1. O buraco é mais embaixoA Petrobras voltou ao poço <strong>de</strong> Tupi e foimais fundo. Para provar a teoria que construíaao longo <strong>de</strong> várias décadasAlex SilvaPo<strong>de</strong>-se contar a história daexploração das fantásticas reservas <strong>de</strong>petróleo do pré-sal a partir da NoblePaul Wolf, sonda <strong>de</strong> perfuração da NobleDrilling, uma empresa americana. A PaulWolf é cara e competente: vale mais <strong>de</strong>meio bilhão <strong>de</strong> dólares, a Petrobras aalugou por algo como meio milhão <strong>de</strong>dólares por dia e furou o poço <strong>de</strong> Tupi,que marca a gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>scoberta do présal,a 290 quilômetros <strong>de</strong> Santos, sob umlâmina <strong>de</strong> água <strong>de</strong> 2.126 metros, a umaprofundida<strong>de</strong> total, a partir da superfíciedo mar, <strong>de</strong> 5.960 metros. É um barcoextraordinário. Mantém-se praticamenteestável, a <strong>de</strong>speito dos ventos e das correntesmarinhas. Não fica amarrado porâncoras ao fundo do oceano. Equilibra-sepor um <strong>de</strong>sses sistemas <strong>de</strong> posicionamentoglobal – GPS, na sigla em inglês. Só quedos mais sofisticados: sensores me<strong>de</strong>m ovento; um robô é colocado no leito domar para transmitir sinais; computadoresprocessam essas informações; e comandammecanismos <strong>de</strong> propulsão que dãoestabilida<strong>de</strong> ao conjunto <strong>de</strong> embarcaçãoe coluna <strong>de</strong> sondagem projetada para asprofun<strong>de</strong>zas do poço.Po<strong>de</strong>-se contar a mesma história, também,a partir da equipe que fez a perfilaçãodo poço pioneiro. A perfilação é umaespécie <strong>de</strong> tomografia computadorizadadas rochas. O poço é furado por umacoluna em cuja ponta estão brocas comcabeças incrustadas <strong>de</strong> diamantes e quetêm a capacida<strong>de</strong> <strong>de</strong> injetar no ponto <strong>de</strong>atrito da broca com a rocha, para lubrificaçãoe resfriamento, as “lamas <strong>de</strong> perfuração”,que são óleos sintéticos especiais.De tempos em tempos, antes <strong>de</strong> revestiro poço com tubos <strong>de</strong> aço, a tripulaçãoda sonda retira a coluna <strong>de</strong> perfuração,<strong>de</strong>ixa as lamas, para manter a pressão <strong>de</strong>sustentação do poço, e abre espaço paraa equipe dos perfiladores. Ela coloca nopoço equipamentos que emitem impulsoseletromagnéticos e radioativos para mediras características básicas das rochas: suatemperatura interna, pressão, porosida<strong>de</strong>.E outras características a partir das quaisse po<strong>de</strong> <strong>de</strong>duzir se elas têm, ou não, óleoou gás.A informação <strong>de</strong> Retrato do Brasil é <strong>de</strong>que a equipe <strong>de</strong> perfilagem na Paul Wolfera da Schlumberger, a maior das chamadasoil service companies globais. Se não foi daSchlumberger, o mais provável é que tenhasido da Halliburton ou da Baker Hughes,empresas que completam o trio das maioraisdo setor. Elas estão presentes em sete<strong>de</strong> cada <strong>de</strong>z casos <strong>de</strong> poços <strong>de</strong> petróleooffshore feitos no mundo. Todas as três sãocontroladas por capitais americanos. Suashistórias são fantásticas. Cada uma <strong>de</strong>lastem uma centena <strong>de</strong> anos <strong>de</strong> experiência.E não só <strong>de</strong> procurar petróleo. Mas também<strong>de</strong> engolir seus concorrentes. Contara história do pré-sal começando por qualqueruma das três, do ponto <strong>de</strong> vista dosobjetivos <strong>de</strong>sta reportagem especial, seriainteressante. Porque queremos enten<strong>de</strong>rcomo o País po<strong>de</strong> aproveitar a oportunida<strong>de</strong>propiciada pelas imensas reservas<strong>de</strong> petróleo para <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> ser apenas umprodutor <strong>de</strong> matérias-primas e enveredartambém pelo difícil caminho <strong>de</strong> dominaras mais altas tecnologias.Nossa história, no entanto, começano centro do Rio, no 34º andar do edifícioVenturi, na sala <strong>de</strong> Mário Carminatti. Elevai explicar, inclusive, porque os dois primeiroscomeços <strong>de</strong> história acima seriamfalsos. Carminatti é chefe da equipe <strong>de</strong> 700geólogos e geofísicos da Petrobras quedisseram exatamente on<strong>de</strong> a Paul Wolf<strong>de</strong>veria furar e que souberam interpretar ossinais das rochas enviados pela equipe <strong>de</strong>perfiladores. A sonda da Noble Drilling fazapenas o que se manda: é como uma <strong>de</strong>ssasmáquinas maravilhosas das empreiteirasda construção <strong>de</strong> edifícios, diz Carminatti.“A localização do poço, a engenharia, suaarquitetura, ela recebe prontas: é da Petrobras.”Ele explica: “A rigor, não se fura umpoço. Se constrói uma gigantesca estrutura,às vezes <strong>de</strong> cinco quilômetros, <strong>de</strong> cima parabaixo, uma espécie <strong>de</strong> telescópio invertido,<strong>de</strong> tubos que vão sendo emendados unsnos outros e que se afunilam com o avançodo furo, <strong>de</strong> 30 polegadas na entrada até51 retratodoBRASIL | 9
7 polegadas no final. Todos os poços sãofeitos assim”.Qual é a novida<strong>de</strong> no caso do poço<strong>de</strong> Tupi, então? Carminatti começa a explicaçãopor um <strong>de</strong>talhe: “A camada <strong>de</strong> salé formada por vários tipos <strong>de</strong> sais, algunsmuito solúveis. Como você fura com lama,para sustentar a pressão no poço, em contatocom a lama esse sal po<strong>de</strong> se dissolver.Isso cria instabilida<strong>de</strong>, então toda a químicada lama é superestudada. A lama não <strong>de</strong>vereagir com as camadas <strong>de</strong> sal, para que elascontinuem estáveis, até pelo menos terminaro trecho que está perfurando e <strong>de</strong>scero revestimento <strong>de</strong> aço. Esse realmentefoi um gargalo tecnológico que teve <strong>de</strong>ser vencido antes <strong>de</strong> se furar o poço. Aslamas são fluidos sintéticos, quimicamentebalanceados <strong>de</strong> acordo com as formaçõesrochosas que você vai encontrar. Masassim como a engenharia <strong>de</strong> poço foi daPetrobras, a engenharia química do poçotambém foi da Petrobras”.Carminatti é gaúcho, tem 57 anos. Nãodiz e acha que não é certo, do ponto <strong>de</strong>vista comercial, dizer <strong>de</strong> quem era a equipe<strong>de</strong> perfilagem que acompanhou a Petrobrasem Tupi. Acha, inclusive, que não temmuita importância se foi <strong>de</strong>sta ou daquelaempresa. Todas trabalham com alta tecnologiae estão sempre competindo para criarequipamentos, ferramentas melhores, pornecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> sobrevivência, ele diz. Masacrescenta: “Tecnologia é uma coisa. Explorarpetróleo é outra. Explorar é a i<strong>de</strong>ia,O equipamentoe os dados eramótimos. Masnão são eles quetomam as <strong>de</strong>cisões.Carminatti, coma equipe, <strong>de</strong>cidiuo mapa que leva a localizar on<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve serfurado o poço. Sacar que naquele localtem petróleo, criar o mo<strong>de</strong>lo geológico”.Carminatti fala, a rigor, do mo<strong>de</strong>lomais geral, <strong>de</strong>senvolvido pela equipe naqual trabalha praticamente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> queentrou na Petrobras, há 33 anos. Diversasteses <strong>de</strong> mestrado e doutorado foram escritaspor geólogos da companhia nesseperíodo, baseadas no trabalho práticona Petrobras e em dados da geologia, daflora e da fauna – não só brasileiros, mastambém africanos e do Oriente Médio,que têm relação com a tese, como logomais se verá. Esses trabalhos sustentavama hipótese <strong>de</strong> que o petróleo relativamenteabundante que a companhia <strong>de</strong>scobrira apartir <strong>de</strong> meados dos anos 1970 na Bacia<strong>de</strong> Campos em águas profundas eraapenas parte menor <strong>de</strong> jazidas gigantesexistentes em camadas geológicas aindamais fundas sob o oceano.Existiria uma espessa camada <strong>de</strong> salabaixo dos reservatórios do petróleo <strong>de</strong>Campos. Ela teria sido formada há cerca<strong>de</strong> 120 milhões <strong>de</strong> anos. Nessa época se<strong>de</strong>u a fragmentação da Gondwana, quecontinha os atuais territórios da Áfricae da América do Sul e era um pedaçodo gran<strong>de</strong> continente único que existiraantes, a Pangeia.Essa teoria se consolidou a partir<strong>de</strong> levantamentos do subsolo do AtlânticoSul feitos pelas gran<strong>de</strong>s potências,preocupadas com formações irregularesReproduçãoO INSTRUMENTO E A CABEÇAA cabeça da operação era a equipe <strong>de</strong>geólogos da Petrobras, sob o comandodo gaúcho Mario Carminatti (abaixo),que <strong>de</strong>u as coor<strong>de</strong>nadas precisas<strong>de</strong> on<strong>de</strong> furar e como exatamenteconstruir uma estrutura, <strong>de</strong> cerca<strong>de</strong> quatro quilômetros <strong>de</strong> tubos <strong>de</strong>aço emendados, parecida com umtelescópio invertido gigantesco, <strong>de</strong>30 polegadas em cima, no subsolomarinho, e 7 embaixo, no fundo dopoço, no pré-sal. A sonda era a NoblePaul Wolf, da empresa americana NobleDrilling, alugada a um custo <strong>de</strong> cerca <strong>de</strong>meio milhão <strong>de</strong> dólares por diaReprodução10 | retratodoBRASIL 51