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Revista Visão - Edição #107 (Maio/2015)

Graduação x Vagas: O mercado de trabalho regional está preparado para receber tantos formados? Entrevista: Conheça a história do professor e palestrante Érico Paes de Campos Festa do Pinhão: Saiba mais sobre os shows e atrações da 27ª edição do evento Voluntariado: Erci Luduvichack já viabilizou cerca de 300 cadeiras de rodas para os necessitados

Graduação x Vagas: O mercado de trabalho regional está preparado para receber tantos formados?
Entrevista: Conheça a história do professor e palestrante Érico Paes de Campos
Festa do Pinhão: Saiba mais sobre os shows e atrações da 27ª edição do evento
Voluntariado: Erci Luduvichack já viabilizou cerca de 300 cadeiras de rodas para os necessitados

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revista visão mai. 15<br />

Acho que foi um presente que a vida me<br />

deu. Eu não nasci professor. Mas tive a<br />

experiência e me encontrei quando tive a<br />

oportunidade. E quando isso aconteceu,<br />

fui me preparar e estudar com afinco para<br />

ser um bom professor. Ninguém nasce<br />

professor, assim como ninguém nasce<br />

médico ou jornalista. As pessoas estudam<br />

e se preparam muito para se tornar aquilo<br />

que querem. Comigo, inclusive, quando eu<br />

estava em contato com aqueles jovens, eu<br />

me lembrava de quando também fui aluno.<br />

Eu queria oferecer a eles talvez aquilo<br />

que me faltou na vida enquanto aluno e<br />

estudante: carinho, atenção, respeito, afeto.<br />

Quando aluno, eu sofri muito do que hoje<br />

chamam modernamente de bullying, um<br />

tipo de violência que deixa muitas marcas<br />

na personalidade.<br />

Em função do que você sofria de<br />

bullying?<br />

Caçoavam e riam de mim desde pequeno<br />

talvez por ser uma criança e jovem apontado<br />

pelos outros com uma orientação afetiva<br />

diferente dos demais. Na época eu nem<br />

tinha ideia de quem eu era sexualmente<br />

falando ou do que seria quando fosse<br />

adulto. Mas os colegas caçoavam muito do<br />

meu jeito de falar, de me comportar... Riam<br />

e faziam piadas... Isso me fez muito mal,<br />

principalmente para minha autoestima. Eu<br />

me achava feio, incapaz, não gostava de<br />

mim mesmo. Quem hoje me conhece e me<br />

vê bem encontrado como professor, comunicativo<br />

e firme naquilo que acredita e faz,<br />

nem imagina que até os meus 18 anos eu<br />

me via e me sentia como a pessoa mais feia<br />

e sem graça do planeta. Isso tudo era fruto<br />

do bullying que eu sofria diariamente. Isso<br />

faz muito mal às pessoas. E me deixou<br />

marcas, que felizmente superei.<br />

Por isso você se aprofundou profissionalmente<br />

e como professor neste tema,<br />

o bullying escolar?<br />

Com certeza. No meu trabalho como professor<br />

eu sempre gostei de lidar com questões<br />

relacionadas à afetividade, saber quem<br />

é você, saber quem é sua família, como você<br />

se vê no grupo e como percebe que o<br />

grupo te vê, a autoestima, etc. Foi quando<br />

descobri que a Uniplac estava oferecendo<br />

um curso de extensão de como enfrentar<br />

o bullying na escola. Estudei e li muito a<br />

respeito, me aprofundei. Lembro ainda da<br />

frase de abertura daquele curso, do Jean<br />

Paul Sartre, que dizia: “Não importa o que<br />

fizeram de mim. O que importa é o que eu<br />

faço com aquilo que fizeram de mim”.<br />

O curso não serviu para você superar<br />

os próprios traumas?<br />

Sim. No começo, admito, o curso sobre<br />

bullying foi para conhecer melhor e apagar<br />

alguns fantasmas do meu próprio passado,<br />

coisas negativas que eu tinha vivido<br />

na escola. E depois também porque eu<br />

queria trabalhar nas escolas sobre aquele<br />

tema. De fato, a partir daquela extensão<br />

acabei dando palestras e falando sobre o<br />

assunto em todas as escolas da rede municipal<br />

de Lages. E me tornei, digamos assim,<br />

uma referência no assunto.<br />

A homossexualidade continua sendo o<br />

grande motivo das pessoas praticarem<br />

bullying?<br />

Não só isso. Tem o gordinho, o baixinho, o<br />

sujo, o desajeitado, o negrinho, o malvestido.<br />

Tudo o que for diferente é motivo para<br />

piadas e gozação dos colegas, infelizmente.<br />

Isso mexe muito com a autoestima das<br />

crianças e com sua percepção de mundo.<br />

Aqui em Lages, inclusive, no âmbito das<br />

escolas, há um outro tipo de bullying: o<br />

bairro em que eu vivo. As pessoas são classificadas<br />

e rotuladas a partir do bairro onde<br />

moram. Dentro de um mesmo bairro, inclusive,<br />

há diferenças. Eu trabalhei numa escola<br />

do bairro Santa Helena. Lá tinha o beco,<br />

a taipa e a lomba, três lugares diferentes<br />

dentro do mesmo bairro que são motivos<br />

para bullying. Quem mora no beco quer<br />

matar quem é da taipa. E vice-versa. Se<br />

você mora num bairro onde vivem pessoas<br />

mais humildes, é motivo suficiente para que<br />

sofra de bullying, infelizmente.<br />

Que tipo de consequências podem resultar<br />

para quem sofreu de bullying?<br />

Há pessoas que não ultrapassam a barreira<br />

da sua autoestima. Ou seja, se sentem incapazes,<br />

impotentes, ficam tímidos e imaturos<br />

para o resto da vida e não superam esse<br />

trauma. Certo dia, fazendo uma palestra<br />

sobre o tema, uma aluna se levantou e me<br />

disse: “Professor Érico, não aguento mais<br />

ser chamada todo dia de cabelo de Assolan”.<br />

No mesmo ato, uma professora negra,<br />

com mais de 40 anos, levantou a mão e<br />

disse o seguinte: “Eu chorei ouvindo isso.<br />

Na minha época, na escola que eu estudava,<br />

eu era chamada de cabelo de Bombril.<br />

E até hoje, mesmo que bata o carteiro na<br />

porta da minha casa, eu não saio para fora<br />

se eu não amarrar o meu cabelo”. Ou seja,<br />

isso deixa marcas muito negativas e profundas<br />

na personalidade das pessoas.<br />

Em que momento você superou esse<br />

bullying?<br />

Acredito que foi quando eu tive a força e a<br />

coragem de sair de casa e de Lages, ir para<br />

Balneário Camboriú, uma cidade que considero<br />

bastante liberal e tolerante com essas<br />

questões. E depois o trabalho na hotelaria.<br />

Lá as pessoas, os clientes e meus superiores,<br />

não davam a mínima para minha vida<br />

pessoal, o jeito que eu falava ou me expressava.<br />

Lá eles viam e elogiavam o Érico pelo<br />

lado profissional, era isso que importava,<br />

se eu os atendia bem, se resolvia seus problemas,<br />

se era eficiente, criativo, atencioso.<br />

Comecei a ver que meus medos não eram<br />

nada perto do que eu era e sou capaz. Assim<br />

fui me superando. E deixando de lado<br />

os rótulos que me davam ou me dão. Hoje<br />

sou uma pessoa muito bem resolvida: um<br />

apaixonado por seres humanos, sejam eles<br />

homens, mulheres, crianças, negros, brancos,<br />

pobres ou ricos. Procuro ver em todos<br />

as suas qualidades e valores.<br />

O que fazer com um aluno que esteja<br />

praticando bullying com um colega?<br />

Que atitudes tomar?<br />

Numa definição simples e curta, bullying<br />

é tudo o que é repetitivo (uma, duas, três<br />

ou dezenas de vezes), intencional (a pessoa<br />

que faz tem consciência que está buscando<br />

diminuir o outro) e negativo. Para coibir e<br />

lidar com o bullying, hoje existem diversos<br />

mecanismos, inclusive legais. As escolas não<br />

podem e não devem deixar que isso aconteça.<br />

E devem trabalhar com os alunos o<br />

tema.<br />

E quando você nota alguma atitude<br />

que denota bullying no âmbito da escola,<br />

o que faz?<br />

Paro a aula imediatamente. E chamo as<br />

partes para conversar. Tem vezes que faço<br />

isso inclusive na frente de toda turma.<br />

Um belo dia, enquanto escrevia no quadro,<br />

notei que alguns alunos comentavam pejorativamente<br />

sobre o ator que fez o papel<br />

de Harry Potter, dizendo que o menino era<br />

gay. Virei-me e sugeri expor a questão para<br />

toda a sala de aula. Aí fiz várias perguntas<br />

para eles: se o fato do menino ser ou não<br />

gay atrapalhava sua performance enquan-

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