimento é grande, podendolevar à morte. Neste momento um estudante questionou:— Como é feito o chiclete?A exemplo de como estava agindo até aqui, a professora Rita devolveu apergunta para turma:


39— E aí turma? Do que vocês acham que é feito o chiclete?Surgiram várias sugestões, algumas engraçadas, outras mais sérias. Atéque chegaram a uma possí vel composição do chiclete.Quanto a construção do conhecimento, assim se expressou Sardi: “ Aprendera relacio<strong>na</strong>r orde<strong>na</strong>damente as perguntas e as respostas é já construir conhecimento”(2002).Professora Rita retomou a “ aula oficial” .Nisso chegou <strong>na</strong> porta da sala de aula um menino da turma ao lado e fezuma reclamação da professora:isto e saiu.— A “ sôra” , para a nossa turma tu não passou a matéria no quadro. DisseA professora Rita sorriu envaidecida com o ciúmes demonstrado pelo estudantee retomou novamente o tema Colonização do Brasil, e a aula seguiu animada,perpassando outros caminhos pertinentes às situações que se apresentavam, oracolocada por ela, ora pelos estudantes, mas sempre num sentido de qualificar o intelectualde cada um, sem deixar de lado o afeto, atenção, bom humor, carinho e orespeito pelo <strong>pensar</strong> de cada um.


40Segundo Sardi: “ mais que ensi<strong>na</strong>r, trata-se sempre de convidar o outro a<strong>aprender</strong>, e a <strong>aprender</strong> a <strong>aprender</strong>, do seu próprio modo, <strong>na</strong> sua diferença, fazendoo papel daquele que estimula e requer do outro que ele possa ultrapassar a si mesmo”(2004, p.19).Com este exemplo profissio<strong>na</strong>l, procuro mostrar que existem várias formasde ensi<strong>na</strong>r a <strong>pensar</strong>, despojando-se de pré-conceitos, respeitando as vivências, asdiferenças de cada um.O educador não deve ser uma pessoa que direcione um saber, deve ser umorientador, um estimulador, que tor<strong>na</strong> interessante para interessar, que disponibilizao conhecimento também para <strong>aprender</strong>. Quanto a esta verdade assim asseverouSardi: “ Instigamos, facilitamos, ou convidamos, indiretamente, a <strong>aprender</strong>, quandosomos, nós mesmos, aprendizes do <strong>aprender</strong>, e partilhamos, <strong>na</strong> diferença, as nossaspróprias diferenças” (2005).O verdadeiro saber acontece <strong>na</strong> troca, no ver e olhar o outro, no <strong>aprender</strong>com as diferentes formas de <strong>pensar</strong>, com a mesma igualdade de inteligências: “ Aigualdade das inteligências é laço comum do gênero humano, a condição necessáriae suficiente para que uma sociedade de homens exista” (RANCIÈRE, 2002, p.82).O <strong>aprender</strong> a <strong>pensar</strong> <strong>na</strong> diferença é, antes de tudo, abrir espaços interiorespara <strong>aprender</strong> a <strong>aprender</strong>.


41CAPÍTULO VCRISTALIZANDO O SABER OU FILOSOFANDO COMO UM CONVITE AONOVO?Na educação, por todas as questões até aqui levantadas, observa-se queainda há uma lógica de domi<strong>na</strong>ção de um saber, que exclui o adverso, o diferente,exatamente por ser este um desacomodador do sistema.Qualquer iniciativa ou ação que dê conta de querer incluir este excluí do, deatender a todos verdadeiramente, pode significar um desequilí brio, uma fragilizaçãodeste sistema educacio<strong>na</strong>l, mudando seu sentido, obrigando a uma reflexão profundasobre as práticas educativas existentes.Neste contexto, fica claro porque a filosofia foi sendo banida dos currí culosescolares. Ela permitia questio<strong>na</strong>r o instituí do, transformar o que já era dado comosabido, definitivo, a verdade absoluta, o “ melhor para todos” .A filosofia, incluí da no processo educacio<strong>na</strong>l, tem o papel essencial de refletire interrogar esta prática normativa <strong>na</strong> educação, trazendo à to<strong>na</strong> os problemasexistentes <strong>na</strong> dita “ ação educativa” , modificando a ordem existente, o estado normaldas coisas, possibilitando um <strong>pensar</strong> que aflore novas idéias, outros valores, outrossaberes. Segundo Kohan: “ Filosofia significa permitir (criar possibilidades) para queos outros possam <strong>pensar</strong>” (2005, citação de sala de aula).


42Considerando a afirmação do professor Walter, a filosofia é a possibilidadede <strong>aprender</strong> a <strong>pensar</strong>, rompendo com a inércia <strong>na</strong> educação. Ela questio<strong>na</strong>, colocaem cheque o modelo tradicio<strong>na</strong>l de “ ensi<strong>na</strong>r” , propicia o perguntar, a inquietação, aindagação, rompe com a homogeneidade, quebra com o instituí do, considera a diferença:“ Porque para a filosofia, segundo Sócrates, viver uma vida sem perguntasnão é viver de verdade” (2003, p.171).Para a filosofia, o diferente é um potencializador do <strong>pensar</strong> e do <strong>aprender</strong>,um construtor de um novo sentido, de uma autonomia, da verdadeira cidadania, queassusta a grande maioria dos educadores, porque quebra pré-conceitos, desmonta oque parecia tão lógico e tão óbvio.A fonte inspiradora que impulsio<strong>na</strong> a filosofia é o <strong>pensar</strong> diferente e este<strong>pensar</strong> é que acio<strong>na</strong> o iní cio de um processo efetivo de transformação, que nos colocanuma posição de <strong>aprender</strong> a <strong>pensar</strong> e que nos possibilita novas experiências.Segundo Kohan: “ Quem ensi<strong>na</strong> aprende e quem aprende ensi<strong>na</strong>, se ensi<strong>na</strong>re <strong>aprender</strong> têm um caráter de experiência” (2003, p.202).A cada experiência nos modificamos, nos transformamos, nos construí moscom possibilidades infinitas.A filosofia contribui no fortalecimento da fórmula mágica do <strong>pensar</strong> da criança,que é ilimitado, sem fronteiras, que diz o que sente com muita transparência,


com descontração, que diz o que vivência, que é um ser humano em potencial, quetem um sentido bem mais amplo que somente o significado do dizer.43O papel do educador neste contexto reside <strong>na</strong> troca de conhecimentos e saberes,se retro-alimentando com a criança, utilizando para este aprendizado de umalinguagem acessí vel, valendo-se da experiência e do conhecimento de cada umadas crianças, partindo do que ela trás, despojando-se de valores pré-concebidos oupré-conceituosos para, em conjunto com a criança, <strong>aprender</strong> a educar.A criança tem condições de criar, de inventar e reinventar formas de <strong>pensar</strong>,de <strong>aprender</strong>, é um encontro imprevisí vel.Aprender é uma tarefa infinita. Não há <strong>na</strong>da prefigurado, predetermi<strong>na</strong>do,previsto a <strong>aprender</strong>; <strong>na</strong>da a <strong>aprender</strong>. Aprender é abrir os sentidosao que carece de ser pensado. O saber e o método não são outra coisaque obturações desse movimento do <strong>aprender</strong> que é a pr ópria cultura(KOHAN, 2003, p.223).A Filosofia mexe com o nosso jeito de ser, porque mexe com o nosso <strong>pensar</strong>,nos possibilita novas descobertas, nos constrói e desconstrói, é transformadora.Segundo Walter O. Kohan: “ Fazer filosofia é <strong>aprender</strong> muito e <strong>aprender</strong> é um ato deliberdade” (2005, citação em sala de aula).A filosofia é a arte de vislumbrar caminhos, de fragmentar e desfragmentar,de dar possibilidades para um <strong>pensar</strong> próprio, um <strong>pensar</strong> diferente, um <strong>aprender</strong><strong>na</strong>turalmente que nos constitui gente.


44CONSIDERA ÇÕES GERAISO sistema reduz o <strong>pensar</strong> a um mero movimento de <strong>aprender</strong> conteúdos, apartir de métodos já estabelecidos. O <strong>aprender</strong> a <strong>pensar</strong>, em geral, somente se estabelecedentro uma forma padronizada, sem que exista respeito à diferença neste<strong>pensar</strong>. Diante do exposto, vários questio<strong>na</strong>mentos ficam em aberto:E os estudantes, que não se enquadram neste padrão educacio<strong>na</strong>l, ficarão amargem desse sistema?E o educador, será que tem dificuldades de trabalhar com as diferenças porquenão consegue se perceber parte integrante do processo? Será que a representaçãoque têm do outro, o não acreditar no outro, não é uma descrença em si mesmo?E refletir as próprias ações, rever-se para quebrar com o instituí do é um doscaminhos?Será que não corresponder aos anseios de outrem é ser hábil, é ser capaz?E o nosso compromisso de fazer a diferença e contribuir com um mundo melhor?


45Será que é possí vel o educador encontrar alicerce de transformação nestecontexto social, polí tico e econômico atual, onde os valores são mutáveis, e a subjetividadeé pouco valorizada? Será que falta um preparo acadêmico, um assumir aprópria diferença para que se possa respeitar a diferença do outro?São muitas as perguntas, mas acredito que um dos grandes desafios é<strong>pensar</strong> numa educação que realmente integre as diferenças, que considere a heterogeneidadedo <strong>pensar</strong> e do <strong>aprender</strong>, tratando os diferentes como diferentes. Quese priorize a construção emergente de um processo pedagógico que habilite educadorese estudantes ao <strong>pensar</strong> e que, a partir disso, possa haver uma construçãoconjunta do saber. Que as diferenças possam ser assumidas como possibilidades do<strong>pensar</strong> e do <strong>aprender</strong> e, assim, se constituí rem alter<strong>na</strong>tivas que enriqueça e retroalimenteo processo do ensino.Com estas reflexões, creio poder contribuir para um olhar do nosso fazer cotidiano,que ele seja calcado <strong>na</strong> formação dos sujeitos, que lhes possibilitem novoscaminhos, outras escolhas, muitas alter<strong>na</strong>tivas e possibilidades, um novo sentido àvida. Acredito que essa deva ser uma posição contí nua, comprometida com ummundo melhor, um mundo onde realmente possamos <strong>pensar</strong>, <strong>aprender</strong>, <strong>aprender</strong> a<strong>aprender</strong> a ensi<strong>na</strong>r.Que este possa ser um dos caminhos que fomente uma transformação <strong>na</strong>formação pedagógica dos educadores, uma quebra significativa de paradigmas, queos sensibilize a <strong>aprender</strong> a <strong>pensar</strong> <strong>na</strong> diferença. Um novo olhar <strong>na</strong> Educação. Um


outro “ jeito de fazer” , de <strong>pensar</strong>, de <strong>aprender</strong>, que permite uma função inventiva, criativa.46“Quem busca, sempre encontra, não encontra necessariamente aquilo quebuscava, menos ainda, aquilo que é preciso encontrar. Mas encontra alguma coisanova, a relacio<strong>na</strong>r à coisa que já conhece” (RACIÈRE, 2002, p.44).


47CONSIDERA ÇÕES PESSOAISO ato de escrever este trabalho me possibilitou um novo olhar, vários movimentosdo <strong>pensar</strong>, uma aventura pelo desconhecido, uma aventura pelo o que euacreditava não aventurável, um ir e vir sem limites, sem barreiras, inimaginável, umrefletir constante, desbravador, uma viagem sem fronteiras. Um ato interior que fezaflorar diversos sentimentos de alegria, de medo, de insegurança, de avanços e retrocessosno <strong>pensar</strong>, sofrido em algumas vezes, mas também muito prazeroso.Em alguns momentos pensava já ter atingido o objetivo, outros parecia faltarconhecimento, estava tão distante. As vezes abria-se inúmeras possibilidades, amplasaté demais. Sabia que precisava retor<strong>na</strong>r para não perder o foco do trabalho.Mas o caminho de volta já não era o mesmo, eu já não era a mesma, me transformavano pensamento e a escrita ia se modificando.Quando lia e relia minha produção observava que sempre faltava algo, estavaincompleta, a infinitude era assustadora. Retor<strong>na</strong>va, fazia alterações, construí a edesconstruí a. O pensamento voava como um pássaro, parecia que a mão não conseguiriaacompanhar.


48Surgiam novas criações, um dizer no papel o que muitas vezes eu não disse.Um <strong>na</strong>scer que passou por desencontros, encontros. Uma vontade incessante dosaber.Quando me dei por conta estava produzindo um trabalho que <strong>na</strong>rrava as minhasvivências e as vivências de outras pessoas, um estilo literário, que foi se desdobrandocom muita espontaneidade. Que foi se construindo e se constituindo forado padrão acadêmico, um jeito próprio de fazer, diferente, a minha diferença, que<strong>na</strong>sceu do meu filosofar.Este trabalho, muito mais do que uma exigência acadêmica, foi uma desconstruçãoe uma construção do ser, do meu ser, uma conquista interior, o surgimentodo meu novo, uma possibilidade inigualável, um grande recomeço. Um pequenopasso <strong>na</strong> longa caminhada que tenho pela frente, pois acredito que as peque<strong>na</strong>satitudes transformam as grandes ações.Hoje sei que <strong>na</strong>da sei, mas que estou aberta a <strong>aprender</strong>, a escutar-me e escutaro outro, a ver e olhar o meu entorno.Ao fi<strong>na</strong>lizar este recomeço, julgo importante salientar que utilizei o termoestudante e não aluno, por ser esta última, uma palavra que significa “ ausente ousem luz". Portanto, alguém sem conhecimento.


49Quero também aqui deixar registrado que todas as histórias relatadas sãoverí dicas e frutos de observações, atendimentos, reuniões de trabalho e relatos depessoas que, de uma forma ou de outra, participaram deste vivido.


50REFER ÊNCIAS BIBLIOGR ÁFICASDELEUZE, Gilles. Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva, 1974.HARDT, Michael. Gilles Deleuze: um aprendizado em filosofia. São Paulo: Ed.34,1996.KOHAN, Walter Omar. Infância: entre educação e filosofia. Belo Horizonte: Autêntica,2003.RANCIÈRE, Jacques. O mestre ignorante. Tradução por Lí lian do Valle. Belo Horizonte:Autêntica, 2002.RATHS, Louis E.; JONAS, Arthur; ROTHSTEIN, Arnold M.; WASSERMANN, Selma.Ensi<strong>na</strong>r a <strong>pensar</strong>. São Paulo: E.P.U., 1977.SARDI, Sérgio Augusto. A filosofia pode ser ensi<strong>na</strong>da? Sobre o viver, o escutar, oprazer e outras dimensões do filosofar. In: PIOVESAN et. all. (Orgs.). Filosofia eensino em debate. Ijuí , RS: UNIJUÍ , 2002, p.561-573.SARDI, Sérgio Augusto. A vivência como princí pio metodológico do filosofar comcrianças. In: FÁVERO, A. et. all. (Orgs.). Um olhar sobre o ensino de filosofia.Ijuí , RS: UNIJUÍ , 2002, p.113-128.SARDI, Sérgio Augusto. O filosofar como circularidade entre silêncio e linguagem.In: ROCHA, Ro<strong>na</strong>i Pires et. all. (Orgs.). Filosofia e ensino: a filosofia <strong>na</strong> escola.Ijuí , RS: UNIJUÍ , 2005, p.143-161.SARDI, Sérgio Augusto. Ula: um diálogo entre adultos e crianças. Rio de janeiro:Vozes, 2004.WASKMAN, Vera. O mal-estar <strong>na</strong> educação: variações sobre o mestre e o discípulo.In: KOHAN, Walter Omar. (org.) Polí ticas do ensino de filosofia. Rio de janeiro:DP&A, 2004.

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