13.07.2015 Views

1. Penso, logo existo - Desidério Murcho

1. Penso, logo existo - Desidério Murcho

1. Penso, logo existo - Desidério Murcho

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Sete Ideias Filosóficas (que toda a gente devia conhecer)Desidério <strong>Murcho</strong>10“Mas há um [génio] enganador, não sei qual, sumamente poderoso, sumamente astuto, que meengana sempre com o seu engenho. No entanto, não há dúvida de que também <strong>existo</strong>, se meengana; que me engane quanto possa, nunca conseguirá que eu seja nada enquanto eu pensarque sou alguma coisa. De maneira que, depois de ter pesado e repesado muito bem tudo isto,se deve por último concluir que esta proposição Eu sou, eu <strong>existo</strong>, sempre que proferida pormim ou concebida pelo espírito, é necessariamente verdadeira”. (Meditações sobre a FilosofiaPrimeira, p. 119)Sempre que creio vejo árvores, talvez não existam árvores na realidade; talvez sempreque me lembro de algo se trate de uma falsa memória; talvez quando sinto e vejo ter umcorpo com certas características esteja iludido — quem sabe se, de facto, me pareço comlagartixas ou besouros, e não com um símio sem pêlos?Talvez tudo isso ocorra, pensa Descartes, se a hipótese do génio maligno for verdadeira.Mas para que todas essas ilusões possam existir, para que o génio maligno me possaenganar, é preciso que eu exista.A crença de que <strong>existo</strong> não pode ser falsa em qualquer das circunstâncias em que ponderose <strong>existo</strong> ou não — ou em que pondero seja o que for. Claro que há muitas circunstânciaspossíveis, mas não realizadas, em que não <strong>existo</strong> — circunstâncias em que os meuspais nunca se conheceram, por exemplo. Mas em nenhuma dessas circunstâncias me possoperguntar se <strong>existo</strong> ou não. Insistir que talvez eu não exista na circunstância em que ponderose <strong>existo</strong> seria uma contradição pragmática: como alguém que grita “Não estou agritar!”ConclusãoÉ isto que significa o famoso “penso, <strong>logo</strong> <strong>existo</strong>” — que na versão das Meditações perdeua aparência inferencial e passou a ser apenas “eu sou, eu <strong>existo</strong>”. A ideia é que a crençade que <strong>existo</strong> como ser pensante é, por um lado, insusceptível de refutação e, por outro,constitui — por isso mesmo — a justificação última de todas as nossas crenças. Vejamosbrevemente este segundo aspecto.Tome-se uma crença perceptiva, como a de que o leitor está com este livro na mão.Trata-se de uma crença muito diferente das crenças matemáticas. Estas últimas não sejustificam recorrendo à experiência, mas antes ao cálculo matemático: ao pensamentopuro.Já no que respeita às crenças perceptivas, faz sentido justificá-las recorrendo à experiênciaperceptiva: o leitor sabe que está com este livro na mão porque é isso que sente evê. Mas Descartes considera que esta justificação, apesar de perfeitamente adequada, nãoé última — pois se formos vítimas do génio maligno, o facto de parecer que o leitor vê e

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!