Página 12ENTREVISTAinfoJosé Joaquim Ribeiro Moreira da Silva, engenheiro florestalPaís em chamasCom 43 anos de vida dedica<strong>dos</strong> ao sector florestal,Moreira da Silva já foi várias vezes homenageado. Amais marcante talvez tenha sido a homenagempromovida pelo Colégio Florestal da OEJosé Joaquim Ribeiro Moreira da Silva, nascido em Massarelos,a 10 de Dezembro de 1923, dedicou 43 anos da vida ao sectorflorestal público português. Ao longo destes anos adquiriuuma rica cultura da floresta e a realização profissional consequente.Mas hoje o panorama é diferente. Preocupado e desapontado,observa, já retirado desse meio, a falta de gestão florestal,de organização de meios humanos e de estruturas decombate aos incêndios. A paisagem florestal e o grau de protecçãocivil alteraram-se, o que exige uma mudança nas medidaspolíticas que têm sido prometidas, mas que para já nãotêm passado disso mesmo.De facto, o engenheiro florestal – designação profissional quesubstituiu o engenheiro silvicultor – assiste ao país em chamase recorda o que poderia ter sido feito: “Por volta de 1960 integreiuma equipa que alertou o governo e os serviços florestaispara o perigo <strong>dos</strong> incêndios nas florestas e indicávamos soluçõese políticas. Só agora é que há a primeira tentativa com acriação das zonas de intervenção florestal. Quando a Forestis –Associação Florestal do <strong>Norte</strong> e Centro foi fundada, lançámosa ideia da Gestão e Defesa Florestal Conjuntas”. Nada temsido feito porque “não há aliciantes políticos. São medidasimpopulares, pois só há resulta<strong>dos</strong> passa<strong>dos</strong> 10 ou 20 anos enão há nenhum governo com quatro anos de vida que se arrisquea fazer isso. As medidas de prevenção não são feitas de
info ENTREVISTAPágina 13Texto de Ana Ferreira • Fotos de Alfredo Pintoum ano para o outro, podem ser realizadas para 10 anos”.Para o engenheiro a gestão de floresta assenta em três pilaresfundamentais: “Competência, o que obriga a outro pilar importanteque é a área. Não é possível gerir uma floresta com dois,cinco ou 20 hectares. São precisos milhares de hectares, maspara isso é preciso a junção da gestão das propriedades, masquem é que se atreve a fazer isso politicamente? Pode haveraliciantes fiscais, mas é preciso dinheiro. O terceiro ponto é oprofissionalismo. O rescaldo devia ser obrigatório, pois é umcrime deixar reacender um fogo. Quando estava nos ServiçosFlorestais, ficava de 50 em 50 metros um homem após termosapagado o fogo à noite, porque sabíamos que às 3h30 ou 4horas da madrugada mudava o vento e ele reacendia”.O grave problema do combate aos incêndios florestais, na suaopinião, surgiu em 1980, quando os serviços florestais deixaramde ser os responsáveis pelos combates e não se transmitiuo know-how aos bombeiros. Exemplificando, observa:“Outro dia vi na televisão os bombeiros a combater um fogopela frente, no sítio mais perigoso que há, pois surgem gasesletais. No meu tempo, quando éramos responsáveis pelo combateaos incêndios, estava sempre presente um técnico de diae de noite. Chegava a ser chamado durante a noite para substituirum colega que estava cansado”.Compreende, porém, as dificuldades em travar este flagelo queconsome as áreas florestais portuguesas, especialmente noVerão, mas o que é fundamental é criar quanto antes condiçõesespeciais. “Se os incêndios atingem determinado volume e seforem puxa<strong>dos</strong> a vento não há nada a fazer, a única hipótese éevitar que se propague. E isso passa por aquilo que defendo háalguns anos e que passa, por exemplo, pela compartimentaçãoda floresta e pela utilização de fogos controla<strong>dos</strong>”.Além disso, e num ponto de vista mais utópico, defende quese deve “pensar a sério na mudança da floresta. As pessoasque plantam um carvalho só podem ver benefícios dali a 150anos. Como ninguém dura 150 anos, ninguém planta carvalhos.Era preciso haver a possibilidade de emprestar dinheiro alongo prazo às pessoas para plantar uma floresta, que só seriacobrado na altura do corte. E nós tínhamos obrigação de ajudar,visto a floresta a nós também nos interessar”.Além destas observações, o engenheiro florestal acrescentamais dois problemas ao flagelo <strong>dos</strong> incêndios: “A desertificação,pois o mato deixou de ser cortado. Uma vez calculei coma ajuda de um colega matemático qual o combustível existenteem mil hectares de floresta suja. Tinha mais energia acumuladado que a libertada pela bomba atómica de Hiroshima.Outro problema é a limitada fiscalização das queimadas. Ouas pessoas se consciencializam que fazer queimadas fora dotempo é um crime contra a nação e denunciam ou então surgemos incêndios”.Moreira da Silva foi em 1992 um <strong>dos</strong> fundadores daForestis - Associação Florestal do <strong>Norte</strong> e Centro, tendoassumido a presidência desde esse ano até 1998Educação e formação florestalPara Moreira da Silva ainda não há em Portugal um forte respeitopelas leis de defesa do ambiente e a consciência de queé necessário aproveitar e gerir os recursos da floresta para finseconómicos ou recreativos. Na sua opinião este comportamentoderiva do facto de os “portugueses não poderem tereducação ambiental se não têm educação cívica”. Situaçãoque já vem de há muitos anos e está relacionada com o analfabetismo.“Estas gerações de agora têm dificuldades porquenão têm alicerces. Um aluno que está a estudar ambiente naescola primária e que tem preocupações sobre esse aspecto,deixa de estar enquadrado quando chega a casa e a mãe nãofecha a torneira e as luzes ficam acesas. O que é preciso é umgrande esforço persiste na educação das crianças”.