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Trabalho de campo e invenção do tempo profundo ... - IGEO- Unicamp

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EH003 Filosofia e Ensino em CiênciasEC790 Tópicos Especiais em Ensino <strong>de</strong> Ciências da Natureza<strong>Trabalho</strong> <strong>de</strong> <strong>campo</strong> e invenção <strong>do</strong> <strong>tempo</strong> profun<strong>do</strong> – Parte 2 1Pedro Wagner GonçalvesDepartamento <strong>de</strong> Geociências Aplicadas ao Ensino. Instituto <strong>de</strong> Geociências.Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas, BrasilC.P. 6152 - 13083-970 Campinas - SPe.mail: pedrog@ige.unicamp.brResumoEste trabalho procura relatar o uso <strong>de</strong> abordagens históricas e epistemológicas emativida<strong>de</strong>s educacionais. Foi realiza<strong>do</strong> em um programa, <strong>de</strong>stina<strong>do</strong> a formar geólogos egeógrafos, <strong>do</strong> Instituto <strong>de</strong> Geociências da Universida<strong>de</strong> Estadual <strong>de</strong> Campinas(Campinas, Esta<strong>do</strong> <strong>de</strong> São Paulo, Brasil), <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> Ciências da Terra. Há umconjunto <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong>s integradas pela disciplina <strong>Trabalho</strong> <strong>de</strong> Campo (receben<strong>do</strong> cerca<strong>de</strong> 30 alunos por semestre) alvo central da presente exposição. Nessa última tentamosaplicar uma abordagem para <strong>de</strong>senvolver competências diretamente relacionadas aativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa e, simultaneamente, aten<strong>de</strong>r necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> formação <strong>de</strong>geólogos e geógrafos.Nosso foco central <strong>de</strong> pesquisa concentra-se na obra e vida <strong>do</strong> naturalista escocêsJames Hutton (1726-1797). Dedicamo-nos à história e filosofia das ciências naturais.Esse pensa<strong>do</strong>r se <strong>de</strong>dicou a <strong>campo</strong>s mo<strong>de</strong>rnamente conheci<strong>do</strong>s como Meteorologia,Geologia, Química e Agronomia. Debruçamo-nos sobre as relações das pesquisas sobrea Terra, rochas e minerais e o pensamento filosófico e religioso <strong>do</strong> naturalista e, assim,revelamos vínculos <strong>do</strong> autor com sua época. Defen<strong>de</strong>mos que tal perspectiva contribuipara compreen<strong>de</strong>r o la<strong>do</strong> humano <strong>do</strong> cientista e da ciência.Apesar disso acreditamos que é possível estudar tópicos específicos <strong>de</strong> uma obra easpectos da vida <strong>de</strong> um autor para atingir certos objetivos educacionais. Preten<strong>de</strong>mos<strong>de</strong>monstrar isso neste trabalho.ObjetivosA abordagem a<strong>do</strong>tada <strong>de</strong>ve enfatizar o papel das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>campo</strong> paracompreen<strong>de</strong>r a natureza <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da Terra.Neste trabalho procuramos relatar e analisar os resulta<strong>do</strong>s obti<strong>do</strong>s da experiênciaassinalada por leituras <strong>de</strong> aspectos históricos e meto<strong>do</strong>lógicos das ciências da Terra.Assinalamos que há na bibliografia relatos <strong>de</strong> experiências que igualmente a<strong>do</strong>tama perspectiva que valoriza elementos históricos e meto<strong>do</strong>lógicos para explicitar anatureza da ciência. Tratam-se <strong>de</strong> casos semelhantes aos nossos: disciplinas ministradasa alunos que cursam a área <strong>de</strong> ciências naturais e humanas.Orientação teórica da ativida<strong>de</strong> didáticaA educação em ciências atribui à história e à epistemologia diferentes funçõespedagógicas. Na literatura são bem conhecidas as diversas contribuições que assinalamtal aspecto. Acreditamos que esses aspectos promovem uma melhor compreensão <strong>de</strong>conceitos e méto<strong>do</strong>s científicos; facilitam o entendimento <strong>do</strong>s nexos entre o pensamentoindividual e o <strong>de</strong>senvolvimento das idéias; tornam o conhecimento científico um1 A aula foi preparada a partir <strong>do</strong> trabalho “História e epistemologia: bases para organizar o ensino <strong>de</strong><strong>campo</strong> em ciências da Terra”. In: VII Encontro Perspectivas <strong>do</strong> Ensino <strong>de</strong> Biologia / I Simp.Latinoamericano, 2000, São Paulo. Coletânea., 2000. v.1. p.58-62.


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000resulta<strong>do</strong> humano das mudanças culturais. Na verda<strong>de</strong>, buscamos enfatizar justamentetais papéis no <strong>de</strong>senvolvimento meto<strong>do</strong>lógico da disciplina.O ensino <strong>de</strong> ciências usualmente trata história e epistemologia para enaltecerpersonagens (os Pais da Ciência), algumas <strong>de</strong>scobertas, etc. sempre sob o enfoque <strong>do</strong>conhecimento científico aceito na atualida<strong>de</strong> (e não segun<strong>do</strong> sua importância relativasituada na época em que ocorreu). Nos livros didáticos <strong>de</strong> ciências da Terra são notóriasas citações a James Hutton, Charles Lyell ou Alfred Wegener. Procuramos noscontrapor a tal enfoque e buscamos aproveitar os avanços e dificulda<strong>de</strong>s meto<strong>do</strong>lógicos<strong>de</strong> cada época. No Ensino <strong>de</strong> Geociências, por outro la<strong>do</strong>, a literatura valoriza ascontribuições <strong>de</strong> James Hutton. Nosso trabalho reúne essas sugestões para tratar dahistória e epistemologia no ensino <strong>de</strong> <strong>campo</strong>.O pensamento <strong>de</strong> Hutton é especialmente valioso para mostrar diferenças entretrabalhar com amostras no laboratório e ensaiar idéias no <strong>campo</strong>. Na época, final <strong>do</strong>século XVIII, estava ocorren<strong>do</strong> uma mudança nas características da pesquisa comcrescente importância da coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s no <strong>campo</strong> para os estu<strong>do</strong>s da Terra, minerais erochas. Hutton vive e exemplifica tal transformação: constrói, inicialmente, suashipóteses e teorias apoia<strong>do</strong> no estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> amostras <strong>de</strong> mão (observadas ao microscópio)mas, <strong>de</strong>pois, vai testá-las no <strong>campo</strong>.Junto aos alunos o pensamento <strong>de</strong> Hutton é discuti<strong>do</strong> e vincula<strong>do</strong> às suasobservações e, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, busca-se compreen<strong>de</strong>r como as idéias pessoais evoluíramla<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> <strong>de</strong> mudanças práticas no fazer ciência.A história, <strong>de</strong>ssa maneira, ajuda a compreen<strong>de</strong>r méto<strong>do</strong>s e procedimentoscientíficos. O pensamento hipotético e narrativo, a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong> por Hutton, junto ao uso <strong>do</strong>atualismo (e seus nexos com o raciocínio analógico) são expostos por meio dainterpretação <strong>do</strong>s escritos <strong>do</strong> naturalista <strong>do</strong> século XVIII. Outros aspectosmeto<strong>do</strong>lógicos são trata<strong>do</strong>s a medida que se aprofunda o estu<strong>do</strong> da obra <strong>de</strong> Hutton e <strong>de</strong>como ele trabalhou; os limites <strong>do</strong>s procedimentos analítico, indutivo e <strong>de</strong>dutivo sãoexpostos e, simultaneamente, assinalamos diferenças entre ciências experimentais ehistóricas: os estu<strong>do</strong>s que conduzem a compreen<strong>de</strong>r o planeta e o ambiente <strong>de</strong> mo<strong>do</strong>integra<strong>do</strong> são realiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong>ntro da perspectiva <strong>de</strong> uma ciência histórica da natureza.Isso, por fim, enfatiza o uso <strong>de</strong> raciocínios abdutivos.Estudar o trabalho e os textos huttonianos encorajam os alunos a perseguirraciocínios lógicos com rigor. Os relatos <strong>de</strong> viagens (ao País <strong>de</strong> Gales e aos vales <strong>do</strong>srios Tilt e Jed) aclaram fórmulas cognitivas marcadas pelo engenho, previsão, estruturanarrativa e hipotética.O la<strong>do</strong> humano da ciência é exposto mediante fatos cruciais da história da ColeçãoHuttoniana <strong>de</strong> Fósseis e Minerais (apresenta<strong>do</strong>s abaixo). Aqui encontra-se, <strong>de</strong> fato, ocerne <strong>de</strong>ste trabalho: tratar e discutir com os alunos passagens, eventos ou casosaparentemente periféricos da História da Ciência e, consequentemente, consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>sirrelevantes para o ensino.Valorizamos a história da Coleção Huttoniana <strong>de</strong> Fósseis Minerais ao apresentá-la<strong>de</strong>ntro da controvérsia <strong>de</strong> netunistas e plutonistas, respectivamente segui<strong>do</strong>res <strong>de</strong>Abraham G. Werner (acreditavam na origem sedimentar <strong>de</strong> todas as rochas) e <strong>de</strong> Hutton(acreditavam na origem magmática <strong>do</strong>s granitos).A coleção nunca foi exposta ao público e se dispersou em virtu<strong>de</strong> da controvérsia<strong>de</strong>ssas duas escolas científicas da época. Nos 30 anos que seguiram-se à morte <strong>de</strong>Hutton houve a dispersão <strong>de</strong> seus materiais. Isso retrata a luta por prestígio acadêmico esocial.2


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000Hutton, c. 1770, escreve a John Strange e faz menção à sua coleção. Diz quenecessita construir uma casa para abrigar suas amostras ou precisa construir uma casacom as amostras. Na teoria da Terra citam-se amostras <strong>de</strong> rochas. Prestam-se a sustentarque o calor consolida rochas. Ele exemplifica com observações <strong>de</strong> grãos minerais vistosao microscópio. Supomos que tais exemplos fizessem parte <strong>de</strong> sua coleção.Depois <strong>de</strong> sua morte, a irmã Isabela her<strong>do</strong>u a maior parte <strong>do</strong>s bens e proprieda<strong>de</strong>s.Ela <strong>do</strong>ou a coleção a Joseph Black que, por sua vez, ce<strong>de</strong>u os materiais à Royal Society<strong>de</strong> Edimburgo e esta acabou por transferir as amostras para o Museu <strong>de</strong> História Naturalda Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Edimburgo. Tais sucessões ocorreram <strong>de</strong> 1797 a c. 1808, perío<strong>do</strong>marca<strong>do</strong> pelo auge <strong>do</strong> conflito <strong>de</strong> netunistas e plutonistas na cida<strong>de</strong> natal <strong>do</strong> naturalista.A controvérsia foi intensa em Edimburgo. Associações científicas, laboratórios,salas <strong>de</strong> aula e salões sociais foram palco <strong>do</strong> <strong>de</strong>bate. De um la<strong>do</strong> estavam Joseph Black,John Playfair, James Hall e, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> oposto, John Walker e Robert Jameson (osprimeiros dirigiam a Royal Society o os segun<strong>do</strong>s estavam na Universida<strong>de</strong>).Nesse ambiente, a Coleção Huttoniana <strong>de</strong> Fósseis e Minerais foi alvo <strong>de</strong> disputaentre as duas escolas científicas. A correspondência, registros <strong>de</strong> reuniões, etc. expõem aluta apaixonada e, <strong>de</strong>ssa maneira, revelam o la<strong>do</strong> humano <strong>do</strong> fazer ciência.Os estudantes discutem os <strong>de</strong>talhes <strong>de</strong>ssa história: sucessão <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong>,remoções e dispersão das amostras.Tais orientações conduzem ao estu<strong>do</strong> <strong>de</strong> textos clássicos da Geologia e fatos dahistória que revelam como com a mudança técnica nos procedimentos científicosreduziu a importância <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s apoia<strong>do</strong>s em amostras (reduzin<strong>do</strong> o interesse pelacoleção).Adicionalmente orientamos leituras e discussões sobre a linguagem da ciência,raciocínio por meio <strong>de</strong> múltiplas hipóteses <strong>de</strong> trabalho, valor <strong>do</strong> pensamento analógicono estu<strong>do</strong> da natureza.Nosso <strong>de</strong>safio é combinar o treinamento <strong>de</strong> <strong>campo</strong> (expectativa geral <strong>do</strong> curso paraa disciplina) e elementos que revelam a natureza <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da Terra. Tentamos, frentea tal quadro, mostrar que as mudanças históricas das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>campo</strong> possuemprofun<strong>do</strong> vínculo com a História das Geociências e, ao final <strong>de</strong>ssa trajetória,enfatizamos que os estu<strong>do</strong>s <strong>do</strong> ambiente terrestre caracterizam uma ciência histórica danatureza ou a Ciência <strong>do</strong> Sistema Terra.DiscussãoAssinalamos, inicialmente, que os estudantes possuem mo<strong>de</strong>sta experiência empráticas <strong>de</strong> pesquisa científica (laboratório, conceitual ou habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>campo</strong>) e fracoconhecimento <strong>de</strong> História e Filosofia da Ciência. Embora tenham feito disciplinas <strong>de</strong>Geologia, Geografia e Filosofia da Ciência no curso <strong>de</strong> Ciências da Terra, mas todasforam em caráter introdutório.O exame histórico da ciência revela a importância <strong>de</strong> se <strong>de</strong>bruçar sobre originais.Tais textos mostram quais foram os procedimentos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s pelos cientistas e po<strong>de</strong>mconduzir ao entendimento meto<strong>do</strong>lógico da ciência. O teste <strong>de</strong> hipóteses, arepresentativida<strong>de</strong> e seleção <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s são <strong>de</strong>bati<strong>do</strong>s e aclaram os raciocínios que osalunos precisam usar ao se <strong>de</strong>dicar a uma pesquisa. Limites e possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>procedimentos científicos encontram, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, um local para serem <strong>de</strong>bati<strong>do</strong>s eamadureci<strong>do</strong>s.Além disso, certos fatos históricos favorecem o <strong>de</strong>bate sobre a influência da culturae interesses pessoais na tomada <strong>de</strong> <strong>de</strong>cisões sobre teorias e explicações científicas.Os alunos têm, em sua maioria, aprecia<strong>do</strong> essas discussões em uma disciplina quetem forte cunho prático. Notamos que parcela <strong>do</strong>s estudantes tornam-se mais atentos3


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000para os nexos entre a pesquisa e certos aspectos relativos ao vínculo entrerepresentativida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s e complexida<strong>de</strong> das conclusões.1. IntroduçãoNas Geociências é difícil encontrar algum momento em que não se enfatizou oselementos históricos e meto<strong>do</strong>lógicos das ciências em seu ensino. Os exemplos sãomuitos e varia<strong>do</strong>s: encontramos menções nos textos <strong>de</strong> James Hutton (século XVIII),Charles Lyell (século XIX) no âmbito internacional, nos séculos passa<strong>do</strong>s. Neste séculohá informes históricos em textos didáticos clássicos como o <strong>de</strong> Arthur Holmes(Principles of physical geology) e, no âmbito brasileiro, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os trabalhos <strong>de</strong> PaesLeme (História física da Terra: vista por quem estu<strong>do</strong>u no Brasil) até Viktor Leinz(Geologia geral) <strong>de</strong>ntre outros.As tentativas <strong>de</strong> renovação <strong>do</strong> Ensino <strong>de</strong> Ciências, promovidas pelo ESCP (EarthScience Curriculum Project adapta<strong>do</strong> no Brasil sob o título Investigan<strong>do</strong> a Terra),assinalam a importância <strong>de</strong> tais estu<strong>do</strong>s: <strong>de</strong> 11 temas eleitos para tratar o conhecimentoda Terra e seu ambiente to<strong>do</strong>s acham-se vincula<strong>do</strong>s à tradução da natureza e estruturadas Ciências da Terra: em to<strong>do</strong>s os processos estuda<strong>do</strong>s, na exposição <strong>de</strong> teorias eexplicações tais princípios estão presentes la<strong>do</strong> a la<strong>do</strong> <strong>de</strong> informações históricas (ESCP,1978, p. 2-11). Trata-se <strong>de</strong> uma abordagem da natureza da ciência: ciência comopesquisa, compreensão <strong>de</strong> escala e previsão; uma abordagem <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da Terra:universalida<strong>de</strong> das transformações, fluxo <strong>de</strong> energia no universo, adaptação àstransformações ambientais, conservação <strong>de</strong> massa e energia, sistemas terrestres noespaço e no <strong>tempo</strong>, uniformida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s processos para interpretar o passa<strong>do</strong>; e, por fim,ênfase na história da ciência: <strong>de</strong>senvolvimento histórico das geociências.Certas ausências são surpreen<strong>de</strong>ntes para o leitor mo<strong>de</strong>rno já relativamente habitua<strong>do</strong>com a ênfase <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s vincula<strong>do</strong>s ao cotidiano, aos tópicos tecnológicos e à ciênciaaplicada. Na verda<strong>de</strong> tal ênfase no que <strong>de</strong>nominamos ciência, tecnologia e socieda<strong>de</strong>(em suas múltiplas versões e manifestações educacionais) correspon<strong>de</strong> à crítica feita àciência pura enfatizada nos projetos patrocina<strong>do</strong>s pelo National Science Foundation <strong>do</strong>sEUA (como o ESCP) – realizada principalmente <strong>de</strong>s<strong>de</strong> a década <strong>de</strong> 1970 – e, <strong>de</strong> certomo<strong>do</strong>, representa o retorno às preocupações tecnológicas que assinalavam os programas<strong>de</strong> ensino <strong>de</strong> ciências em mea<strong>do</strong>s da década <strong>de</strong> 1950 nos próprios EUA.Tal convergência <strong>de</strong> aspectos teóricos e práticos promovida pelos projetos patrocina<strong>do</strong>spelo National Science Foundation e, no que diz respeito ao caso brasileiro, à influênciaexercida pelo ESCP na inovação educacional, torna tal programa <strong>de</strong> ciências um foco <strong>de</strong>análise que aclara semelhanças e diferenças com as ativida<strong>de</strong>s analisadas nestaexposição.4


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000Em estu<strong>do</strong>s anteriores (Gonçalves 1994 e Gonçalves e Figueirôa 1999) já sugerimos acontinuida<strong>de</strong> e a ruptura entre o ESCP e as iniciativas <strong>de</strong> inovação no Ensino <strong>de</strong>Geociências no Brasil enfatizan<strong>do</strong> aspectos da meto<strong>do</strong>logia <strong>de</strong> ensino: o ensino centra<strong>do</strong>no aluno e o engajamento <strong>de</strong>le em ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> pesquisa, o papel das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><strong>campo</strong>, o valor atribuí<strong>do</strong> aos problemas ambientais e as questões relativas à formação <strong>de</strong>professores <strong>de</strong> ciências. A questão meto<strong>do</strong>lógica <strong>do</strong>s projetos <strong>de</strong> inovação <strong>do</strong> Ensino <strong>de</strong>Geociências no Brasil já recebeu inúmeras menções e análises (p.ex.: Amaral, 1995). Nopresente trabalho interessa-nos esmiuçar as características <strong>do</strong> tratamento da História eFilosofia da Ciência nesse ensino. Tomamos como caso <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> uma disciplinaministrada no Curso <strong>de</strong> Ciências da Terra <strong>do</strong> IG-UNICAMP, <strong>Trabalho</strong> <strong>de</strong> Campo, porter si<strong>do</strong> uma oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> avançar uma fórmula que articula história e filosofia daciência ao ensino.No que se assemelha e no que se diferencia a disciplina <strong>Trabalho</strong> <strong>de</strong> Campo daabordagem presente no ESCP? O que fundamenta as diferenças? Esses <strong>do</strong>is tópicosserão aqui persegui<strong>do</strong>s e preten<strong>de</strong>mos equacioná-los como uma orientação passível <strong>de</strong>ser empregada no ensino <strong>de</strong> ciências. Temos em mente os limites <strong>do</strong>s esforços <strong>de</strong>generalização <strong>de</strong> casos particulares mas não po<strong>de</strong>mos nos furtar <strong>de</strong> relembrar anecessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> tomar alguns elementos como inspira<strong>do</strong>res <strong>de</strong> outras ativida<strong>de</strong>s epesquisas educativas.2. Questões meto<strong>do</strong>lógicas <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da TerraOs estu<strong>do</strong>s da Terra diferenciam-se em alguma medida das <strong>de</strong>mais investigaçõesnaturais e experimentais. Se tomamos a Física como referência <strong>de</strong> ciência experimental,os estu<strong>do</strong>s terrestres embora a<strong>do</strong>tem certas formulações típicas da Física (procedimentos<strong>de</strong> investigação indutivo-<strong>de</strong>dutivo, base experimental, abordagens matemática –pensamento sintético e analítico) se afastam <strong>de</strong>ssa base meto<strong>do</strong>lógica pelo caráterhistórico <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> das inter-relações naturais. Isso conduz a práticas diferenciadas e aoemprego <strong>de</strong> raciocínio consi<strong>de</strong>ra<strong>do</strong>s menores na Física (pensamento multifatorial,raciocínios analógicos, procedimentos históricos e comparativos).A percepção <strong>de</strong>sses fatos é matéria clássica <strong>de</strong> <strong>de</strong>bate na literatura geológica.Chamberlim (1897) explica o caráter singular <strong>de</strong>sses estu<strong>do</strong>s. Enfatiza aimpossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> linguagem linear (verbal) para estudar fenômenos e a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong>procurar várias explicações possíveis para enten<strong>de</strong>r cada caso – essa negação <strong>do</strong>raciocínio linear, meramente indutivo-<strong>de</strong>dutivo e, adicionalmente, a busca <strong>de</strong> diversascausas para certo fato, foi <strong>de</strong>nomina<strong>do</strong> pelo pensa<strong>do</strong>r americano méto<strong>do</strong> das múltiplashipóteses <strong>de</strong> trabalho.5


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000Na mesma época, Gilbert (1896) assinala a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> apren<strong>de</strong>r mediante os errosdas pesquisas, ponto que seria crucial na formação <strong>do</strong> pesquisa<strong>do</strong>r. Chama atenção queo futuro cientista tem muito mais a apren<strong>de</strong>r com os erros cometi<strong>do</strong>s anteriormente <strong>do</strong>que com os acertos (o que ele <strong>de</strong>nominou méto<strong>do</strong> <strong>do</strong> incultimento pelo exemplo).As duas formulações são significativas não apenas pelos postos ocupa<strong>do</strong>s pelos <strong>do</strong>ispensa<strong>do</strong>res mas, também, pela <strong>de</strong>dicação <strong>de</strong>les aos estu<strong>do</strong>s <strong>de</strong> geociências (Chamberlimseguiu a trajetória <strong>do</strong>s gran<strong>de</strong>s geólogos americanos <strong>de</strong> sua época, assumiu posiçõesrelevantes da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Chicago, criou periódicos científicos, etc. Gilbert ocupoupostos <strong>de</strong> <strong>de</strong>staque no serviço geológico; ver Pyne 1978). Incorpora<strong>do</strong> às duas visões,algo contrastantes, além <strong>do</strong> rigor e <strong>do</strong> critério, estão as preocupações com um <strong>campo</strong>científico no qual o mo<strong>de</strong>lo indutivo-<strong>de</strong>dutivo e o pensamento matemático erambastante limita<strong>do</strong>s. A explicação histórica, base da previsão <strong>do</strong>s recursos minerais eenergéticos, necessitava <strong>de</strong> outros procedimentos meto<strong>do</strong>lógicos e isso já era antevistopor essas li<strong>de</strong>ranças científicas.Há inúmeras contribuições sobre a natureza das Ciências da Terra no século XX – sebem que comparadas aos <strong>de</strong>bates da Física são muito poucas. Nos limites <strong>de</strong>staexposição não trataremos exaustivamente <strong>de</strong>las mas assinalamos que arbitrariamentepo<strong>de</strong>riam ser divididas em <strong>do</strong>is grupos. O primeiro, sob diversos rótulos procuracaracterizar que as Geociências operam com o mesmo instrumental teórico da Física(méto<strong>do</strong> indutivo-<strong>de</strong>dutivo, análises e mo<strong>de</strong>los matemáticos) ou, no máximo, teriampartes da Geologia em que tais raciocínios seriam limita<strong>do</strong>s (p.ex.: Kitts 1977 e Gould1965). O segun<strong>do</strong> procura enfatizar as particularida<strong>de</strong>s <strong>de</strong>sse <strong>campo</strong> científico e assinalaos limites <strong>de</strong> valida<strong>de</strong> <strong>do</strong>s raciocínios típicos da Física; tratam-se <strong>de</strong> autores queenfatizam o caráter sintético e histórico <strong>do</strong> pensamento geológico (p.ex.: Potapova 1968e Fro<strong>de</strong>man 1995). Fizemos tal digressão para reforçar nosso parti<strong>do</strong> nesse <strong>de</strong>bate:acreditamos que as ciências <strong>de</strong>dicadas ao estu<strong>do</strong> <strong>do</strong> sistema Terra realizam uma sínteseparticular ao estudar o mun<strong>do</strong>, abordam a natureza sob o ponto <strong>de</strong> vista <strong>tempo</strong>ral(histórico) em que abordagens matemáticas, experimentais e indutivo-<strong>de</strong>dutivas sãomuito restritas. Alas! Assinalamos que nos múltiplos <strong>campo</strong>s específicos em quesubdivi<strong>de</strong>m tal objeto <strong>de</strong> estu<strong>do</strong> esses raciocínios são largamente pratica<strong>do</strong>s e sãoextremamente frutíferos mas isso correspon<strong>de</strong> ao crescimento <strong>do</strong> processo <strong>de</strong>especialização e não ao entendimento global e integra<strong>do</strong> <strong>do</strong> planeta.Assumin<strong>do</strong> tal atitu<strong>de</strong>, ela nos informa sobre o caráter específico <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da Terra edaí obtemos aspectos nucleares <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s históricos da natureza. O méto<strong>do</strong> históricocomparativopara transferir informação no <strong>tempo</strong> acha-se fortemente assenta<strong>do</strong> emnexos analógicos e em fórmulas apoiadas na observação visual <strong>do</strong>s fenômenos.6


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000Outro traço marcante é o la<strong>do</strong> hipotético e a impossibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> comprovação dasprevisões (retrovisões) sobre o passa<strong>do</strong> da Terra. Como a comprovação experimental élimitada ou impossível, os mo<strong>de</strong>los e explicações históricos são fortemente hipotéticos(Gruza e Romanovisky 1975 chamam atenção para esses mo<strong>de</strong>los hipotéticos).A linguagem visual para representar esses mo<strong>de</strong>los e explicações ocupa papelparticularmente relevante nas Geociências (comparável a algumas áreas médicas etecnológicas). Isso valoriza e conduz ao estu<strong>do</strong> <strong>de</strong>ssas representações e esquemasvisuais sobretu<strong>do</strong> o mapa (diversos autores trataram <strong>do</strong> papel <strong>do</strong> mapa nas Ciências daTerra, p.ex. Rudwick 1978 ou Winchester 2002).A conjunção <strong>de</strong>sses elementos conduz à valorização da comunicação narrativa paraestruturar esse estu<strong>do</strong> sobre o planeta.Justamente esses elementos e a sugestão <strong>de</strong> como eles foram caracteriza<strong>do</strong>shistoricamente servem para guiar a abordagem que a<strong>do</strong>tamos na disciplina em foco.3. Questões históricas <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da TerraMatthews (1994 p. 49-54) faz um apanha<strong>do</strong> das diversas sugestões que foram expostaspara as possíveis funções da história na Educação em Ciências. Chama atenção que amaioria das razões assinaladas sejam propostas por cientistas ou pesquisa<strong>do</strong>res <strong>de</strong>Educação em Ciências e, por outro la<strong>do</strong>, há limitada participação <strong>de</strong> pesquisa<strong>do</strong>res emHistória da Ciência.Ora, um resulta<strong>do</strong> <strong>de</strong>sse interesse acompanha<strong>do</strong> <strong>de</strong> falta <strong>de</strong> clareza sobre o <strong>campo</strong>específico <strong>de</strong> história é o surgimento <strong>de</strong> críticas, a nosso ver válidas, contrárias a tratarhistória em programas e aulas <strong>de</strong> ciências (um quadro <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate é acha<strong>do</strong> no mesmoMatthews 1994 p. 71-77). Torna-se necessário, em virtu<strong>de</strong> disso, buscar nexos entrehistoria<strong>do</strong>res, filósofos e cientistas para que haja certo tratamento da história no ensinoe, ainda, carece <strong>de</strong> resposta que abordagem <strong>de</strong> história a<strong>do</strong>tar e em que situaçõesespecíficas. O que marca nossa contribuição neste encontro é procurar aclarar esseproblema se bem que não temos uma resposta <strong>de</strong>finitiva e generalizável.Um ponto precisa ser enfatiza<strong>do</strong> portanto, logo <strong>de</strong> início, para caracterizar nossopensamento é a história que <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>mos para o ensino <strong>de</strong> ciências. Existem diversasabordagens <strong>de</strong> História da Ciência (história <strong>do</strong>s conceitos, história institucional, estu<strong>do</strong>ssociológicos da ciência, enfoque internalista e externalista, diversos matizes <strong>de</strong>ssaspesquisas). Foge ao escopo <strong>de</strong>sta exposição caracterizar cada uma <strong>de</strong>ssas tendênciasmas elas atribuem valor muito diferencia<strong>do</strong> à influência da cultura externa sobre aciência, ao papel da tecnologia no avanço <strong>do</strong> conhecimento científico e ao papel <strong>do</strong>sda<strong>do</strong>s empíricos na elaboração <strong>de</strong> teorias e explicações.7


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000Advogamos que o conhecimento científico sobre o planeta Terra atribui um valor muitovaria<strong>do</strong> <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as necessida<strong>de</strong>s culturais <strong>de</strong> cada época mas queinexiste explicação científica <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ran<strong>do</strong> esses registros da natureza e que, <strong>do</strong>século XVIII para cá, seguramente há um níti<strong>do</strong> vínculo das necessida<strong>de</strong>s tecnológicas eexplicações que ajudam na previsão <strong>do</strong> futuro curso natural (seja para obter recursosminerais e energéticos, seja para planejar a ocupação territorial, prever impactos ourehabilitar ambientes).Ao mesmo <strong>tempo</strong>, cientistas vivem a socieda<strong>de</strong> e a cultura <strong>de</strong> sua época e, em algumassituações, vamos encontrar certos elementos políticos, religiosos e morais incorpora<strong>do</strong>sàs explicações sobre o planeta. Por outro la<strong>do</strong>, as teorias e explicações a<strong>do</strong>tadas ajudama alterar toda cultura humana. Exemplos são varia<strong>do</strong>s e, em nosso caso, ao tomar onascimento da mo<strong>de</strong>rna Geologia são níti<strong>do</strong>s os laços entre, <strong>de</strong> um la<strong>do</strong>, as necessida<strong>de</strong>s<strong>de</strong> recursos minerais e energéticos ampliadas pela Revolução Industrial e atransformação <strong>de</strong> certas tradições da História Natural, Medicina e Mineralogia emGeologia. Por outro la<strong>do</strong>, há uma contribuição para a cultura humana que resultou <strong>do</strong>avanço teórico <strong>de</strong>ssa ciência: a noção <strong>de</strong> <strong>tempo</strong> infinitos substituin<strong>do</strong> o <strong>tempo</strong> limita<strong>do</strong>da cultura bíblica.Toman<strong>do</strong> essa orientação como enfoque procuramos tratar o ambiente social e científicoda Escócia oitocentista <strong>de</strong> on<strong>de</strong> extraímos o conflito <strong>de</strong> teorias adversárias, aexperiência pessoal <strong>de</strong> formular uma teoria científica, a oposição ao aceite <strong>de</strong>ssa teoria,o ambiente marca<strong>do</strong> pelo pensamento liberal clássico para, no fim, explicar para osalunos a natureza <strong>do</strong> conhecimento científico e os méto<strong>do</strong>s e conceitos a<strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s naquelaépoca.4. O exemplo da disciplina <strong>Trabalho</strong> <strong>de</strong> CampoNossa disciplina, <strong>de</strong>nominada <strong>Trabalho</strong> <strong>de</strong> Campo, é ministrada para geólogos egeógrafos (os últimos realizam um curso <strong>de</strong> graduação fortemente vincula<strong>do</strong> à área <strong>de</strong>ciências humanas), usualmente 30 alunos por semestre. Enfatizamos a leitura crítica <strong>de</strong>aspectos históricos e meto<strong>do</strong>lógicos <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da Terra (compreendi<strong>do</strong>s como umainteração <strong>de</strong> fenômenos naturais e sociais vincula<strong>do</strong>s ao uso e ocupação territorial).É necessário assinalar que nossos estudantes não estão familiariza<strong>do</strong>s com a vida, obraou ambiente cultural <strong>de</strong> Hutton (marca<strong>do</strong> pela Revolução Industrial, RevoluçãoFrancesa e Ida<strong>de</strong> das Luzes). Todas as idéias, leituras e fatos são, portanto, novos paraeles. Como já indicamos, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> pesquisa científica, seus méto<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>campo</strong> oulaboratório igualmente são novida<strong>de</strong>s para eles.Enfatizamos a vida e a obra <strong>de</strong> James Hutton (1723-1797) pelo que ela ajuda a enten<strong>de</strong>r<strong>do</strong>s elementos meto<strong>do</strong>lógicos e <strong>do</strong> ambiente científico e cultural da época <strong>de</strong> nascimento8


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000das ciências geológicas. Todas as i<strong>de</strong>ias, leituras, portanto, se constituem comonovida<strong>de</strong>s.Usamos o Abstract <strong>de</strong> Hutton (Theory of the Earth..., primeira versão pública, impressaem 1785). Apresentamos, ainda, a história da Coleção Huttoniana <strong>de</strong> Fósseis e Minerais,a <strong>de</strong>scoberta da origem <strong>do</strong>s granitos e alguns episódios da vida <strong>de</strong> Hutton. Essesacontecimentos facilitam e exemplificam certos elementos meto<strong>do</strong>lógicos quecaracterizam a natureza das Ciências da Terra. Além disso, é necessário enfatizar que adisciplina é baseada em observações diretas <strong>de</strong> <strong>campo</strong> (cobrin<strong>do</strong> os seguintes <strong>campo</strong>stemáticos: Geologia, Petrologia, Mineralogia, Geomorfologia, Pe<strong>do</strong>logia e GeografiaUrbana – to<strong>do</strong>s trata<strong>do</strong>s em nível introdutório). Nosso <strong>de</strong>safio é abranger e combinar otreinamento <strong>de</strong> técnicas <strong>de</strong> <strong>campo</strong> e elementos históricos e meto<strong>do</strong>lógicos. Procuramos,por um la<strong>do</strong>, mostrar as mudanças históricas ocorridas nas ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>campo</strong> e, poroutro, o estu<strong>do</strong> das ciências da Terra como uma ciência histórica da natureza.4.1. Objetivos da disciplinaA abordagem a<strong>do</strong>tada enfatiza o papel das ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> <strong>campo</strong> no fazer das ciências danatureza. Espera-se que os estudantes <strong>de</strong>senvolvam habilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> observação,interpretação <strong>de</strong> observações e <strong>de</strong> propor hipóteses que possam ser testadas porobservações mais dirigidas. Embora os alunos sejam geralmente pouco treina<strong>do</strong>s nessascompetências, imagina-se que elas contribuirão para que os estudantes compreendam anatureza da ciência. Ao mesmo <strong>tempo</strong>, em termos <strong>de</strong> conteú<strong>do</strong> enfatiza-se o estu<strong>do</strong>mineralógico e petrológico <strong>do</strong>s locais estuda<strong>do</strong>s.O pensamento <strong>de</strong> Hutton é particularmente relevante para mostrar algumas diferençasentre trabalhar com amostras <strong>de</strong> laboratório e testar idéias (hipóteses, explicações eteorias) no <strong>campo</strong>. Dessa forma, o pensamento <strong>de</strong> Hutton é discuti<strong>do</strong> junto com suasobservações que foram realizadas tanto no <strong>campo</strong> quanto em amostras (e que po<strong>de</strong>riamser comparadas àquelas que hoje são feitas pelos alunos). Nossa ênfase concentra-se naHistória da Geologia e o que ela informa sobre o méto<strong>do</strong> científico emprega<strong>do</strong> emciências históricas (assinalamos o pensamento analógico, o atualismo, o pensamentomultifatorial, hipotético e narrativo). A obra e a vida <strong>de</strong> Hutton encorajam o estudante aobservar e seguir rigorosamente uma visão lógica. Alguns casos ocorri<strong>do</strong>s com Huttonrecebem especial atenção: o Abstract (1785, primeira versão da Theory of the Earth), aviagem para o País <strong>de</strong> Gales, a <strong>de</strong>scoberta da origem plutônica <strong>do</strong>s granitos (a viagem aoVale <strong>do</strong> Rio Tilt, Scottish Highlands) e a história da Coleção Huttoniana <strong>de</strong> Fósseis eMinerais.9


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000Nos limites <strong>de</strong>ste trabalho, revelamos a relevância e os principais fatos da história daColeção Huttoniana (mencionada acima) e da dispersão da mesma. Tais fatos po<strong>de</strong>mtornar-se significantes para ensinar Geociências sob uma abordagem humanista.4.2. Leituras e conteú<strong>do</strong>s da disciplinaNunca po<strong>de</strong>mos per<strong>de</strong>r <strong>de</strong> vista o traço essencial <strong>de</strong> nossa disciplina: treinar os alunosnas técnicas <strong>de</strong> <strong>campo</strong>. Espera-se que os alunos conheçam o uso <strong>de</strong> instrumentosgeológicos básicos para suas respectivas carreiras. Ao final da disciplina, os alunos<strong>de</strong>vem estar familiariza<strong>do</strong>s com o uso <strong>de</strong> bússolas, GPS, mapas topográficos efotografias aéreas. Isso limita nossas ações e <strong>de</strong>termina quais são as competênciascríticas e necessárias.É parte essencial da disciplina um conjunto <strong>de</strong> viagens <strong>de</strong> <strong>campo</strong> em áreas próximas aCampinas. Nelas os alunos visitam rochas e reconhecem as principais unida<strong>de</strong>slitológicas regionais: o Proterozóico Médio e Superior (complexo migmatítico egranítico) e os estratos Permo-Carboníferos (Grupo Itararé da Bacia Sedimentar <strong>do</strong>Paraná). As viagens incluem, ainda, visitas a: 1) <strong>de</strong>pósitos sedimentares Cenozóicos; 2)rochas subvulcânicas toleíticas <strong>do</strong> Juro-Cretáceo; 3) sítios fossilíferos (Formação Iratida Bacia <strong>do</strong> Paraná); rochas com diferentes graus <strong>de</strong> milonitização e falhas normais;outros <strong>de</strong>pósitos <strong>de</strong> diversas origens e ida<strong>de</strong>s. Além disso, as viagens também servempara <strong>de</strong>screver e classificar as unida<strong>de</strong>s pe<strong>do</strong>lógicas e as gran<strong>de</strong>s unida<strong>de</strong>sgeomorfológicas.Antes <strong>de</strong> iniciar a parte técnica (sucintamente acima <strong>de</strong>scrita), a disciplina promovereuniões para discutir a importância <strong>do</strong>s da<strong>do</strong>s <strong>de</strong> <strong>campo</strong>, a história da transformação daHistória Natural em Mineralogia e Química e, <strong>de</strong>stas em Geologia. Tais reuniões sãoprecedidas <strong>de</strong> leituras sobre história e meto<strong>do</strong>logia das ciências.Nossa orientação epistemológica básica acha-se nos textos <strong>de</strong> Potapova (1968) eFro<strong>de</strong>man (1995). Ambos <strong>de</strong>fen<strong>de</strong>m que a Geologia é uma ciência histórica, uma áreaapoiada no discurso hipotético, narrativo e analógico sobre a Terra. Tomamos taiscaracterísticas como essenciais para construir explicações geológicas a partir <strong>do</strong> <strong>campo</strong>(local privilegia<strong>do</strong> para coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s e manifestação localizada da crosta terrestre).A peculiarida<strong>de</strong> epistemológica da crosta terrestre é assinalada por Rudwick (1996)<strong>de</strong>s<strong>de</strong> outro ponto <strong>de</strong> vista. Para discutir problemas <strong>de</strong> teoria e prática das ciênciasgeológicas e os diferentes papéis das viagens <strong>de</strong> <strong>campo</strong> para elaborar novasexplanações, Rudwick <strong>de</strong>fen<strong>de</strong> certo nexo entre o avanço <strong>do</strong> conhecimento e a visita alocais <strong>de</strong>sconheci<strong>do</strong>s. Essa situação liminar, historicamente exemplificada pornaturalistas, seria vivenciada também por estudantes em suas primeiras ativida<strong>de</strong>s <strong>de</strong><strong>campo</strong>.10


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000O famoso méto<strong>do</strong> das múltiplas hipóteses <strong>de</strong> trabalho <strong>de</strong> Thomas Crow<strong>de</strong>r Chamberlimé usa<strong>do</strong> para aprofundar questões relativas a aspectos meto<strong>do</strong>lógicos e semióticosenvolvi<strong>do</strong>s nas teorias e representações lingüísticas típicas <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s da Terra (mapasgeológicos) – Pyne (1978) e Spencer (1997) contribuem com interessantes indagaçõesque são tratadas nesse texto clássico.Os estudantes, <strong>de</strong>ssa maneira, começam a ter uma visão mais criteriosa sobre: relaçõesmeto<strong>do</strong>lógicas e da<strong>do</strong>s diretos, representação <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s, explicações sobre o mun<strong>do</strong> reale sistemas concebi<strong>do</strong>s, coleta <strong>de</strong> novos da<strong>do</strong>s e mudança nas explicações.4.3. A história da Coleção Huttoniana <strong>de</strong> Fósseis e MineraisA história da coleção é algo triste. Nunca foi exposta ao público e <strong>de</strong>vi<strong>do</strong> a certacombinação <strong>de</strong> <strong>de</strong>scui<strong>do</strong> e astúcia seu material foi dispersa<strong>do</strong> e perdi<strong>do</strong>. Jones (1984 e86) conta a história da reunião das amostras: Hutton, ao longo da vida, reuniu materiaisrochosos <strong>de</strong> diversas procedências. Po<strong>de</strong>mos encontrar referências a tais espécimes naTheory of the Earth (1795 e 1899), nas citações <strong>de</strong> Playfair (1805) e na correspondênciae em notas esparsas <strong>de</strong> Joseph Black ou <strong>de</strong> seus alunos.Tais materiais que compunham a coleção foram perdi<strong>do</strong>s nos 30 anos seguintes à morte<strong>de</strong> Hutton. A história da dispersão e os personagens envolvi<strong>do</strong>s ilustram a luta peloprestígio social e influência acadêmica. Esse componente da prática científica é o queestamos <strong>de</strong>nominan<strong>do</strong>, aqui, <strong>de</strong> la<strong>do</strong> humano da ciência.Por volta <strong>de</strong> 1759, o interesse <strong>de</strong> Hutton pelos estu<strong>do</strong>s da Terra po<strong>de</strong>m ser reconheci<strong>do</strong>sem diferentes fontes. Mas, infelizmente, não po<strong>de</strong>mos provar quan<strong>do</strong> ele começou areunir sua coleção pessoal <strong>de</strong> rochas e minerais; isso po<strong>de</strong> ter ocorri<strong>do</strong> em sua estada emParis (quan<strong>do</strong> talvez tenha acompanha<strong>do</strong> as aulas <strong>de</strong> Rouelle no Jardim <strong>do</strong> Rei) ou<strong>de</strong>pois.Em carta para John Strange, c. 1770, quan<strong>do</strong> Hutton <strong>de</strong>ixou sua fazenda e foi morar emEdimburgo, a coleção foi diretamente citada.Jones (1984) argúi que a teoria huttoniana <strong>de</strong> que o calor subterrâneo seria o agente paraconsolidar as rochas foi baseada na análise <strong>de</strong>scritiva <strong>de</strong> amostras <strong>de</strong> mão observadas aomicroscópio. Na Theory of the Earth, em sua segunda versão, 1788, há numerosas<strong>de</strong>scrições <strong>de</strong> amostras para justificar a idéia <strong>de</strong> que os estratos consolida<strong>do</strong>s <strong>do</strong> globoforam sujeitos a fusão. Além disso, amostras ilustraram a teoria da ciclicida<strong>de</strong> <strong>do</strong>seventos (naquele momento Hutton ainda não conhecia as <strong>de</strong>scontinuida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> SiccarPoint e Jedburgh).A coleção foi vista somente pelos amigos <strong>de</strong> Hutton, durante sua vida. Depois <strong>de</strong> suamorte, a controvérsia entre netunistas e plutonistas <strong>de</strong>struiu a coleção (supomos que osfatos principais <strong>do</strong> conflito entre Hutton e Abraham Gotlob Werner, e seus discípulos,sejam bem conheci<strong>do</strong>s <strong>de</strong>pois <strong>do</strong> livro <strong>de</strong> Dean 1992).Essa famosa controvérsia foi importante para o ambiente científico e social <strong>de</strong>Edimburgo no final <strong>do</strong> século XVIII. As associações científicas (scientific clubs),laboratórios, salas <strong>de</strong> aula, salões sociais foram transforma<strong>do</strong>s em palco e tomaramparti<strong>do</strong> <strong>de</strong> uma escola ou <strong>de</strong> outra. De um la<strong>do</strong> da disputa estavam Joseph Black(médico, professor da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Edimburgo e conheci<strong>do</strong> por suas contribuições11


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000para Química), John Playfair (matemático, igualmente professor da mencionadauniversida<strong>de</strong> e biógrafo <strong>de</strong> Hutton), Sir James Hall (fazen<strong>de</strong>iro e minera<strong>do</strong>r, conheci<strong>do</strong>por suas contribuições para mineralogia experimental) e, <strong>do</strong> la<strong>do</strong> oposto, os segui<strong>do</strong>res<strong>de</strong> Werner: John Walker (professor <strong>de</strong> História Natural na Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Edimburgo)e, sobretu<strong>do</strong>, seu principal discípulo e sucessor na universida<strong>de</strong>, Robert Jameson.É o la<strong>do</strong> particular <strong>do</strong> conflito que assinala o la<strong>do</strong> humano <strong>do</strong> fazer ciência, fatosmarca<strong>do</strong>s pela paixão e pela luta. Edimburgo, daquela época, tinha cerca <strong>de</strong> 35.000habitantes e um pequeno círculo intelectual. Estava ocorren<strong>do</strong> uma intensa expansãoindustrial e urbana vinculada aos avanços técnicos e da mineração. Nessa cida<strong>de</strong> ocorreua disputa pela teoria que seria capaz <strong>de</strong> explicar a origem <strong>de</strong> algumas rochas(principalmente granitos e basaltos). A história da dispersão da coleção huttonianaexemplifica e <strong>de</strong>monstra méto<strong>do</strong>s não orto<strong>do</strong>xos <strong>de</strong> praticar a ciência. Assinalamos queas duas escolas <strong>de</strong> pensamento que dividiram a história natural a<strong>do</strong>taram essesprocedimentos.Os <strong>de</strong>talhes da sucessão e proprieda<strong>de</strong> da coleção (cartas, mudanças <strong>de</strong> local,interferência <strong>de</strong> diversos comitês científicos, etc.) revelam o conflito entre aUniversida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Edimburgo e a Socieda<strong>de</strong> Real <strong>de</strong> Edimburgo. Na primeira instituiçãoestavam concentra<strong>do</strong>s os netunistas, por sua vez, na segunda achavam-se os plutonistas.Junto com os alunos <strong>de</strong> nossa disciplina acompanhamos a história até 1907 (quan<strong>do</strong> umincêndio elimina os <strong>do</strong>cumentos que <strong>de</strong>screviam a coleção e, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, representam aperda final <strong>do</strong>s materiais).Quan<strong>do</strong> Hutton morreu, março <strong>de</strong> 1797, a coleção foi herdada por sua irmã Isabella.Esta <strong>do</strong>ou o material a Joseph Black que, por sua vez, ofereu-a à Socieda<strong>de</strong> Real <strong>de</strong>Edimburgo. 2A Socieda<strong>de</strong> Real <strong>de</strong> Edimburgo aceitou a coleção e indicou John Playfair e Sir JamesHall como cura<strong>do</strong>res <strong>do</strong> material.A Socieda<strong>de</strong> Real não tinha condições <strong>de</strong> manter suas próprias coleções e <strong>de</strong>positou omaterial em local <strong>de</strong> limita<strong>do</strong> acesso para especialistas e público. Propôs, então, quepara tornar a visita pública que o material passasse a pertencer ao Museu <strong>de</strong> HistóriaNatural da Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Edimburgo.Os <strong>do</strong>is cura<strong>do</strong>res nomea<strong>do</strong>s esperavam ilustrar as teorias <strong>de</strong> Hutton, tão bem quantopossível, usan<strong>do</strong> a própria coleção. Em virtu<strong>de</strong> disso, não quiseram remover osmateriais para o museu até que eles tivessem si<strong>do</strong> organiza<strong>do</strong>s <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> com as normas<strong>de</strong> coleciona<strong>do</strong>r (Minutes of Council General Meetings of the Royal Society ofEdinburgh, 1798-1807, 25 Jun. 1804). Eles atrasaram o trabalho por muitos anos.Na mesma época, o Cura<strong>do</strong>r <strong>do</strong> Museu <strong>de</strong> História Natural era John Walker (o professor<strong>de</strong> História Natural era ex officio o responsável por esse museu). Sua atitu<strong>de</strong> contrária àsteorias <strong>de</strong> Hutton eram bem conhecidas. Playfair e Hall esperavam, em virtu<strong>de</strong> disso,um tratamento <strong>de</strong>scuida<strong>do</strong> por parte <strong>do</strong> museu em relação à coleção.Walker foi sucedi<strong>do</strong> por seu aluno Robert Jameson na Ca<strong>de</strong>ira <strong>de</strong> História Natural(naquela época, essa vaga foi disputada também por Playfair).Jameson tornou-se o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>fensor <strong>de</strong> Werner em Edimburgo e suas ambiçõesconduziram a insistir na transferência da coleção para o museu.2 Carta <strong>de</strong> Black, 2 <strong>de</strong> <strong>de</strong>zembro, 1799: Edinburgh University Library, MS Gen. 130.12


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000Hall arguiu, em 1801, que a Socieda<strong>de</strong> Real da cida<strong>de</strong> <strong>de</strong>veria manter a posse <strong>de</strong> suascoleções mas não teve sucesso.Ao suce<strong>de</strong>r Walker, em 1804, Jameson imediatamente escreveu à Socieda<strong>de</strong> Real <strong>de</strong>Edimburgo reivindican<strong>do</strong> o material <strong>de</strong> Hutton e acusan<strong>do</strong> essa associação <strong>de</strong> estarimpedin<strong>do</strong> o ascesso à coleção. Ele requereu que a coleção fosse transferida logo para omuseu (Min. of Council Gen. Meetings of the RSE, 1798-1807, 25 Jun. 1804). O tom dacarta sugere que a coleção já tinha se torna<strong>do</strong> um foco <strong>de</strong> rixa entre huttonianos ewenerianos.A data exata da transferência permanece duvi<strong>do</strong>sa (entre 1807 e 1808). Não temosda<strong>do</strong>s sobre como a coleção foi organizada ou catalogada na época da mudança. Maspo<strong>de</strong>mos supor que tenha permaneci<strong>do</strong> encaixotada até <strong>de</strong>ixar <strong>de</strong> <strong>de</strong>spertar interessecientífico.Uma lista <strong>do</strong>s materiais da coleção havia si<strong>do</strong> preparada por Black e Hall. Esse registro<strong>do</strong> conteú<strong>do</strong> foi <strong>de</strong>ixa<strong>do</strong> para Sir David Brewster mas esses <strong>do</strong>cumentos foram perdi<strong>do</strong>sem um incêndio aconteci<strong>do</strong> em 1903.Para evitar futuras perdas àquela ocorrida com a Coleção Huttoniana <strong>de</strong> Fósseis eMinerais, a Socieda<strong>de</strong> Real <strong>de</strong> Edimburgo pediu ao Rei novas instalações queadmitissem manter suas próprias coleções. Contra a vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> Jameson, tal petição foiatendida em 1811. Mas o material <strong>de</strong> Hutton permaneceu no Museu <strong>de</strong> História Natural.Jameson nunca esforçou-se por mostrar a coleção <strong>de</strong> Hutton e seu valor científico foi<strong>de</strong>spreza<strong>do</strong>. Esse cura<strong>do</strong>r, em 1826, reconheceu que tais espécimes foram manti<strong>do</strong>s nascaixas. Ele queixou-se que a Socieda<strong>de</strong> Real privou o direito <strong>de</strong> livre acesso aosmateriais. E, por sua vez, ele não quis mostrar os materiais para os segui<strong>do</strong>res <strong>de</strong> Huttonou para o público.Depois <strong>de</strong> 1827 a coleção chamou pouca atenção. As explicações <strong>de</strong> Hutton ganharammaior aceite e, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, as amostras <strong>de</strong> mão pareceram tornar-se evidênciasredundantes. A ciência havia muda<strong>do</strong> nas suas explicações e adquiri<strong>do</strong> novas técnicas<strong>de</strong> pesquisa.O relatório <strong>do</strong> Museu <strong>de</strong> História Natural, <strong>de</strong> 1835, consi<strong>de</strong>rou que o conteú<strong>do</strong> dacoleção era insignificante.To<strong>do</strong>s os materiais <strong>de</strong>sse museu foram <strong>do</strong>a<strong>do</strong>s ao Departamento <strong>de</strong> Ciências e Artes, em1855, sen<strong>do</strong> transferi<strong>do</strong>s para um novo local em 1865 (Chambers Street, on<strong>de</strong> encontraseo atual museu). A Coleção Huttoniana <strong>de</strong> Fósseis e Minerais <strong>de</strong>ve ter si<strong>do</strong> dispersadadurante essa mudança e tornou-se impossível i<strong>de</strong>ntificá-la nos materiais preserva<strong>do</strong>s.4.4. História, filosofia e conceitos científicosPrimeiramente, ao examinar a história da Coleção Huttoniana <strong>de</strong> Fósseis e Mineraisrevela-se a importância <strong>do</strong>s escritos feitos pelo próprio Hutton. Dessa forma percebe-seo mo<strong>do</strong> como as amostras <strong>de</strong> mão serviram para construir uma teoria. Ao mesmo <strong>tempo</strong>,problemas meto<strong>do</strong>lógicos relativos à representativida<strong>de</strong> e seleção <strong>de</strong> espécimes po<strong>de</strong>mser discuti<strong>do</strong>s com os alunos. Em segun<strong>do</strong> lugar, os limites <strong>de</strong> estu<strong>do</strong>s feitosexclusivamente sobre amostras <strong>de</strong> mão po<strong>de</strong>m ser compara<strong>do</strong>s com as explicaçõesobtidas pelo próprio Hutton a partir <strong>de</strong> suas viagens <strong>de</strong> <strong>campo</strong> (Theory of the Earth,volume 3, 1899): Hutton encontrou evidências da origem <strong>do</strong>s granitos e basaltos mas13


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000necessitou <strong>de</strong> provas; estas foram obtidas no <strong>campo</strong> (em ambos os casos Hutton foicriativo e inova<strong>do</strong>r, mas no segun<strong>do</strong> ele estava empregan<strong>do</strong> um novo mo<strong>do</strong> <strong>de</strong> trabalharque estava se tornan<strong>do</strong> comum entre os naturalistas <strong>de</strong> sua época). Além disso, a origem<strong>de</strong> calcários e mármores mostra que o conhecimento científico, normalmente visto comoracional e objetivo, também conduz a dúvidas e erros (aspecto geralmente poucoenfatiza<strong>do</strong> pela História da Geologia veiculada pelos livros didáticos relativa a JamesHutton).Muitos aspectos meto<strong>do</strong>lógicos foram trata<strong>do</strong>s por meio <strong>de</strong>ssas questões e tópicos. Osvínculos entre da<strong>do</strong>s empíricos e teorias científicas foram revela<strong>do</strong>s em termos <strong>de</strong> suamútua <strong>de</strong>pendência, problemas históricos relaciona<strong>do</strong>s ao <strong>de</strong>senvolvimento técnico <strong>do</strong>sinstrumentos <strong>de</strong> coleta <strong>de</strong> da<strong>do</strong>s (tema tipicamente tecnológico) po<strong>de</strong>m ser trata<strong>do</strong>s,facilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> obter da<strong>do</strong>s através <strong>de</strong> escavações (abertura <strong>de</strong> novas estradas, canais,represas, etc.) acham-se articula<strong>do</strong>s ao avanço <strong>do</strong>s estu<strong>do</strong>s sobre a Terra. Todas asnoções conduzem a compreen<strong>de</strong>r os limites técnicos <strong>do</strong> conhecimento científico, ouseja, a história da ciência adquire papel fundamental para analisar o trabalho <strong>de</strong> <strong>campo</strong>que os alunos <strong>de</strong>vem realizar.Os elementos menciona<strong>do</strong>s logo acima são apenas internos ao exame da história dacoleção <strong>de</strong> Hutton. Tornam-se relativos ao fazer <strong>do</strong> cientista quan<strong>do</strong> sãocontextualiza<strong>do</strong>s em seu lugar e sua época. Mas, ainda assim, revela-se somente algunsaspectos <strong>do</strong> caráter <strong>do</strong>s cientistas e <strong>de</strong> seus sentimentos.A história da coleção expõe, ainda, uma luta por postos acadêmicos e prestígio social.Mostra como acham-se imbricadas as paixões e as estratégias <strong>do</strong>s seres humanosquan<strong>do</strong> tomamos o cotidiano repleto <strong>de</strong> me<strong>do</strong> e <strong>de</strong>safios. As vonta<strong>de</strong>s individuaisajudam a explicar, pelo menos em alguma medida, os motivos que conduziram à tristeperda da coleção. Contu<strong>do</strong> esses também foram os motivos e meios <strong>de</strong> conduzir eavançar pesquisas e estu<strong>do</strong>s; lutas, paixões e avanço <strong>do</strong> conhecimento acham-se bemilustra<strong>do</strong>s por meio <strong>do</strong> exemplo da coleção <strong>de</strong> fósseis e minerais <strong>de</strong> Hutton.Certamente esse aspecto da pesquisa, realizada por renoma<strong>do</strong>s cientistas, revela o la<strong>do</strong>humano <strong>do</strong> fazer ciência. A disputa entre netunistas e plutonistas, muitas vezes saudadacomo uma marca só positiva da mo<strong>de</strong>rna ciência geológica, necessita ser conhecidacomo uma controvérsia <strong>de</strong> idéias reais, <strong>de</strong>fendidas por homens genuínos que usarammúltiplos mecanismos para tentar conduzir o conflito a seu favor.O que procuramos enfatizar é exatamente as múltiplas dimensões da construçãocientífica. A<strong>do</strong>tamos isso como uma forma relevante <strong>de</strong> conduzir os alunos ao realismocientífico e, <strong>de</strong>sse mo<strong>do</strong>, chaman<strong>do</strong> atenção para a existência <strong>de</strong> escolas <strong>de</strong> pensamentoe para os limites <strong>do</strong> próprio conhecimento científico <strong>de</strong> certa época.5. Avaliação da disciplinaJohnson et al. (2009) constrói um conjunto <strong>de</strong> indica<strong>do</strong>res para examinar a eficiência <strong>do</strong>ensino <strong>de</strong> Ciências. Tratam-se <strong>de</strong> elementos particularmente interessantes porqueexaminam a interação entre professores e alunos, incluem certa maturida<strong>de</strong> da ativida<strong>de</strong>realizada ao propor níveis diferentes <strong>de</strong> intercâmbio entre alunos e professores.Esta forma <strong>de</strong> <strong>de</strong>screver a qualida<strong>de</strong> da aula ou <strong>de</strong> grupos <strong>de</strong> aulas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong>observação que po<strong>de</strong> ser feita pelo próprio professor ou por um observa<strong>do</strong>r externo.14


Simpósio Latino-Americano da International Organization for Science and Technology Education fev.2000Dessa maneira, forma-se uma apreciação qualitativa que ajuda a aperfeiçoar o trabalho<strong>do</strong> professor.Cinco níveis foram indica<strong>do</strong>s. No nível 1, Instrução ineficiente, Há pouca evidência <strong>do</strong>pensamento ou engajamento <strong>do</strong> estudante com i<strong>de</strong>ias importantes da aula, aaprendizagem é passiva e ativida<strong>de</strong>s práticas feitas sem motivo. No nível 2, Elementos<strong>de</strong> instrução efetiva, existem sérios problemas no <strong>de</strong>sign, na implementação, conteú<strong>do</strong>;a aula contém alguns elementos <strong>de</strong> prática efetiva, mas é muito limitada. No nível 3,Inician<strong>do</strong> os estágios <strong>de</strong> instrução efetiva, há elementos <strong>de</strong> prática efetiva, estudantessão engaja<strong>do</strong>s em trabalhos significativos algumas vezes; a aula po<strong>de</strong> ser ina<strong>de</strong>quada<strong>de</strong>vi<strong>do</strong> às necessida<strong>de</strong>s ou ao número <strong>de</strong> estudantes; a instrução é limitada para que osalunos compreendam a disciplina, ou possam <strong>de</strong>senvolver bem suas capacida<strong>de</strong>s. Nonível 4, Instrução efetiva, existe uma proposta clara que engaja os alunos; estudantesparticipam ativamente <strong>de</strong> trabalhos significativos, p.ex. investigações, apresentações <strong>do</strong>professor, discussões com professor e colegas, leituras; a aula é bem esquematizada, oconteú<strong>do</strong> e a pedagogia são adapta<strong>do</strong>s às necessida<strong>de</strong>s <strong>do</strong>s alunos; muitos estudantescompreen<strong>de</strong>m a disciplina e <strong>de</strong>senvolvem suas capacida<strong>de</strong>s. No nível 5, Instruçãoexemplar, to<strong>do</strong>s os estudantes são altamente engaja<strong>do</strong>s to<strong>do</strong> o <strong>tempo</strong> e o trabalho ésignificativo; a aula é bem planejada e criativamente implementada <strong>de</strong> acor<strong>do</strong> comnecessida<strong>de</strong>s e interesses <strong>do</strong>s alunos.Tomamos como variável essencial a participação <strong>do</strong>s alunos nas ativida<strong>de</strong>s que foramprogramadas. Seu envolvimento foi entusiasma<strong>do</strong>, trouxe sugestões e participação nasaulas e planejamento da disciplina. Diante <strong>do</strong> quadro, consi<strong>de</strong>ramos que a maior parte<strong>do</strong> <strong>tempo</strong> a disciplina atingiu a instrução efetiva.É preciso assinalar uma importante limitação. O grupo <strong>de</strong> alunos possuía um conjunto<strong>de</strong> características particulares e muito diferentes das turmas seguintes. Isso ajuda aenten<strong>de</strong>r o engajamento intenso <strong>de</strong>sse grupo.Referências bibliográficasAMARAL, Ivan A. <strong>do</strong>. Em busca da planetização: <strong>do</strong> ensino <strong>de</strong> ciências para educação ambiental.Campinas: 1995. Tese <strong>de</strong> Doutora<strong>do</strong>. Faculda<strong>de</strong> <strong>de</strong> Educação, UNICAMP. 2 v., 650 p.CHAMBERLIM, Thomas C. The method of multiple working hypotheses. Jour. Geol., p. 837-844,1897.DEAN, Dennis R. James Hutton and the history of geology. Ithaca: Cornell University Press, 1992.303p.EARTH SCIENCE CURRICULUM PROJECT. Investigan<strong>do</strong> a Terra: guia <strong>do</strong> professor. São Paulo:McGraw Hill <strong>do</strong> Brasil, 1980. v. 1.FRODEMAN, Robert. Geological reasoning: geology as an interpretative and historical science. GSABulletin, v. 107, n. 8, p. 960-968, Aug. 1995.GILBERT, Grove Karl. Inculcation of scientific method by example. Am. Jour. 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