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Políticas de ação afirmativas para negros no Brasil - Fundação ...

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A tendência generalizada <strong>de</strong> os currículos das faculda<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Direito serem por <strong>de</strong>maisinfluenciados pela dogmática, pelo formalismo e pelo positivismo jurídicos consiste emoutro fator que ratifica as consi<strong>de</strong>rações acima colocadas. Além do mais, não écomum que os operadores do direito superem essa form<strong>ação</strong> tradicional <strong>de</strong>dicando-sea estudos que tratem das <strong>no</strong>vida<strong>de</strong>s doutrinárias havidas <strong>no</strong> próprio campo jurídico, e,especialmente, a leituras <strong>de</strong> obras da sociologia, da antropologia, da filosofia, e daciência política.Por outro lado, a questão sobre a constitucionalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> especialmente do <strong>para</strong>digma jurídico com o qual o intérprete opera. Do ponto<strong>de</strong> vista do positivismo jurídico, por exemplo, a ausência do termo "<strong>ação</strong> afirmativa" <strong>no</strong>Texto Constitucional impediria a cri<strong>ação</strong> e a implant<strong>ação</strong> <strong>de</strong>ssa política pelo Estado.Isso porque o positivismo jurídico opera exclusivamente com o método lógico<strong>de</strong>dutivo,que, assumindo os princípios da coerência e da completu<strong>de</strong> do or<strong>de</strong>namentojurídico, "procura a melhor <strong>no</strong>rma jurídica <strong>de</strong>ntre as <strong>no</strong>rmas positivas válidas,<strong>de</strong>scartando assim consi<strong>de</strong>rações interpretativas sobre as <strong>de</strong>mandas e necessida<strong>de</strong>shumanas em uma socieda<strong>de</strong>"(3). A<strong>de</strong>mais, e esse ponto é fundamental, sendo amaior parte das Constituições em vigor <strong>de</strong> matriz liberal, e, portanto, baseadas naproteção <strong>de</strong> direitos civis e políticos contra qualquer tipo <strong>de</strong> discrimin<strong>ação</strong>, justificar adiscrimin<strong>ação</strong> positiva pela ótica positivista é virtualmente impossível.O mesmo não po<strong>de</strong> ser dito do pragmatismo jurídico, <strong>para</strong>digma que é essencial <strong>para</strong>a justific<strong>ação</strong> legal da discrimin<strong>ação</strong> positiva. Não é simples coincidência histórica ofato <strong>de</strong> tais políticas terem sido instituídas pela primeira vez, <strong>no</strong> Oci<strong>de</strong>nte, <strong>no</strong>s EstadosUnidos, país berço da tradição pragmatista. "O método <strong>de</strong> oper<strong>ação</strong> do pragmatismojurídico é conseqüencialista, isto é, o que importa <strong>no</strong> julgamento da legalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> uma<strong>no</strong>rma são os resultados <strong>de</strong> sua aplic<strong>ação</strong>, seu caráter benéfico <strong>para</strong> a socieda<strong>de</strong>on<strong>de</strong> se aplica, e não a prova <strong>de</strong> sua <strong>de</strong>dução <strong>de</strong> uma <strong>no</strong>rma positiva mais geral"(4). A<strong>no</strong>rma positiva importa, mas é apenas mais uma fonte entre os dados empíricosoferecidos pelas relações sociais.Deve-se <strong>no</strong>tar, entretanto, que o pragmatismo jurídico <strong>de</strong>fine um método, uma maneira<strong>de</strong> proce<strong>de</strong>r, mas não o conteúdo do que é benéfico. "A adoção <strong>de</strong> políticas queoperam com discrimin<strong>ação</strong> positiva só po<strong>de</strong> ser completamente justificada se, além doprocedimento pragmatista, fizermos uma interpret<strong>ação</strong> dos valores morais dasocieda<strong>de</strong> em questão"(5). Essa tarefa po<strong>de</strong> ser melhor empreendida se sairmos doâmbito estrito da teoria do direito <strong>para</strong> o da teoria política <strong>no</strong>rmativa. Uma vez queessa transposição é feita, <strong>no</strong>tamos que o <strong>para</strong>digma positivista tem historicamenteservido à posição liberal clássica, hoje também conhecida como conservadora, a qualalça a igualda<strong>de</strong> formal da lei acima da igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> fato <strong>no</strong> convívio social. Paraalguns autores <strong>de</strong>ssa corrente, a igualda<strong>de</strong> formal funciona, <strong>de</strong> fato, como suporte<strong>para</strong> a expressão <strong>de</strong> capacida<strong>de</strong>s e aptidões <strong>de</strong>siguais entre os homens (por exemplo,Hayek).Por fim, <strong>no</strong> contexto das divergências jurídicas, percebe-se uma resistência incomumpor parte <strong>de</strong> alguns dos autores contrários a essas políticas públicas <strong>para</strong> a popul<strong>ação</strong>negra, haja vista que não opuseram semelhante oposição às medidas <strong>afirmativas</strong>adotadas <strong>para</strong> pessoas com <strong>de</strong>ficiência e <strong>para</strong> as mulheres, por exemplo. Algumasdas opiniões emitidas por juristas conceituados po<strong>de</strong>m facilmente ser consi<strong>de</strong>radasdiscriminatórias. E, também sugerem que ainda privilegiam uma visão freyreana darealida<strong>de</strong> das relações étnicas e raciais <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.2 ANÁLISE DO SISTEMA LEGAL ENVOLVIDO NO DEBATE JURÍDICO SOBRE OTEMA AÇÃO AFIRMATIVA E SEUS MECANISMOS PARA NEGROS NO BRASIL


2.1 O Direito Internacional e a Política <strong>de</strong> Ação AfirmativaNo âmbito do Direito Internacional dos Direitos Huma<strong>no</strong>s - segmento especializado doDireito Internacional Público - há diversos instrumentos <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> direitosfundamentais que além <strong>de</strong> proibirem toda forma <strong>de</strong> discrimin<strong>ação</strong>, também prevêem aadoção <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> promoção da igualda<strong>de</strong> racial. Tais instrumentos (tratados,convenções, pactos etc.) assumem uma dupla importância: consolidam parâmetrosinternacionais mínimos concernentes à proteção da dignida<strong>de</strong> humana e asseguramuma instância internacional <strong>de</strong> proteção <strong>de</strong> direitos, quando as instituições nacionaismostrarem-se falhas ou omissas.Esses instrumentos, <strong>de</strong> observância obrigatória(6), têm aplic<strong>ação</strong> obrigatória <strong>no</strong>território brasileiro, após <strong>de</strong>vidamente ratificados pela autorida<strong>de</strong> constitucionalmentecompetente, por força do disposto <strong>no</strong> artigo 5°, `PAR` 2°, da Constituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong>1988, segundo o qual:os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros <strong>de</strong>correntesdo regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que aRepública Fe<strong>de</strong>rativa do <strong>Brasil</strong> seja parteNo cenário do Direito Internacional dos Direitos Huma<strong>no</strong>s, o princípio <strong>de</strong> nãodiscrimin<strong>ação</strong> tem aplic<strong>ação</strong> <strong>de</strong>stacada(7), e baliza toda a temática dos direitoseconômicos, sociais e culturais. Esse princípio é caracterizado como sendo umagarantia fundamental, porque se salienta nele o caráter instrumental, garantidor dodireito <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong>.O referido princípio básico <strong>de</strong> não discrimin<strong>ação</strong> se encontra presente em quase ostodos os instrumentos internacionais <strong>de</strong> proteção dos direitos huma<strong>no</strong>s fundamentaisproduzidos <strong>no</strong> século XX, <strong>de</strong>ntre os quais <strong>de</strong>stacamos: Declar<strong>ação</strong> Universal dosDireitos Huma<strong>no</strong>s (artigo 2°); Pacto dos Direitos Civis e Políticos (artigos 2°, I, e 26);Pacto <strong>de</strong> Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (artigo 2°); Convenção Européia <strong>de</strong>Direitos Huma<strong>no</strong>s (artigo 14); Convenção Americana sobre Direitos Huma<strong>no</strong>s (artigo1, I); Carta Africana <strong>de</strong> Direitos Huma<strong>no</strong>s e dos Povos (artigo 2°); Convenção sobre aElimin<strong>ação</strong> <strong>de</strong> Todas as Formas <strong>de</strong> Discrimin<strong>ação</strong> Racial; a Convenção sobre aElimin<strong>ação</strong> <strong>de</strong> Todas as Formas <strong>de</strong> Discrimin<strong>ação</strong> contra a Mulher; a Convenção daOIT sobre Discrimin<strong>ação</strong> em Matéria <strong>de</strong> Emprego e Ocup<strong>ação</strong>, <strong>de</strong> 1958; a Convençãoda UNESCO contra Discrimin<strong>ação</strong> na Educ<strong>ação</strong>, <strong>de</strong> 1960; e a Declar<strong>ação</strong> das NaçõesUnidas sobre a Elimin<strong>ação</strong> <strong>de</strong> Todas as Formas <strong>de</strong> Intolerância e Discrimin<strong>ação</strong>Baseadas na Religião ou Crença, <strong>de</strong> 1981.Decorre ainda do referido princípio que se estabeleça um veto às discriminações, ouseja, que se tenha imposto o não diferenciar, que se imponha positivamente aobrigatorieda<strong>de</strong> <strong>de</strong> se dispensar tratamento igual a todos. Além disso, atualmente têmseentendido que a articul<strong>ação</strong> do princípio <strong>de</strong> não discrimin<strong>ação</strong> com a <strong>ação</strong>afirmativa resulta em inclusão social. É com essa perspectiva, por exemplo, que aCarta dos Direitos Fundamentais, recentemente adotada pela União Européia, admiteque, <strong>para</strong> se conseguir a igualda<strong>de</strong>, o direito <strong>de</strong> não ser discriminado <strong>de</strong>ve sercomplementado pelo direito ao usufruto das medidas projetadas <strong>para</strong> garantirauto<strong>no</strong>mia, inserção e particip<strong>ação</strong> na vida da comunida<strong>de</strong>.Cançado Trinda<strong>de</strong>, em consonância com tudo o que foi acima alinhavado, asseveraque o princípio <strong>de</strong> não discrimin<strong>ação</strong> está vinculado às políticas <strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa<strong>para</strong> grupos ou populações vulneráveis:


As políticas <strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa <strong>para</strong> grupos vulneráveis encontra-se diretamentevinculadas à luta pela prevalência do princípio da não discrimin<strong>ação</strong>(8).Em complemento às consi<strong>de</strong>rações antes expendidas, temos, ainda, o que Ca<strong>no</strong>tilhochama <strong>de</strong> "função <strong>de</strong> não discrimin<strong>ação</strong>" - uma das principais funções dos direitosfundamentais. Segundo esse constitucionalista lusita<strong>no</strong>, a partir do princípio <strong>de</strong>igualda<strong>de</strong> e dos direitos <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> específicos consagrados numa Constituição, seassegura que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmenteiguais, e, por conseqüência, aplica-se a função <strong>de</strong> não discrimin<strong>ação</strong> a todos os tipos<strong>de</strong> direitos: aos direitos, liberda<strong>de</strong>s e garantias pessoais; <strong>de</strong> particip<strong>ação</strong> política;direitos sociais e aos direitos à prest<strong>ação</strong>. Concernente com essa linha <strong>de</strong>pensamento observa o autor que tal função se coaduna inteiramente à instituição <strong>de</strong>cotas:É com base nesta função <strong>de</strong> não discrimin<strong>ação</strong> que se discute o problema das quotas(ex. `parlamento paritário <strong>de</strong> homens e mulheres`) e o problema das afirmative actionsten<strong>de</strong>ntes a compensar a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s (ex. `quotas <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficientes`).É ainda com uma acentu<strong>ação</strong>-radicaliz<strong>ação</strong> da função antidiscriminatória dos direitosfundamentais que alguns grupos mi<strong>no</strong>ritários <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m a efetiv<strong>ação</strong> plena daigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos numa socieda<strong>de</strong> multicultural e hiperinclusiva (`direitos doshomossexuais`, `direitos das mães solteiras`, `direitos das pessoas portadoras <strong>de</strong>HIV`)(9).2.2 Aspectos Normativos Internacionais e NacionaisNo campo estritamente <strong>no</strong>rmativo, há um verda<strong>de</strong>iro arsenal <strong>de</strong> regras exemplificandoou respaldando a adoção <strong>de</strong> ações <strong>afirmativas</strong> <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>.Na or<strong>de</strong>m jurídica internacional, as diversas convenções, tratados, pactos eprogramas, além <strong>de</strong> proibirem toda forma <strong>de</strong> discrimin<strong>ação</strong>, também prevêem aadoção <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> promoção da igualda<strong>de</strong>, apesar <strong>de</strong> não utilizarem a expressão"<strong>ação</strong> afirmativa" e sim "medidas especiais". Destacamos, <strong>de</strong>ntre outras:I Convenção sobre a Discrimin<strong>ação</strong> em Emprego e Profissão nº 111 da Organiz<strong>ação</strong>Internacional do Trabalho - OIT(10)O artigo 5°, 1, da referida Convenção, reza que:As medidas especiais <strong>de</strong> proteção ou <strong>de</strong> assistência previstas em outras convençõesou recomendações adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho não sãoconsi<strong>de</strong>radas como discrimin<strong>ação</strong>II A Convenção relativa à luta contra a discrimin<strong>ação</strong> <strong>no</strong> campo do ensi<strong>no</strong>(11)No caso, consciente <strong>de</strong> que incumbe conseqüentemente à Organiz<strong>ação</strong> das NaçõesUnidas <strong>para</strong> a Educ<strong>ação</strong>, a Ciência e a Cultura, <strong>de</strong>ntro do respeito da diversida<strong>de</strong> dossistemas nacionais <strong>de</strong> educ<strong>ação</strong>, não só proscrever qualquer discrimin<strong>ação</strong> emmatéria <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong>, mas igualmente promover a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong> etratamento <strong>para</strong> todos neste campo". Com tal propósito estabelece <strong>no</strong> seu Artigo I:"<strong>para</strong> os fins da presente convenção o termo `discrimin<strong>ação</strong>` abarca qualquerdistinção, exclusão, limit<strong>ação</strong> ou preferência que, por motivo <strong>de</strong> raça, cor, sexo, língua,religião, opinião pública ou qualquer outra opinião, origem nacional ou social, condiçãoeconômica ou nascimento, tenha por objeto ou efeito <strong>de</strong>struir ou alterar a igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong>tratamento em matéria <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong>". No item 2, do mesmo Artigo, diz: "<strong>para</strong> os fins da


<strong>no</strong>s termos da lei), e parágrafo 2°, consagrando a incorpor<strong>ação</strong> do direito advindos dostratados internacionais;- o artigo 7°, inciso XXX (<strong>no</strong> campo dos direitos sociais, proíbe a diferença <strong>de</strong> salários,<strong>de</strong> exercício <strong>de</strong> funções e <strong>de</strong> critério <strong>de</strong> admissão por motivo <strong>de</strong> sexo, ida<strong>de</strong>, cor ouestado civil);- o artigo 23, inciso X (combater (...) os fatores <strong>de</strong> marginaliz<strong>ação</strong>);- o artigo 37, inciso VIII (a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos<strong>para</strong> as pessoas portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência e <strong>de</strong>finirá os critérios <strong>de</strong> sua admissão);- o artigo 145, `PAR` 1º (Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal eserão graduados segundo a capacida<strong>de</strong> econômica do contribuinte...);- o artigo 170, incisos VII (redução das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s (...) sociais) e IX (tratamentofavorecido <strong>para</strong> as empresas <strong>de</strong> peque<strong>no</strong> porte constituídas sob as leis brasileiras eque tenham sua se<strong>de</strong> e administr<strong>ação</strong> <strong>no</strong> País);- o artigo 179 (a União, os Estados, o Distrito Fe<strong>de</strong>ral e os Municípios, dispensarão àsmicroempresas e às empresas <strong>de</strong> peque<strong>no</strong> porte, assim <strong>de</strong>finidas em lei, tratamentojurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplific<strong>ação</strong> <strong>de</strong> suas obrigaçõesadministrativas, tributárias, previ<strong>de</strong>nciárias e creditícias, ou pela elimin<strong>ação</strong> ouredução <strong>de</strong>stas por meio <strong>de</strong> lei);- o artigo 227, inciso II cri<strong>ação</strong> <strong>de</strong> programas (...) <strong>de</strong> integr<strong>ação</strong> social dosadolescentes portadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência.Das leis ordinárias, <strong>de</strong>stacamos:- o <strong>de</strong>creto-lei 5.452/43 (CLT), que prevê, em seu art. 354, cota <strong>de</strong> dois terços <strong>de</strong>brasileiros <strong>para</strong> empregados <strong>de</strong> empresas individuais ou coletivas;- o <strong>de</strong>creto-lei 5.452/43 (CLT), que estabelece em seu art. 373-a, a adoção <strong>de</strong> políticas<strong>de</strong>stinadas a corrigir as distorções responsáveis pela <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos entrehomens e mulheres;- a Lei 8.112/90, que <strong>de</strong>termina, em art. 5°, `PAR` 2º, reserva <strong>de</strong> até 20% <strong>para</strong> osportadores <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiências <strong>no</strong> serviço público civil da união;- a Lei 8.213/91, que fixou, em seu art. 93, reserva <strong>para</strong> as pessoas portadoras <strong>de</strong><strong>de</strong>ficiência <strong>no</strong> setor privado;- a lei 8.666/93, que preceitua, em art. 24, inc. XX, a inexigibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> licit<strong>ação</strong> <strong>para</strong>contrat<strong>ação</strong> <strong>de</strong> associações filantrópicas <strong>de</strong> pessoas portadoras <strong>de</strong> <strong>de</strong>ficiência;- a lei nº 9.029, <strong>de</strong> 13/04/95, que proíbe a exigência <strong>de</strong> atestados <strong>de</strong> gravi<strong>de</strong>z eesteriliz<strong>ação</strong>, e outras práticas discriminatórias, <strong>para</strong> efeitos admissionais, ou <strong>de</strong>permanência da rel<strong>ação</strong> jurídica <strong>de</strong> trabalho;- a lei 9.504/97, que preconiza, em seu art. 10, `PAR` 3º, cria "reserva <strong>de</strong> vagas" <strong>para</strong>mulheres nas candidaturas partidárias.


- a Lei 10.639/93, que altera a lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases daeduc<strong>ação</strong> nacional, <strong>para</strong> incluir <strong>no</strong> currículo oficial da Re<strong>de</strong> <strong>de</strong> Ensi<strong>no</strong> aobrigatorieda<strong>de</strong> da temática "História e Cultura Afro-<strong>Brasil</strong>eira".Apesar <strong>de</strong> pouco comentado pela literatura especializada, o pioneirismo na cri<strong>ação</strong> <strong>de</strong>políticas <strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa <strong>no</strong> âmbito da educ<strong>ação</strong> pública superior, antes mesmo daedição das leis <strong>de</strong> cotas <strong>para</strong> <strong>negros</strong> do Estado do Rio <strong>de</strong> Janeiro, coube ao Gover<strong>no</strong>Fe<strong>de</strong>ral, em 1968, com a lei n° 5.465/68. Essa lei que instituiu reserva <strong>de</strong> vagas, diz <strong>no</strong>artigo 1°:Os estabelecimentos <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong> médio agrícola e as escolas superiores <strong>de</strong> Agriculturae Veterinária, mantidos pela União, reservarão, anualmente, <strong>de</strong> preferência, <strong>de</strong> 50%(cinqüenta por cento) <strong>de</strong> suas vagas a candidatos agricultores ou filhos dêstes,proprietários ou não <strong>de</strong> terras, que residam com suas famílias na zona rural e 30%(trinta por cento) a agricultores ou filhos dêstes, proprietários ou não <strong>de</strong> terras, queresidam em cida<strong>de</strong>s ou vilas que não possuam estabelecimentos <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong> médio".Essa lei, ironicamente apelidada <strong>de</strong> "lei do boi", que na prática acabava favorecendoos membros da elite rural brasileira, foi revogada em 17 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1985 (pela leinº 7.423), durante o mandato do ex-presi<strong>de</strong>nte da República José Sarney.Outra iniciativa pioneira, igualmente pouco comentada, <strong>de</strong>correu <strong>de</strong> sentença proferidapelo Po<strong>de</strong>r Judiciário. O Ministério Público Fe<strong>de</strong>ral, <strong>no</strong> Estado do Ceará, ajuizou umaAção Civil Pública (ACP <strong>no</strong> 990017917-00) pleiteando cotas <strong>para</strong> alu<strong>no</strong>s egressos dare<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong> na Universida<strong>de</strong> Fe<strong>de</strong>ral daquele Estado. O juiz Fe<strong>de</strong>ral, quejulgou a <strong>ação</strong>, <strong>de</strong>termi<strong>no</strong>u, em setembro <strong>de</strong> 1999, que a referida Universida<strong>de</strong>, em<strong>no</strong>me do princípio da iso<strong>no</strong>mia, reservasse cinqüenta por cento (50%) das vagas <strong>de</strong>todos os seus cursos <strong>para</strong> estudantes egressos da re<strong>de</strong> pública <strong>de</strong> ensi<strong>no</strong>(12).Neste ponto, é indispensável uma abordagem do tema em comento à luz do princípioda igualda<strong>de</strong>, a começar pela sua conform<strong>ação</strong> <strong>no</strong> Direito Constitucional Com<strong>para</strong>do,que tem contribuído <strong>de</strong> forma substancial <strong>para</strong> o aprimoramento da implant<strong>ação</strong> daspolíticas <strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa em diversos países.2.3 O Princípio da Igualda<strong>de</strong> <strong>no</strong> Direito Constitucional Com<strong>para</strong>doUma breve incursão <strong>no</strong> campo do Direito Constitucional Com<strong>para</strong>do nesse ponto dotrabalho se faz necessária, porquanto as políticas <strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa que estão sendoimplantadas <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> são originárias <strong>de</strong> outros países.A intenção é a <strong>de</strong> se <strong>de</strong>stacar as importantes contribuições que os estudos <strong>de</strong> DireitoConstitucional Com<strong>para</strong>do oferecem, seja sob o prisma do aperfeiçoamento do direitonacional, à luz <strong>de</strong> elementos colhidos na experiência constitucional estrangeira, sejasob a ótica, do entendimento entre os povos, o qual requer o conhecimento daspeculiarida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> cada um, em função das <strong>no</strong>rmas jurídicas que presi<strong>de</strong>m osrespectivos comportamentos. Esses estudos, sem dúvida, ao fazerem emergir asespecificida<strong>de</strong>s das diversas estruturas constitucionais, <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> causasprofundas, <strong>de</strong> natureza vária, estimulam a análise crítica amadurecida, na qual osjuízos <strong>de</strong> valor pesam me<strong>no</strong>s que a real compreensão das diferenças(13).Cumpre <strong>de</strong>stacar, que a compar<strong>ação</strong> <strong>de</strong> estruturas constitucionais não <strong>de</strong>ve serlimitada a uma abordagem que privilegie a semântica das Constituições. Muitas vezes,esse procedimento po<strong>de</strong> induzir o pesquisador a erro, ao concluir pela existência <strong>de</strong>um consenso em tor<strong>no</strong> <strong>de</strong> princípios, regras, institutos, <strong>de</strong> sistemas jurídicos


totalmente diferentes, evitando-se, assim, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> mimetismo jurídico ou aimport<strong>ação</strong> automática <strong>de</strong> experiências estrangeiras. Nesse sentido, há umanecessida<strong>de</strong> imperiosa <strong>de</strong> a compar<strong>ação</strong> não se limitar à dimensão formal, teórica,das estruturas constitucionais selecionadas. A ela <strong>de</strong>ve estar, automaticamenteassociada a dimensão prática, correspon<strong>de</strong>nte ao modo pelo qual são aplicados osdispositivos constitucionais confrontados.O pressuposto <strong>de</strong> imperativida<strong>de</strong> da iso<strong>no</strong>mia material, numa socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong>mocráticainclusiva, é o núcleo duro <strong>de</strong> toda a problemática da efetivida<strong>de</strong> das políticas <strong>de</strong> <strong>ação</strong>afirmativa(14). Por conseguinte, e ainda numa perspectiva global, a igualda<strong>de</strong>substancial representa em rel<strong>ação</strong> à igualda<strong>de</strong> formal uma clivagem essencial <strong>no</strong>entendimento do conceito <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> que, como é óbvio, está longe <strong>de</strong> serindiferente <strong>para</strong> apreci<strong>ação</strong> e interpret<strong>ação</strong> do sistema jurídico <strong>no</strong> seu conjunto e dasrespectivas<strong>no</strong>rmas.A insistência na questão da super<strong>ação</strong> do <strong>para</strong>doxo da igualda<strong>de</strong> formal versusigualda<strong>de</strong> substancial (ou material) <strong>no</strong> pla<strong>no</strong> do direito a ter igualda<strong>de</strong> <strong>de</strong> direitos e <strong>de</strong>oportunida<strong>de</strong>s faz-se necessária, na medida em que o tema em discussão écontemporâneo às questões legisladas nas diversas Constituições e submetidas atantos outros Tribunais Constitucionais.A remoção dos obstáculos <strong>de</strong> fato ao exercício dos direitos fundamentais é aafirm<strong>ação</strong> do princípio <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> concretizado através <strong>de</strong> critérios legais <strong>de</strong>tratamento diferenciador dos indivíduos, em função <strong>de</strong> parâmetros <strong>de</strong>finidores da suasitu<strong>ação</strong> concreta. Melhor explicando, po<strong>de</strong>mos afirmar "que à intervenção estatal hão<strong>de</strong>presidir critérios <strong>de</strong> justiça distributiva conformando-se aquela pela medida enatureza das reais <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s fácticas existentes" (Prata, 1982, p. 93). O princípioda igualda<strong>de</strong> contém diretiva essencial dirigida ao próprio legislador: tratar por igualaquilo que é essencialmente igual, por <strong>de</strong>sigual aquilo que é essencialmente <strong>de</strong>sigual.A qualific<strong>ação</strong> das várias situações como iguais ou <strong>de</strong>siguais <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> do caráteridêntico ou distinto dos seus elementos essenciais (Gomes, Moreira, 1978, p. 68).À guisa <strong>de</strong> contribuição, a Constituição da República da África do Sul, pós-apartheid,com base <strong>no</strong> princípio da igualda<strong>de</strong>, adotou medidas positivas <strong>para</strong> proteger oupromover direitos <strong>de</strong> pessoas ou <strong>de</strong> grupos em situ<strong>ação</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem <strong>de</strong>correntes<strong>de</strong> discrimin<strong>ação</strong>, conforme consta do seu Bill of Rights(15)Equality inclu<strong>de</strong>s the full and equal enjoyment of rights and freedoms. To promote theachievement of equality, legislative and other measures <strong>de</strong>signed to protect or advancepersons, or categories of persons disadvantaged by unfair discrimination in any betaken.A Constituição Cana<strong>de</strong>nse, por seu tur<strong>no</strong>, adotou em 1982 a Affirmative actionprograms(16), com objetivos similares aos daquele estabelecidos na Constituição daÁfrica do Sul. A Parte I do Constitution Act <strong>de</strong> 1982, estabelece como regra geral aigualda<strong>de</strong> perante as leis e a proibição <strong>de</strong> <strong>de</strong>terminadas formas <strong>de</strong> discrimin<strong>ação</strong>. Oartigo 15 do Canadian Charter of Rights and Freedom, também chamado <strong>de</strong>affirmative action clause, estipula as exceções admitidas, <strong>no</strong>s seguintes termos:artigo 15, item 1: "Todos os indivíduos são iguais perante e sob a lei, e têm direito àigual proteção e ao igual benefício da lei sem discriminações e, em particular, semdiscrimin<strong>ação</strong> baseada em raça, origem nacional ou étnica, cor, religião, ida<strong>de</strong>, ou<strong>de</strong>ficiência física ou mental.


artigo 15, item 2. "A subseção (I) não impe<strong>de</strong> qualquer lei, programa ou ativida<strong>de</strong> quetenha como seu objeto a melhoria das condições <strong>de</strong> indivíduos ou grupos<strong>de</strong>sfavorecidos, incluindo aqueles que estão em <strong>de</strong>svantagem <strong>de</strong>vido a raça, origemétnica ou nacional, cor, religião, sexo, ida<strong>de</strong>, ou <strong>de</strong>ficiência física ou mental(17).Encontramos ainda a proteção particularizada <strong>de</strong> populações vulneráveis, sob forma<strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa am<strong>para</strong>da <strong>no</strong> princípio da igualda<strong>de</strong> material, <strong>no</strong>s dispositivosconstitucionais dos seguintes países europeus: Finlândia: art. 50, in fine; Suécia:cap.1, art. 2°, in asfine e cap. 2, e arts. 14 e 15, in fine; Alemanha: arts. 6° (5); 20 (1);Bulgária: arts. 35 (4), 65; Polônia : arts. 67 (2) , 81; Romênia; art. 17; Tchecoslováquia:art. 20 (2); Áustria: art. 8º, Lei Fundamental 21.12.1867; art. 19; Tratado <strong>de</strong> SaintGermain; arts. 62 a 68; Tratado Internacional <strong>de</strong> 15.5.1955; arts. 7° e 26; Iugoslávia:Princípios Fundamentais, inc. VII, parágrafo 2º (4º item), arts. 170, 171, 245 a 248.No âmbito do Direito Constitucional dos países sul-america<strong>no</strong>s também há apreocup<strong>ação</strong> com a adoção <strong>de</strong> políticas públicas <strong>de</strong> ações <strong>afirmativas</strong>, conformeservem <strong>de</strong> ilustr<strong>ação</strong> os excertos das Constituições - da Colômbia, da Argentina e doParaguai - abaixo reproduzidos.Colômbia (1991), com a Reforma <strong>de</strong> 1997:Art. 7. El Estado reco<strong>no</strong>ce y protege la diversidad étnica y cultural <strong>de</strong> la NacióncolombianaArt. 13. Todas las personas nacen libres e iguales ante la ley, recibirán la mismaprotección y trato <strong>de</strong> las autorida<strong>de</strong>s y gozarán <strong>de</strong> los mismos <strong>de</strong>rechos, liberta<strong>de</strong>s yoportunida<strong>de</strong>s sin ninguna discriminación por razones <strong>de</strong> sexo, raza, origen nacional ofamiliar, lengua, religión, opinión política o filosófica.El Estado promoverá las condiciones <strong>para</strong> que la igualdad sea real y efeciva yadoptará medidas en favor <strong>de</strong> grupos discriminados o marginados".Argentina (Constituição 22 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 1994), capítulo quarto: Atribuições doCongresso - art. 23:Legislar e promover medidas <strong>de</strong> <strong>ação</strong> positiva que garantam a igualda<strong>de</strong> real <strong>de</strong>oportunida<strong>de</strong>s e <strong>de</strong> trato e ple<strong>no</strong> gozo e exercício dos direitos reconhecidos por estaConstituição e por tratados internacionais vigentes sobre direitos huma<strong>no</strong>s, emparticular das crianças, mulheres, anciãos e pessoas com incapacida<strong>de</strong>.Paraguai (1922). Seguindo o mesmo princípio, a Constituição da República doParaguai <strong>de</strong> 1992 adotou o princípio <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> das pessoas <strong>no</strong> art. 46, com aseguinte red<strong>ação</strong>:Todos os habitantes da República do Paraguai são iguais em dignida<strong>de</strong> e direitos. Nãose admite discriminações. O Estado removerá os obstáculos e impedirá os fatores queos mantêm ou propiciam.Vale observar que os dispositivos constitucionais acima citados, sejam <strong>de</strong> paíseseuropeus ou sul-america<strong>no</strong>s, encontram similarida<strong>de</strong>s <strong>no</strong>s princípios e regras <strong>de</strong>igualda<strong>de</strong> e não discrimin<strong>ação</strong> presentes na Constituição <strong>Brasil</strong>eira em vigor.3 A Doutrina <strong>Brasil</strong>eira <strong>de</strong> Direito Constitucional e a Constitucionalida<strong>de</strong> das<strong>Políticas</strong> <strong>de</strong> Ação Afirmativa


A doutrina brasileira <strong>de</strong> Direito Constitucional, na maioria dos autores, propõetratamento favorável a quem está em situ<strong>ação</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>svantagem em razão <strong>de</strong> pertencera grupos débeis econômica e socialmente, logo não caracteriza viol<strong>ação</strong> do princípioda igualda<strong>de</strong> a <strong>ação</strong> afirmativa, ao contrário, preten<strong>de</strong> viabilizar a iso<strong>no</strong>mia material.(...) Tal contexto <strong>de</strong> estatísticas sociais <strong>de</strong>sfavoráveis <strong>para</strong> aqueles contingenteshuma<strong>no</strong>s inferiorizados da socieda<strong>de</strong>, a persistência nas generalizações legislativas,com adoção <strong>de</strong> <strong>no</strong>rmas simplistas, genéricas e iguais <strong>para</strong> todos, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntementedas <strong>no</strong>tórias diferenças sociais e econômicas que são fruto, por exemplo, doescravismo e da cultura machista, não propicia a mobilida<strong>de</strong> e a emancip<strong>ação</strong> social<strong>de</strong>sses grupos discriminados e, até mesmo, aprofunda e reproduz os con<strong>de</strong>náveispreconceitos histórica e culturalmente enquistados <strong>no</strong> organismo social. Nesse campo<strong>de</strong> questões, que bem exprime as relações sempre tensas entre o Direito e asocieda<strong>de</strong>, a caracterizar o fenôme<strong>no</strong> a que <strong>de</strong>signamos <strong>de</strong> constitucionalismo <strong>de</strong>resultado, percebe-se nitidamente o abando<strong>no</strong> do classicismo isonômico e a busca <strong>de</strong>instrumentos <strong>de</strong> aplic<strong>ação</strong> e interpret<strong>ação</strong> da Constituição capazes <strong>de</strong> enfrentar oimobilismo conservador e <strong>de</strong> prestigiar as políticas públicas mudancistas e <strong>de</strong>transform<strong>ação</strong> social. Em tal or<strong>de</strong>m <strong>de</strong> convicções, as ações positivas <strong>de</strong>spontamcomo um mecanismo da justiça distributiva, <strong>de</strong>stinado a compensar inferiorida<strong>de</strong>ssociais, econômicas e culturais associadas a dados da natureza e ao nascimento dosindivíduos, como raça e sexo. (...) A adoção <strong>de</strong> cotas <strong>para</strong> ingresso <strong>de</strong> estudantes<strong>negros</strong> em universida<strong>de</strong>s brasileiras afigura-<strong>no</strong>s como uma necessária medida <strong>para</strong>solucionar o <strong>de</strong>sproporcional quadro do ensi<strong>no</strong> superior em <strong>no</strong>sso País(18).Nesse mesmo sentido, comentando a doutrina <strong>de</strong> Celso Antônio Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello,acerca do conteúdo jurídico do princípio da igualda<strong>de</strong>, Marcelo Neves aduz que:Numa perspectiva rigorosamente positivista, Ban<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> Mello enfatiza que o princípioconstitucional da iso<strong>no</strong>mia envolve discriminações legais <strong>de</strong> pessoas, coisas, fatos esituações. Discute, então, quando discrímenes se justificam sem que o princípio vetorseja <strong>de</strong>turpado. E aponta três exigências: a presença <strong>de</strong> traços diferenciais naspessoas, coisas, situações ou fatos; correl<strong>ação</strong> lógica entre fator discrímen e<strong>de</strong>sequipar<strong>ação</strong> procedida; consonância da discrimin<strong>ação</strong> com os interesses e valoresprotegidos na Constituição(19).Em <strong>de</strong>corrência:quanto mais se sedimenta historicamente e se efetiva a discrimin<strong>ação</strong> social negativacontra grupos étnico-raciais específicos, principalmente quando elas impliquemobstáculos relevantes ao exercício <strong>de</strong> direitos, tanto mais se justifica a discrimin<strong>ação</strong>jurídica positiva em favor dos seus membros, pressupondo-se que esta se oriente <strong>no</strong>sentido da integr<strong>ação</strong> igualitária <strong>de</strong> todos <strong>no</strong> Estado e na socieda<strong>de</strong>(20).Conclui que:as discriminações legais positivas em favor da integr<strong>ação</strong> <strong>de</strong> <strong>negros</strong> e índios estão emconsonância com os princípios fundamentais da República Fe<strong>de</strong>rativa do <strong>Brasil</strong>,estabelecidos <strong>no</strong>s incisos III e IV do seu artigo 3º(21).Joaquim B. Barbosa Gomes, ministro do Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, nesse mesmosentido e posicionando-se a favor da constitucionalida<strong>de</strong> das ações <strong>afirmativas</strong> em<strong>no</strong>sso país, afirma que:


<strong>no</strong> pla<strong>no</strong> estritamente jurídico (que se subordina, a <strong>no</strong>sso sentir, à tomada <strong>de</strong>consciência assinalada nas linhas anteriores), o Direito Constitucional vigente <strong>no</strong><strong>Brasil</strong>, é perfeitamente compatível com o princípio da <strong>ação</strong> afirmativa. Melhor dizendo,o Direito brasileiro já contempla algumas modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa, inclusive emse<strong>de</strong> constitucional(22).E, conclui que:assim, à luz <strong>de</strong>sta respeitável doutrina, po<strong>de</strong>-se concluir que o Direito Constitucionalbrasileiro abriga, não somente o princípio e as modalida<strong>de</strong>s implícitas e explícitas <strong>de</strong><strong>ação</strong> afirmativa a que já fizemos alusão, mas também as que emanam dos tratadosinternacionais <strong>de</strong> direitos huma<strong>no</strong>s assinados pelo <strong>no</strong>sso país(23).Nesse mesmo passo, segue Marco Aurélio Men<strong>de</strong>s <strong>de</strong> Farias Mello(24), Ministro doSupremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral, aludindo que:(...). E, aí, a Lei Maior é aberta com o artigo que lhe revela o alcance: constam comofundamentos da República <strong>Brasil</strong>eira a cidadania e a dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, enão <strong>no</strong>s esqueçamos jamais <strong>de</strong> que os homens não são feitos <strong>para</strong> as leis; as leis éque são feitas <strong>para</strong> os homens. Do artigo 3º vem-<strong>no</strong>s luz suficiente ao agasalho <strong>de</strong>uma <strong>ação</strong> afirmativa, a percepção <strong>de</strong> que o único modo <strong>de</strong> se corrigir <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s écolocar o peso da lei, com a imperativida<strong>de</strong> que ela <strong>de</strong>ve ter em um mercado<strong>de</strong>sequilibrado, a favor daquele que é discriminado, que é tratado <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>sigual.O jurista Nelson Jobim, <strong>no</strong> seu discurso(25) <strong>de</strong> posse como ministro do SupremoTribunal Fe<strong>de</strong>ral, em junho <strong>de</strong> 2004, chamou a atenção dos presentes ao evento <strong>para</strong>o fato <strong>de</strong> que:a regra do convívio <strong>de</strong>mocrático. São estes os pressupostos da <strong>ação</strong>. São essas asexigências do futuro. Façamos um acordo a bem do <strong>Brasil</strong> e do seu futuro. De um<strong>Brasil</strong> que reclama a inclusão social e o bem estar <strong>de</strong> todos. Que exige o<strong>de</strong>senvolvimento social e econômico. Que passa a enfrentar os seus obstáculosculturais, sociais e econômicos. Que discute e quer dar solução à exclusão dos <strong>negros</strong>E, em agosto <strong>de</strong> 2004, o mesmo Nelson Jobim, retomando a temática em umapalestra(26), proferida na Câmara Municipal <strong>de</strong> São Paulo, <strong>no</strong> seminário A inserção doAfro-<strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte na socieda<strong>de</strong> brasileira, pronunciou-se <strong>no</strong>s seguintes termos:o que está por trás das chamadas ações <strong>afirmativas</strong>? Está exatamente atrás aevolução do tratamento do tema. Não mais ter só exclusivamente a forma reativa, daapen<strong>ação</strong> penal, com todas as suas <strong>de</strong>ficiências, não importa, mas ter também açõesque sejam legitimadoras <strong>de</strong> políticas públicas que possam reduzir o âmbito da<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>. E não fazer com que a <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> se reproduza. É isto que está atrás<strong>de</strong>ssa discussão das chamadas ações <strong>afirmativas</strong> e das chamadas quotas <strong>de</strong> <strong>negros</strong>ou negras nas universida<strong>de</strong>s etc.Por seu tur<strong>no</strong>, a jurista Lúcia <strong>de</strong> Lima Bertúlio, enuncia que:não só não há inconstitucionalida<strong>de</strong> na proposição <strong>de</strong> medidas semelhantes aosprogramas <strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa em vigor <strong>no</strong>s Estados Unidos, como há o estímulo <strong>de</strong>que o Estado, por intermédio <strong>de</strong> seus po<strong>de</strong>res, incentive e crie mecanismos <strong>para</strong>minimizar e até eliminar quaisquer resquícios <strong>de</strong> discrimin<strong>ação</strong> racial <strong>no</strong> interior dasocieda<strong>de</strong>(27).


A respeito do tema, outro ponto-<strong>de</strong>-vista importante é aduzido pelo jurista Hédio SilvaJr.:Salvo enga<strong>no</strong>, é certo que a Constituição <strong>de</strong> 1988, implícita e explicitamente, nãoapenas admitiu como prescreveu discriminações, a exemplo da proteção do mercado<strong>de</strong> trabalho da mulher (artigo 7°, XX) e da previsão <strong>de</strong> cotas <strong>para</strong> portadores <strong>de</strong><strong>de</strong>ficiência (artigo 37, VIII), don<strong>de</strong> se conclui que a <strong>no</strong>ção <strong>de</strong> igualda<strong>de</strong> circunscrita aosignificado estrito <strong>de</strong> não discrimin<strong>ação</strong> foi contrapesada com uma <strong>no</strong>va modalida<strong>de</strong><strong>de</strong> discrimin<strong>ação</strong>, visto como, sob o ângulo material, substancial, o princípio daigualda<strong>de</strong> admite sim a discrimin<strong>ação</strong>, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o discrímen seja empregado com afinalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> promover a igualiz<strong>ação</strong>(28).4 ConclusãoA intenção do presente trabalho é a <strong>de</strong> investigar-se a adoção <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> <strong>ação</strong>afirmativa <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, sob o prisma da constitucionalida<strong>de</strong> das mesmas, com o propósito<strong>de</strong> produzir um texto capaz <strong>de</strong> balizar <strong>no</strong>vos estudos e servir <strong>de</strong> referência <strong>para</strong>operadores do Direito e acadêmicos voltados <strong>para</strong> os estudos em tela. Este trabalho éproduto <strong>de</strong> pesquisa sistemática, refletindo também as preocupações do Autor comocidadão, professor, advogado, ativista do movimento negro e gestor público e <strong>de</strong>outras causas envolvendo direitos huma<strong>no</strong>s.Entre as principais conclusões que a presente investig<strong>ação</strong> conduziu, <strong>de</strong>stacam-se asseguintes:1. Trazido do continente africa<strong>no</strong> <strong>para</strong> o <strong>Brasil</strong>, ao longo dos séculos XIV e XIX,reduzido à escravidão, poucas possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> ascensão social o negro encontrouapós a Abolição, como dados disponíveis, levantados por instituições <strong>de</strong> altacredibilida<strong>de</strong> como o IPEA e o IBGE indicam claramente. A atual disparida<strong>de</strong> dascondições <strong>de</strong> vida existentes entre brancos e <strong>negros</strong> justifica e torna necessária ainstituição <strong>de</strong> políticas sociais particularizadas <strong>para</strong> a popul<strong>ação</strong> negra;2. A atual adoção <strong>de</strong> políticas <strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa por parte dos órgãos governamentaisbrasileiros é um duplo produto: <strong>de</strong> um lado, é resultado da pressão historicamenteexercida pela comunida<strong>de</strong> negra e <strong>de</strong>mais segmentos sociais excluídos e, <strong>de</strong> outro,configura um produto <strong>de</strong> contexto tipificado por gran<strong>de</strong>s mudanças externas einternas. Foi apenas <strong>no</strong>s dois gover<strong>no</strong>s presididos por Fernando Henrique Cardoso epor Luis Inácio Lula da Silva que se oportunizou a implant<strong>ação</strong> <strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa ecotas;3. Compete ao Estado o papel crucial <strong>de</strong> corretor das <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong>s historicamenteurdidas e sedimentadas, uma vez que o Estado é o <strong>de</strong>tentor da chamada violêncialegítima. No caso, as políticas <strong>de</strong> <strong>ação</strong> afirmativa têm uma função ético-pedagógicanas relações inter-raciais;4. A reflexão sobre tema <strong>de</strong>ixa patente que as medidas já implantadas, <strong>no</strong> que dizrespeito à <strong>ação</strong> afirmativa, são em número bastante precário <strong>para</strong> dar conta dogigantismo do problema acumulado ao longo <strong>de</strong> séculos e séculos <strong>de</strong> espoli<strong>ação</strong>. Hátambém necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>, <strong>para</strong>lelamente à adoção e implant<strong>ação</strong> <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas ações<strong>afirmativas</strong>, criarem-se leis constitucionais e ordinárias <strong>de</strong> natureza redistributiva ecultural;


5. Necessário faz-se também, la<strong>de</strong>ando a implant<strong>ação</strong> <strong>de</strong> <strong>no</strong>vas ações <strong>afirmativas</strong>,incentivar-se maior investimento voltado <strong>para</strong> a pesquisa científica, <strong>no</strong> caso,mormente, na área jurídica.6. Finalizando, após a sistematiz<strong>ação</strong> crítica da <strong>no</strong>rmativida<strong>de</strong> em vigor <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>, à luzdo direito internacional dos direitos huma<strong>no</strong>s, da doutrina nacional, conclui-se pelacompatibilida<strong>de</strong> das referidas políticas públicas com as leis brasileiras, <strong>no</strong>tadamente aConstituição Fe<strong>de</strong>ral <strong>de</strong> 1988.Abstract: The present work aims at examining the compatibility of affirmative actionpolicies and quotas for afro<strong>de</strong>scendants (Blacks) implemented by the Brazilian Statewith both the national and international legal or<strong>de</strong>r. The actions taken will be analizedin light of the national law, as well as of the international human rights protectioninstruments with a racial/ethnic approach that have been ratified by Brazil, and of thedoctrine and some cases judged by the Brazilian Judiciary. In the end, the authorcomes to the conclusion that the above-mentioned actions with the Brazilian legalsystem as well as the need for these actions to be broa<strong>de</strong>ned and improved.Keywords: public policies; affirmative action; quotas; Blacks; Law; constitucionality;human rights; Constitutional Law; juridical sociology; Political Science.Notas explicativas(1) Destaque-se a evidência do tema <strong>no</strong> a<strong>no</strong> <strong>de</strong> 2001, durante a III ConferênciaMundial Contra o Racismo, Xe<strong>no</strong>fobia e Intolerâncias Conexas, na África do Sul.Naquela oportunida<strong>de</strong>, o gover<strong>no</strong> brasileiro comprometeu-se a adotar, oficialmente,após assinar a Declar<strong>ação</strong> e o Pla<strong>no</strong> <strong>de</strong> Ação <strong>de</strong> Durban, medidas <strong>para</strong> combater oracismo, o preconceito, a discrimin<strong>ação</strong> e a ampliar o número <strong>de</strong> oportunida<strong>de</strong>s <strong>para</strong><strong>negros</strong> na socieda<strong>de</strong>.(2) BERTÚLIO, Dora <strong>de</strong> Lima. Os `<strong>no</strong>vos` direitos <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: natureza e perspectivas:uma visão básica das <strong>no</strong>vas conflituosida<strong>de</strong>s jurídicas. In: WOLKMER, Antonio Carlos,LEITE, José Rubens Morato (Orgs). O "<strong>no</strong>vo" direito velho: Racismo & Direito. SãoPaulo: Saraiva, 2003.(3) FERES JÚNIOR, João, SILVA, Luiz Fernando Martins da. Ação Afirmativa. In:Dicionário De Filosofia Do Direito, Vicente <strong>de</strong> Paulo Barretto (Coord). São Leopoldo eRio <strong>de</strong> Janeiro: Editora Unisi<strong>no</strong>s e Editora Re<strong>no</strong>var, 2006, p. 24.(4) FERES JÚNIOR e SILVA, Op. Cit. p. 24.(5) Op. Cit. p.25(6) Cançado Trinda<strong>de</strong> leciona que os "direitos huma<strong>no</strong>s consagrados em tratados <strong>de</strong>direitos huma<strong>no</strong>s em que o <strong>Brasil</strong> seja Parte incorporam-se ipso facto ao direitointer<strong>no</strong>, <strong>no</strong> âmbito do qual passam a ter "aplic<strong>ação</strong> imediata" (artigo 5 (1)), da mesmaforma e <strong>no</strong> mesmo nível que os direitos constitucionalmente consagrados. Aintangibilida<strong>de</strong> dos direitos e garantias individuais é <strong>de</strong>terminada pela própriaConstituição Fe<strong>de</strong>ral, que inclusive proíbe expressamente qualquer emenda ten<strong>de</strong>ntea aboli-los (artigo 60 (4) (IV)). (Trinda<strong>de</strong>: 1998, p. 134).


(7) O jurista brasileiro Cançado Trinda<strong>de</strong>, juiz da Corte Interamericana <strong>de</strong> DireitosHuma<strong>no</strong>s, que integra o sistema da Organiz<strong>ação</strong> dos Estados America<strong>no</strong>s - OEA,enfatiza que o "princípio da não discrimin<strong>ação</strong> ocupa uma posição central <strong>no</strong> DireitoInternacional dos Direitos Huma<strong>no</strong>s. Encontra-se consagrado em diversos tratados e<strong>de</strong>clarações <strong>de</strong> direitos huma<strong>no</strong>s", e mesmo como elemento integrante do direitointernacional consuetudinário". TRINDADE, 2002, 55.(8) Trinda<strong>de</strong>, 2002, p. 55.(9) CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra:ed. Livraria Almedina, 4ª. ed. 2000, p. 386.(10) A Convenção <strong>no</strong> 111 foi adotada pela OIT em 25 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1958 e entrou emvigência <strong>no</strong> dia 15 <strong>de</strong> junho <strong>de</strong> 1960. O ato <strong>de</strong> ratific<strong>ação</strong> foi registrado pelo gover<strong>no</strong>brasileiro, junto à OIT, em 26 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 1965; internamente foi ratificada em1968 pelo Decreto <strong>no</strong> 62.150.(11) Conferência Geral da UNESCO, reunida em Paris, <strong>de</strong> 14 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro a 15 <strong>de</strong><strong>de</strong>zembro <strong>de</strong> 1960, em sua Décima Primeira Sessão. Aprovada <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong> pelo DecretoLegislativo <strong>no</strong> 40, <strong>de</strong> 1967 (D.O 17.11.67).(12) Vale consignar que, em fevereiro <strong>de</strong> 2005, o ministro Nelson Jobim do STF<strong>de</strong>feriu pedido liminar (SL 60), formulado pelo gover<strong>no</strong> do Estado <strong>de</strong> São Paulo,suspen<strong>de</strong>ndo os efeitos <strong>de</strong> uma <strong>de</strong>cisão, proferida pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça daqueleEstado, <strong>no</strong>s autos <strong>de</strong> uma Ação Civil Pública (nº 2622/2003). A <strong>ação</strong> foi ajuizada peloMinistério Público, na cida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Marília, <strong>para</strong> <strong>de</strong>terminar que a Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Medicina(Famema), da referida cida<strong>de</strong>, reservasse cotas <strong>para</strong> alu<strong>no</strong>s egressos do ensi<strong>no</strong>público local. A <strong>de</strong>cisão proferida pelo tribunal paulista<strong>no</strong>, aceitando o pedidoformulado na ACP, <strong>de</strong>termi<strong>no</strong>u a fix<strong>ação</strong> <strong>de</strong> cota <strong>de</strong> 30% das vagas dos cursos <strong>de</strong>medicina e enfermagem <strong>para</strong> candidatos do ensi<strong>no</strong> público, <strong>no</strong>s vestibulares dos a<strong>no</strong>s<strong>de</strong> 2004 a 2010. Nelson Jobim confirmou que a <strong>de</strong>cisão questionada impõs àAutarquia Estadual obrig<strong>ação</strong> não prevista em lei. O ministro Jobim enfatizou que,conforme orient<strong>ação</strong> do STF, não cabe ao Po<strong>de</strong>r Judiciário atuar como legisladorpositivo.(13) Cf. TAVARES, Ana Lucia <strong>de</strong> Lyra. Nota Sobre As Dimensões Do DireitoConstitucional Com<strong>para</strong>do. Disponível em: . Acessado em: 03 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2005.(14) Nesse sentido, Feres Júnior (2004, p. 303), aduz que "<strong>de</strong>ve-se ter claro que a<strong>ação</strong> afirmativa visa atacar especificamente a reprodução da <strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> que escapao alcance das políticas universais".(15) O processo <strong>de</strong> transição do regime do apartheid <strong>para</strong> uma <strong>de</strong>mocraciamultipartidária iniciou-se em 1990, com a legaliz<strong>ação</strong> dos chamados movimentos <strong>de</strong>liber<strong>ação</strong>, a revog<strong>ação</strong> da maioria das leis do apartheid e, sobretudo, a liber<strong>ação</strong> dospresos políticos. Em 1991, iniciou-se o processo <strong>de</strong> negoci<strong>ação</strong> multipartidária visandoà form<strong>ação</strong> <strong>de</strong> uma <strong>no</strong>va estrutura <strong>para</strong> o Estado e <strong>para</strong> a socieda<strong>de</strong> na forma daConvenção <strong>para</strong> Democracia na África do Sul [Convention for Democracy in SouthAfrica - CODESA]. Após uma interrupção <strong>de</strong> dois a<strong>no</strong>s, <strong>de</strong>vido à violência étnica, asnegociações recomeçaram <strong>no</strong> contexto do Processo Multipartidiário <strong>de</strong> Negoci<strong>ação</strong>[Multi Party Negotiation Process - MPNP], em 1993. No mesmo a<strong>no</strong>, foi elaborada,pelo MPNP, uma Constituição Interina [Interim Constitution], aprovada em <strong>no</strong>vembro<strong>de</strong>sse a<strong>no</strong> e em vigor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 27 <strong>de</strong> abril 1994, o dia das primeiras eleições multirraciaisda <strong>no</strong>va África do Sul. O objetivo da Constituição Interina, consignado em seu


preâmbulo, era o estabelecimento <strong>de</strong> um arcabouço constitutional <strong>para</strong> a promoção daunida<strong>de</strong> nacional e a reestrutur<strong>ação</strong> e continuida<strong>de</strong> dos órgãos governamentaisdurante o processo constituinte. Ela criou um Estado fe<strong>de</strong>ral, com um sistema <strong>de</strong>gover<strong>no</strong> parlamentarista bicameral, consagrando extenso catálogo <strong>de</strong> direitosfundamentais [Bill of Rights], além dos chamados Princípios Constitucionais[Constitutional Principles]. Esses Princípios, em número <strong>de</strong> trinta e quatro,representaram o consenso, alcançado pelos partidos, nas negociações relativas àforma do Estado e aos direitos fundamentais da <strong>no</strong>va África do Sul. Tais Princípiosconstituiram a base <strong>para</strong> a elabor<strong>ação</strong> da <strong>no</strong>va Constituição. O texto <strong>de</strong>sta última foisubmetido, pela Assembléia Constituinte, à Corte Constitucional, em maio <strong>de</strong> 1996,seguindo o procedimento estabelecido na Constituição Interina, visando, sobretudo, aque a Corte <strong>de</strong>clarasse a conformida<strong>de</strong> do Texto Constitucional com os PrincípiosConstitucionais. A Corte não aprovou esse primeiro Texto e a Assembléia submeteulhe,conforme a previsão constitucional, um Texto revisto, em outubro do mesmo a<strong>no</strong>.Esta <strong>no</strong>va versão recebeu em <strong>de</strong>zembro a aprov<strong>ação</strong> da Corte, que a <strong>de</strong>clarouconforme os Princípios Constitucionais e a <strong>no</strong>va Constituição entrou em vigor <strong>no</strong> dia 7<strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 1997. Cf. HOFFMAN, Florian. Jurisdição, Processo e Argument<strong>ação</strong> naCorte Constitutional da África do Sul <strong>no</strong> Caso-Paradigma (Leading Case) The State V.T. Makwanyane And M. Michunu (1995) [Proibição Da Pena De Morte]. Disponível em:. Acessado em: 03 <strong>de</strong> fevereiro <strong>de</strong> 2005.(16) É importante ressaltar que <strong>no</strong> sistema legal cana<strong>de</strong>nse essa legisl<strong>ação</strong> não seaplica aos particulares, mas apenas às relações travadas com o setor público (stateaction). No or<strong>de</strong>namento jurídico cana<strong>de</strong>nse as relações privadas são objeto <strong>de</strong>disciplina dos Human Rights Co<strong>de</strong>s, que são textos legais (alguns possuem umacláusula <strong>de</strong> primazia, <strong>para</strong> se sobreporem às leis ordinárias) aprovadas pelasprovíncias, como é o caso do Ontorio Human Rights Co<strong>de</strong>".(17) MENEZES, Paulo Lucena <strong>de</strong>. A <strong>ação</strong> afirmativa (affirmative action) <strong>no</strong> direito<strong>no</strong>rte-america<strong>no</strong>. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.(18) CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. A Constituição aberta e os direitosfundamentais: ensaios sobre o constitucionalismo pós-mo<strong>de</strong>r<strong>no</strong> e comunitário. Rio <strong>de</strong>Janeiro: Forense, 2003, pp. 444-446 e 451.(19) NEVES, Marcelo. Estado <strong>de</strong>mocrático <strong>de</strong> direito e discrimin<strong>ação</strong> positiva: um<strong>de</strong>safio <strong>para</strong> o <strong>Brasil</strong>. In: MAIO, Marcos C. SANTOS, Ricardo V. (Orgs). Democracia esocieda<strong>de</strong>. Rio <strong>de</strong> Janeiro: Fiocruz/Centro Cultural Banco do <strong>Brasil</strong>, 1996, p. 262.(20) NEVES, Op. Cit. p. 262.(21) NEVES, op. cit., p. 263(22) GOMES, Joaquim B. Barbosa. Instrumentos e métodos <strong>de</strong> mitig<strong>ação</strong> da<strong>de</strong>sigualda<strong>de</strong> em direito constitucional e internacional. Rio <strong>de</strong> Janeiro, 2000, p. 20.Disponível em www.mre.gov.br. Acessado em: 04/12/2003(23) GOMES, Op. Cit., p. 21.(24) Proferido <strong>no</strong> conhecido discurso Ótica Constitucional: a Igualda<strong>de</strong> e as AçõesAfirmativas, durante o Seminário Discrimin<strong>ação</strong> e Sistema Legal <strong>Brasil</strong>eiro, promovidopelo Tribunal Superior do Trabalho, em 20 <strong>de</strong> <strong>no</strong>vembro <strong>de</strong> 2001. Vi<strong>de</strong> inteiro teor <strong>no</strong>en<strong>de</strong>reço: .


(25) Vi<strong>de</strong> inteiro teor do discurso <strong>de</strong> posse como Presi<strong>de</strong>nte do STF <strong>no</strong> en<strong>de</strong>reço:.(26) Vi<strong>de</strong> o inteiro teor da palestra proferida pelo ministro Nelson Jobim nas <strong>no</strong>tastaquigráficas, sem revisão, produzidas pelo Núcleo Técnico <strong>de</strong> Registro da CâmaraMunicipal <strong>de</strong> São Paulo, do dia 20 <strong>de</strong> agosto <strong>de</strong> 2004, solicitado pela vereadoraClau<strong>de</strong>te Alves.(27) BERTULIO. In Os `<strong>no</strong>vos` direitos <strong>no</strong> <strong>Brasil</strong>: natureza e perspectivas: uma visãobásica das <strong>no</strong>vas conflituosida<strong>de</strong>s jurídicas. In: WOLKMER, Antonio Carlos, LEITE,José Rubens Morato (Orgs). O "<strong>no</strong>vo" direito velho: Racismo & Direito. São Paulo:Saraiva, 2003, p. 15.(28) SILVA Jr., Hédio. Direito <strong>de</strong> Igualda<strong>de</strong> Racial: aspectos constitucionais, civis epenais: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Juarez <strong>de</strong> Oliveira, 2002, p. 112.* Luiz Fernando Martins da Silva é ouvidor da Secretaria Especial <strong>de</strong> <strong>Políticas</strong> <strong>de</strong>Promoção da Igualda<strong>de</strong> Racial/ SEPPIR

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