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Wachowski e os anos 90 Antes de Matrix, as irmãs Wachowski precisavam provar seu valor como diretoras para que pudessem assumir o comando do script que haviam assinado. Embora tenham desmentido que o produtor Joel Silver tenha algo a ver com isso, teria sido através da sugestão dele que elas perseguiriam a chance de assinar Ligadas pelo Desejo (1996), um drama com pegada policialesca, com protagonistas femininas envolvidas em um romance. Dizse, inclusive, que a temática lésbica afastou atrizes que pudessem se interessar em estrelar a história. Melhor para Jennifer Tilly e Gina Gershon, que encarnaram a dupla Cocky e Violet, duas mulheres que planejam roubar o dinheiro de um poderoso mafioso e deixar a culpa para Caesar (Joe Pantoliano), o namorado abusivo de Violet. O filme colocou definitivamente as irmãs Wachowski no radar, com prêmios no National Board of Review, no Festival de Estocolmo, no Fantasporto e indicações ao Saturn e ao Independent Spirit Awards. Não fosse o bom resultado desta obra, pouco provável que veríamos Matrix nos cinemas – não, ao menos, do jeito que o conhecemos. Morpheus, a Nabucodonosor, e nos próprios trajes dos personagens. Quem já conferiu os desenhos conceituais da produção, lançados em livros específicos do filme, encontra ainda mais referências a estes conceitos norteadores. Como qualquer boa ficção científica que se preze, a história contada pelas irmãs Wachowski, por mais fantástica que possa soar, ganha peso por nos colocar em um universo palpável. O pesadelo da humanidade e temática usada em diversas tramas de sci-fi é o poderio das máquinas sobre os humanos. Entendemos as nossas fraquezas e sabemos que em um mundo cada vez mais tecnológico e com potencial para avanços em inteligência artificial, a realidade apresentada por Matrix não é tão inconcebível. Por colocar o espectador a pensar sobre um futuro sombrio e de como nossas escolhas influenciam no porvir, o longa-metragem já ganha muitos pontos. Não são poucos os que pesam se tomariam a pílula azul (se mantendo na Matrix) ou a pílula vermelha (que liberta do mundo simulacro). A realidade não é nada glamorosa, como constatamos. Filmado na Austrália, Matrix contou com um elenco enxuto e muito bem treinado pelo diretor e coreógrafo de artes marciais Yuen Woo-ping. Ele relutou, aceitando o cargo apenas sob a condição de que tivesse, ao menos, quatro meses para treinar com os atores. Assim foi realizado e o resultado é visto na tela. Se Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss e Hugo Weaving mostram com tranquilidade os intrincados golpes de seus personagens, tudo isso é graças ao intenso trabalho feito por Woo-ping. Há tempos um filme de Hollywood não apresentava cenas de luta tão bem coreografadas e visualmente interessantes quanto nesta produção das Wachowski. Isso, atrelado aos incríveis efeitos visuais, coloca Matrix em um outro patamar 82 A L M A N A Q U E 2 1 - H O L L Y W O O D 9 0
cinematográfico. O hoje copiadíssimo bullet time, em que vemos em 360 graus Neo escapar dos disparos de bala do agente Smith, foi apenas uma das impressionantes invencionices da equipe das cineastas. Outro acerto tremendo é a separação entre o mundo real e a Matrix através da fotografia. Enquanto estamos dentro do mundo simulado, as cores sempre puxam para o verde. Enquanto isso, quando estamos fora do sistema, o azul é mais utilizado. Uma ótima forma de fazer com que o espectador se situe, mas também criando um visual único ao longa-metragem. Quanto ao elenco, o trio principal impressiona pela preparação física e convence dramaticamente. Keanu Reeves nunca foi uma unanimidade no que tange seu talento interpretativo, mas como Neo, o ator parece bastante confortável, muito focado em seu trabalho. Para construir este personagem, era necessário um misto de incerteza e ingenuidade, que dariam lugar para a autoconfiança que seria conquistada com o passar do tempo. Reeves acerta estas notas muito bem. Fishburne, por sua vez, recebe o papel de mentor, um homem de fé inabalável e certezas gravadas em pedra. Sua visão de mundo é suficiente para conquistar seus comandados, nos convencendo ao mesmo tempo de que o movimento correto é segui-lo. Enquanto isso, Moss faz muito mais do que apenas o interesse amoroso do protagonista, servindo como parceira de batalhas e uma espécie de submentora. Quem realmente se beneficiou com a participação neste filme, no entanto, foi Hugo Weaving. Trabalhando muito bem seu padrão de fala, como se sempre calculasse minuciosamente cada palavra proferida, o agente Smith tem total desprezo pela raça humana e sente-se enojado pelo contato com esta “praga”. Ator talentoso, Weaving aproveitou bem seu estrelato e conquistou espaço em grandes franquias como O Senhor dos Anéis e Capitão América, além de ter feito o personagem principal em V de Vingança (2005). Filosófico, tecnológico e com condução impecável, Matrix é um dos grandes filmes de ficção científica de todos os tempos. Embora tenha ganhado duas continuações muito abaixo do esperado, elas não conseguiram manchar a imagem do longa original, uma produção que retrabalha diversos conceitos interessantes entregando um produto final criativo e, até hoje, muito influente. MATRIX (The Matrix) EUA – 136 min – Ficção Científica/Ação Direção e Roteiro: Lana e Lilly Wachowski Com Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie- Anne Moss, John Pantoliano, Hugo Weaving, Gloria Foster, Marcus Chong Estreia EUA: 31 de março de 1999 Estreia BRA: 21 de maio de 1999 Orçamento: US$ 63 milhões Bilheteria USA: US$ 171 milhões Bilheteria Total: US$ 463 milhões Disponível em DVD e Blu-ray pela Warner Bros. Prêmios: Vencedor de 4 Oscar: Melhor Montagem, Som, Efeitos Sonoros e Efeitos Visuais; Vencedor de 2 BAFTA: Melhor Som e Efeitos Visuais; Indicado a mais 3 BAFTA: Melhor Fotografia, Desenho de Produção e Montagem; National Film Preservation Boad, 2012; Indicado ao Producers Guild Awards. A L M A N A Q U E 2 1 - H O L L Y W O O D 9 0 83
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