13.07.2015 Views

1. Penso, logo existo - Desidério Murcho

1. Penso, logo existo - Desidério Murcho

1. Penso, logo existo - Desidério Murcho

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Sete Ideias Filosóficas (que toda a gente devia conhecer)Desidério <strong>Murcho</strong>9Crença e justificação últimaUma crença não é o mesmo que uma crença religiosa. Todas as crenças religiosas sãoobviamente crenças, mas muitas crenças não são religiosas: são crenças matemáticas,científicas, históricas ou de senso comum. O leitor tem a crença de que está lendo estelivro e de que Espanha é maior do que Portugal. Uma crença é apenas uma representação,verdadeira ou falsa, que alguém faz de algo.Por sua vez, a justificação última é aquele tipo de justificação que não depende dequalquer outra. A maneira mais simples de o leitor entender esta ideia é dar-se conta deque a crença que tem de que está lendo este livro depende da sua crença de que as percepçõesvisuais e tácteis, em circunstâncias perceptivas normais que ainda falta especificar,são fidedignas. Mas então a sua crença de que está lendo este livro depende de duascrenças: primeiro, do princípio geral de que em circunstâncias perceptivas normais as percepçõessão fidedignas; segundo, da crença de que a circunstância em que está lendo estelivro é uma dessas circunstâncias perceptivas normais — o leitor não está, por exemplo,sonhando.Como vê, a justificação da sua simples crença de que está lendo este livro depende dajustificação de outras duas crenças — ambas algo exóticas. Por outras palavras, dizer apenas“sei que estou lendo um livro porque é isso que vejo e sinto” não é uma justificaçãoúltima. É uma justificação, e não é de modo algum uma má justificação, mas não é umajustificação última — porque depende de outras crenças que, por sua vez, precisam tambémde ser justificadas.Se lhe ocorre agora que ao raciocinar dessa maneira nunca conseguiremos parar porquenunca descobriremos justificações últimas, já está pensando filosoficamente. Só que aindanão considerou cuidadosamente se realmente não descobriríamos tais justificações. Omelhor a fazer é então responder a esse desafio e tentar descobri-las. Foi o que fez Descartes.O cogitoDescartes estava convencido de ter descoberto pelo menos uma crença cuja justificaçãonão depende de quaisquer outras crenças: a crença de que ele mesmo existe. Na gíriaacadémica chama-se “cogito cartesiano” a esta crença, devido à expressão latina cogito,ergo sum (penso, <strong>logo</strong> <strong>existo</strong>), e ao nome latino de Descartes: Renatus Cartesius.O raciocínio de Descartes é que mesmo sob a extravagante suposição de que um géniomaligno me engana sistematicamente, ele não me pode enganar se eu não existir:

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!